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O Judô como atividade pedagógica desportiva complementar, em um processo
de orientação e mobilidade para portadores de deficiência visual
Walter Russo Júnior y Leonardo José Mataruna dos Santos

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 7 - N° 35 - Abril de 2001

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    A preocupação com a Educação Física para alunos cegos, segundo informações colhidas junto a professores cegos aposentados do Instituto Benjamins Constant, já existia nesta Instituição desde a primeira década do século. A atividade física era orientada por um instrutor, funcionário da Instituição, que ocupava o cargo de “Mestre de Ginástica”.

    Essa ginástica era de forma calistênica, limitando-se à pequenos movimentos e deslocamentos em forma de marcha.

    Os alunos tinham aulas regularmente, duas vezes por semana, às 06 horas da manhã e faziam os exercícios com o mesmo uniforme utilizados nas demais atividades. Esta prática, no entanto, não era tão salutar, pois de acordo com as informações colhidas, o horário escolhido para as atividades era muito cedo e, além disso, o fato de não existir um uniforme específico para essa prática, criava certo desconforto para os alunos.

    Em 1931, houve uma demonstração especial de ginástica calistênica, por alunos cegos do IBC, treinados pelo Tenente Bonorino, do 3º Regimento de Infantaria, situado na Urca, já utilizando o uniforme de ginástica. Essa demonstração especial realizou-se na Fortaleza de São João, por ocasião de uma visita do General Leite de Castro, Primeiro Ministro da Guerra, do Governo do Presidente Getúlio Vargas.

    A prática da ginástica calistênica prevaleceu para os alunos do IBC até 1937, época em que se deu o fechamento da Instituição, para obras.

    Outras notícias colhidas com ex-alunos do Instituto São Rafael, em Belo Horizonte, confirmam também a existência no início dos anos 40, de aulas de Educação Física naquela Instituição. Segundo as informações, a atividade física desenvolvida nessa Instituição seguia o mesmo modelo adotado no IBC, ou seja, Ginástica Calistênica.

    Mais tarde com a abertura do IBC em 1944 e o reinicio de suas atividades escolares têm-se notícias de uma mudança de orientação na prática da Educação Física para alunos cegos.

    A partir dessa época a Educação Física foi considerada fator importantíssimo no processo educacional dos alunos cegos, no que diz respeito a problemas de postura, equilíbrio, marcha, recreação, integração e socialização.

    Essa valorização deu-se, através da contribuição e orientação de professores de Educação Física diplomados pela Escola Nacional de Educação Física, que começaram as primeiras experiências com alunos cegos do Instituto Benjamim Constant.

    Assim, a partir de 1946, professores de Educação Física em caráter interino, passaram a exercer as suas funções dando aulas a alunos cegos no IBC.

    Em 1947, seis professores aprovados em Concurso Público desenvolveram um trabalho para melhorar a orientação da Educação Física a alunos cegos, contando com equipamentos modernos adquiridos na época, segundo PENNA MARINHO (1972).

    A partir de então, práticas como atletismo, ginástica rítmica, luta livre e recreação, começaram a ser introduzidas no processo educacional das pessoas cegas, conforme informações colhidas entre professores e funcionários do IBC.

    Nos anos 60, houve a expansão do ensino integrado, com a criação de Serviços ou Coordenações de Educação Especial nas secretarias de Educação e Cultura das diferentes Unidades Federadas, serviços esses, estimulados pela então Campanha Nacional de Educação de Cegos, criada em 1958.

    Essa expansão de Ensino Integrado, decorreu do fato de ter sido incluída na Legislação de Ensino pela primeira vez no Brasil, um dispositivo referente a Educação de Excepcionais - Lei de Diretrizes e Bases, 1971: “Artigo 88 - A Educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no Sistema Geral de Educação, a fim de integrá-los na comunidade”.

    No final dos anos 60 e na década de 70, a Educação Física foi relegada a um segundo plano, por falta de recursos materiais, e ainda, por afastamento e aposentadoria de professores, o que motivou um certo desinteresse na prática da Educação física nessa Instituição, apesar dos esforços de alguns professores.

    Em 1979, o CENESP, órgão do Ministério da Educação, realizou concurso público para o magistério de 1º e 2º graus e logo no ano seguinte foram contratados cinco professores de Educação Física, os quais iniciaram um trabalho que revolucionou a Educação Física naquele Instituto. Em 1982, dois novos professores aprovados no mesmo concurso, foram também contratados, dando seguimento ao trabalho iniciado e que vem sendo desenvolvido até os dias de hoje.

    Em outros Estados como: São Paulo, Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina, Minas Gerais, Espírito Santo e Pernambuco, a Educação Física para cegos vem tendo um grande incentivo através do trabalho realizado por novos professores, além do intercâmbio feito através de Seminários, Congressos e Cursos com as principais Universidades do país. Algumas Instituições de Ensino Superior têm se interessado pela questão, incluindo em seus currículos disciplinas pertinentes a Educação Física Adaptada ou Especial que possuem tópicos aludidos ao deficiente visual.

    No entanto, cabe destacar que a prática do desporto Judô como atividade curricular de Educação Física, em um centro específico para o atendimento de deficientes visuais só ocorre atualmente no Instituto Benjamim Constant, no Rio de Janeiro. Avaliar as conseqüências, bem como estabelecer as causas e os efeitos desta prática com os portadores da deficiência visual, torna-se de grande relevância à Educação Física Especial.


