Creatina como suplemento ergogênico | |||
* Faculdade de Educação Física - FEF, Universidade de Brasília - UnB ** Departamento de Ciências Fisiológicas, Universidade de São Carlos - UFSCAR (Brasil) |
Keila Elizabeth Fontana* keila@unb.br Hiram Mário Valdes Casal* hiramv@terra.com.br Vilmar Baldissera** vilmarb@power.ufscar.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 9 - N° 60 - Mayo de 2003 |
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Introdução
O interesse de pessoas que participam de atividades físicas atléticas amadoras e profissionais competitivas, em fatores que possam melhorar a capacidade de realizar exercícios e a responsividade ao treinamento, além da capacidade física inata e da dedicação ao treinamento, têm se mostrado cada vez maior. Esses fatores são chamados de ergogênicos e refere-se à aplicação de um procedimento ou recurso nutricional, físico, mecânico, psicológico, fisiológico ou farmacológico para aprimorar a capacidade de realizar trabalho físico ou desempenho atlético.
Há muito se sabe da utilização de várias drogas e agentes farmacológicos para fins de melhoria do desempenho. Mais recentemente, observa-se o uso de hormônio do crescimento humano, esteróides anabolizantes, anfetaminas e eritropoetina. Entretanto, o uso da maioria desses agentes farmacológicos é considerado como doping, proibido pelo Comitê Olímpico Internacional (COl) e outras organizações atléticas. O uso indiscriminado dessas hipotéticas substâncias ergogênicas faz aumentar a probabilidade de efeitos colaterais adversos que variam de desconforto físico relativamente benigno a episódios que podem ameaçar a vida. Como todos os nutrientes são considerados legais, houve aumento significativo do consumo de suplementos alimentares nos últimos anos.
A suplementação com creatina e as fórmulas nutricionais contendo creatina tornou-se a estratégia nutricional mais popular empregada pelos atletas de exercícios resistidos para promover ganho de massa e força muscular (KREIDER, 1995). A suplementação por creatina vem sendo estudada há algum tempo e muitos autores evidenciam o aumento: da massa corporal (EARNEST, 1995; GREENHAFF, 1998; KREIDER, 1998; BECQUE et al, 2000), da massa corporal magra (VANDERBERGHE et al, 1997; KREIDER, 1998; STOUT et al, 1999; VOLEK et al, 1999; MIHIC et al, 2000), da capacidade de esforço e da velocidade de repetição do esforço (GREENHAFF, 1997; GRINDSTAFF et al, 1997; PREVOST et al, 1997; CASEY & GREENHAFF, 2000), da força e/ou potência (EARNEST et al, 1997; KREIDER, 1999a; BECQUE et al, 2000), e da performance durante sessões de esforço com contração muscular máxima (GREENHAFF et al, 1993a; BALSOM et al, 1995). A suplementação de creatina ainda evita a fadiga aumentando a disponibilidade de fosfato creatina (BALSOM et al, 1994; CASEY et al, 1996; HULTMAN et al, 1996; GREENHAFF, 1997), aumentando a ressíntese de creatina fosfato (GRINDSTAFF et al, 1997) e reduzindo a acidose muscular (HARRIS et al, 1992). Parece ainda que aumenta o metabolismo oxidativo (BALSOM et al, 1993b; VANDEBUERIE et al, 1998) e aumenta a carga de treinamento (GRENNHAFF, 1997; VANDENBERGHE et al, 1997; VOLEK et al, 1999).
Esta revisão visa analisar as pesquisas já publicadas envolvendo o desempenho no exercício e o uso de suplementação com creatina, ou seja, os possíveis efeitos ergogênicos.
Foram empregados artigos científicos das bases de dados disponíveis no portal "Periódicos" da CAPES: Biological Abstracts, Web of science, Medline/Pubmed e Mediline/Ovid e principais periódicos da área de fisiologia e nutrição. A pesquisa limitou-se aos últimos 10 anos e as palavras-chave utilizadas foram "creatine supplementation and exercise" (suplementação com creatina e exercício). Foram analisados cerca de cento e trinta e dois (132) artigos envolvendo o desempenho no exercício e suplementação por creatina, sendo a grande maioria deles composta por artigos experimentais.
