O Judô como atividade pedagógica desportiva complementar, em um processo de orientação e mobilidade para portadores de deficiência visual |
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*Mestrando em Ciências do Desporto - IEFD/UERJ; Pós-graduado em Judô - CCFEx/UFRJ/FJERJ; Professor de Educação Física do Instituto Benjamin Constant; Pesquisador do Departamento de Ciência, Projetos e Pesquisas da Federação de Judô do Estado do Rio de Janeiro (FJERJ) **Pós-graduado em Judô - CCFEx/UFRJ/FJERJ, Treinamento de RH - ABT, Docência Superior - UCAM; Professor Visitante e Coordenador do Grupo de Estudos em Saúde Pública Aplicados à Atividade Física - EEFD / UFRJ; Pesquisador do Departamento de Ciência, Projetos e Pesquisas da FJERJ (Brasil) |
Walter Russo Júnior* walterrussojr@uol.com.br Leonardo José Mataruna dos Santos** mataruna@ruralrj.com.br |
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Judo as a pedagogic and sport complementary activity Abstract |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 35 - Abril de 2001 |
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IntroduçãoNo mundo moderno, a maior parte das informações que chegam ao indivíduo são trazidas por estímulos captados pela visão. Desde o seu primeiro contato com a vida, acompanhando todo o seu desenvolvimento, seu relacionamento familiar, sua vida acadêmica, sua integração social até a sua emancipação profissional, o homem utiliza a visão como um dos principais sentidos receptores.
A falta do sentido da visão ou a diminuição deste, coloca o indivíduo deficiente visual em uma posição de desvantagem, sob certos aspectos, especialmente os psicomotores, emocionais e sociais, se comparado ao de visão normal. Contudo, o deficiente visual é um ser mentalmente são e potencialmente ávido por informações que possam contribuir no seu desenvolvimento geral.
Contudo, antes de se detalhar os comprometimentos psicomotores dessa população, bem como, os conceitos que norteiam o trabalho de orientação e mobilidade com os deficientes visuais, deve-se pormenorizar as diferenças e características que essa parcela da população possui.
O Deficiente Visual e suas Principais Características
Quanto ao conceito educacional, os deficientes da visão são classificados como portadores de cegueira e portadores da visão subnormal, tendo por fundamento as seguintes características:
A capacidade de ver é inata, mas resultante de habilidades aprendidas em cada estágio do desenvolvimento;
A deficiência da visão não depende diretamente da acuidade visual, pois um resíduo visual pode ter sua eficiência funcional aumentada pelo uso e pela estimulação apropriada;
A experiência educacional tem demonstrado que 75% a 80% dos educandos com acuidade inferior a 0,1 Snellen têm visão residual susceptível de ter sua eficiência funcional desenvolvida.
Também FAY (1970) e BARRAGRA (1976), com base nas características mencionadas classificaram os deficientes visuais para fins educacionais, propondo os seguintes conceitos:
Portadores de cegueira - educandos que apresentam ausência total de visão residual, até a perda de projeção de luz, necessitando utilizar o Sistema Braille como principal veículo de comunicação do processo ensino-aprendizagem e não utilizam qualquer resíduo visual que possam ter para aquisição de conhecimentos, mesmo que a percepção da luz os auxilie na orientação e mobilidade.
Portadores de visão subnormal - educando que apresentam desde condições de indicar a projeção de luz, até o grau em que a redução de sua acuidade visual limite seu desempenho, distribuindo-se em dois grupos:
aqueles que podem ver objetos a poucos centímetros (dois a três) e utilizam a visão para muitas atividades escolares, alguns para ler e escrever com ou sem auxílios ópticos e outros, complementando essas atividades com o Sistema Braille;
aqueles que em algum grau, estão limitados no uso de sua visão, mas utilizam-na, porém, no processo ensino-aprendizagem, quando poderão precisar de iluminação apropriada, auxílios ópticos e / ou texto com letras ampliadas.
Quanto aos meios de identificação, os educadores e os profissionais da área social, em geral, devem sempre estar atentos para problemas visuais que podem ocorrer com as pessoas. Esses problemas nem sempre são identificados com facilidade, a não ser quando se trata de um portador de cegueira comprovada. Deste modo, os portadores de visão subnormal, em especial as crianças, podem permanecer na família e na escola por muito tempo, sem que seja detectada a sua deficiência.
