Educação física escolar e cidadania: uma nova concepção | |||
Departamento de Educação Física da Universidade Federal do Maranhão (Brasil) |
Sidney Forghieri Zimbres
szimbres@terra.com.br |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 38 - Julio de 2001 |
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“...Homem algum é uma ilha. Somos
seres sociais, animais políticos...”
(John Donne, poeta inglês)
1. IntroduçãoApós o período de repressão em nosso país, a palavra democracia tornou-se um objetivo constante na política e programas de educação. A liberdade de imprensa, direitos humanos, acesso a educação, respeito às diferenças de raça e de cor são temas que constantemente são discutidos por todos os setores da sociedade.
O papel da escola, além do caráter socializador, assume uma importância significativa; a de consolidar a democracia no Brasil. Ou seja, a escola passa a ter a grande responsabilidade de formar cidadãos críticos que possam exercer uma participação efetiva na vida democrática e, ao mesmo tempo, um controle rigoroso do funcionamento de suas instituições.
O tema cidadania também passou a ser utilizado com bastante ênfase, no setor político, cultural, econômico, meios de comunicação, entre outros, a partir da década de 90. Aparece como pauta principal dos diferentes movimentos sociais, tanto no Brasil como em outros países, com reivindicações para o saneamento básico, saúde, educação, etc.
Podemos citar alguns exemplos. Na última posse das direções executivas nacional e estadual de São Paulo da CUT (Central Única dos Trabalhadores), segundo a imprensa, estaria sendo mudado o perfil e o caráter da CUT com a eleição, para presidente nacional, de um professor da rede pública de ensino. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, intitulado “Por uma CUT cidadã”, no dia 30 de agosto de 2000, Opinião, (Tendências e Debates, A 3) o presidente eleito, professor João Felício e Antonio Carlos Spis, petroleiro e presidente regional/SP, contestaram a acusação alegando que a Central, além do salário e do emprego, deve lutar por todos os interesses do cidadão: saúde, educação, transporte público, moradia, segurança pública e igualdade de oportunidades entre os gêneros. Uma CUT, segundo os autores, que combata o trabalho infantil e escravo, que impulsione a agricultura familiar, a reforma agrária, que consolide e faça avançar a ADS (Agência de Desenvolvimento Solidário) e que desenvolva políticas regionais; uma CUT cidadã. (o grifo é nosso)
Ney Prado, jurista, membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e do Conselho Jurídico da Federação do Comércio, em “Código: a nova cidadania fiscal”, artigo publicado na Folha de S. Paulo do dia 19 de agosto de 2000, Opinião, (Tendências e Debates, A 3) critica os governantes brasileiros por perderem o limite de taxar, de fiscalizar e de punir, trazendo sérias implicações negativas à economia e ao desenvolvimento geral do país. Finaliza seu artigo dizendo que é chegado o momento de assegurar efetivamente o equilíbrio necessário que deve presidir as relações entre o fisco e o contribuinte, em seus respectivos direitos, garantias e deveres. Tudo por uma nova cidadania fiscal. (o grifo é nosso)
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9.394, de 1996, por exemplo, diz em seu Art. 2º, do Título II , Dos Princípios e Fins da Educação Nacional que “A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”.
O Ministro da Educação e do Desporto, em sua mensagem aos professores nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997), volume 1, ressalta a necessidade e importância das crianças dominarem os conhecimentos de que necessitam para crescerem como cidadãos plenamente reconhecidos e conscientes de seu papel em nossa sociedade. Complementa dizendo ... “que isto só será alcançado se oferecermos à criança brasileira pleno acesso aos recursos culturais relevantes para a conquista de sua cidadania”.... Ressalta que o propósito do MEC, ao consolidar os Parâmetros Curriculares, é o de apontar metas de qualidade que ajudem o aluno a enfrentar o mundo atual como cidadão participativo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e deveres.
Mas afinal, o que é cidadania? Para Covre (1999), cidadania significa, antes de mais nada, entender o que significa ser cidadão: ter direitos e deveres, ser súdito e ser soberano. Portanto, cidadania é o próprio direito à vida no sentido pleno. “Trata-se de um direito que precisa ser construído coletivamente, não só em termos do atendimento às necessidades básicas, mas de acesso a todos os níveis de existência, incluindo o mais abrangente, o papel do(s) homem(s) no Universo”. (p.11). Esses aspectos estão ligados aos direitos civis (direito de se dispor do próprio corpo, locomoção, segurança, etc.), sociais (respeito ao atendimento das necessidades básicas - alimentação, saúde, habitação, educação, etc. ) e políticos (respeito à deliberação do homem sobre a sua vida, ao direito de ter livre expressão de pensamento e prática política, religiosa, etc.).
Covre (1999) apresenta os contornos da cidadania plena :
Primeiramente a revolução interna, na qual o rompimento com o autoritarismo e o consumismo começa em cada uma das subjetividades- em cada um de nós, portanto, a todo momento;
Depois, torna-se possível o desenvolvimento daquela ação social de conteúdo coletivo dos trabalhadores, no campo econômico, para obter os bens e direitos a que fazem jus e o exercício da ação social no nível político, como construção da democracia em seu sentido mais amplo.
Segundo Ética e Cidadania: caminhos da filosofia (1997), para os gregos antigos, o político era aquele que participava dos negócios da pólis. Quando a cultura grega foi assumida e difundida pelos romanos, que falavam latim, a pólis virou cive que se origina a palavra cidade, no português, e é também dela que se vem a palavra cidadão.