HistóricoA creatina foi descoberta em 1832 pelo cientista francês Michael Eugene Chevreul, que extraiu este constituinte orgânico da carne. Em 1947, Justus Von Liebig confirmou que a creatina era um constituinte regular da carne animal e relatou um maior conteúdo dessa substância em animais selvagens quando comparados a animais de cativeiro e fisicamente menos ativos. Ainda no século XIX, em 1880, foi descoberta creatinina na urina, e autores especulavam que ela era derivada da creatina e estaria relacionada com a massa muscular total. Por ser a extração da creatina a partir da carne fresca um processo caro, as primeiras pesquisas foram limitadas; não obstante, já no início do século XX, a suplementação de creatina demonstrou aumentar o conteúdo de creatina muscular em animais. A creatina fosfato (CP), forma fosforilada da creatina foi descoberta em 1927, com observações de que estava envolvida no gasto energético do exercício. Já a enzima que catalisa a fosforização da creatina, foi descoberta em 1934. Com o advento da técnica da biópsia por agulha para extrair amostras de músculo, cientistas suecos investigaram o papel da CP durante o exercício e sua recuperação. Mais recentemente, a técnica não invasiva da ressonância nuclear magnética, têm sido usada para estudar a dinâmica da creatina fosfato durante o exercício.
Um dos três aminoácidos usados na formação da creatina é a glicina, que compõe cerca de 25% da gelatina. Supôs-se que a suplementação por gelatina apresentava um potencial ergogênico, possivelmente por aumentar os níveis musculares de creatina fosfato. Muitos estudos foram desenvolvidos entre 1940 e 1964, demonstrando evidências de um efeito benéfico sobre o desempenho, mas pesquisas mais recentes e bem controladas não revelaram efeito ergogênico significativo (WILLIAMS et al, 2000). Na década de 1970 a 1980, pesquisas sobre o potencial médico dos efeitos da creatina ou fosfato creatina forneceram algumas evidências não comprovadas sobre o poder ergogênico da creatina. KREIDER (1999b) apresentou informações não confirmadas, sobre o uso de creatina por atletas de países do bloco leste europeu desde a década de 1960, e por ingleses em 1990, sugerindo que a creatina pode beneficiar o desempenho esportivo. Nos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992, Linford Christie, na corrida de 100 m rasos masculino, e Sally Gunnel, na corrida feminina de 400 m com barreiras, relataram o uso de suplementos de creatina. A equipe de remo da Universidade de Cambridge também utilizou suplementos de creatina antes de vencer a favorita Oxford, em 1993.
Necessidades dietéticas de creatinaA creatina (ácido acético metilguanidina), uma amina nitrogenada, é um aminoácido de ocorrência natural presente no corpo, principalmente no tecido muscular. Embora não seja um nutriente essencial, devido ao fato da necessidade corporal ser atendida pela síntese endógena, a creatina está intimamente envolvida no metabolismo humano e eventualmente é catabolizada à creatinina na musculatura e excretada pelos rins. Dependendo do tamanho do indivíduo e da taxa de turnover, a necessidade diária de creatina é de aproximadamente 2 a 3 g/dia ou estimada em torno de 1,6% do pool total de creatina (BALSOM et al, 1995). A metade dessa necessidade diária é obtida por meio da dieta, especialmente de carnes e peixe. A outra metade é sintetizada a partir dos aminoácidos glicina, arginina e metionina, principalmente no fígado, mas os rins e o pâncreas também podem sintetizá-la.
Síntese e armazenamentoO primeiro passo na síntese de creatina envolve a transferência reversível do grupo amidino da arginina para a glicina para formar ácido guanidinoacético, o que pode ser visualizado no QUADRO 1. Em seguida ocorre a transferência, irreversível, de um grupo metil da S-adenosilmetionina para o ácido guanidinoacético, formando a creatina.
A creatina obtida pela dieta é absorvida intacta no intestino. Após sua absorção intestinal, aparentemente completa, a creatina do plasma é liberada para os vários tecidos do corpo, incluindo o coração, a musculatura lisa, o cérebro e os testículos. Entretanto, a grande maioria dos estoques corporais (95%) encontra-se localizada nos músculos esqueléticos. Segundo GREENHALFF (1998), a concentração celular de creatina é controlada pela captação ativa da creatina, na qual a estimulação de receptores beta-2 e a atividade da sódio-potássio adenosina trifosfatase (ATPase) apresentam um papel significativo.
QUADRO 1: Via bioquímica da síntese de creatina (KREIDER, 1998).
