ISSN 1514-3465
Prevalência de agressividade e nível de atividade física de mulheres
privadas de liberdade. Um estudo em presídio do semiárido baiano
Prevalence of Aggression and Level of Physical Activity of
Women Deprived of Liberty. A Study in Semi-Arid Bahian Prison
Prevalencia de agresividad y nivel de actividad física en mujeres
privadas de libertad. Un estudio en una prisión en la región semiárida de Bahía
Aline Neves da Silva
*alineneves.dasilva@hotmail.com
https://lattes.cnpq.br/7524134409914188Amanda Alves dos Santos
*amanda.alves135@hotmail.com
https://lattes.cnpq.br/9274430550470897Daniela Freitas de Souza
*dany.freitas.souza@hotmail.com
https://lattes.cnpq.br/9107967430368436Jessica Santos Passos Costa
**jspcosta@uefs.br
https://lattes.cnpq.br/6609343835821547Patrícia Soares Epifania
***patisoarezbgb@gmail.com
http://lattes.cnpq.br/2507123070065594
*Graduada em Educação Física
pelo Centro Universitário Nobre (UNIFAN)
**Autor correspondente
Licenciada em Educação Física
Universidade Estadual de Feira de Santana
Doutora em Saúde Coletiva
pela Universidade Estadual de Feira de Santana
Professora do Departamento de Saúde
da Universidade Estadual de Feira de Santana
Professora do Centro Universitário Nobre (UNIFAN)
***Enfermeira do Hospital Professor Eládio Lasserre, Salvador, BA
Centro Universitário da Faculdade
de Tecnologia e Ciências de Feira de Santana (UNEX), Bahia
(Brasil)
Recepción: 25/10/2023 - Aceptación: 12/05/2024
1ª Revisión: 30/03/2024 - 2ª Revisión: 12/05/2024
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Cita sugerida
: Silva, A.M. da, Santos, A.A. dos, Souza, D.F. de, Costa, J.S.P., e Epifania, P.S. (2024). Prevalência de agressividade e nível de atividade física de mulheres privadas de liberdade. Um estudo em presídio do semiárido baiano. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(318), 83-95. https://doi.org/10.46642/efd.v29i318.7291
Resumo
Objetivo: Descrever a prevalência de agressividade e nível de atividade física (AF) de mulheres privadas de liberdade, em presídio do semiárido baiano. Métodos: Estudo de prevalência, descritivo, quantitativa, em presídio regional do semiárido baiano. Coletaram-se informações, aleatoriamente, de 65 mulheres, por meio dos registros dos prontuários e históricos de saúde. Levantaram-se dados sociodemográficos, e a prevalência da agressividade foi categorizada, baseando-se em critérios internos (comportamento diário, brigas e indisciplina). O nível de atividade física foi verificado por meio do Internacional Physical Activity Questionnaire (IPAQ), os dados de AF foram descritos pelos profissionais de saúde baseados na rotina de banho de sol e na área de convivência em comum. Resultados: Da amostra, 70,8% possuíam idade média de 31 anos, 91,8% não brancas, 59,7% tinham companheiro fixo. A maioria estudou até o fundamental II. A prevalência de agressividade foi de 67%, classificadas como irregularmente ativas. Conclusão: O perfil socioeconômico foi de detentas jovens, não brancas e com baixa escolaridade e elevada prevalência de agressividade. Observou-se que o confinamento apresenta oportunidade para implementação da prática de atividade física como contribuinte para redução de comportamentos agressivos.
Unitermos:
Prisões. Mulher. Agressão. Estilo de vida.
