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Aspectos da educação escolar & desenvolvimento e constituição da personalidade
Fábio Machado Pinto y Claudia Félix Teixeira

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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    Logo que nasce, o ser humano tem uma consciência23 indiferenciada, ou seja, não diferencia as coisas e os outros entre si, bem como não se diferencia entre os outros. É através das relações que estabelece e com a mediação dos outros que a criança vai aprendendo a diferenciar-se. Este processo desenvolve a consciência reflexiva que permite aprender as possibilidades e funções das coisas.

    Desta forma, a personalidade será resultante de um processo de relações e se constituirá dentro de um contexto material que lhe impõe certos limites e certas possibilidades. Assim, uma pessoa se singularizará, ou seja, constituirá sua personalidade singular, sempre num contexto social, material, de relações concretas. Destacamos com isso que não há uma personalidade anterior ao processo de relações, nem mesmo em potência, pois ela é segunda.

Para maior parte dos filósofos, o Ego é um “habitante” da consciência. Alguns afirmam a sua presença formal no sei das “Erlebnisse” como um princípio vazio de unificação. Outros - psicólogos na maior parte - pensam descobrir a sua presença material, como centro dos desejos e dos actos, em cada momento da nossa vida psíquica [...] o Ego não está na consciência nem formal nem materilamente: ele está fora, no mundo, é um ser do mundo, tal como o Ego de outrem. 24

    A constituição e desenvolvimento da personalidade envolve, assim, um processo de socialização, através do qual a criança aprende as suas possibilidades e limites sociais. Assim, aprende a se relacionar com os outros, com as coisas, com seu próprio corpo, a como se comportar nos diversos espaços sociais, a entender como as coisas estão organizadas e etc. Neste processo a criança vai adquirindo uma identidade social: é filha de tal pai e mãe, mora em tal lugar, estuda em tal escola, pertence a tal tribo, que usa tais roupas e escuta tais músicas, etc.

    Este movimento de socialização pode ser ou não o caminho para o processo de sociologização. Neste último, a criança passa a estabelecer relações de alteridade e reciprocidade. Ou seja, passa a ser um Eu diante de outro Eu, tendo o seu próprio espaço, e estando tecido a um sociológico no qual o seu ser está implicado. Neste caso, por exemplo, à possibilidade de ser filho, em termos de alteridade e reciprocidade, estão implicadas às possibilidades de sua mãe ser mãe e seu pai ser pai. É desta forma que a criança aprende limites de ser ou limites psico-físicos, constituindo-se numa personalidade cada vez mais estruturada, a medida que vai demarcando seu projeto e desejo de ser. 25

    O projeto e o desejo de ser serão resultados do movimento concreto da pessoa num contexto material objetivo que lhe impõe possibilidades e limites. Podemos dizer ainda que qualquer tentativa de vincular a constituição da personalidade ou as complicações psicológicas a predisposições genéticas ou metafísicas, caem por terra quando verificamos o movimento concreto da criança em meio à materialidade, à mediação dos adultos e à apropriação que a criança faz disso tudo.

    Nesta medida, o contexto escolar com sua organização e estrutura física/material, seus sujeitos e suas correlações de força, seus tempos e espaços pedagógicos, seus conteúdos e formas de ensino, oferecem às crianças determinadas condições. Inserida na Escola para aprender o conhecimento historicamente acumulado, onde passa boa parte de sua infância e juventude, será mediada a um processo de socialização.

    Em qualquer trabalho pedagógico está subjacente uma compreensão sobre o que seja a personalidade. Assim, o trabalho do professor sempre vai se dar dentro de um horizonte de compreensão a respeito de como a criança aprende e se desenvolve, como ela se torna um ser e não outro, bem como das possibilidades e limites de ser. Isso ocorre mesmo que esta compreensão esteja obscurecida à ele mesmo, que é o mais comum, visto que não se trata apenas de um horizonte reflexivo, mas encarnado na prática cotidiana do professor e constitutivos de sua personalidade.

    Em qualquer classe o professor sempre se depara com uma diversidade de crianças, estas ainda não possuem uma personalidade constituída, mas viabilizando-se por meio dos processos de socialização, ou mesmo através da inserção e interação da criança nos espaços sociais. Em seguida, a criança passa por um processo de sociologização, onde se demarca o singular dentre o grupo na qual está inserida, se diferenciando dos outros e das coisas.

    É entre homens e mulheres, entre as coisas, situado no tempo e no espaço, através da reflexão e da ação, se tecendo com os outros e com as coisas, produzindo cultura e sendo produzido, aprendendo e ensinando, escolhendo-se e sendo escolhido que o Ser Humano vai se constituindo num ser singular, conforme o existencialismo, a existência precede a essência, ou seja, “primeiro o homem existe enquanto corpo/consciência. É depois, ao relacionar-se com o mundo e tudo que o compõe, que vai se essencializando, formando seu Eu, sua Personalidade.” 26

    Passaremos agora a refletir a partir de um exemplo de relação professor-alunos e suas respectivas implicações psicológicas. Não é raro o professor se perguntar porque certos alunos possuem tais dificuldades, e outros não, porque uma criança aprende certos conteúdos e outras não, o que acontece para que algumas crianças prestem atenção e outras se dispersem, porque algumas aprendem rápidas e outras têm tanta dificuldade, etc.