GREEN et al (1996a e b) relataram que a ingestão de grandes quantidades de carboidratos (95 g) com creatina (5 g) facilitam a captação de creatina comparada à ingestão isolada dessa nutriente. Existem evidências de que a captação de creatina pelos tecidos pode ser mediada pela insulina.
Quando a disponibilidade de creatina na dieta está baixa, a síntese endógena encontra-se aumentada para manter os níveis normais do nutriente. Assim, os vegetarianos devem sintetizar toda a creatina de que precisam. O jejum e a ingestão aumentada de creatina, particularmente de suplementos à base de creatina, irão abaixar os níveis de amidinotransferase no fígado, suprimindo a síntese. Por outro lado, o consumo de gelatina na dieta ou de arginina mais glicina aumentam a biossíntese (CLARK, 1998).
O armazenamento da creatina ocorre tanto na forma livre quanto na fosforilada. Cerca de 95% da creatina corporal está armazenada na musculatura esquelética. Desta quantidade, cerca de 60-70%, é armazenada na forma de creatina fosfato (CP), que é incapaz de passar por membranas, mantendo, dessa forma, a creatina na célula (GREENHAFF, 1997), enquanto os 30-40% restantes permanecem como creatina livre. Entretanto, há diferenças na concentração intracelular de creatina nos vários tipos de fibras musculares: o bíceps, músculo constituído por fibras predominantemente brancas (glicolítica), contém 31% mais CP que o sóleo, músculo com predominância de fibras vermelhas (oxidativo). O conteúdo normal de creatina no músculo é cerca de 120-125 mmol/kg de peso seco e corresponde a 30 mmol/kg no músculo úmido ou 4 g/kg de músculo (HARRIS et al, 1992), ainda que os estoques de creatina possam ser maiores ou menores, dependendo de sua disponibilidade na dieta. Tem-se relatado que a suplementação de creatina aumenta os estoques desse nutriente em até 160 mmol/kg de peso seco.
Funções metabólicasMetabolicamente, a CP tem habilidade de ressíntetisar ATP (Adenosina tri-fosfato), isto é, fornecer energia durante exercício de alta intensidade, conforme reação demonstrada a seguir, no QUADRO 2. O CP ao perder seu grupamento fosfato libera energia que é utilizada para regenerar a adenosina difosfato (ADP) e fosfato inorgânico (Pi) em ATP, isto é, a CP fornece energia para a ressíntese do ATP, a enzima creatina quinase (CQ) cataliza a reação.
QUADRO 2: Principais reações químicas do sistema energético creatina fosfato.
A energia derivada da degradação da CP permite ao pool de ATP ser reciclado mais de doze vezes durante um exercício supramáximo. GREENHAFF (1997) indicou que a utilização de CP começa a decair após apenas 1,28 s de contração, enquanto a taxa de glicólise correspondente não alcança o pico até após cerca de 3 s de contração. Observou declínio progressivo nas taxas de produção de ATP a partir do CP e da glicólise após ambas alcançarem seus picos iniciais.
Teoricamente, o aumento na disponibilidade de creatina fosfato aumentaria a habilidade para manter altas taxas de produção de energia durante exercício intenso, além de promover a recuperação entre duas sessões de exercício intenso. Ainda que existam três a quatro vezes mais CP do que ATP no músculo, seu suprimento também é limitado e precisa ser reposto para manter o exercício de intensidade muito alta (MA et al, 1996). A ressíntese de CP pode ser um fator crítico durante o exercício sustentado de intensidade muito alta. O sistema de lançadeiras de creatina fosfato apesar de não ser claramente entendido pode ser assim resumido (MA et al, 1996): o CP e a creatina podem servir como mensageiros energéticos auxiliares entre a mitocôndria e os sítios citoplasmáticos para a utilização de ATP. No sítio mitocondrial, a nova ATP sintetizada entra no espaço membranoso, onde uma parte é utilizada pela creatina quinase mitocondrial para a formação de CP. A ADP resultante está então, favoravelmente situada para ser transportada pela translocase ao interior da matriz.mitocondrial na troca da ATP pela matriz. A CP formada, ao contrário da ATP, não compete com a ADP no transporte pela translocase. Nas células musculares, a CP se difunde até as miofibrilas, onde seu tamanho diminuto permite a rápida penetração entre os miofilamentos para alcançar a isoenzima da CQ localizada na linha M. Lá a CP regenera ATP a partir da ADP formada durante a contração. WALSH et al (2001) relataram evidências que apóiam essa tese.