Abstract
Objective: To describe the prevalence of aggression and level of physical activity (PA) among women deprived of liberty in a prison in the semi-arid region of Bahia. Methods: This is a descriptive, quantitative prevalence study in a regional prison in the semi-arid region of Bahia. Information was collected randomly from 65 women through medical records and health histories. Sociodemographic data was collected and the prevalence of aggression was categorized based on internal criteria (daily behavior, fights and indiscipline) The level of physical activity was verified using the International Physical Activity Questionnaire (IPAQ), the PA data were described by health professionals based on the sunbathing routine and the common living area. Results: Of the sample, 70.8% had an average age of 31 years, 91.8% were non-white, 59.7% had a steady partner. Most studied until elementary school II. The prevalence of aggression was 67%. They were classified as irregularly active. Conclusion: The socioeconomic profile was that of young, non-white inmates with low education and a high prevalence of aggression, and confinement presents an opportunity to implement the practice of physical activity as a contributor to reducing aggressive behaviors.
Keywords:
Prisons. Women. Aggression. Life style.
Resumen
Objetivo: Describir la prevalencia de agresión y el nivel de actividad física (AF) entre mujeres privadas de libertad, en una prisión de la región semiárida de Bahía. Métodos: Estudio descriptivo y cuantitativo de prevalencia en una cárcel regional del semiárido de Bahía. Se recopiló información de forma aleatoria de 65 mujeres a través de historias clínicas e historias clínicas. Se recogieron datos sociodemográficos y se categorizó la prevalencia de agresividad, según criterios internos (comportamiento cotidiano, peleas e indisciplinas). El nivel de actividad física fue verificado mediante el Cuestionario Internacional de Actividad Física (IPAQ), los datos de AF fueron descritos por profesionales de la salud con base en la rutina de baños de sol y el área de convivencia común. Resultados: De la muestra, el 70,8% tenía una edad promedio de 31 años, el 91,8% no eran blancos, el 59,7% tenía pareja estable. La mayoría estudió hasta el segundo nivel de la escuela primaria. La prevalencia de agresividad fue del 67%, catalogada como irregularmente activa. Conclusión: El perfil socioeconómico fue el de reclusas jóvenes, no blancas, con bajo nivel educativo y alta prevalencia de agresión. Se observó que el confinamiento presenta una oportunidad para implementar la actividad física como colaborador para la reducción de conductas agresivas.
Palabras clave
: Prisiones. Mujer. Agresión. Estilo de vida.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 318, Nov. (2024)
Introdução
A prisão é um espaço institucionalizado e designado para pessoas que cometem delitos e, desta forma, são punidas, em maioria, são retiradas da sociedade, entrando nas penitenciárias, e, ao serem "excluídas” da socialização, deixam de viver a vida normalmente e passam a vivenciar outra realidade dentro das celas. No Brasil, observam-se mudanças no perfil de gênero, com taxa crescente da população feminina. Aproximadamente, 37.000 mulheres estão inseridas nesse contexto, totalizando taxa de 118%. (Epifania et al., 2022b; Brasil, 2017)
A maioria das prisões brasileiras possuem problemas infraestruturais que podem contribuir para o agravamento das condições de saúde dessa população. As condições precárias do sistema prisional mostram a gravidade, no que se refere à violação dos direitos humanos. Além disso, foram apontados a carência de atividade física dos presos, escassez de água, alimentação e assistência à saúde. (Silva et al., 2020)
A permanência em cárcere privado contribui para mudanças comportamentais, incluindo alterações de personalidade e agressividade. Por estarem menos ativas, elas possuem maior probabilidade, também, de apresentar outras patologias físicas, bem como transtornos mentais comuns. (Gonçalves et al., 2012)
O comportamento agressivo é frequentemente associado como consequência às infrações institucionais cometidas, embora também possa ser utilizado como estratégia de adaptação disponível à prisão. As prisões sujeitam o comportamento humano, mediante as hierarquias de poder internos, das regras penitenciárias e da rotina prisional, assim, as pessoas em cárcere têm de aceitar as normas e os valores da população prisional como estratégia de sobrevivência. No tocante às mulheres, o presídio pode proporcionar fatores de risco para o comportamento ofensor. Estes fatores podem interferir na autoimagem, na autoestima e na agressividade. (Lermen et al., 2015)
