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Memórias da natureza: Georges Hébert
e a educação do corpo

   
Faculdade de Educação - Unicamp
(Brasil)
 
 
Carmen Lúcia Soares
carmenls@unicamp.br
 

 

 

 

 
    Este trabajo tiene como propósito analizar la obra de un autor poco estudiado en la educación física brasileña: Georges Hébert, oficial da Marina Francesa, que en la primera mitad del siglo XX, elaboró un conjunto de procedimientos para ejercitar el cuerpo al cual llamó “Método Natural”. En este trabajo las diferentes formas de educación del cuerpo y su relación con la naturaleza se presentan como temática singular. Hébert fue la persona que elaboró un proyecto de educación del cuerpo tomando como principio un retorno a la naturaleza, a partir de los modos de vida de los pueblos que poseían otras costumbres de vida, habitaban tierras distantes y desconocidas por los europeos, y a los que desde el sentido común se los llamó “salvajes” o “primitivos”. Es entonces a partir de las observaciones de las relaciones con una naturaleza formadora, siempre buena y generosa, fuente de ideas que traspasan las civilizaciones una naturales, que Hébert tomó los elementos para su proyecto de educación del cuerpo. Debemos resaltar también que esta propuesta de Hébert de volver a la naturaleza, indicaba al mismo tiempo un retorno racional y plenamente adaptado a la vida urbana y “civilizada” de las ciudades europeas de las primeras décadas del siglo XX en las que existen ejercicios físicos utilitarios y desnudez controlada. El trabajo presentado está centrado en el análisis de las diferentes formas de educación del cuerpo presentes en la obra de Hébert, utilizando como referencia los artículos publicados en el periódico: “Educação Physica Revista de Esporte e Saúde”, que circulo en Brasil entre 1932 y 1945.

Ponencia presentada en el IV Encuentro Deporte y Ciencias Sociales, Buenos Aires, noviembre de 2002
 

 
http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 55 - Diciembre de 2002

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Introdução

    Como olhar o passado? A resposta a esta pergunta empresta os traços necessários a um primeiro delineamento, ao esboço de uma primeira certeza provisória: o passado não revela verdades escondidas, ele apenas permite possíveis novas interpretações. Isto talvez porque o olhar para o passado seja sempre o olhar do presente, um olhar amalgamado pela experiência daquele que olha, pelas escolhas que faz, pelo lugar social que ocupa.

    Como traduzir o olhar? A resposta a esta pergunta remete-nos à necessidade humana da rememoração, da retomada pela palavra de um passado que sem isso desapareceria em silêncio e esquecimento. A narrativa1, sua multifacetada ação, faz-se registro e presentifica pela palavra, pela imagem, aquilo que é e está ausente. Amarra fios rompidos, rebobina séculos, assinala lembranças e esquecimentos. Constrói-se por ausências, silêncios e pequenas aparições.

    Este trabalho tem o propósito de rememorar um autor pouco estudado pela educação física brasileira. Trata-se de uma primeira aproximação com a obra de Georges Hébert2 através de artigos que escreveu e publicou na Revista Educação Physica, primeiro periódico específico da área , que circulou no Brasil entre os anos de 1932 e 1945, numa seção denominada Filosofia da Educação Física.

    Nestes artigos, um detalhe na obra do criador do chamado Método Natural3, pode-se encontrar indícios de um pensamento que buscou elaborar, com precisão, saberes e práticas voltados a um projeto social de educação do corpo e da importância da natureza nesta educação.

    O projeto educacional de Hébert tomava como princípio o retorno à natureza, o modo de vida simples de povos que possuíam outros hábitos de vida e que habitavam terras distantes e desconhecidas e por ele chamados, ainda, de “primitivos” ou “selvagens” 4, assim como a crítica ferrenha à especialização esportiva ou “taylorização de movimentos”, conforme sugerem as análises de Cambier5 .

    É, portanto, da observação das relações dos homens com uma natureza formadora, sempre boa e generosa, fonte perene de virtudes, idéia que perpassa civilizações, que Hébert retira os elementos de sua proposta de educação do corpo.

    O homem6 em estado natural , o selvagem , por exemplo, obrigado a conduzir sua vida ativa para prover suas necessidades e garantir sua segurança, realiza seu desenvolvimento físico integral vivendo ao ar livre em estado de quase nudez e executando unicamente exercícios naturais e utilitários que são aqueles de nossa espécie e para os quais nosso corpo é especialmente criado e organizado. (...)Este retorno à atividade física nas condições as mais naturais possíveis constitui aquilo que chamamos de Método Natural.

