Competências no ensino e treino de jovens futebolistas | |||
Universidade do Porto Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física (Portugal) |
Júlio Garganta jgargant@fcdef.up.pt |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 8 - N° 45 - Febrero de 2002 |
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O Futebol ocupa um lugar importante no contexto desportivo contemporâneo, dado que, na sua expressão multitudinária, não é apenas um espectáculo desportivo, mas também um meio de educação física e desportiva e um campo de aplicação da ciência.
No decurso da sua existência, esta modalidade tem sido ensinada, treinada e investigada, à luz de diferentes perspectivas, as quais deixam perceber concepções diversas a propósito do conteúdo do jogo e das características que o ensino e o treino devem assumir, na procura da eficácia.
Futebol: um jogo de oposição, um jogo tácticoO Futebol pertence a um grupo de modalidades com características próprias e comuns, habitualmente designadas por jogos desportivos colectivos (JDC). Sem diminuir a importância das restantes características, é a relação de oposição entre os elementos das duas equipas em confronto e a relação de cooperação entre os elementos da mesma equipa, ocorridas num contexto aleatório, que traduzem a essência do jogo de Futebol (Garganta, 2001).
O problema fundamental pode ser enunciado da seguinte forma (Gréhaigne & Guillon, 1992): numa situação de oposição, os jogadores devem coordenar as acções com a finalidade de recuperar, conservar e fazer progredir o móbil do jogo (bola), tendo como objectivo criar situações de finalização e marcar golo ou ponto.
Se observarmos um jogo de Futebol minimamente organizado, mesmo que ambas as equipas em confronto não se distingam pela cor ou padrão do equipamento, é possível, passado algum tempo, identificar os elementos constituintes de cada uma delas. Esta possibilidade resulta do facto de que a referida relação de oposição/cooperação, para ser sustentável e eficaz, reclama dos jogadores comportamentos congruentes com as sucessivas situações do jogo, de acordo com os respectivos objectivos de sinal contrário de cada uma das equipas.
Face ao jogo, o problema primeiro é de natureza táctica, isto é, o praticante deve saber o que fazer, para poder resolver o problema subsequente, o como fazer, seleccionando e utilizando a resposta motora mais adequada. Tal exige, então, que os praticantes possuam uma adequada capacidade de decisão, que decorre duma ajustada leitura do jogo, para poderem materializar a acção através de recursos motores específicos, genericamente designados por técnica.
A técnica da tácticaO vocábulo técnica, comummente utilizado em distintas actividades humanas, é entendido como o conjunto de processos bem definidos e transmissíveis que se destinam à produção de certos resultados. No Futebol, as técnicas constituem acções motoras especializadas que permitem resolver as tarefas do jogo (Garganta, 1997).
Durante muito tempo, a técnica foi considerada o elemento fundamental e básico na configuração e desenvolvimento da acção de jogo nos desportos de equipa (Hernandez-Moreno, 1994). Uma das consequências mais evidentes deste facto, tem sido a obsessão pelos aspectos do ensino/aprendizagem centrados na técnica individual (Bonnet, 1983), partindo-se do princípio que a soma de todos os desempenhos individuais provoca um apuro qualitativo da equipa e também que o gesto técnico aprendido duma forma analítica possibilita uma aplicação eficaz nas situações de jogo.
Desde os anos 60 que a didáctica dos jogos desportivos repousa numa análise formal e mecanicista. Os processos de ensino e treino têm consistido em fazer adquirir aos praticantes sucessões de gestos técnicos, empregando-se muito tempo no ensino da técnica e muito pouco ou nenhum no ensino do jogo propriamente dito (Gréhaigne & Guillon, 1992). Nos tempos actuais, uma sessão de ensino/treino do Futebol segue este modelo: 1ª parte: aquecimento com ou sem bola (habitualmente sem bola); 2ª parte: corpo principal da sessão, onde são abordados os gestos específicos da actividade considerada, através de situações simplificadas, com ou sem oposição; 3ª parte: em função do tempo disponível, recorre-se a formas jogadas (jogos reduzidos ou jogo formal).
