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Alguns conceitos para o estudo
do direito desportivo brasileiro

   
Advogado, formado pela Faculdade de Direito da
Universidade Federal de Santa Catarina;
Autor de 3 livros na área do Direito Desportivo,
ex-assessor jurídico da Federação Catarinense de Futebol,
Procurador do TJD/SC, conferencista em Seminários e Congressos Nacionais
de temas jurídico-desportivos e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo,
Presidente do Instituto Catarinense de Direito Desportivo-ICDD
 
 
Marcilio Krieger
marcilio@oab-sc.com.br
(Brasil)
 

 

 

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 54 - Noviembre de 2002

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SOBERANIA - É o poder supremo de um Estado, representada pela sua capacidade de organizar-se politicamente sem a interferência de outro Estado.

    Norberto Bobbio, em “Dicionário de Política”, trata das diversas formas de soberania. Transcrevemos a que se refere à soberania popular, por se enquadrar perfeitamente na realidade brasileira pós-ditadura militar, quando a Assembléia Nacional Constituinte elaborou a atual Constituição. Diz Bobbio que a soberania popular “...se manifesta no seu poder constituinte, pelo qual, através da Constituição, define os órgãos e os poderes constituídos e instaura o ordenamento, onde estão previstas as regras que permitem sua transformação e sua aplicação. O poder constituinte do povo conhece já procedimentos satisfatoriamente consolidados (assembléias ad hoc, formas de ratificação através de referendum), capazes de garantir que a nova ordem corresponda à vontade popular. É justamente por este motivo que o poder constituinte do povo, que instaura uma nova forma de Estado, pode ser encarado como a última e mais amadurecida expressão do contratualismo democrático: um contrato entre os cidadãos e as forças políticas e sociais, que define as formas pelas quais os representantes ou comissionados do povo devem exercer o poder, bem como os limites dentre os quais eles devem se movimentar”. (sem omissões, no original)

    Para o constitucionalista Walter Ceneviva: “A soberania corresponde ao exercício efetivo de todos os poderes inerentes à personalidade jurídica do Estado e ao exercício da autoridade, impondo o seu ordenamento jurídico sobre todo o território .(...) Manifesta-se objetivamente pelo processo legislativo e pela aplicação da lei sem interferência de outro Estado, com independência de decidir na Administração e no Judiciário. (...) A defesa da soberania não se confunde com a admissão de circunstâncias particulares que autorizam, com vantagem para o Estado, concessões dela. Serve de exemplo favorável a reciprocidade de tratamento dos cidadãos entre o Brasil e Portugal, quanto aos direitos e deveres ( art. 12, I 1º CF/88). Exemplo negativo é o dos contratos de risco, para extração de petróleo, nos quais o Brasil aceitou, enquanto Nação livre, sacrificar sua soberania ao admitir a submissão, a leis e tribunais estrangeiros, das questões judiciais relacionadas com o cumprimento daquelas avenças.”

A SOBERANIA NO DESPORTO - A Lei Geral Sobre Desporto conceitua clara e objetivamente que o princípio da soberania caracteriza-se pela supremacia nacional na organização da prática desportiva. (inteligência do art. 2º, I, da Lei nº 9.615/98)

AUTONOMIA - “(...)A autonomia pode ser absoluta ou relativa. Quando se diz autonomia absoluta, entende-se a autonomia soberana, sem qualquer restrição que possa limitar a ação de quem a tem. E, neste caso, é sinônimo da própria soberania, que é aquela que possuem os Estados independentes e constituídos segundo a vontade soberana de seus componentes. Entre nós, a autonomia da União é soberana, pois que nela repousa todo poder político da Federação. (...) Toda a autonomia relativa está subordinada às limitações decorrentes da vontade ou das determinações emanadas da entidade que mantém em suas mãos a autonomia absoluta ou soberana(...)” (De Plácido e Silva, em ‘Vocabulário Jurídico’)

AUTONOMIA DESPORTIVA - É o princípio segundo o qual as pessoas físicas e jurídicas têm a faculdade e liberdade de se organizarem para a prática desportiva (Lei Geral Sobre Desportos, art. 2º, II) sem a interferência estatal no seu funcionamento (Constituição Federal, art. 5º, XVII e XVIII), desde que respeitado o princípio da soberania (CF, art. 1º, I, c/c LGSD, art. 2º, II).

