Aspectos da educação escolar & desenvolvimento e constituição da personalidade |
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* Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC / CED / MEN ** Núcleo Castor. Estudos e Atividades em Existencialismo. (Brasil) |
Fábio Machado Pinto* Claudia Félix Teixeira** fabiobage@terra.com.br |
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Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002 |
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1. IntroduçãoBusca-se, através deste texto, dar início a algumas reflexões acerca da problemática da constituição e desenvolvimento da personalidade em ambientes escolares, como ponto de partida para uma investigação deste fenômeno na realidade educacional brasileira. Neste sentido, a experiência realizada nos Pontos de Encontro1 da disciplina Prática de Ensino de Educação Física Escolar I2, realizada em 1999.1, servirá como objeto para nossa reflexão inicial.
Desde 1996, vem sendo realizado um intenso trabalho pedagógico3 na formação de professores de Educação Física. Nas avaliações deste processo4, realizadas principalmente em Encontros Pedagógicos, em Pontos de Encontro, em avaliações nas escolas, entre outros, ficou evidenciada a dificuldade dos estagiários em explicar a realidade educacional para além do senso-comum.
Impregnados por uma visão fragmentada da investigação e do trabalho pedagógico, os estagiários chegam à escola querendo explicá-la e/ou transformá-la muito rápida e superficialmente. Problemáticas complexas como a violência escolar, a exclusão, o adestramento, o autoritarismo, entre outros, são analisadas de forma factual e descontextualizada, buscando explicações rápidas e levianas para tais fenômenos.
Diante deste contexto, fez-se fundamental o esforço no sentido de subsidiar ao estagiário no aprofundamento da compreensão do ambiente escolar, levando em conta sua historicidade e complexidade. Articulando aspectos universais aos singulares, procurou-se enfatizar a análise de conjuntura5 como instrumento pedagógico fundamental para posicionar o fenômeno Escola Pública, observá-lo6, descrevê-lo, analisá-lo e, a partir dos seus indicativos, montar uma compreensão mais fundamentada sobre o mesmo.
Do estudo rigoroso da realidade educacional elencamos as categorias a serem estudadas e debatidas nos Pontos de Encontro. Neste momento, com recurso à teoria, procurou-se ampliar os conceitos e, em conseqüência, a abrangência das questões que a escola nos coloca. Buscou-se transcender a leitura das aparências no sentido de encontrá-las juntamente com a sua essência. 7
Em 1999, buscou-se reorientar os Pontos de Encontro para uma articulação ampliada que visava, sobretudo, reunir os sujeitos da Universidade, da Escola e dos Movimentos Sociais e entidades científicas, o qual denominamos Encontro de Formação Compartilhada8. O primeiro Ciclo de Palestras problematizou “O Ensino da Educação Física e infância em Escolas Públicas”. Estes encontros ocorreram na própria escola de estágio, para facilitar a participação dos professores da mesma, e foram ministrados por profissionais e agentes vinculados ao Núcleo Castor de Estudos e Atividades em Existencialismo-NUCA, ao Movimento Nacional de Meninos/as de Rua, ao Comitê Catarinense Contra o Trabalho Infantil e ao Núcleo de Estudos Pedagógicos da Educação Física Escolar.
Os debates centraram-se nos aspectos relacionados a infância e a escola, sobretudo aquelas temáticas emergentes do trabalho pedagógico. Dentre os temas abordados, será destacado neste texto o debate relacionado a Personalidade e o Desenvolvimento Infantil, realizado por psicólogas e pesquisadoras do NUCA9, que levantaram elementos para uma reflexão acerca das relações existentes entre o trabalho pedagógico e as implicações para o desenvolvimento da personalidade da criança.
Como estratégia metodológica foi apresentado um caso fictício de interação entre um professor de Educação Física e seus alunos de séries iniciais, no qual foram trabalhados principalmente três aspectos: a função mediadora do professor na formação da personalidade dos alunos, a constituição e o desenvolvimento da personalidade, com base na teoria da personalidade desenvolvida por SARTRE (1994) 10.
Este texto tentará, ainda que de forma esboçada, retomar e sistematizar estas discussões realizadas, colocando-as como ponto de partida para a construção de um instrumental de pesquisa adequado ao esclarecimento de aspectos da educação do corpo em ambientes escolares, sobretudo naqueles relacionados ao desenvolvimento e constituição da personalidade. Contudo, apresentamos primeiramente alguns pressupostos da ainda frágil relação entre as disciplinas Psicologia e Educação Física no contexto escolar.