    Para começar a tentar responder tais questionamentos, nos valemos da algumas reflexões trazidas pela palestra realizada, como já havíamos pontuado anteriormente. Não traremos todos os detalhes do caso fictício trabalhado, mas destacaremos alguns aspectos mais como elos de ligação com as reflexões que buscaremos desenvolver.

    No caso apresentado, o professor de Educação Física, durante suas aulas, depara-se com duas alunas com qualidades completamente opostas, e, através de sua relação com elas vais explicitando suas concepções a respeito de personalidade, bem como de seu desenvolvimento.

    Uma aluna é alta, ágil, empolgada com o vôlei, com vasta experiência de movimentos, tem irmãos esportistas. O pai dela costuma levá-la ao parque onde, desde pequena, brincam com bola. Com freqüência escuta as histórias esportivas de seu pai e amigos. Já a outra aluna é mais baixa, franzina, usa óculos, possui dificuldade em jogar bola. Sua mãe é separada e teve pouco contato com outras crianças, suas brincadeiras se limitando ao quintal da sua casa, com bonecas. Ela gosta de vôlei, apesar de não demonstrar a mesma desenvoltura que a outra aluna.

    Este é o ponto de partida da nossa reflexão, ou seja, a relação professor e alunos ocorre entre seres concretos, com uma história de relações. Inclusive neste caso, poderíamos incluir uma descrição da vida de relações do professor, demonstrando desta forma a origem sócio-cultural de suas atitudes frente as duas alunas. Como já dissemos antes, o processo de inserção da criança neste contexto é denominado de socialização, processo este fundamental para o desenvolvimento de sua personalidade.

    As relações concretas27 que ocorrem entre os diferentes sujeitos no ambiente escolar são, num primeiro momento, de socialização. Mas, a medida que a criança estabelece vínculos com determinados professores e colegas, pode avançar para um processo de sociologização e, desta forma, estabelecer relações de mediação, fundamentais no desenvolvimento e constituição da sua personalidade.

    Destacamos ainda, que haviam diferenças fisiológicas, sociais, materiais, históricas, etc, entre as alunas. Porém, diante destas, a professora se posicionou de forma a cristalizar tais diferenças, e de aumenta-las ainda mais. A questão que se coloca é como a professora foi compreendendo as possibilidades de cada aluna de aprender e se relacionar com o conhecimento proposto, e, a partir disto, como procedeu frente as possibilidades de ser das alunas.

    No caso trabalhado, as ações concretas da professora indicaram uma compreensão essencialista de homem e da personalidade. Tal compreensão entende o homem como um ser que possui uma essência a priori, ou mesmo, uma personalidade constituída internamente, sendo o ambiente e os outros meros facilitadores do desabrochar deste ser cuja personalidade já está toda em semente.

    Os conceitos de vocação, ou ainda de dom e potência, são desdobrados desta inteligibilidade, expressas de forma mais sofisticada nas teorias sobre o inconsciente. Partem da crença de que o homem nasce pronto ou semi-acabado, o que determina seu desenvolvimento de forma progressiva e contínua. Neste caso, cabe ao professor apenas facilitar o aprendizado daqueles conteúdos onde o aluno já tem tendência a.

    Retornando ao exemplo, a professora constata as diferenças entre as alunas, o que a faz entender que uma possui tendência ou potencial a jogar vôlei e outra não. Este entendimento resulta numa relação onde a professora passa a lidar com a aluna “modelo” como alguém que pode, que sabe, que vai aprender, e com a outra aluno, o oposto, em diversas situações concretas de incentivo a uma e de desinteresse pela outra, e mesmo embora a professora pouco se expresse oralmente, sua concepção acerca das alunas fica objetivada em sua prática pedagógica.

    A intervenção da professora foi abrindo para uma a possibilidades de ser uma pessoa onde jogar vôlei estaria no horizonte, e com isso constituindo o saber-jogar-vôlei como um de seus perfis ou como uma de suas qualidades. 28 Neste caso, a mediação da professora facilitou um futuro possível: é possível para ela aprender a jogar vôlei, é possível à ela saber jogar vôlei, é possível poder brincar de vôlei com amigos na praia, e se for mais longe em suas expectativas, é até possível à ela ser jogadora de uma equipe de vôlei. Assim, vai se constituir como uma pessoa que sabe jogar vôlei, e isso vai fazer parte de sua personalidade.

    Por outro lado, levou a outra aluna a fechar a possibilidade de aprender a jogar vôlei, ou seja, esta passou a se mover no mundo como alguém que não sabia, não gostava, não tinha jeito, e, indo mais longe, como alguém que não aprenderia a jogar nem vôlei, nem outros jogos com bola. A sua mediação fechou ou dificultou um futuro possível. Para esta aluna a possibilidade de saber jogar vôlei ficou seriamente dificultada, esse saber não vai fazer parte de seus perfis, não fazendo parte de seu ser, de sua personalidade.

    Podemos dizer ainda, que embora este ambiente seja apenas um dos quais tal aluna circula, nele o conteúdo, a forma, a estrutura, os valores expressos enquanto trabalho pedagógico dificultam o seu processo de socialização. Neste caso, o que poderia tornar-se num importante espaço de socialização, inclusive porque a aluna é a que mais precisa deste, acaba se tornando um complicador.


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