    De um modo mais amplo, pode-se afirmar que suas idéias se inserem no movimento pedagógico do começo do século XX, em que se encontram o sincretismo de Claparède, o globalismo de Decroly, entre outros, que reagiram contra as psicologias e pedagogias analíticas. Contudo, a forte inspiração deste movimento no qual se insere a obra de Hébert foram as teorias de Rousseau. 7

    Talvez fosse adequado observar que Hébert propõe um retorno à natureza, mas um retorno racional e plenamente adaptado à vida urbana e civilizada das cidades européias das primeiras décadas do século XX: nudez controlada e exercícios físicos utilitários.

    O horror à degenerescência da raça e à decadência nacional recuperam o entusiasmo por uma educação física dirigida a toda a população8. O retorno à natureza, a importância do ar, dos raios de sol e de exercícios físicos ministrados com disciplina em plena natureza, na qual alunos são acostumados a resistir ao frio, ao calor e a viver com sobriedade e frugalidade, compõem um quadro mais amplo de busca de uma higiene dos comportamentos.

    Hébert apóia-se, sobretudo, na força moral e no utilitarismo estreito em que o culto ao dever é enaltecido, afirmando sempre a simplicidade de suas idéias9 nas quais desenvolvimento físico e cultura viril estão vinculados a uma cultura moral com acentuada exaltação de sentimentos nobres10 ."A cultura do corpo pelo corpo, ou pela dominação por meio da força bruta jamais produziu o belo, o bom nem o educado ; ela traz sempre, hoje como ontem, os piores excessos morais e sociais 11 ".

    Oficial da Marinha Francesa, Georges Hébert viaja pelo mundo e observa a morfologia e os movimentos de homens e mulheres aos quais o seu senso comum ainda chama de selvagens. Os povos que observa e que converte em modelo de saúde e vigor físico são pertencentes, segundo ele, a todas as regiões do mundo: indianos de todos os climas, negros da África, indígenas da Oceania, entre outros. Todavia, Métoudi e Vigarello12 afirmam que os povos que ele observa são, essencialmente, habitantes de terras africanas “ protegidas ” no início do século XX pela França.

    O que exatamente observa Hébert ? A força, a resistência, a agilidade, o domínio do corpo em sua relação direta com a natureza, o desenho deste corpo que recorta o espaço em sua pujança e vigor e que ele associa com esfinges e estátuas antigas, trazidas como ideal de beleza revelado, no presente, por este corpo “selvagem ”. A esse respeito as análises de Gilbert Andrieu são primorosas:

    A beleza selvagem, a beleza antiga e a beleza de um organismo plenamente adaptado ao esforço que deve produzir, são três imagens trazidas pela mesma análise. Contra a sociedade que a desfigura , o retorno à natureza impõe-se. (...) O belo natural surge como o contrário do belo civilizado, do belo fabricado, da moda, do belo convencional. Ele emana de uma adaptação perfeita às leis da natureza e esta adaptação é trabalhada essencialmente por meio de todas as formas de locomoção que o homem é capaz em estado de natureza. Os músculos desenvolvidos por meio de um trabalho natural dão ao indivíduo, integralmente desenvolvido, as formas que lembram aquelas dos atletas antigos, e, muito particularmente, aquelas de um atleta ágil. O belo natural é, em qualquer situação, um belo útil...” 13

    O Método Natural ancora-se em regras simples deduzidas da natureza e recusa-se a conceber a educação física como um problema complicado de biologia ou de fisiologia, ressaltando idéias ligadas ao instinto e à intuição: "O método natural é um vasto sistema de desenvolvimento e de manutenção física conforme a natureza, imitação daqueles seres primitivos agindo pelo instinto e pela necessidade14."

    Esta afirmação de Hébert revela quase uma crença na natureza em si, pois como afirmam Métoudi e Vigarello, para ele a natureza não é nem o lugar da experiência, nem o lugar de verificação objetiva. Ela não é nem mesmo o tema de um verdadeiro conhecimento. Ela é valor ativo. Ela fala: é suficiente abandonar-se ao instinto e à intuição . (...) Imitação do selvagem, instinto e intuição tornam-se as chaves de toda conceitualização deste método: Hébert é um apologista da anticiência15.