2. Reflexões iniciais sobre a psicologia e a educação físicaO último quartel do século passado foi palco do amplo debate, onde MEDINA (1986:35) já anunciava que a Educação Física precisa entrar em crise urgentemente. Precisa questionar criticamente seus valores. Precisa ser capaz de justificar-se a si mesma. Precisa procurar identidade. Logo se questionou acerca do estatuto epistemológio da área11, onde as teses ora a defendiam enquanto uma ciência, ora enquanto um campo de conhecimento que na relação com outras disciplinas científicas procurava se consolidar cientificamente. Das teses apresentadas destacou-se a dificuldade de se definir um objeto de estudo próprio à área, que circulavam pelos conceitos de Movimento Humano, Cultura de Movimento, Cultura Corporal ou ainda, Cultura Corporal e de Movimento. Esta lacuna levou alguns autores a definir a Educação Física / Ciências do Esporte como um campo de conhecimento que na busca de um estatuto epistemológico acabou identificando as ciências que compõem o seu corpo teórico, lhe proporcionando uma identidade acadêmica.
Desde sua gênese, e por muito tempo, a Educação Física ficou restrita às abordagens biológicas12. Contudo, é no final do século passado que ampliamos nossa relação acadêmica para com as disciplinas das áreas das ciências humanas. Seja na produção ou socialização do conhecimento relacionado às práticas corporais, as novas abordagens permitiram olhar para o homem como um ser histórico e social. Considerando os domínios motores, físicos, orgânicos, as disciplinas de História, Psicologia, Sociologia, Antropologia e Filosofia, entre outras, demonstraram de formas diversas que o homem que se movimenta é o mesmo que sente, que pensa, que luta e que se relaciona com os outros, com as coisas e com o tempo.
Esta crise necessária trouxe avanços acadêmicos à área ao mesmo tempo em que apontou seus limites. Num primeiro momento observou-se, em boa parte da crítica acadêmica uma aversão a todo o discurso e/ou prática educativa voltada ao ensino da técnica e ao condicionamento físico, ainda neste sentido a competição passou a ser encarada como um instrumento meramente reprodutor dos princípios e valores do sistema capitalista. 13
Se, por um lado, esta crítica proporcionou uma nova reflexão sobre a totalidade do trabalho educativo realizado, por outro, contribuiu para a resistência de seus pressupostos e encaminhamentos metodológicos dentro dos ambientes educacionais. Assim, a produção acadêmica manteve uma certa distância da Escola Pública, proporcionado, também, pelo pouco amadurecimento teórico-metodológico ou, ainda, pela nossa capacidade de enfrentar o debate, bem como a formulação de novas políticas públicas no campo educacional.
Neste sentido, muitas iniciativas esbarraram na desarticulação da nossa área, bem como no processo crescente de precarização do sistema público de ensino. Aqui encontramos uma Escola Pública cada vez mais miserável em conteúdo e em forma, onde as condições materiais e físicas são hostis aos sujeitos que ensinam e aprendem, onde a formação continuada e a remuneração do professor são desvalorizadas, onde o tempo conta contra o trabalho pedagógico, resumindo-se numa ocupação do tempo, confinamento e controle dos sujeitos. É fundamental que se diga que um projeto revolucionário de sociedade só tem efeito quando estiverem dadas as condições sociais para que ele aconteça, e que estas não são gratuitas, mas conquistas históricas que só acontecem pela práxis social, sob a perspectiva da ciência e a serviço dos trabalhadores.
Cabe ressaltar que a Educação Física tem vacilado na busca desta perspectiva científica. No campo da Psicologia encontramos um vasto material acadêmico tanto no campo escolar como no de treinamento desportivo.
No esporte predominou o estudo dos comportamentos, entendendo o Homem como um ser que reage aos estímulos do meio que vive e que aprende pela repetição assim como os animais irracionais. As teorias do desenvolvimento e aprendizagem motora inovaram ao relacionar estes com o Sistema Nervoso Central, considerando como um processo filogenético onde características comportamentais e estruturais emergiriam na ontogênese COUBAN (1980). Mas é só no final da década de 90 do século passado que estudos nestas abordagens vieram a considerar a interação com o ambiente e sua dinâmica.