    A autonomia de que dispõem as entidades dirigentes e as associações brasileiras cinge-se, portanto, à sua organização (sociedade com ou sem fins econômicos, p. ex.) e funcionamento, voltados para a prática desportiva. Quanto aos demais aspectos de suas atividades, como as relações societárias, empresariais, trabalhistas e as diversas obrigações fiscais, previdenciárias e outras delas decorrentes, as entidades devem obedecer ao regramento decorrente do Direito Positivo Pátrio aplicável a cada caso.

RECEPÇÃO - No Direito Desportivo Brasileiro, significa o reconhecimento formal e obrigatório do conjunto das normas e regras próprias de cada modalidade desportiva. O disposto no I 1º do art.1º da LGSD determina que o Direito Brasileiro acate as regras e normas desportivas instituídas pelas entidades dirigentes das diversas modalidades, sejam elas internacionais (FIFA, no futebol; IAAF, atletismo; FIBA, basquete; FIV, vôlei etc), sejam as manifestações de criação nacional (peteca, biribol, frescobol etc).

    É interessante observar que a redação do I1º do art. 1º da Lei nº 8.672/93 (Lei Zico) era mais precisa que o seu correspondente na atual LGSD (art. 1º, § 1 º). Compare-se :

  • Lei Zico : “A prática desportiva formal é regulada por normas e regras nacionais e pelas regras internacionais aceitas em cada modalidade” - há, aqui, a priorização das regras do jogo sobre as normas, já que estas decorrem necessariamente daquelas; e

  • Lei Pelé : “A prática desportiva formal é regulada por normas nacionais e internacionais e pelas regras de prática desportiva de cada modalidade, aceitas pelas respectivas entidades nacionais de administração do desporto”.

    Observe-se, a propósito, que as entidades dirigentes nacionais não têm poderes para produzir qualquer alteração no regramento da modalidade, que é propriedade da respectiva entidade internacional.

    Excetuam-se da recepção as disposições pertinentes ao poder sancionador strictu sensu, a organização da Justiça Desportiva e as matérias referentes ao Processo Disciplinar, ou seja, as ações relativas à disciplina e às competições desportivas, nos termos do disposto no I 1º do art. 217 da CF/88 e art. 50 e seguintes da LGSD.

PRINCÍPIOS - são as premissas, as normas básicas que, por disposição expressa da LGSD devem estar sempre presentes em todas as atividades relativas à prática desportiva.

    São doze os princípios estabelecidos no art. 2º, sendo que os sete primeiros repetem o disposto no art. 217, seus incisos e parágrafos, da CF/88: soberania, autonomia, democratização, liberdade, direito social ou de cada um, diferenciação, identidade nacional; os três seguintes e o último, educação, qualidade, descentralização e eficiência, procuram garantir um padrão de excelência à prática desportiva, enquanto apenas um deles, o décimo-primeiro, refere-se especificamente à defesa dos direitos do atleta.

NORMAS GERAIS - enunciação utilizada quer pela Constituição Federal como sinônimo de leis gerais, leis comuns ou normas jurídicas com o caráter de generalidade (“No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais”, art. 24, I 1º), quer pela LGSD (“O desporto brasileiro abrange práticas formais e não-formais e obedece às normas gerais desta Lei, ...”, art. 1º).

NORMAS GERAIS SOBRE DESPORTO - “A expressão normas gerais foi usada na Constituição Federal (art. 24, I1°) para designar normas que delimitam o campo da abrangência e aplicabilidade de um instituto, traçam o contorno e, sem descer a pormenores, conformam uma moldura dentro da qual legislam as entidades desportivas. No plano do Direito Desportivo as normas gerais podem ser definidas como aquelas que estabelecem as diretrizes aplicáveis indistintamente ao desporto nacional dentro dos princípios inseridos na Constituição Federal” (Álvaro Melo Filho, em “ Novo Regime Jurídico do Desporto”).

REGRAS E NORMAS DESPORTIVAS - São leis, princípios, preceitos relativos ao desporto ou a uma determinada modalidade desportiva.

    A regra, chamada de “regra do jogo”, é a base, o fundamento da modalidade desportiva, tendo sido criada e instituída pela entidade diretiva internacional que é o único organismo autorizado para introduzir-lhe alterações e impor coercitivamente o seu cumprimento às entidades que lhe são filiadas, sob pena de desfiliação. A regra existe por si só, independente de qualquer norma.

    A norma, é uma espécie de conseqüência, de corolário da regra. Seu objetivo é o de explicitá-la ou atualiza-la no todo ou em parte, estabelecer preceitos para o seu cumprimento. Inexistem normas se não existirem regras.