A Política Nacional de Atenção às Mulheres em Situação de Privação de Liberdade propõe que as mulheres encarceradas tenham direito ao cuidado humanizado, à saúde, à maternidade, dentre outros. Mas, o que os estudos apontam, na prática, é não há efetividade do cumprimento da política. (Camplain et al., 2022)
Ao considerar essas questões, pondera-se a redução da prevalência de agressividade entre mulheres, aliados a outros fatores, como a prática de Atividade Física (AF) como importantes atenuadores. Os benefícios da AF em mulheres privadas de liberdade são capazes de proporcionar a redução da ansiedade, do estresse, da depressão, perda de peso, controle do comportamento agressivo, dentre outros. (Gonçalves et al., 2012; Canedo et al., 2013)
A prática de AF é garantida por lei como integrante da Política de Ressocialização do Sistema Penitenciário, por ser fundamental para o exercício de cidadania, e que deve ser orientada por um habilitado Profissional de Educação Física (PEF). Embora seja assegurada em lei e em estudos científicos, a AF ainda é negligenciada dentro dos sistemas penitenciários (Gonçalves et al., 2012; Canedo et al., 2013; Pardini et al., 1997; Epifania et al., 2022b, Costa et al., 2024). Tendo em vista a incipiência específica dessa temática atualizada e ponderando a literatura posta nesta pesquisa, objetivou-se descrever a prevalência de agressividade e nível de atividade física de mulheres privadas de liberdade de um presídio do semiárido baiano.
Metodologia
Trata-se de estudo de prevalência de natureza descritiva e exploratória, com abordagem quantitativa, em presídio regional do semiárido baiano. Este estudo é um recorte do projeto intitulado “Principais Doenças em Pessoas Privadas de Liberdade: estudo descritivo sobre assistência de enfermagem em um presídio regional de uma cidade no interior da Bahia”, aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (CEP) do Instituto Mantenedor e Ensino Superior da Bahia Ltda – ME (CAAE: 12071119.0.0000.5032).
Incluíram-se os prontuários das presidiárias que estavam em regime fechado maior ou igual a cinco anos de detenção. Excluíram-se as gestantes e pessoas em regime semiaberto. Coletaram-se informações, de forma aleatória, de 65 mulheres. Não foram adotados critérios de exclusão. Mais detalhes sobre cálculo amostral podem ser obtidos em outros estudos. (Epifania et al., 2022a; Epifania et al., 2022b)
A coleta de dados foi realizada por meio dos registros dos prontuários e históricos dos presos preenchidos pela equipe de saúde. No presídio lócus do estudo, trabalhavam 30 profissionais da área da saúde, formados por técnicos de enfermagem e de saúde bucal, enfermeiros, dentista, psicólogo e médico.
As variáveis sociodemográficas avaliadas foram as seguintes: idade (<35 anos, ≥35anos), cor da pele (branca, não branca), estado civil (com companheiro, sem companheiro), escolaridade, até fundamental II analfabetos, analfabeto funcional, fundamental I ou II incompletos); ensino médio (completo ou incompleto).
A prevalência da agressividade foi categorizada em sim ou não, esses dados foram obtidos por meio de entrevista com a equipe de saúde e coletados nos prontuários das detentas, baseados em critérios internos, como comportamento diário, histórico de brigas e indisciplinas e as punições devido ao mal comportamento. Os dados de AF foram descritos pelos profissionais de saúde em entrevista e baseados na rotina de banho de sol e na área onde eram realizados, desta maneira, todas foram classificadas em nível “irregularmente ativo”, segundo classificação do nível de atividade física do Internacional Physical Activity Questionnaire (IPAQ), como aquele indivíduo que realiza atividade física, porém insuficiente para ser classificado como ativo, pois não cumpre as recomendações quanto à frequência ou duração. (Augsburger et al., 2022)
Empregaram-se as estatísticas descritivas para caracterizar a amostra, por meio dos cálculos absolutos e relativos, de medidas de tendência central e dispersão (média e desvio padrão), elaboração de tabelas univariadas e gráficos. Calculou-se o coeficiente de prevalência para avaliar, descrever e analisar a ocorrência da agressividade em mulheres privadas de liberdade. A análise de dados foi realizada pelo programa estatístico Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 20.0 e Stata versão 7.0.