SAHLIN (1998) observou que apesar da expansão considerável durante os últimos anos dos conhecimentos acerca dos mecanismos e os limites da contração muscular, o mecanismo da fadiga não é totalmente compreendido. A causa da fadiga induzida pelo exercício depende da intensidade e duração do esforço e fadigas centrais (sistema nervoso central) e periféricas (do músculo esquelético) podem estar relacionadas a vários fatores tais como: formação aumentada de neurotransmissores inibitórios, níveis diminuídos de substratos metabólicos, redução do processo metabólico, distúrbio do equilíbrio ácido-basico ou do balanço de eletrólitos, diminuição no transporte de oxigênio, e aumento da temperatura corporal resultando em hipertermia. SAHLIN revisou a hipótese clássica de que a fadiga muscular é causada pela falha do processo energético em gerar ATP numa taxa adequada.
A creatina também está intimamente envolvida com o controle metabólico de várias maneiras. A CP serve como tampão celular ao longo da seguinte reação: CP2- + ADP3- + H+ ATP4- + Cr. NEWSHOLME & BEIS (1996) propuseram que uma das funções primárias do sistema dos fosfagênios é tamponar as elevações da ADP em vez de simplesmente ressintetizar ATP. Segundo CLARK (1998), elevações consideráveis da ADP apresentam efeito inibitório nas reações que envolvem ATPases celulares alterando significativamente o equilíbrio da cinética enzimática podendo reduzir o ciclo de acoplamento das pontes cruzadas dos filamentos musculares. MUJIKA & PADILLA (1997) relataram que, quando a taxa de hidrólise da ATP muscular excede a taxa de refosforilação de ADP por meio do processo de fosforilação oxidativa, glicólise anaeróbia ou quebra de CP, a ATP é ressintetizada via reação da mioquinase, resultando na formação de adenosina monofosfato (AMP). Assim, a AMP é desaminada pela enzima adenilato desaminase na primeira reação do ciclo das purinas nucleotídeo, levando à depleção do pool de nucleotídeos de adenina e eventual produção de amônia e hipoxantina. Além disso, acredita-se que a creatina produzida em sítios de alta atividade metabólica difunde-se de volta para a mitocôndria para ser refosforilada à CP por meio da ação da creatina quinase mitocondrial, servindo como sinal respiratório para a mitocôndria (MA et al,1996). Se for esse o caso, o aumento do conteúdo de creatina e CP, por meio de suplementação, pode ter efeito metabólico importante.
A creatina fosfato além de tamponar a acidez, exerce um papel importante em muitas reações da creatina quinase, está intimamente envolvida com a lançadeira de creatina fosfato e ajuda a regular o metabolismo oxidativo. O aumento dessa capacidade celular pode servir para atenuar o declínio nos níveis de pH durante o exercício intenso e atrasar a fadiga.
As características energéticas da creatina são também importantes para outros tecidos como o coração e o cérebro. A disponibilidade reduzida de creatina tem sido associada com insuficiência cardíaca, prevalência aumentada de arritmias ventriculares, isquemia e instabilidade de membranas das células do miocárdio durante a isquemia (ANDREWS et al, 1998; CONWAY & CLARK, 1996). Conseqüentemente a administração intravenosa de CP e oral de creatina têm sido propostas como agentes cardioprotetores para pessoas com doenças isquêmicas do miocárdio.
No sistema nervoso central e periférico também é encontrada uma pequena quantidade de creatina. Existem evidências de que a creatina pode ter um importante papel na função cerebral, bem como no controle neuromuscular (TARNOPOLSKY et al, 1997; WYSS & KADDURAH-DAOUK, 2000). SIPILÄ et al (1981) investigaram o efeito da suplementação prolongada de creatina na atrofia da coróide e da retina do olho, uma doença autossômica recessiva, relativamente rara que está associada com a cegueira noturna, atrofia de fundo, redução dos campos visuais, miopia e catarata. Tipicamente, essa condição resulta em cegueira no início da meia-idade (30 para 40 anos). Observou-se diminuição do número de fibras afetadas, diminuição do número e freqüência de agregados tubulares, acompanhados por atraso na progressão do comprometimento visual.