DIREITO DESPORTIVO - é a parte ou ramo do direito positivo que regula as relações desportivas, assim entendidas aquelas formadas pelas regras e normas internacionais e nacionais estabelecidas para cada modalidade, bem como as disposições relativas ao regulamento e à disciplina das competições.

    Carlos Miguel Aidar, um dos criadores do Clube dos 13, ex-Presidente do São Paulo FC, atualmente Presidente da OAB/SP e Conselheiro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, nos ensina que: “(...)O direito desportivo tem uma característica extremamente diferente do direito trabalhista, do direito penal, do direito civil, do direito comercial, do direito tributário, enfim, dos tradicionais ramos do direito, porque o esporte está atrelado aos princípios internacionais. Porém é preciso que se diga que os princípios internacionais é que regulamentam o esporte. É possível formar, por exemplo, um time de basquete feminino, um time de vôlei feminino, um time de basquete masculino ou um time de futebol e jogar uma partida com qualquer outro grupo de pessoas de outra nacionalidade, de outra etnia, enfim, do outro extremo do mundo porque a regra é a mesma, a regra desportiva é igual, porque existem confederações internacionais que regulamentam a prática desportiva.” (em “Direito Desportivo’)

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DESPORTIVA - “Sistema de órgãos, serviços e agentes do Estado, bem como das demais pessoas coletivas públicas, que asseguram em nome da coletividade a satisfação regular e contínua das necessidades coletivas no domínio da prática desportiva” (José Manuel Meirim, Dicionário Jurídico do Desporto).

    A administração pública desportiva no Brasil é denominada Sistema Brasileiro do Desporto e compreende o Ministério do Esporte e Turismo, o Conselho Nacional do Esporte/CNE, o sistema nacional do desporto e os sistemas de desporto dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 4º da LGSD).

JUSTIÇA DESPORTIVA - é o aparelhamento político-administrativo-jurídico que aplica o Direito Desportivo aos casos de infração disciplinar às normas e regulamentos desportivos, bem como às transgressões das respectivas competições, obedecidos os requisitos constitucionais e legais que lhe são aplicáveis, sendo instância obrigatória para o ingresso com ação junto ao Poder Judiciário sobre tais questões (conforme art. 217, II 1º e 2º da CF e arts. 49 até 55 da LGSD).

    Todas as modalidades de desporto institucionalizado, também chamado de federado ou formal regem-se por regras e normas a cujo cumprimento estão obrigados os seus praticantes, as entidades dirigentes e de prática e as pessoas que a elas prestam serviços como atletas, treinadores, massagistas, fisicultores, médicos, bem assim os árbitros e auxiliares, e os membros dos respectivos tribunais de justiça.

EXCEÇÃO - Ao Comitê Olímpico Brasileiro e ao Comitê Paraolimpíco Brasileiro não se aplicam as disposições da LGSD referentes à Justiça Desportiva. (art.51)


Do Atleta

ATLETA PROFISSIONAL, EXCETO O PEÃO DE RODEIO - aquele cuja atividade caracteriza-se pelo recebimento de remuneração pactuada em contrato formal de trabalho firmado com entidade de prática desportiva, pessoa jurídica de direito privado. Atualmente podem ser profissionais o atleta da modalidade de futebol de campo (entendimento segundo o disposto no art. 3°, p.único, I; art. 28 e art. 94, todos da LGSD e arts. 1° e 2° da Lei n° 6.354/76);

PEÃO DE RODEIO - A Lei nº 10.220/01, em seus artigos 1º e 2º, considera atleta profissional o peão de rodeio que mediante remuneração pactuada em contrato formal de modelo próprio celebrado com entidade promotora das provas de rodeio, participe em provas de destreza no dorso de animais eqüinos ou bovinos trabalho.

ATLETA NÃO-PROFISSIONAL - é o que pratica qualquer modalidade desportiva, inclusive futebol de campo, mantendo ou não contrato de recebimento de incentivos materiais e/ou de patrocínio, desde que não haja contrato de trabalho entre as partes (conforme art. 3°, p.único, II, da LGSD).

ATLETA AMADOR - é o praticante de qualquer modalidade desportiva, inclusive futebol de campo, sem receber nenhuma forma de remuneração ou de incentivos materiais. São amadores os atletas que participam das competições no âmbito dos desportos educacional e de participação, bem como os milhões de jogadores de todas as idades que participam de competições regulares ou eventuais promovidas pelos sistemas desportivos estaduais, distrital ou municipais.


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