Resultados
Da amostra estudada (65 detentas), 70,8% possuíam idade inferior a 35 anos (média 31,16 ± 7,8 anos), 91,8% declararam-se não brancos (indígenas, preto ou pardo), quanto ao estado civil, 59,7% tinham companheiro. No que refere à escolaridade, a maioria (64,6%), possuía nível até o fundamental II (Tabela 1).
Tabela 1. Caracterização das variáveis sociodemográficas de
mulheres em presídio regional do semiárido baiano, 2019 (n=65)
Variáveis |
N % |
Idade (anos) |
|
<
35 anos |
(46)
70,8 |
≥
35 anos |
(19)
29,2 |
Cor da pele |
|
Branca |
(6)
8,2 |
Não
branca |
(59)
91,8 |
Estado Civil |
|
Com
companheiro |
(40)
59,7 |
Sem
companheiro |
(25)
40,3 |
Escolaridade |
|
Até
fundamental II |
(42)
64,6 |
Ensino
Médio |
(23)
35,3 |
Fonte: Dados da autoria
A prevalência de agressividade entre as mulheres privadas de liberdade foi de 67%. Os dados de AF foram estimados baseados na rotina de banho de sol e na área onde eram realizados. Todas as mulheres, de alguma maneira, praticavam alguma AF (normalmente caminhadas em torno do espaço disponibilizado), entretanto, por apresentarem baixa frequência ou duração, a maioria se apresentava como irregularmente ativa. Além disso, em casos de indisciplina, mal comportamento ou agressividade, dentre as punições, estava a perda do banho de sol e, por consequência, da prática de AF.
Discussão
Os achados indicaram que a prevalência de agressividade entre as mulheres encarceradas em presídio do semiárido baiano foi elevada, corroborando muitos resultados na literatura. Além disso, alguns dos resultados sociodemográficos apresentaram semelhanças com outros.
A maior parte das mulheres apresentaram idade inferior a 35 anos. Nos achados atuais da literatura, tem-se observado tendência de encarceramento em indivíduos cada vez mais jovens, incluindo no cenário internacional, como em estudo realizado nos Estados Unidos, o qual evidenciou que a maioria das mulheres (47,5%) em situação de privação de liberdade tinha idade entre 25 e 34 anos. Outro estudo realizado na Europa observou idade média de 34,3 anos, associando a inserção na criminalidade cada vez mais precoce. (Canedo et al., 2013; Oliveira, 2019)
A cor da pele tem se relacionado intimamente com o perfil de criminalização dessas mulheres, tendo em vista que, no Brasil, existem grandes desigualdades sociais, assim, a cor preta e parda está associada a mulheres de baixa renda. No atual estudo, quase todas as mulheres se declararam como não brancas. Ao analisar as características dos indivíduos criminalizados, observam-se cada vez mais pessoas pretas e pobres entrando para o crime, escancarando crise socioeconômica de base estrutural. (Canedo et al., 2013; Oliveira, 2019)
A criminalidade está associada a fatores raciais, aliado a outros fatores sociais, como escassez de investimento em educação, habitação, geração de empregos e assistência social, associada com predisposição de criminalização histórica. Desta forma, algumas famílias, diante das inúmeras dificuldades, reconhecem a criminalidade como forma de mudança de vida, adquirir dinheiro fácil. (Cabral et al., 2021)
Outra característica relevante que se destacou na presente investigação foi a elevada prevalência de mulheres com companheiro fixo. A literatura aponta íntima ligação entre as mulheres e os parceiros. Desta maneira, estas se inserem na criminalidade por conta dos companheiros, seja assumindo o papel de auxílio ao crime nesse contexto, algumas vezes, responsabilizando-se pelo ato ilícito por amor, ou na tentativa de burlar o sistema prisional em visitas íntimas, adentrando com objetos ilícitos escondidos no corpo, nas penitenciárias e acabam sendo presas também. (Oliveira et al., 2012)