Na escola, para além desta perspectiva acima citada, tivemos nas décadas de 70 e 80 os movimentos “renovadores” na Educação Física, onde destacamos a participação da Psicomotricidade. Le Bouche, apud COLETIVO DE AUTORES (1992) irá desenvolver uma teoria geral do movimento que permite utilizá-lo como meio de formação, no sentido de desencadear mudanças de hábitos, idéias e sentimentos. Assim, esta perspectiva pouco inova em relação à anterior, pois continua centrada na instrumentalização do movimento humano ao mesmo tempo em que não visualiza as dimensões históricas e sociais da educação.
A superação14 desta perspectiva viria com a influência da psicologia soviética15, ainda pouco estudada pela Educação Física, ou ainda, pela Educação16. No entanto, estes estudos se fizeram sentir no trabalho pedagógico influenciando inúmeras experiências, muitas delas ainda em curso. Por exemplo, a referência feita aos ciclos de aprendizagem, pelo COLETIVO DE AUTORES (1992:34) tem base nos estudos de Davydov, Leontiev e Vygotsky.
Neste sentido, buscando a formação de um cidadão crítico e consciente da realidade social em que vive, para poder nela intervir na direção de seus interesses de classe17, uma geração acadêmica pode se apropriar de uma nova perspectiva sobre os estudos psicológicos. Ainda que de forma inicial, percebemos o impacto desta mudança no campo pedagógico, na relação professor aluno, no ensino da cultura corporal, na constituição de novos currículos e de projetos de formação humana mais sofisticados.
Ao confrontarmos esta nova perspectiva com nossos estudos acerca do desenvolvimento e constituição da personalidade, mas principalmente aqueles sustentados na escola psicológica existencialista18, verificamos que a contribuição da ontologia, epistemologia, antropologia e psicologia sartreana pode vir a compreender este fenômeno, a fim de desvelá-lo definitivamente. Contribuindo assim, para constituição de uma teoria da personalidade que nos permita analisar, entender, explicar e intervir de forma a superar os problemas colocados pela a escola pública, e com isto, pela sociedade brasileira.
A seguir veremos alguns aspectos, ainda que iniciais, mas importantes na explicação deste fenômeno através da reflexão sobre alguns aspectos constitutivos da relação concreta entre professor e alunos, no contexto das aulas de Educação Física Escolar, e a partir, de exemplos fictícios.
3. Constituição dinâmica da personalidade 19
Primeiramente, é preciso localizar que no processo de desenvolvimento e constituição de uma personalidade20, temos cronologicamente e ontologicamente primeiro o homem em relação ao mundo, ou mesmo, o corpo/consciência em relação à materialidade, aos outros e ao tempo. Estes três elementos estão presentes como constituintes do mundo do qual o Homem faz parte. Segundo SARTRE, “não é em nenhum refúgio que nos descobriremos: é na rua, na cidade, no meio da multidão, coisa entre as coisas, homem entre os homens.” 21
O Eu [Moi] é contemporâneo do mundo [...] O mundo não criou o Eu [Moi], o Eu [Mói] não criou o mundo, eles são dois objetos para a consciência absoluta, impessoal, e é por ela que eles estão ligados. Esta consciência absoluta, quando é purificada do Eu, nada mais tem que seja característico de um sujeito, nem é também uma coleção de representações: ela é muito e simplesmente uma condição primeira e uma fonte absoluta de existência. 22
A materialidade, neste caso, constitui-se pelo conjunto de coisas, ou seja, o carro, a casa, as roupas, os instrumentos de trabalho, entre outros objetos que na relação com homem adquirem um sentido ao mesmo tempo subjetivo e objetivo. Já os outros, são o conjunto de sujeitos - pais, amigos, parentes, professores, colegas, companheiros, etc - que de alguma forma podem apresentar-se como mediação de ser. O tempo configura-se por meio da relação concreta do homem com o passado, o presente e o futuro.
Assim, o homem para além de ser um ser social, é passado, ou seja, é história viva que se materializa no presente a partir das totalizações e re-totalizações das múltiplas relações que foi estabelecendo. Já o futuro é o espaço para onde o homem se lança, e, através deste mover-se, o mesmo tempo em que lhe é colocado, ele constitui seu projeto e desejo de ser. O presente, assim, é este movimento dialético de depassagem do passado para o futuro.
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