Frequentemente é privilegiada a dimensão eficiência (forma de realização) da habilidade, independentemente das dimensões eficácia (finalidade) e adaptação, isto é, do ajustamento das soluções e respostas ao contexto (Rink, 1985; Graça, 1994). Ora, a concepção que privilegia a desmontagem e remontagem dos gestos técnicos elementares e o seu transfere para as situações de jogo, não deve constituir mais do que uma das vias possíveis no ensino do Futebol, dado que nesta perspectiva se ensina o modo de fazer (técnica) separado das razões de fazer (táctica). Aliás, Bunker & Thorpe (1982) constataram que quando a técnica é abordada através de situações que ocorrem à margem dos requisitos tácticos, ela adquire um transfere diminuto para o jogo.
A verdadeira dimensão da técnica repousa na sua utilidade para servir a inteligência e a capacidade de decisão táctica dos jogadores e das equipas. Um bom executante é, antes de mais, aquele que é capaz de seleccionar as técnicas mais adequadas para responder às sucessivas configurações do jogo. Por isso, o ensino e o treino da técnica no Futebol, não devem restringir-se aos aspectos biomecânicos, mas atender sobretudo às imposições da sua adaptação inteligente às situações de jogo. Nesta perspectiva, afigura-se mais importante saber gerir regras de funcionamento, ou princípios de acção, do que utilizar técnicas esteriotipadas ou esquemas tácticos rígidos e pré-determinados (Garganta, 2001).
Face à cadeia acontecimental experimentada por um jogador nas situações de jogo (Figura 1), justifica-se a definição de modelos tácticos que funcionem como complexos de referências que orientem a construção de situações/exercícios nos processos de ensino e treino.
Figura 1 - Cadeia acontecimental do comportamento táctico-técnico
do jogador no jogo (adap. Bunker & Thorpe, 1982).
A táctica da tácticaA aprendizagem dos procedimentos técnicos constitui apenas uma parte dos pressupostos necessários para que, em situação de jogo, os praticantes sejam capazes de resolver os problemas que o contexto específico lhes coloca. Desde os primeiros momentos da aprendizagem, importa que os praticantes assimilem um conjunto de princípios que vão do modo como cada um se relaciona com o móbil do jogo (bola), até à forma de comunicar com os colegas e contra-comunicar com os adversários, passando pela noção de ocupação racional do espaço de jogo (Garganta & Pinto, 1994).
O desenvolvimento da capacidade para jogar implica um desenvolvimento de "saberes".
Saber o que fazer, o que se prende com um conhecimento factual ou declarativo, que pode ser exprimido através de enunciados linguísticos; saber executar, isto é, possuir um conhecimento processual que decorre da acção propriamente dita (Anderson, 1976; Chi & Glasser, 1980; Maggil, 1993).
Malglaive (1990) e Gréhaigne & Godbout (1995), sustentam que o sistema de conhecimento, nos desportos colectivos, decorre de regras de acção, regras de organização e capacidades motoras (Figura 2).
Figura 2 - Conteúdos do conhecimento em desportos colectivos
(adap. Gréhaigne & Godbout, 1995).As regras de acção são orientações básicas acerca do conhecimento táctico do jogo, que definem as condições a respeitar e os elementos a ter em conta para que a acção seja eficaz (Gréhaigne & Guillon, 1991). As regras de organização do jogo, estão relacionadas com a lógica da actividade, nomeadamente com a dimensão da área de jogo, com a repartição dos jogadores no terreno, com a distribuição de papéis e alguns preceitos simples de organização que podem permitir a elaboração de estratégias. As capacidades motoras, englobam a actividade perceptiva e decisional do jogador, bem como os aspectos da execução motora propriamente dita.
O ensino e treino do FutebolÉ ao nível da natureza dos constrangimentos da tarefa (dificuldade, obstáculo ou problema) e dos tipos de empenhamento do sujeito (atenção, esforço físico, compreensão/raciocínio) que as várias pedagogias diferem (Courtay et al., 1990).
As pedagogias tradicionais têm privilegiado: (1) a explicação associada à demonstração, em que o professor prescreve, a todo o momento, os procedimentos a respeitar para realizar a tarefa; (2) o condicionamento do meio, em que se pretende reduzir os ensaios e os erros.