Com relação à escolaridade, a maior prevalência foi observada em mulheres que possuíam nível de estudo até o ensino fundamental II. Esse achado foi corroborado por outro estudo, em que a maioria das detentas apresentaram escolaridade média de estudo até o ensino fundamental. Em outro estudo, realizado no Arizona, nos Estados Unidos, evidenciou-se que cerca de 62,6% mulheres não chegaram a concluir o ensino médio. (Canedo et al., 2013; Oliveira et al., 2012)
Assim como a raça/cor, o nível de escolaridade também está relacionado à desigualdade social. Pessoas que possuem baixa renda, frequentemente, precisam evadir a escola para trabalhar e complementar o sustento das famílias, desta maneira, estudar passa a ser secundário nesse cenário de sobrevivência. (Limberger et al., 2019)
Os dados do presente estudo estimou prevalência de agressividade elevada dentre as detentas. A violência está relacionada não somente ao sistema prisional, como também à vida pregressa dessas mulheres, assim, ser oriundo de comunidade de baixa renda, aliado a todos os fatores abordados, torna o convívio com a violência algo banal e cotidiano, normalizando o comportamento agressivo, fato que pode ser observado na pesquisa de Oliveira et al. (2022), o qual relacionavam mulheres de baixa escolaridade associada aos tipos de violência sofridos ao longo da vida, assim, identificou-se prevalência de 57% de violência psicológica, 39,3% de violência física e 18% de violência sexual. Como consequências diretas, encontram-se: gestação indesejada, Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), transtorno de estresse e as consequências a longo período, o que leva a repercutir no aumento da violência contra os próprios filhos. (Mazzini et al., 2023)
O estudo atual apresentou prevalência de 67% de agressividade nas detentas. Este dado pode estar associado tanto a fatores externos quanto internos, como questões pessoais, familiares, desvio de rotina, influência da convivência com outras detentas, abstinência de substâncias ilícitas, influenciando no comportamento agressivo das mesmas e no desenvolvimento de diversos transtornos. (Muramatsu et al., 2001)
Aliado a esses fatores, estudos apontam que as mudanças hormonais em decorrência da Tensão Pré Menstrual (TPM), também, podem impulsionar comportamento mais agressivo, quando comparado a homens. A TPM é uma condição comumente caracterizada pela acentuação dos sintomas físicos e comportamentais durante a fase pré -ovulação (lútea) do ciclo menstrual apresentada em algumas mulheres, evidenciando que as alterações hormonais do ciclo reprodutor da mulher são marcadas por flutuações nos hormônios sexuais (Gigliola et al., 2023). A TPM e as mudanças hormonais contribuem para instabilidade humoral, que podem acarretar aumento da irritabilidade, tristeza, depressão, agressividade, instabilidade emocional, dentre outros. (Santos et al., 2017)
Logo, inserir a atividade física na rotina diária dessas mulheres é uma proposta, com vistas à redução/controle da agressividade, dos conflitos diários, dos comportamentos inadequados, de modo a contribuir juntamente a outros fatores (como o acesso a tratamento médico, a alimentação adequada, dentre outros), para melhorar questões físicas, sociais, psicológicas e emocionais, a fim de ressignificar a vida no ambiente que estão inseridas. Em específico, o cárcere feminino implica problemas ainda mais impactantes, a exemplo da maior estigmatização social e dos altos níveis de problemas de saúde com ênfase no sofrimento mental. (Gois et al., 2012)
Desse modo, o ambiente carcerário se caracteriza como local não propício a suprir a necessidade de relacionamento, pois a atmosfera gira em torno de fatores como opressão, desconfiança e temor, dificultando o ajustamento emocional dessas mulheres, portanto, a ausência da atividade física pode potencializar esses fatores predisponentes. (Moraes et al., 2014)