Portanto, ser cidadão é participar nas questões públicas, estar incluído em uma categoria de mobilização e não de localização. Cidadania é sinônimo de política no sentido grego, assim como cidadão e político são a mesma coisa.
2. Educação Física e a formação do cidadão: a questão dos conteúdosDe que maneira a disciplina Educação Física, no ensino fundamental, pode contribuir para a formação de cidadãos críticos, participativos, conscientes de seus direitos e deveres? Como ela poderia contribuir para um pleno desenvolvimento individual do homem e ao mesmo tempo que esteja inserido e participando ativamente num contexto social e cultural? Qual o modelo didático, quais os conteúdos específicos e quais os valores que a disciplina pode oferecer para contribuir com uma proposta pedagógica moderna?
Estas e outras questões começam a ser debatidas pelos profissionais de Educação Física. Algumas propostas são apresentadas, mas, como muito bem é colocado no Guia Curricular de Educação Física do Maranhão (1998) ... “falta aos profissionais de Educação Física compreender o que é conhecimento e de sua melhor tradução ao nível pedagógico. Decodificar o conhecimento de Educação Física para colocá-lo dialogicamente em sala de aula significa, antes de tudo, compreender sua natureza”(p. 11). Complementa o Guia (1998) que a compreensão da natureza de um conteúdo disciplinar nessa área, significa resolver um quebra-cabeça onde a bio-mecânica, a pedagogia crítica ou sócio-interacionista têm que ser acordados cooperativamente, em função da plasticidade do ser humano, a quem a Educação Física é destinada.
Os PCNs destacam a importância do papel da escola como espaço de formação e informação, onde os conteúdos estejam voltados para a inserção do aluno no dia-a-dia das questões sociais marcantes e em um universo cultural maior. A escola deverá estar voltada para a formação de cidadãos críticos, capazes de atuar com competência na sociedade. Sendo assim, “buscará eleger, como objetivo de ensino, conteúdos que estejam em consonância com as questões sociais que marcam cada momento histórico, cuja aprendizagem e assimilação são as consideradas essenciais para que os alunos possam exercer seus direitos e deveres”.(p.45)
A necessidade de se incorporar os valores da Educação Física e sua contextualização é reconhecida por vários autores, embora, historicamente, a transmissão de conhecimentos teóricos não tenha recebido a mesma atenção e aprofundamento e fique limitado, fundamentalmente, a noções de tática nos esportes. Conhecimentos teóricos relacionados à técnicas dos exercícios, organização desportiva são repassados de forma muito limitada.
Sycora (1985) diz que sem conhecimento teórico não é concebível uma participação ativa dos alunos na Educação Física no desenvolvimento de sua capacidade criadora, iniciativa e independência. Sem os conhecimentos teóricos não é possível a participação consciente dos alunos, professores e desportistas no processo de auto-educação e do auto-aperfeiçoamento.
Rodriguez (1997) aponta para alguns fatores que dificultam a inclusão dos conhecimentos teóricas nas aulas de Educação Física:
A teoria e metodologia da Educação Física estão dirigidas para satisfazer as necessidades de conhecimentos teóricos dos professores (nos cursos de graduação), porém não se atribui o valor necessário e sua importância aos alunos nas escolas;
A transmissão de conhecimentos teóricos é considerada, por alguns, como perda de tempo nas aulas de Educação Física escolar;
Os estudos científicos sobre esses aspectos, no campo da Educação Física, são escassos.
 O referido autor complementa afirmando que um dos principais problemas atuais é o estabelecimento de que conhecimentos teóricos da Educação Física e dos Esportes devem ser divididos com os alunos, como devem ser aprendidos, com que meios e sob que condições. É necessário, continua o citado autor, estruturar todo um sistema de conhecimentos teóricos com base na cultura física e na aplicação do princípio de relação interdisciplinares com outras ciências afins.
Ghiraldelli Junior (1990), diz que a discussão dos conteúdos da Educação Física deve passar pelas suas origens históricas, sua vida e transformação no interior da mesma, suas transformações a partir da dinâmica das relações sociais, seu estatuto epistemológico e seu valor educativo segundo uma axiologia explícita. Cita como exemplo o futebol, ... “não é apenas um conjunto de regras abstratas ou um conjunto de movimentos abstratos que os alunos aprendem e, com isto, podem educar seus movimentos dentro de parâmetros específicos adrede preparados. Ele nasce na Inglaterra no final do século XIX e, como outros esportes deste período, tem seu desenvolvimento ligado à necessidade da burquesia de construir espaços de convivências próprios, de modo a diferenciar seu comportamento social daqueles ligados à vida operária”. (p. 4)
Ou seja, é necessário contextualizar e historicizar os conteúdos da Educação Física escolar e repassá-los aos alunos, respeitando e adaptando, é claro, aos níveis de desenvolvimento dos mesmos. É necessário passar aos alunos, as regras e técnicas dos esportes e, também, relacioná-los com os fatores econômicos, políticos e sociais, superando assim a visão apenas da biomecânica ou fisiológica do esforço.
Moreira (1992) ao tratar da produção do conhecimento da escola brasileira contemporânea, indaga como a escola pode deixar de ser apenas um lugar de produção de conhecimento e nortear seus esforços para selecionar/organizar conteúdos a partir de uma perspectiva crítica?
A resposta vem com a concepção de currículo proposta por Michael Young(1975), precursor da Nova Sociologia da Educação (Inglaterra) que coloca como foco central da investigação sociológica a seleção e transmissão do conhecimento escolar. Segundo Young (1975), três concepções básicas de currículo são encontradas:
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