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Futebol e ciência. Ciência e futebol
Júlio Garganta

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 40 - Setiembre de 2001

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Lógica do jogo: o Santo Graal dos analistas

    Os investigadores têm procurado perfilar o quadro específico de constrangimentos impostos pelo jogo de Futebol, a partir da observação sistemática e da análise dos eventos do jogo, com base na caracterização dos comportamentos dos jogadores e das equipas.

    Mas, já em 1977 Teodorescu chamava à atenção para o facto das interpretações acerca do jogo e do jogador, nos jogos desportivos, privilegiarem mais a faceta homo do que a vertente sapiens, porquanto formuladas, sobretudo, a partir de proposições biológicas ou biologizantes. De acordo com este autor romeno, a opção pela análise dos comportamentos atléticos ou técnicos dos jogadores relega para um plano secundário o jogo enquanto resultante do cruzamento da organização de vários sistemas.

    Para estudarmos uma equipa, por exemplo, convém ter a noção de que esta é um corpo complexo em qualquer dos níveis de organização que a abordemos: do subcelular, passando pela actividade motora, até à intersubjectividade em campo (Cunha e Silva, 1995).

    Ao partirmos para uma viagem à lógica do Futebol, para lá do nível de evidência em que procurarmos situar-nos, convém que tenhamos consciência dos instrumentos de navegação que constituem a nossa bagagem e da adequação do veículo que vamos utilizar, nomeadamente no que se refere à sua potência e robustez. Convém ainda que tenhamos uma ideia do trajecto a seguir. E quanto menos bem conhecermos o trajecto, mais se justifica que disponhamos de um mapa pormenorizado pelo qual possamos orientar as nossas trajectórias e aferir a justeza do trajecto.

    Quer isto dizer que, mais do que necessário, é inevitável a existência de um conhecimento conjectural prévio, de uma ideia daquilo que intentamos conhecer.

    Como refere Béjin (1974), uma das teses sustentadas por Heinz Von Foerster é a de que os "objectos" e os "acontecimentos" não possuem qualquer realidade objectiva, isto é, devem a sua existência às propriedades de representação do sujeito.

    Embora a incerteza ao nível do comportamento das variáveis e das suas relações coloquem constrangimentos severos ao observador, a circunscrição do domínio do objecto em estudo e a definição das categorias e indicadores, são passos indispensáveis para que se realizem observações consistentes e coerentes (Evertson & Green, 1986).

    Assim, a configuração das categorias e dos indicadores, no âmbito da análise do jogo, constitui o processo fundamental a partir do qual se edifica uma matriz de referência (Garganta, 1997).

    É o conteúdo desta matriz que vai viabilizar ou inviabilizar a interpretação dos dados obtidos, pois na ausência de um modelo teórico que garanta o enquadramento e a interpretação dos dados obtidos, encontramo-nos face a uma massa de números com fraco poder informativo (Gréhaigne, 1992).

    Assim, à sofisticação tecnológica dos sistemas de observação, deve corresponder o progressivo refinamento e extensão das categorias que os integram, no sentido de aumentar o seu potencial descritivo relativamente às acções de jogo consideradas mais representativas.

    Para treinadores e investigadores, as análises que salientam o comportamento da equipa e dos jogadores, através da identificação das regularidades e variações das acções de jogo, bem como da eficácia e eficiência ofensiva e defensiva, absoluta e relativa, afiguram-se claramente mais profícuas do que a exaustividade de dados quantitativos, relativos a acções terminais e não contextualizadas.


Futebol: em busca da ciência com consciência

    O jogo é um acontecimento que decorre na convergência de várias polaridades: a polaridade global entre duas equipas; a polaridade entre ataque e defesa; a polaridade entre cooperação e tensão (Elias & Dunning, 1992; Dunning, 1994).

    Num jogo de Futebol, não é possível saber, a partir de um estado inicial, qual o estado final duma acção ou sequência, o que quer dizer que estamos em presença de situações de final aberto.

    Ténues diferenças nas condições iniciais poderão, em certas circunstâncias, levar a mudanças maiores no comportamento do sistema, ou seja, um microfacto pode ter macroconsequências ao nível do decurso do jogo e do seu resultado.

    Nos sistemas de alta complexidade que operam em contextos aleatórios, como aqueles que coexistem num jogo de Futebol, a separação artificial dos factores que concorrem para o rendimento desportivo parece revelar-se inoperante.

    O que parece nefando não é o facto de se restringir o âmbito dos estudos ou das análises efectuadas, mas a tentativa de reduzir o fenómeno jogo a uma qualquer dimensão, conjecturada à revelia dos princípios directores da actividade ou fenómeno que procuramos conhecer.

    De facto, entendemos que grande parte dos modelos de investigação científica vigentes se afiguram pouco compatíveis com a especificidade do Futebol, razão pela qual muitos dos estudos se esgotam nos próprios dados que veiculam, não proporcionando um aporte de informação estruturante para o treino e para a competição.

    Quer isto dizer que, não obstante o recurso a meios sofisticados, a proliferação de estudos não garante, por si só, o acesso a informação útil e pertinente.

    Ou seja, os dados que retiramos do jogo devem ser-lhe devolvidos, com informação adicional, depois de tratados.Se assim não for, a investigação permanece destituída de sentido, consagrando-se apenas como um exercício formal.

    Não sendo o Futebol uma ciência, muito poderá beneficiar dos seus contributos, desde que os investigadores cumpram uma regra de ouro: respeitar a sua ESPECIFICIDADE, o que significa que devem ter cuidado redobrado para não desvirtuarem a matriz que lhe confere identidade.


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