Deficiências de creatina têm sido reportadas em uma variedade de doenças neuromusculares: citopatias mitocondriais, doença de Huntington, esclerose múltipla e distrofias musculares. A suplementação de creatina vem sendo usada terapeuticamente no tratamento e reabilitação ortopédica (PIROLA et al, 1991) e na inibição do crescimento tumoral (MILLER et al, 1993) ainda com resultados incipientes. Parece haver alguns benefícios terapêuticos promissores na suplementação de creatina em pacientes com doença neuromuscular.
Teoria e efeitos da suplementação de creatinaOs benefícios teóricos da suplementação de creatina estão relacionados ao seu papel, bem como ao da CP. Os pioneiros que investigaram os efeitos ergogênicos da suplementação de creatina (HARRIS et al, 1992; GREENHAFF et al, 1993a e b; HULTMAN et al, 1996) propuseram diversos mecanismos pelos quais essa suplementação pode ser ergogênica, tanto para o exercício de alta quanto de muito alta intensidade. Os mecanismos podem ser assim descriminados:
Disponibilidade aumentada de CPOs suprimentos de ambos os fosfatos de alta energia, ATP e CP, são limitados. Estima-se que o total combinado sustenta o exercício intenso por aproximadamente 10 s numa intensidade de esforço elevada (BALSOM et al, 1994). SAHLIN (1998) observou que a quebra da CP é o processo energético que pode sustentar a mais alta taxa de produção de ATP. A taxa máxima de degradação da CP observada in vivo é próxima da taxa de hidrólise máxima de ATP pela proteína contrátil observada in vitro. Portanto, parece plausível que a liberação de energia em períodos de atividade muito curtos não é limitada pela taxa de geração de ATP por meio da CP, mas, ao contrário, pelas limitações intrínsecas das proteínas contráteis ou do recrutamento de unidades motoras. SAHLIN também enfatiza que, com base em considerações termodinâmicas, pode-se esperar a diminuição da taxa de degradação máxima da CP quando o conteúdo muscular desse fosfagênio se reduz. Portanto, a disponibilidade de CP pode ser um fator limitante na produção de potência mesmo antes de o conteúdo muscular de CP estar totalmente depletado. Então, teoricamente, a suplementação de creatina poderia aumentar a concentração corporal total de creatina, possivelmente facilitando a geração intramuscular de CP e a subseqüente formação de ATP, em especial nas fibras musculares de contração rápida. Isso prolongaria a duração da atividade física de alta intensidade (BALSON et al, 1994; CASEY et al, 1996). GREENHAFF et al (1994 b) e CASEY et al (1996) sugerem que a suplementação oral de creatina atenua a degradação de ATP durante a contração muscular intensa em até 30%, provavelmente pela manutenção melhorada da taxa de ressíntese de ATP a partir da ADP.
Aumento da ressíntese de CPA ressíntese de CP durante o período de recuperação de um exercício de alta intensidade parece ser um fator determinante na restauração da energia para uma subseqüente tarefa de alta intensidade (BOGDANIS et al, 1995; YQUEL et al, 2002). GREENHAFF (1994a) também observou que a aceleração da ressíntese de CP após o exercício aumenta a capacidade muscular contrátil mantendo o turnover de ATP durante o exercício subseqüente. Por essa razão, a suplementação de creatina pode ser recomendada. CLARK (1998) observou que a rápida ressíntese de CP é provavelmente de origem oxidativa e propôs que a CP e a creatina aumentadas promovem um aumento na fosforilação oxidativa devido à presença da isoenzima creatina quinase mitocondrial.
Acidez muscular reduzidaA CP atua como o principal tampão metabólico no músculo, sendo responsável por aproximadamente 30% do total da capacidade tamponante muscular (HULTMAN & SAHLIN, 1980). A ressíntese de ATP a partir do ADP e CP consome um íon hidrogênio (H+) no processo, assim, a utilização de CP contribuirá para tamponar o H+ (HARRIS et al, 1992), permitindo que o músculo acumule mais ácido lático antes de alcançar a concentração hidrogeniônica (pH) muscular limitante, possibilitando que mais exercícios de alta intensidade sejam realizados.