    Como observa Delaplasce16 , Hébert vai deduzir da natureza todas as qualidades físicas a serem desenvolvidas e vai ancorar-se na cultura européia dos anos 20 e 30, utilizando o mito do selvagem como justificativa posterior de seu Método Natural , que repousa sobre uma recomposição de elementos arquetípicos como a água, o ar, o sol.

    Talvez seja difícil afirmar que o Método Natural tenha sido implantado de forma pura em outros países, como o Brasil , onde as referências a Hébert se limitam a pequenas descrições de seu trabalho em alguns manuais de história e/ou filosofia da educação física17. Porém, é possível afirmar que suas idéias centrais , tais como o retorno racionalizado à natureza, a importância das atividades físicas ao ar livre, a crítica à especialização esportiva18, a existência de “movimentos naturais”, habilidades e capacidades naturais e instintivas, constituam permanências no tempo histórico e façam-se presentes até os dias de hoje.


1. A revista Educação Physica

    Criada por civis e financiada por uma editora particular19, a revista Educação Physica busca padrões científicos, regularidade de publicação, atualidade, abrangência temática e torna-se fonte de consulta tanto para profissionais da área quanto para aqueles interessados em temas correlatos. Seguindo esta linha, recorre não só a autores nacionais como também a estrangeiros, sobretudo europeus e norte-americanos. O editorial de seu primeiro número indica seus ousados propósitos: divulgar as bases científicas da educação física; apoiar o esporte como fator de “regeneração da raça”; incentivar a formação de técnicos e especialistas; propagar os fins “morais e sociais” da atividade física, entre outros20 .

    Pretensiosa, a revista quer ser um veículo de divulgação de idéias modernas e múltiplas sobre diferentes saberes e práticas relacionadas à educação do corpo, lugar privilegiado de intervenção dirigida, num momento em que a sociedade brasileira acredita na educação como fator determinante de regeneração e renovação nacionais .

    Em suas páginas, a educação física e os esportes surgem como promotores de saúde, responsáveis pelo fortalecimento do povo e da eugenia da raça21. As vitórias esportivas não são suficientes. O que se deseja é tocar a massa e criar um estado de saúde e vigor na população. Deseja-se, sobretudo, homens e mulheres aptos a “prestar serviços à Pátria por mais absurdos que sejam”. 22

    Cabe assinalar que parte do período de existência deste periódico foi concomitante com a ausência de liberdade de expressão no Brasil, quando o país viveu sua primeira ditadura do século XX, o chamado Estado Novo. 23 Durante este período , a revista Educação Physica afirma-se como periódico científico e ganha periodicidade e sistematicidade para divulgar conhecimentos técnico- científicos, pedagógicos, estéticos e ideológicos. Todavia, não seria prudente considerar a revista um simples veículo de propaganda ideológica da ditadura do Estado Novo24 pois, embora esta ideologia estivesse presente, a revista também veiculava a idéia de serem o esporte e a educação física fatores determinantes na preparação de homens e mulheres para o enfrentamento da vida moderna 25.


2. Georges Hébert na revista Educação Phyisica

    Nos números consultados deste periódico26, encontramos cinco artigos escritos por Georges Hébert e publicados nos anos de 1941, 1942 e 1943. Nestes artigos são abarcados temas polêmicos como, por exemplo, a crítica à especialização esportiva e ao esporte espetáculo, temas que vinham sendo objeto de sua atenção desde a década de 1920 e que faziam parte não só das reflexões encontradas em seus livros mas também de L’Éducation Physique Revue Scientifique et Critique, periódico no qual escreveu inúmeros editoriais, artigos e onde exerceu o cargo de presidente do comitê de redação.

    Hébert é um crítico de toda especialização esportiva , e para ele a concepção esportiva do seu tempo ...é individualista e egoísta no sentido de que ela sacrifica a massa em detrimento do indivíduo; enfim, é quase imoral, socialmente falando; a especialização esportiva estimula, seguidamente, por meio do trabalho espetacular contínuo, os jovens a ' vender seus músculos’ 27.

    O esporte atual (do seu tempo), em sua visão, compõe o quadro de decadência moral, de indolência, pois foi desviado de seu fim utilitário e degradado pelo dinheiro e pelo espetáculo28 .

