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Alguns conceitos para o estudo do direito desportivo brasileiro
Marcilio Krieger

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 54 - Noviembre de 2002

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CONDIÇÃO DE JOGO - conjunto de circunstâncias específicas de que depende o atleta para que possa atuar validamente por determinada associação de prática desportiva. Para que o atleta participe validamente de uma partida é necessário que tenha, simultaneamente, a condição legal e a condição de jogo. Elas não se confundem entre si:

CONDIÇÃO LEGAL - nasce com o contrato de trabalho desportivo firmado entre atleta e associação. A partir da assinatura do contrato, surgem as relações trabalhistas entre as partes;

CONDIÇÃO DE JOGO PROPRIAMENTE DITA - conjunto de fatores imprescindíveis para a atuação válida do atleta numa partida, tais como:

  1. a existência da condição legal: o contrato formal de trabalho desportivo entre atleta e associação, do qual exsurge o vínculo desportivo daquele com esta. Inexistindo o contrato de trabalho desportivo entre jogador e clube, inexiste a condição legal de jogo;

  2. o registro do contrato na entidade dirigente da modalidade: essencial para que se possa estabelecer a existência do vínculo desportivo. É o registro na CBF, no caso do futebol de campo, que confirma o vínculo desportivo entre as partes. Sem esse registro as relações terão apenas o caráter laboral-trabalhista;

  3. a condição de jogo jurídico-desportiva: a comprovação de que o atleta não está: c.1) cumprindo pena automática de suspensão pelo cartão vermelho ou terceiro amarelo; c.2) cumprindo pena por decisão da Justiça Desportiva; c.3) ou, ainda, ter deixado de efetuar pagamento de multa estabelecida em julgamento da Justiça Desportiva;

  4. a saúde do atleta: estar ele em bom estado físico, mental, sensorial. O jogador pode dispor de todos os requisitos anteriores, mas estar lesionado (contundido, na linguagem do futebol); estar sofrendo abalo mental pela perda, por exemplo, de alguém que lhe era muito querido; ou, ainda, estar sensorialmente abatido em virtude de convulsão, por exemplo.

    Nos casos das letras ‘a’, ‘b’ e ‘c’, a decisão de não incluir o jogador entre os participantes da partida é de ordem administrativa, pois é o departamento técnico ou de futebol quem dispõe dos elementos capazes de definir a legalidade ou não da situação do atleta.

    Na ocorrência da letra ‘d’, a responsabilidade deontológica da escalação ou da substituição do jogador é exclusiva do departamento médico.

VÍNCULO DESPORTIVO - decorre da existência formal da relação empregatícia entre o atleta profissional e a entidade de prática desportiva (cf. art. 28, I 2º, da LGSD). Sendo acessório do contrato de trabalho, o vínculo desportivo somente passa a existir para os efeitos desportivos a partir do registro do contrato na Confederação Brasileira de Futebol - sem o registro do contrato de trabalho na CBF, o jogador não tem condição legal de jogo.

ATESTADO LIBERATÓRIO - ou passe livre é o documento fornecido pela associação desportiva com quem o atleta profissional manteve contrato de trabalho, que assegura estar o atleta livre de qualquer vínculo contratual e, portanto, apto para adquirir a condição de jogo por outra associação.

    O art. 33 da LGSD tem uma redação equivocada. Eis o texto :

    “Cabe à entidade nacional de administração do desporto que registrar o contrato de trabalho profissional fornecer a condição de jogo para as entidades de prática desportiva, mediante a prova de notificação do pedido de rescisão unilateral firmado pelo atleta ou documento do empregador no mesmo sentido, desde que acompanhado da prova de pagamento da cláusula penal nos termos do art. 28 desta Lei.”

    O advogado Valed Perry, decano dos juristas desportivos brasileiros, aponta o equívoco: “...nenhuma entidade de administração do desporto fornece condição de jogo; esta é a lei e são os regulamentos que a dão. As entidades concedem transferência por solicitação do atleta.” (em “Crônica de uma Certa Lei do Desporto”).

CESSÃO OU TRANSFERÊNCIA - é o ato pelo qual a entidade de prática desportiva que mantém contrato de trabalho com atleta profissional concorda em ceder os seus serviços profissionais durante a vigência do contrato, para outra entidade de prática.

    A cessão pode ser temporária, dita contrato de empréstimo, ou definitiva, chamada de transferência. Tendo o caráter de empréstimo, não pode ser por tempo superior ao que falta para o término do contrato com a entidade cedente.

    Em quaisquer dos casos a cessão só se concretiza após a formal e expressa anuência do atleta.

    No caso de empréstimo, o clube cedente é responsável subsidiário pelas obrigações trabalhistas, previdenciárias, fundiárias e fiscais incumpridas para com o atleta cedido.

    As condições para transferência do atleta para o exterior devem integrar o respectivo contrato de trabalho, obedecidas as disposições específicas da CBF, que é a entidade nacional de título a que se refere o art. 40 da LGSD.

CLÁUSULA PENAL - é o dispositivo que prevê penalidade para o incumprimento, no todo ou em parte, do contrato;

MULTA CONTRATUAL - é a penalidade propriamente dita.