SÖDERLUND et al (1994) e YQUEL et al (2002) relataram níveis de ácido lático pós-exercício mais baixos após suplementação com creatina, mesmo apesar de uma carga mais alta. Entretanto, outros pesquisadores como GREENHAFF et al (1993a e b), BURKE et al (1996), MUJIKA et al (1996 e 2000) e DAWSON et al (1995 e 2002), não revelaram efeito desse tipo de suplementação sobre os níveis plasmáticos de lactato. No entanto, se uma maior quantidade de trabalho é realizada com a suplementação de creatina, a falta de diferenças significativas no lactato pode ser interpretada como uma menor dependência da glicólise anaeróbia.
Aumenta o metabolismo oxidativoEm combinação com o treinamento, a creatina pode aumentar o nível de atividade da citrato sintase, um marcador da capacidade oxidativa (STROUD et al, 1994). Além disso, alguns atletas de atividades aeróbicas prolongadas podem usar CP durante um período de exercício intenso em uma competição atlética e se beneficiar em função da ressíntese aumentada de CP durante períodos de recuperação aeróbia (BANGSBO, 1994).
Aumenta a intensidade do treinamentoVários autores (GREENHAFF, 1997; VANDENBERGHE et al, 1997; VOLEK et al, 1999) têm sugerido que a suplementação de creatina poderia beneficiar os atletas pela capacitação ao treino com cargas mais elevadas, pela melhoria da capacidade de repetir esforços rápidos intervalados, pela redução da fadiga associada ao treinamento e possivelmente pela aceleração da hipertrofia muscular.
Aumenta a massa corporalO aumento da massa magra, ou da massa muscular, é vantajoso para esportes que exijam elevada potência muscular. A creatina é uma substância osmoticamente ativa; assim, um aumento em sua concentração intracelular pode induzir um influxo de água para dentro da célula, aumentando a massa corporal (VOLEK et al, 1997b). Essa retenção intracelular de fluido e aumento da pressão osmótica celular pode constituir o estímulo para a síntese protéica (KREIDER, 1997 e 1998; VANDENBERGHE et al, 1997). INGWALL et al (1974) e VOLEK et al (1997a e 1999) fizeram as seguintes observações: 1) a creatina fornecida in vitro aumenta a taxa de síntese de miosina de cadeia pesada e actina formadas tanto in vitro como in vivo. 2) a creatina afeta apenas a taxa de síntese protéica, não a taxa de degradação. 3) A creatina afeta apenas células que já estejam sintetizando proteínas musculares, não os eventos celulares durante a proliferação de mioblastos ou a fusão celular. 4) A creatina aumenta a síntese total de ácido ribonucléico (RNA) e parece induzir preferencialmente algumas classes de RNA. 5) O efeito da creatina é mantido em diferentes estágios da síntese de proteínas musculares; entretanto, o efeito primário está conectado com o núcleo e ocorre ao nível de transcrição.
Teoricamente, a suplementação de creatina pode reduzir o desempenho do exercício e do esporte, denominado de efeito ergolítico, por aumentar a massa corporal e esse fato diminui a eficiência metabólica em tarefas nas quais a massa corporal precisa ser movida de um ponto a outro (CLARK, 1998). Mas também pode beneficiar o desempenho em uma variedade de exercícios ou esforços esportivos, tais como os de sprint de intensidade muito elevada, tarefas repetitivas de alta intensidade com pausas freqüentes, tarefas anaeróbias mais prolongadas e tarefas esportivas de endurance dependentes de massa corporal e massa muscular e dos ganhos associados de força e potência.
Protocolo de suplementaçãoO protocolo de sobrecarga mais comumente utilizado é a ingestão diária de um total de 20 a 30 g de creatina, usualmente monoidrato de creatina, em quatro doses iguais de 5 a 7 g dissolvidas em cerca de 250 ml de líquido. Isso deve ser ingerido em três dosagens ao longo do dia por um período de 5 a 7 dias. Quando baseada no peso corporal, a dose recomendada é de 0,3 g/kg de massa corporal. GREENHAFF (1997) observou que o uso de mais de 20 g/dia por cinco dias não fornece benefícios adicionais além de ser um desperdício de dinheiro. Após a fase de sobrecarga, a dose de manutenção recomendada é consideravelmente menor, aproximadamente 2 a 5 g de creatina por dia ou 0,03 g/kg de massa corporal por dia (HARRIS et al, 1992; HULTMAN et al, 1996; GREENHAFF, 1997). A combinação da creatina com um carboidrato simples, como a glicose, pode aumentar o transporte de creatina para o interior do músculo, mesmo em indivíduos que parecem ser menos sensíveis à suplementação de creatina (GREEN et al, 1996 a e b). O exercício durante o período de suplementação de creatina pode fornecer um efeito adicional em relação à captação muscular de creatina de acordo com HULTMAN et al (1996) e CLARK (1998). Segundo WILLIAMS et al (2000) os estudos que utilizaram o protocolo típico de sobrecarga de creatina têm demonstrado um aumento absoluto médio na creatina total de cerca de 22 mmol/g de peso seco (20 a 27 mmol/g). Esse aumento corresponde a 18,5 % (variando de 15 a 22%). Já o aumento absoluto médio da creatina fosfato (CP) foi de 14,3 mmol/kg (3,4 a 26) de peso seco correspondendo a 20,7% (4 a 52) de aumento, um nível considerado suficiente para promover efeito ergogênico.
