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Competências no ensino e treino de jovens futebolistas
Júlio Garganta

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 45 - Febrero de 2002

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    A aprendizagem do jogo de Futebol implica a construção da maestria da relação com a bola, em função das exigências tácticas do jogo. A limitação específica desta aprendizagem passa pela necessidade do praticante de Futebol ter que jogar a bola quase exclusivamente com os membros inferiores, estando estes simultaneamente implicados no equilíbrio do corpo e nos deslocamentos. Acresce o facto do jogo se desenvolver, predominantemente, num plano baixo, o que concorre para dificultar a disponibilização da visão para efectuar a "leitura do jogo".

    Neste contexto, quando um jogador erra frequentemente determinada resposta motora, torna-se importante identificar se tal decorre duma leitura deficiente da situação (mecanismo perceptivo e de decisão mental), ou se deriva da sua ineficiência técnica ou física para responder a tal situação.

  • Frequência de concretização

    Em equipas de jogadores confirmados, em média, no Andebol consegue-se um golo em cada dois minutos; nos jogos de Basquetebol e de Voleibol consegue-se concretizar pontos em cada minuto. A relação entre as acções de ataque e êxitos quantificáveis é aproximadamente nestas modalidades de 2 para 1, enquanto que no Futebol é apenas de 50 para 1.

    Esta circunstância permite que, não raramente no Futebol, equipas de nível inferior possam conseguir bons resultados frente a equipas de elevado nível, o que dificilmente acontece noutros desportos de equipa.

    Estas constatações não devem conduzir a uma diminuição da importância atribuida à finalização no ensino/treino do Futebol. Bem pelo contrário, dever-se-á propiciar a criação de um grande e variado número de ocasiões de finalização, quando não o praticante perde de vista o objectivo central do jogo (o golo) e centra a sua actuação ao nível do jogo de transição, provocando um desequilíbrio entre jogo indirecto e jogo directo.

  • Colocação dos alvos

    No Futebol, tal como no Andebol, e duma forma diversa do que acontece no Basquetebol e no Voleibol, a colocação dos alvos (balizas) na vertical, faz "variar" a sua largura aparente, em função da posição (ângulo) em que estão a ser visualizadas pelo jogador (Gréhaigne, 1992). Esta indicação reveste-se de grande importância na construção do pensamento táctico do principiante, na medida em que permite interiorizar as noções de conquista/defesa do eixo do terreno, de jogo directo e indirecto, e de abertura/fecho de ângulos de remate.

    No ensino e treino do Futebol afigura-se importante definir os traços estruturais e funcionais que traduzam a singularidade do jogo, no sentido de definir os seus conteúdos, melhor orientar a definição dos objectivos e adequar a selecção dos respectivos meios. De entre todos os aspectos, distinguimos dois que, pela sua natureza, condicionam duma forma importante a lógica do jogo e, portanto, o seu ensino e treino: o terreno de jogo e os princípios específicos do jogo.

  • Terreno de jogo

    Efectivamente, uma das referências fundamentais para o ensino do Futebol é o terreno de jogo. As suas marcações conferem ao jogo uma lógica e configuração particulares, condicionando os comportamentos dos jogadores. Para além das marcações regulamentares, assinaladas no terreno de jogo, existem outras referências importantes para que os jogadores nas diferentes fases (ataque e defesa), respondam aos imperativos do jogo, respeitando os princípios ofensivos e defensivos (Figura 3).

    Estas zonas ou áreas, não assinaladas fisicamente no terreno, podem ser perspectivadas: (a) longitudinalmente, ou à largura do terreno de jogo, sendo normalmente designadas por corredores (1 corredor central, situado no eixo baliza atacada-baliza defendida; 2 corredores periféricos ou laterais, contíguos ao corredor central, um do lado esquerdo outro do lado direito); (b) transversalmente, ou ao comprimento do terreno de jogo, sendo habitualmente designadas por sectores (defensivo, médio e ofensivo).

Figura 3 - Divisão longitudinal e transversal do terreno de jogo.
  • Princípios do jogo

    Os princípios de jogo constituem um conjunto de normas que orientam o jogador na procura das soluções mais eficazes, nas diferentes situações de jogo, pelo que são também referenciais muito importantes para o ensino e treino do Futebol.

    No jogo de Futebol é possível identificar duas grandes fases, em cada uma das quais as equipas perseguem objectivos antagónicos: a fase de ataque, quando a equipa tem a posse da bola e procura criar situações de finalização e marcar golo; e a fase de defesa, quando a equipa não tem a posse da bola e tenta impedir a criação de situações de finalização e a marcação do golo, procurando apoderar-se dela.