Segundo FAY (1970), os mais comuns sintomas de deficiência visual são:
irritações crônicas dos olhos, indicadas por olhos lacrimejantes, pálpebras, inchadas ou remelosas;
náuseas, dupla visão ou névoas durante ou após a leitura;
ato de esfregar com freqüência os olhos, franzir ou contrair o rosto quando olha objetos distantes;
cautela no andar para evitar tropeços e dificuldades para correr;
desatenção anormal durante trabalhos no quadro de giz, mapas de paredes, entre outros.;
queixas de embaçamento visual e tentativas de afastar com as mãos os impedimentos visuais;
inquietação, irritabilidade ou nervosismos excessivos depois de um prolongado e atento trabalho visual;
ato de pestanejar excessivamente, sobretudo durante a leitura;
ato de segurar habitualmente o livro ou muito perto ou muito distante, procurando a melhor posição para a leitura;
ato de inclinar a cabeça para o lado durante a leitura;
capacidade de leitura por apenas um período curto de cada vez;
ato de fechar ou tampar um olho durante a leitura.
Além desses meios de identificação, podem ser aplicados também testes de acuidade visual. Assim, o Teste de Snellen, por exemplo, permite uma avaliação simples e imediata que leva a um primeiro diagnóstico do estado oftalmológico.
Na educação dos deficientes visuais há dois fatores conectados com a deficiência que são de suma importância: o primeiro é a idade na qual ocorreu a deficiência e o segundo é a maneira pela qual ocorreu.
A cegueira em si, não é uma enfermidade, mas a conseqüência de uma enfermidade, um acidente ou ambos. Daí, serem múltiplas e variadas as suas causas e diversificados os momentos de sua ocorrência. Podendo ocorrer antes do nascimento, logo após o mesmo ou nos primeiros anos de vida; ao longo da vida e por meio de enfermidades ou acidentes.
No caso da cegueira ocorrer durante o período de gestação até os primeiros anos de vida (05 a 07 anos), os deficientes visuais não retêm imagens visuais úteis nem idéias de cores. São classificados como portadores de cegueira congênita ou precoce e confiam plenamente em seus conceitos e experiências não visuais, devendo ser educandos por métodos que se adaptam às suas necessidades.
No caso da cegueira ocorrer após os 07 anos de idade, os deficientes visuais retêm geralmente a maioria das imagens, formas e cores de suas experiências visuais, sendo classificados como portadores de cegueira adquirida; utilizam, na maioria das vezes os conceitos e as experiências adquiridas e vivenciadas no mundo visual, que devem ser aproveitadas como suporte durante o processo educacional.
LOWENFELD (1964), assinala também outras situações da cegueira a serem consideradas nos deficientes visuais: no caso da perda repentina da visão, verifica-se geralmente um choque, caracterizado por desajustes sensório-motores e instabilidade emocional, com grande repercussão psicológica, trazendo em conseqüência, modificações nítidas em seu comportamento.
No caso da perda gradual da visão, verifica-se um perturbação no comportamento, caracterizada por um estado de medo e ansiedade em relação ao futuro, permitindo no entanto, um processo de adaptação progressiva à vida de cego, conforme experiências de observações com educandos deficientes da visão.
É importante assinalar que quanto mais cedo for feito o diagnóstico oftalmológico, mais fácil será minimizar ou evitar as conseqüência que possam ocorrer no desenvolvimento dos portadores de deficiência visual.
O Deficiente Visual e os Comprometimentos Psicomotores
Deve-se observar que os problemas emocionais e físicos da criança cega são induzidos pela atitude dos videntes. CUTSFORTH (1969), discorre sobre a necessidade de não se buscar “compensações” substitutivas e sim, de se desenvolver as faculdades existentes de forma unitária.
"enquanto a vida de uma criança de visão normal se desenvolve no sentido de incluir um campo de estimulação cada vez maior, a criança cega deve encontrar a própria estimulação dentro do âmbito corporal. Daí em diante ela constitui a maior parte do seu meio ambiente e encontra em si mesma o que a criança dotada visualmente encontra no meio ambiente: o estímulo e motivação para a ação.” CUTSFORTH (1969).
KIRK (1972), em estudo realizado, ressalta que “o indivíduo dotado de visão subnormal apresenta, geralmente, um desenvolvimento motor superior ao do indivíduo cego e inferior ao indivíduo de visão normal”.
LOWENFELD (1964), comenta que:
“freqüentemente, no indivíduo deficiente visual, verifica-se medo de situações não conhecidas, insegurança em relação as sua possibilidades, dependência, isolamento social, apatia, desinteresse pela ação motora e dificuldade no estabelecimento de relações básicas do seu “Eu” com os que o cercam e com o ambiente em que vive.”