Actualmente, os especialistas defendem a utilização duma pedagogia de situações-problema, a qual representa um prolongamento lógico dos modelos de acção motora inspirados nas ciências cognitivas e nos modelos sistémicos. Assim, pode dizer-se que se assiste a uma transição dos modelos analíticos para modelos sistémicos, no qual os pressupostos cognitivos do praticante e a equipa são elementos fundamentais.
Nesta linha, torna-se importante identificar os traços que constituem indicadores de qualidade neste grupo de desportos (Rink et al., 1996):
Ao nível cognitivo
conhecimento declarativo e processual organizado e estruturado
processo de captação da informação eficiente
processo decisional rápido e preciso
rápido e preciso reconhecimento dos padrões de jogo (sinais pertinentes)
superior conhecimento táctico
elevada capacidade de antecipação dos eventos do jogo e das respostas do oponente
superior conhecimento das probabilidades situacionais (evolução do jogo)
Ao nível da execução motora
elevada taxa de sucesso na execução das técnicas durante o jogo
elevada consistência e adaptabilidade nos padrões de movimento
movimentos automatizados, executados com superior economia de esforço
superior capacidade de detecção dos erros e de correcção da execução
Referências fundamentais para o ensino do Futebol(1) Condicionantes estruturais e funcionais
Se compararmos o Futebol, no plano estrutural, com outros denominados grandes jogos desportivos colectivos (Andebol, Basquetebol e Voleibol), constatamos algumas diferenças extensivas ao plano funcional, que nos permitem retirar ilações importantes para a orientação do processo de ensino/treino deste jogo (Garganta & Pinto, 1994):
Dimensão do terreno de jogo e número de jogadores
Quanto maior fôr o espaço de jogo mais elevada terá de ser capacidade para o cobrir, mental e fisicamente.
Sabe-se que um campo de Futebol de onze é um espaço muito grande, correspondendo aproximadamente à superfície de 10 campos de Andebol, 20 campos de Basquetebol e 50 campos de
Voleibol (Bauer & Ueberle, 1988). Para além disso, o número de jogadores a referenciar num jogo, condiciona a complexidade inerente à percepção das situações (leitura do jogo).
O desenvolvimento da progressiva extensão do campo perceptivo (da visão centrada na bola…à visão centrada no jogo) é um dos aspectos mais importantes a que se deve atender na formação, na medida em que o jogo de Futebol reclama uma atitude táctica permanente. Quando na posse da bola, o jogador deverá ter um controlo cinestésico sobre a execução do movimento, para poder utilizar a visão nas funções de leitura do jogo (jogar de cabeça levantada).
Esta é uma das muitas razões pelas quais se torna aconselhável que, nas fases iniciais quando o praticante tem dificuldade em controlar a bola, o jogo seja aprendido num espaço mais reduzido e com um menor número de jogadores (7 ou 5, p. ex.). Neste contexto teoricamente menos complexo, o principiante tem mais e melhor acesso à progressiva compreensão das linhas de força do jogo e bem assim a um melhor entendimento e cumprimento dos princípios e regras de gestão do jogo.
Duração do jogo
O jogador de Futebol deve estar capacitado para responder eficazmente às situações, agindo duma forma rápida e coordenada e repetindo essas acções ao longo o jogo.
De notar, por exemplo, que, para equipas seniores, do tempo estabelecido para uma partida de Futebol de onze (90 minutos), o tempo de jogo efectivo é de apenas 50 minutos. Durante este tempo, cada equipa poderá estar na posse da bola, em média, 25 minutos e cada jogador entre 30 segundos (defesas centrais) e um máximo de 3 minutos (para os condutores de jogo). Durante todo o restante tempo os jogadores seleccionam informações, analisam-nas e tomam decisões (Bauer & Ueberle, 1988; Gréhaigne, 1992).
Esta constatação implica que seja estabelecida uma relação entre a técnica e a táctica em favor desta e que se atribua uma grande importância ao jogo sem bola.
Controlo da bola
O Futebol, o Andebol e o Basquetebol, são jogos de território comum e participação simultânea, em que existe luta directa pela posse da bola. No entanto, as possibilidades de assegurar o controlo da bola são teoricamente maiores para os jogadores de Andebol e de Basquetebol do que para os praticantes de Futebol. A utilização das mãos (no Andebol e no Basquetebol) permite agarrar a bola e assim melhor a proteger e controlar, bem como dar-lhe a direcção desejada.
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