Observou-se, no cenário prisional baiano, carência a nível de estruturas básicas dentro das penitenciárias, como péssimas condições de habitabilidade, salubridade das unidades, de segurança e superpopulação. Esses fatores são apontados como limitantes para a prática de atividade física, no período do banho de sol. Há outras questões que também podem influenciar a ausência de AF para essas mulheres: conflitos, rebeliões, desacatos, entre outros comportamentos que acarretam punições, como proibição dos banhos de sol. (Epifania et al., 2022a; Canedo et al., 2013)
Configurando círculo vicioso de retroalimentação, desta maneira, quanto maior o número de punições, haverá, como consequência, mais agressividade. Na proposta de quebrar esse ciclo, e, aliado a outros fatores, como alimentação adequada, melhorias estruturais e implantação de projetos profissionalizantes, a inserção da prática de AF pode trazer benefícios, a saber: redução do peso corporal; prevenção e tratamento de doenças, elemento transformador/disciplinador, diminuição dos episódios de rebeliões, reincidência ao crime, além de colaborar no tratamento de problemas psicológicos em decorrência da abstinência do uso de substâncias ilícitas como drogas e álcool. Outros benefícios são mencionados na literatura, como a redução do gasto público com o setor prisional. (Moraes et al., 2014)
A prática da AF está prevista em lei como parte integrante da Política de Ressocialização do Sistema Penitenciário, que deveria ser prescrito por um Profissional de Educação Física (PEF) habilitado. Entretanto, embora sejam apontados vários benefícios científicos, a AF ainda é negligenciada dentro dos sistemas penitenciários (Pardini et al., 1997). O descredenciamento do PEF nesse cenário é observado pela baixa inserção, possivelmente, devido à falta de estruturas nas penitenciárias, ao não reconhecimento da importância deste para melhorar a qualidade de vida dessas mulheres, seja promovendo saúde, atividades recreativas, exercícios físicos, além da carência de recursos financeiros para ampliação da equipe de saúde. (Canedo et al., 2013)
Esta pesquisa apresenta como principal limitante o tipo de estudo, que não permitiu a realização de testes estatísticos de caráter confirmatório que pudessem revelar a associação entre as variáveis de estudo. Porém, como ponto forte e relevante, descreveram-se as prevalências da agressividade entre as detentas de um presídio do seminário baiano, de modo a propor possíveis soluções e melhorias estruturais, como a prática da AF para a redução do comportamento agressivo, em adição, contribuindo, assim, para ampliação do conhecimento científico.
Conclusão
Diante dos dados coletados, apresentados e analisados, a prevalência de agressividade entre as mulheres privadas de liberdade foi elevada, o nível de atividade física (baseado na baixa frequência ou duração) foi classificado em irregularmente ativo. Além disso, o perfil socioeconômico/demográfico encontrado foi de detentas jovens, não brancas e com baixa escolaridade, reafirmando, assim, a população-alvo ao processo de criminalização em decorrência das desigualdades estruturais do país.
Evidenciou-se que embora a AF seja uma opção sensível para mudança de comportamento, não é um elemento presente no cenário prisional, sendo tratado como secundário ou inexistente. Esse fato pode ser ancorado possivelmente pela escassez de reconhecimento e importância da prática regular para as pessoas privadas de liberdade, ausência de local adequado, inexistência do PEF no quadro de profissionais de saúde da unidade, dentre outros motivos.
Essa área de estudo é considerada problemática real na área da Educação Física, e o presídio representa um campo a ser explorado, na qual a própria condição de confinamento apresenta oportunidade para implementação da prática de atividade física como elemento contribuinte para prevenção, tratamento de doenças e agravos, assim como para promoção da saúde e redução de comportamentos agressivos das sentenciadas.
Referências
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