A suplementação de creatina parece impedir a biossíntese normal, mas isso é reversível quando a suplementação cessa. Após a interrupção, o elevado estoque de creatina diminuirá muito lentamente até ao longo de mais de 4 semanas após a ingestão de creatina (HULTMAN et al, 1996; GREENHAFF, 1997). Parece ainda haver diferenças individuais substanciais nas respostas à suplementação de creatina, ou seja, as concentrações musculares de creatina aumentam apenas ligeiramente (GREENHAFF, 1994b e 1995; SNOW et al, 1998; CASEY & GREENHAFF, 2000).
Efeitos da suplementação de creatinaPotência anaeróbia
Como dito anteriormente, teoricamente, o sistema energético do fosfagênio ou sistema ATP-CP é capaz de fornecer ATP por apenas algumas poucas contrações musculares antes de ser depletado. Uma vez que a CP é o substrato para este sistema, é lógico supor que a suplementação de creatina é uma possível estratégia ergogênica para repor rapidamente a CP e aumentar o desempenho em situações de exercícios de curta duração, ou seja, de até 30 segundos.
Complementando e atualizando a revisão realizada por WILLIAMS et al (2000), os principais estudos citados na literatura sobre o assunto foram arranjados em quadros separados por tipo de atividade e efeito ergogênico da suplementação de creatina sobre o desempenho da atividade. Vale ressaltar que foram analisados estudos referenciados nos principais bancos de dados bibliográficos como: Web of Science, Biological Abstracts e Medline entre os anos de 1992 a 2002 realizados em seres humanos. Os estudos analisados eram do tipo duplo cego e utilizaram controle placebo, salvo raras exceções.
O QUADRO 3 mostra as referências bibliográficas arranjadas por tipo de atividade física e se a suplementação com creatina apresentou ou não efeito ergogênico sobre a potência anaeróbia realizada em laboratório e no campo. A atividades laboratoriais anaeróbias foram divididas em força isométrica (preensão manual e produção de força isométrica), isotônica (1 RM em vários exercícios como leg press, supino e agachamento ou repetições do exercício até a fadiga) e isocinética (torque e produção de força durante exercício repetitivo ou declínio da potência) e desempenho em cicloergômetro (Teste de Wingate ou protocolos repetitivos variando entre 6 a 30 s).
QUADRO 3: Estudos que analisaram o efeito da creatina sobre a potência anaeróbia em atividades de laboratório
(atividades de alta intensidade e curta duração, £ 30 s), arranjadas por tipo de atividade e efeito ergogênico.
Observa-se que dentre os cinqüenta e três estudos que avaliaram o efeito da suplementação de creatina sobre a força isométrica/resistência muscular (excluindo a atividade de cicloergômetro) de alta intensidade e curta duração (< 30 s), trinta e nove estudos demonstraram melhoras significativas, enquanto vinte e três estudos não demonstraram efeito ergogênico significativo. Já para atividades em cicloergômetro e com sprint único (Wingate Anaerobic Test) ou protocolos repetitivos com exercícios de alta intensidade e duração variando entre 6 e 30 s observou-se que de trinta e oito estudos, vinte e três demonstraram efeito ergogênico enquanto que quinze não. O estudo de DAWSON et al (1995) apresentou resultados conflitantes, em sprints repetidos em cicloergômetro foram observados efeitos ergogênicos com suplementação aguda de creatina, o que não aconteceu para um único sprint máximo.
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