A deficiências na lateralidade, a ausência de liberdade corporal, equilíbrio falho, mobilidade bastante prejudicada, esquema corporal e cinestésico não internalizados, locomoção dependente, postura defeituosa, expressão corporal muito rara, coordenação motora bastante defasada, inibição voluntária não controlada, falta de resistência física e de iniciativa para ação motora, constituem um quadro geral dessa parcela da população.
Assim, verifica-se que a caracterização geral do indivíduo deficiente visual, pela própria problemática apresentada, o coloca mais exposto a situações geradoras do comprometimento psicomotor. Quando isto acontece, surge uma modificação no rendimento geral, levando o indivíduo a um descontrole de todo o sistema psíquico. Com medo de situações não conhecidas, insegurança em relação as suas possibilidades, dependência, isolamento social, apatia e desinteresse pela ação motora, o deficiente visual altera seu comportamento, o que certamente o torna diferente do seu grupo.
Mais do que um simples atendimento que o reabilite a superar essas dificuldades, o deficiente visual necessita de um conjunto de ações ou methodos que permita construir um novo posicionamento em relação a sua realidade, não sendo mais abordados como objetos defeituosos, mas a partir de um princípio epistemológico, como sujeitos cognoscivos, superando os comprometimentos físicos, e estabelecendo um comportamento de interação e integração com a sociedade.
Orientação e Mobilidade
A imagem do corpo, bem como, sua relação com o meio ambiente, são conceitos abstratos para os deficientes visuais, porque eles não dispõe de referências visuais. Estes constroem seu universo através de sensações táteis. A representação do esquema do próprio corpo dirige o indivíduo deficiente visual à construção perceptiva do espaço em que se acha e no qual deve se orientar.
O comprometimento da visão, impõe ao indivíduo, dentre outras limitações, uma série de dificuldades com todas as implicações decorrentes, dificultando sua locomoção. Desta forma a ausência da visão, aliada ao não conhecimento da organização dos objetos e pessoas no ambiente, dificulta-lhe o deslocamento, ocasionando por vezes, tombos, esbarros, entre outros acidentes, que podem resultar em frustrações que retardam a auto-confiança em conquistar o espaço. Segundo LOWENFELD (1964), “a mobilidade engloba dois aspectos: orientação mental, envolvendo capacidades intelectiva e perceptiva; e locomoção, envolvendo fatores físicos.” Ainda, de acordo com o mesmo autor, “a orientação é a habilidade do indivíduo para reconhecer o ambiente que o cerca e o relacionamento espacial e temporal do ambiente em relação a ele próprio.”
No que diz respeito a locomoção, ele afirma que, “é o movimento de um organismo de um lugar para outro através de seu próprio mecanismo orgânico.” Sendo assim, orientação e mobilidade implicam na interação indivíduo-ambiente, onde o indivíduo sofre influência ou influencia o meio.
A literatura sobre Orientação e Mobilidade preconiza como um programa eficiente aquele que se vale de técnicas específicas levando em consideração as necessidades globais do indivíduo, além de possibilitar a exploração, auto-realização, independência pessoal e formação de conceitos calcados na realidade.Destacando-se alguns pontos, como:
Conhecimento do esquema corporal;
Treinamento dos sentidos;
Postura;
Equilíbrio;
Desenvolvimento de técnicas específicas de mobilidade.
Busca-se então, a partir de técnicas específicas, auxiliar o portador de deficiência visual a adquirir um grau de independência funcional dentro de seu ambiente, permitindo a exploração com maior facilidade e segurança.
Contudo, essas técnicas ficam circunscritas ao aspecto de reproduzir posturas ou movimentos indicativos. Impossibilitando o indivíduo de interagir direta ou indiretamente com o seu meio, contrariando desta forma, todas as situações que possam possibilitar sua autonomia.
Neste caso, o Judô, pode estabelecer fatores determinantes para a auto-descoberta, bem como, o favorecimento para uma mobilidade independente e uma orientação segura, em que os deficientes visuais, podem ir além dos esquemas a eles preconizados,.desenvolvendo “movimentos e ações que propicem o princípio da ação e reação sob o aspecto do desequilíbrio surtido em função de uma força” (SEISENBACHER & KERR, 1997).
O Deficiente Visual e a Educação Física no Brasil
Antes de aprofundarmos o processo pedagógico desportivo que irá atuar na superação de algumas defasagens, assim como, o histórico do Judô, devemos resgatar um pouco do que foi a Educação Física para cegos no Brasil, sua história, características e desenvolvimento.
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