    O êxito do ataque e da defesa exige uma coordenação precisa das acções dos jogadores, segundo princípios gerais e princípios específicos. A diferente interpretação e valorização das várias finalidades, quer do ataque quer da defesa, traduz-se em diferentes tipos de jogo.


(2) Modelação do jogo de Futebol

    Partindo da ideia de que o processo de ensino/aprendizagem deve pautar-se pela eficácia, isto é, pela capacidade de produzir os efeitos pretendidos, torna-se imprescindível a existência de referenciais que, para além de possibilitarem a definição dos objectivos, orientem a selecção dos meios e métodos mais adequados para os alcançar (Garganta, 1985).

    Nesta medida, o processo de ensino do Futebol deve reportar-se a um conjunto de princípios ou ideias (modelos), que expressam os aspectos a que se atribui maior importância e que se pretende ver cumpridos.

    Na medida em que as acções de jogo ocorrem em contextos de elevada variabilidade, imprevisibilidade e aleatoriedade, aos jogadores é requerida uma permanente atitude estratégico-táctica (Gréhaigne, 1989; Deleplace, 1994; Garganta, 1994; Mombaerts, 1996). Na construção de tal atitude, a selecção do número e qualidade das acções depende obviamente do conhecimento que o jogador tem do jogo. Quer isto dizer que a forma de actuação de um jogador está fortemente condicionada pelos seus modelos de explicação, ou seja, pelo modo como ele concebe e percebe o jogo. São esses modelos que orientam as respectivas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora.

    Isto significa que a forma de um jogador entender o jogo e de nele se exprimir, depende de um fundo, ou de um metanível, que constitui aquilo que podemos designar por "modelo de jogo". As relações que o jogador estabelece entre este modelo e as situações que ocorrem no jogo, orientam as respectivas decisões, condicionando a organização da percepção, a compreensão das informações e a resposta motora (Garganta, 1997).

    Deste modo, a dimensão estratégico-táctica emerge como território que confere ou retira sentido às tarefas dos jogadores no decurso do jogo (Figura 4).

Figura 4 - A dimensão estratégico-táctica enquanto território de sentido
das tarefas dos jogadores no decurso do jogo (Garganta, 1997).

    De entre os referenciais a ter em conta, os princípios do jogo mais evoluído e as características reveladas pelos praticantes assumem uma dimensão particularmente importante. Não se trata, obviamente, de copiar os modelos da prática de alto nível, mas tão só estabelecer a imprescindível ligação entre diferenciados níveis de jogo, salvaguardando as devidas proporções. Impõe-se, assim, que se identifiquem os problemas mais pertinentes do jogo elementar e os indicadores de qualidade do jogo de elevado nível, deles devendo decorrer a sistematização dos conteúdos, a definição dos objectivos e a selecção dos exercícios para ensinar e treinar esta modalidade desportiva.

    Dos momentos iniciais da prática do Futebol até aos mais elevados níveis, o jogo vai apresentando sucessivas configurações de referência, que uma vez racionalizadas permitem construir os designados modelos de jogo. Neste sentido, a modelação do jogo permite fazer emergir problemas, determinar os objectivos de aprendizagem e constatar os progressos dos praticantes. A partir das perspectivas de Garganta (1985) e Gréhaigne (1992), de acordo com os comportamentos revelados pelos jogadores e pelas equipas, apresentamos, em síntese, três modelos de jogo, correspondentes ao nível de evolução dos indicadores: estruturação do espaço, comunicação na acção e relação com a bola:

Modelo rudimentar

Jogo estático, não orientado, jogadores centrados sobre a bola, excesso de verbalização.

  • Os jogadores perseguem indiscriminadamente a bola, aglutinando-se em torno dela.

  • Dificuldades na relação com a bola (controlo, protecção, condução, etc.).

  • Utilização sistemática da visão para olhar a bola, indisponibilidade para "ler" o jogo.

  • Imobilismo dos jogadores sem bola e abuso da comunicação verbal.

  • A circulação da bola não é voluntária.

  • Sucessão de acções isoladas e explosivas sobre a bola.

Modelo Intermédio

Jogo estático, orientado, jogadores centrados sobre os passes.

  • Ocupação mais racional do espaço de jogo, embora pouco eficaz, porque estática.

  • Existência de blocos constituidos por jogadores estáticos que trocam a bola entre si.

  • Circulação da bola à periferia.

  • A visão (central e periférica) vai sendo progressivamente libertada para "ler" o jogo.

  • Todo o encadeamento de acções necessita de uma paragem (bola, jogador).

  • Pouca acutilância ofensiva.

Modelo Avançado

Jogo dinâmico, orientado, jogadores centrados sobre a finalização (golo).