    A cláusula penal, no direito desportivo brasileiro, corresponde à indenização devida nos casos de rescisão contratual, seja por iniciativa do atleta, seja pelo clube, democratizando as relações entre as partes. Sob a vigência da Lei n° 6.354/76 e mesmo na vigência do art. 27, na redação original da Lei nº 9.615/98, o poder do clube era draconiano - era ele quem estabelecia o valor devido para a liberação do passe do atleta, ou seja para o fornecimento do atestado liberatório, documento fundamental para que o jogador pudesse assinar contrato com outro clube. Esse poder discricionário estende-se, para os contratos firmados antes de 26 de março de 2001, para além do término do contrato de trabalho, nos termos do art. 11 da ‘Lei do passe’.


Cláusula Penal

    O instituto da cláusula penal está explicitado nos parágrafos introduzidos no art. 28 do texto original da LGSD, pela Lei nº 9181 de 14 de julho de 2000. Sendo uma inovação no Direito Desportivo Brasileiro, há muito campo jurídico-interpretativo a ser percorrido até que se alcance um consenso em relação à sua aplicabilidade. Àlvaro Melo Filho, responsável pelo reconhecimento constitucional da Justiça Desportiva, em sua recente obra ‘Novo Regime Jurídico do Desporto’, nos ensina que :

    “... tornam-se relevantes e imperiosas as diferenças entre cláusula penal e multa rescisória nos moldes fixados pela legislação desportiva brasileira (Lei n° 9.615/98 com as alterações da Lei n°9.981/00).


Cláusula Penal prevista no art. 28:

  1. é devida pelo atleta ao clube;

  2. resulta da infringência contratual (rompimento unilateral) por vontade do atleta;

  3. tem natureza compensatória pela quebra do pacto de permanência;

  4. a responsabilidade por seu pagamento é transferida, por costume, ao clube adquirente ou clube de destino do atleta;

  5. seu valor - até cem vezes o valor anual pactuado - é fixado pelas partes contratantes e submetido a redutores estatuídos na lei.


Multa Rescisória consoante o art. 31:

  1. é devida pelo clube ao atleta;

  2. resulta do atraso salarial por 3 ou mais meses imputável ao clube;

  3. tem natureza moratória como sanção de inadimplemento salarial;

  4. é de responsabilidade do clube ao qual o atleta está vinculado;

  5. seu valor está limitado e fixado pelo art. 479 da CLT (50% do que deveria receber até o fim do contrato)”.

    Entendo de maneira diversa, pois parto do princípio de que a cláusula penal tem uma característica híbrida: por nascer do contrato de trabalho, sendo dele um acessório, tem natureza trabalhista; mas porque se refere especificamente à inexecução de uma obrigação (o contrato de trabalho), tem natureza essencialmente indenizatória. E é exatamente por ter característica indenizatória que a cláusula penal é devida por aquele que deu causa ao descumprimento, rompimento ou rescisão unilateral, na dicção da parte final do caput do art. 28. Com efeito, o contrato firmado entre jogador e clube é a expressão de duas vontades que se propõem, simultaneamente a:

  • o jogador - cumprir horários de treinos e jogos, obediência à determinações táticas e prescrições alimentares e de saúde, apuramento das condições físicas e técnicas;

  • o clube - realizar o pagamento da remuneração e demais consectários avençados, nos prazos estipulados, além de oferecer as melhores condições de treino e de preparação física.

    A bilateralidade dos interesses pactuados revela-se:

  • para o clube, na obtenção das vantagens advindas da melhor performance do jogador e, portanto, de uma boa colocação na tabela da competição - com o que melhoram seus contratos de patrocínio e de transmissão televisiva, dentre outros;

  • para o jogador, o fato de poder expor suas qualidades através da mídia, do que advirá sua valorização profissional no mercado desportivo, a médio e longo prazos.

    Assim, o rompimento do status nascido com o pacto laboral desportivo entre clube e jogador, por qualquer dos contratantes, produzirá, em maior ou menor grau, prejuízo para a outra parte que, por tal motivo, fará jus à indenização conveniada sob o nome de cláusula penal.


Referências bibliográficas

  • AIDDAR, Carlos et al. Direito desportivo. Campinas, SP: Ed. Mizuno, 1999

  • BOBBIO, Norberto et al. Dicionário de política. Brasília: Ed. UnB, 1997

  • CENEVIVA, Walter. Direito constitucional brasileiro. São Paulo: Ed. Saraiva, 1991

  • DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário jurídico. Rio: Ed. Forense, 1999

  • KRIEGER, Marcilio. Lei Pelé e legislação desportiva brasileira anotadas. Rio de Janeiro: Forense, 1999

  • KRIEGER, Marcilio et al. Revista brasileira de direito desportivo Nº 1, Instituto Brasileiro de Direito Desportivo-IBDD. São Paulo: 2002

  • MEIRIM, José Manoel. Dicionário jurídico do desporto. Lisboa: Ed. Record, 1999.

  • MELO FILHO, Álvaro. Novo regime jurídico do desporto. Brasília: Ed. Brasília Jurídica, 2001

  • MELO FILHO, Álvaro. O novo direito desportivo. São Paulo: Cultural Paulista, 2002

  • PERRY, Valed. Crônica de uma certa lei do desporto. Rio: Lumen Juris,1999

  • Legislação desportiva brasileira:
    Lei geral sobre desportos - LGSD - Lei nº 9.615, de 24.03.1998, com as alterações das Lei nº 9.981, de 14.07.2000; Lei nº 10.220, de 11 de abril de 2001; Lei nº 10.264, de 16 de julho de 2001; Medidas Provisórias nº 2.193-6, 2.216-37.


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