    Em dois artigos publicados respectivamente nos números 57 e 58 da revista Educação Physica, Hébert discorre amplamente sobre o que denomina “perigos sociais29” e “perigos físicos30” do esporte. Como perigos sociais, acentua o abandono da compreensão da atividade física como promotora do bem comum, o culto ao individualismo e à performance para bater o último recorde, a falta de ordem e a ausência de disciplina. Desta última, nasce o exibicionismo desordenado e o espetáculo esportivo, no qual “Os Jogos Olímpicos apresentam-se como uma feira internacional do músculo, sem alcance educativo” 31 .

    Em sua visão, o esporte como espetáculo transporta a sociedade para uma “época semibárbara” na qual a força puramente física é enaltecida32 . Para Hébert, o esporte espetáculo gera o profissionalismo e o amadorismo marrom, “grande chaga do esporte” 33 , pois aqueles que o praticam não o fazem para assegurar e desenvolver sua saúde , mas sim para ganhar dinheiro. Este modo de ganhar a vida desvia a juventude de uma compreensão mais ampla sobre o valor do trabalho, fazendo-a crer ser o esporte mais lucrativo para assegurar sua sobrevivência.

    O esporte, pelo modo como é praticado, causa ainda um outro mal à juventude , afirma Hébert, pois sua “prática atual” traz prejuízos nos estudos ao excitar em demasia as atividades vividas pelos adolescentes, tornando-os objetos de paixões fanáticas pelas façanhas esportivas e pelos recordes inúteis.

    A estes perigos sociais somam-se aqueles de natureza física34, como a especialização, que gera “uma falsa concepção do ser forte” 35 , como a ausência de moderação, pois o esportista é sempre movido pela idéia de ir mais longe, ser mais veloz36, ou como a ultrapassagem de limites das próprias forças, a ausência de ritmo, de dosagem e de regulação do esforço. Deste quadro, segundo Hébert, resulta um indivíduo cuja resistência geral foi esgotada e cuja saúde comprometida. Para ele, só o “ o esforço moderado ou econômico, quer dizer, ritmado segundo as possibilidades médias de cada pessoa , pode ser prolongado, sem perigo” 37 . Cada indivíduo deve aprender, pela educação física, a conhecer o seu ritmo de trabalho físico, o esforço que é capaz de realizar, assim como a dosagem certa38.

    A estes temas polêmicos e complexos Hébert agrega outro, qual seja, o da necessidade de precisão terminológica entre os termos educação física, esporte e ginástica39, cujo objetivo é diminuir as confusões e esclarecer, verdadeiramente, os “deveres físicos do homem” que, para Hébert, são aqueles que contribuem para conquistar uma “moralidade física”, cuja fórmula é bastante simples: “desenvolver-se e conservar-se;[...] em se desenvolvendo, torna-se forte, em se conservando, permanece forte, possui a energia e o entusiasmo e desfruta de uma perfeita saúde” 40 .

    Sua argumentação sugere que o funcionamento dos órgãos influenciam a vida moral, o ardor e o entusiasmo para viver uma vida sã, que não é mais que aquela plena de atividade, de ação, uma vida que nega, radicalmente, a ociosidade:“todos os prazeres passivos ou artificiais não deixam mais que o tédio e precipitam a destruição da saúde” 41 .

    Novamente aqui encontramos Rousseau, para quem uma verdadeira educação exige que o aluno “trabalhe, que aja, que corra e que grite, que esteja sempre em movimento; que seja homem pelo vigor e em breve o será pela razão” 42 .

    Atividade e movimentação constantes não devem, contudo, limitar-se ao desenvolvimento atlético, ao culto do músculo, pois “o corpo não é, com efeito, senão o templo da alma e o servidor do cérebro” 43 .


3. Modelos de educação do corpo

    Nos artigos escritos e publicados por Hébert na revista Educação Physica, é possível identificar a educação física, a ginástica e o esporte, este último quando apartado dos “vícios” em que está mergulhado, como um acervo de saberes e práticas voltados para um projeto de educação do corpo. Um projeto que expressa uma concepção de limpeza não só corporal , mas moral e social, compondo, assim, um quadro mais amplo de higiene dos comportamentos. Neste projeto, a natureza é provedora e fonte perene de bem-estar. Nele, também, homens e mulheres, quando sadios e cultivados física e virilmente por uma adequada educação física, possuem predisposições “naturais” para a moralidade44. Hébert trabalha sempre com oposições entre o bem e o mal ou entre virtudes e vícios encarnados nos saberes e práticas que analisa, na educação do corpo que propõe.


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