  • Jogadores organizados em função de finalidades diferenciadas.

  • Acutilância ofensiva.

  • O portador da bola joga de cabeça levantada para "ler" o jogo.

  • Alternância do jogo em largura com o jogo em profundidade.

  • As acções são organizadas em função dos alvos (balizas).

  • As acções são encadeadas.

  • Privilegia-se a comunicação motora em detrimento da verbal e da gestual.


(3) Condicionantes pedagógicas

    Para abordar o ensino e o treino do Futebol, afigura-se necessário adequar as situações propostas à "linguagem motora" do praticante, de modo a possibilitar uma melhor transmissão e assimilação dos conteúdos específicos. Esta adequação deve acontecer para enriquecer a actividade, não desvirtuando aquilo que o jogo tem de essencial (Garganta & Pinto, 1994).

    As estratégias mais adequadas para ensinar o jogo passam por interessar o praticante, recorrendo a formas jogadas motivantes, implicando-o em situações problema que contenham os ingredientes fundamentais do jogo, isto é, presença da bola, oposição, cooperação, escolha e finalização. De acordo com este entendimento, não são de adoptar situações que preconizem a exercitação descontextualizada e analítica dos gestos técnicos (passe, remate, drible, etc.), dado que a execução assim realizada assume características diferentes daquela que ocorre no contexto aleatório do jogo. O jogo é uma unidade e, como tal, o domínio das diferentes técnicas (passe, condução, remate, etc.), revelado pelos praticantes, embora se constitua como um instrumento sem o qual é muito difícil jogar e impossível jogar bem, não permite necessariamente o acesso ao bom jogo.

    Para que o bom jogo possa acontecer com uma dinâmica que favoreça a evolução do indivíduo que joga, deve propôr-se ao praticante um jogo relativamente acessível, isto é, com regras simples, com menos jogadores e num espaço mais pequeno, de modo a permitir: a percepção das linhas de força do jogo (bola, terreno, adversários, colegas), muitos e diversificados contactos com a bola, a continuidade das acções e várias possibilidades de concretização.


Fases do ensino do Futebol

    O jogo de Futebol é uma realidade complexa porque o jogador tem que, a um tempo, relacionar-se com a bola e referenciar a sua situação no terreno de jogo, a posição dos colegas, dos adversários e das balizas. Devido a esta complexidade, impõe-se que o seu ensino seja gradual: do conhecido para o desconhecido, do fácil para o difícil, do menos para o mais complexo. Até chegar aos problemas do jogo formal, há que resolver um conjunto de situações passíveis de hierarquização, em função da estrutura dos elementos de jogo: jogador, bola, balizas, colegas e adversários.

    Considerando as posições anteriormente assumidas, somos apologistas dum ensino do Futebol referenciado a fases evolutivas, ou etapas, que permitam integrar tarefas e objectivos de complexidade crescente. Todavia, a necessidade de dividir o ensino em fases não deve conduzir à divisão do jogo em elementos (o passe, a condução da bola, o remate, etc.), mas antes à sua estruturação em unidades funcionais (Quadro 1).

Quadro 1 - Proposta de faseamento para o ensino do Futebol


    Numa primeira fase do ensino do Futebol, pretende-se que o praticante se familiarize com a bola, aprendendo a controlá-la e a apreciar as suas trajectórias.

    A relação jogador-bola, no nosso entender, deve ser construída com base em três preocupações fundamentais:

    (a) recorrer a situações/exercícios que apelem à utilização de diferentes superfícies corporais (pé, coxa, cabeça, peito, etc.), em contextos variáveis; (b) propôr situações que solicitem o equilíbrio corporal num só apoio e permitam controlar as trajectórias voluntariamente imprimidas à bola; (c) não descurar os aspectos perceptivos, para além da bola, isto é, não centrar exclusivamente a atenção na bola (espaço próprio), levando o praticante a estar progressivamente mais disponível para "ler" o que se passa à sua volta (espaço próximo).

    Na fase de construção da presença dos alvos, pretende-se que:

  1. no plano ofensivo, a evolução do nível de jogo conduza à finalização, alicerçada num equilíbrio cada vez mais claro entre o jogo directo e o jogo indirecto. Isto significa que os praticantes, embora sem perder de vista o objectivo do jogo, isto é, marcar golo, não devem jogar indiscriminadamente para a baliza, ou para a frente. Importa perceber que, em determinados momentos, pode ser importante jogar para trás ou lateralizar, no sentido de fazer oscilar os jogadores da equipa contrária e bem assim abrir espaços para jogar;

  2. do ponto de vista defensivo, pretende-se passar duma defesa amontoada junto da baliza para uma defesa estendida a todo o meio campo, quando não a todo o terreno.


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