O Judô - Histórico e Características

    A prática do Judô tem despertado interesse, não só pelo seu aspecto competitivo, mas, sobretudo, pelos benefícios recreativo, físico, mental, entre outros. O Judô é mais que um esporte do físico, ele pretende ser também uma filosofia, que valoriza a inteligência e o culto a verdade. Assim o desenvolvimento espiritual desta arte deverá ser tão ou mais importante que o objetivo de vencer as lutas.

    Da mesma forma que se exercita os músculos menos desenvolvidos ou mais importantes para a execução de um determinado golpe, também estuda-se e determina-se quais os pontos fracos da personalidade, seja ele o medo, a falta de confiança, a falta de vontade, a angústia, a ansiedade, a falta de controle ou nervosismo e, então, com o mesmo esmero, que se dedica o desenvolvimento e aprimoramento da personalidade e do espírito. Só assim, pratica-se o verdadeiro Judô em toda sua extensão.

    Os benefícios recreativos e terapêuticos do Judô começam a ser descobertos por psicólogos, educadores e psiquiatras, que o recomendam como atividade moderadora e transformadora de crianças irrequietas e/ou complexadas, sendo os resultados alcançados, na maioria dos casos, bastante satisfatórios.

    O Judô, de origem japonesa, é hoje um esporte difundido pelo mundo inteiro, em Universidades, Academias Militares, Escolas de 1º e 2º graus, Clubes, Academias de Artes Marciais e em Centros Especializados.

    Surgiu de técnicas baseadas em outras lutas como Sumô, o Jiu-Jitsu e o Karatê. Sua origem, segundo MARTINEZ (1974), remota a antigüidade, apresentando uma série de lendas, como o combate entre os lutadores Nomi-No-Sukune e Taima -No-Kuemaya, no ano 230 a.C., na presença do Imperador Saunin, com a vitória de Nomi-No-Sukune que matou seu adversário a golpes com os pés.

    Essas lutas, praticadas ao curso de milênios por chineses, japoneses e coreanos, desenvolveram dentro de um esquema de Arte Marcial de ataque e defesa, com o emprego inclusive de armas brancas, atingindo o auge de sua importância entre os séculos XVII e XIX. S

    egundo BARIOLLI (1972), a proibição geral do uso de armas brancas, ao término da era “Tohugaua Shogunate” (1876), época da restauração do Império japonês, ocasionou grande desorientação e desânimo entre os mestres de artes marciais, principalmente do Jiu-Jitsu. Iniciou-se então grande rivalidade entre as escolas de lutas, cada um procurando sobreviver pela destruição e desmoralização da escola rival.

    Nessa época, relata GLEESON (1975), surgiu Jigoro Kano, jovem estudante da Universidade Imperial de Tóquio, que após freqüentar diversas escolas de Jiu-Jitsu percebeu que a perda das experiências e valores tradicionais havia sido um grave erro para o Japão e para o Mundo.

    Com o propósito de preservar tais valores, o jovem Kano dedicou-se às artes-marciais, fundando em 1882, sua escola com objetivos diferentes do Jiu-Jitsu, ou seja, um modo de vida baseado na melhor utilização da energia humana a qual deu o nome de Kodokan. Compreendeu a necessidade de completar e adaptar a decadente arte marcial, representada então pelo Jiu-Jitsu, tornando-a numa arte esportiva que florescesse e sobrevivesse aos tempos modernos.

    Assim, ROBERT (1964), afirma que Jigoro Kano eliminou de tudo que aprendeu nas escolas de Jiu-jitsu, os golpes violentos e mortais. Conservou as técnicas mais eficientes das escolas da época, acrescentado novos recursos e técnicas, criando desta forma uma nova arte, o “Judô Kodokan”, com os seguintes objetivos: Cultura e desenvolvimento do físico; Cultura e desenvolvimento da vontade e da moral e a Capacidade de competir vitoriosamente.

    A escola criada por Kano, tem como princípio, ainda hoje, os mesmos objetivos propostos pelo seu fundador, que o autêntico e legítimo Judoísta deve cultuar harmoniosamente.

    Desta forma o Judô, que significa: “Caminho Suave ou Via da não resistência”, se desenvolve e se afirma como arte e esporte completo, sendo hoje modalidade difundida e praticada em todo o mundo.

    Muitos autores desenvolveram trabalhos sobre o desporto, entre eles:

    MARTINEZ (1974), defende que:

“o ensinamento do Judô para crianças e adolescentes, ressalta a importância da formação do homem do futuro, preparado para vencer os complexos que porventura surgirem, como: inibição, superioridade e de inferioridade, que aos poucos vão desaparecendo, a medida que se desenvolvem na prática do Judô.”

    VILLIAUMEY (1981), afirma que:

“o Judô favorece o equilíbrio físico e psíquico-afetivo daqueles que o praticam, afinando as qualidades de concentração, aplicação, perseverança e abnegação. Além disso, estimula e dá confiança aos angustiados e indecisos.”

    Para CASTILHO (1985), “a constante prática do Judô deve objetivar o bem-estar geral do praticante, visando os benefícios físicos, psíquicos e afetivos. Sendo assim, uma constante no treinamento-aprendizagem que em princípio, é infinito.”

    Entende-se desta forma, a partir de estudos realizados por CARMENI (1998), que da mesma maneira que se exercita os músculos, o Judô procura determinar quais os pontos devem ser estudados e superados, como o medo, a angústia, a ansiedade e o nervosismo, sendo que o equilíbrio emocional e as capacidades cognitivas são condicionantes importantes na prática do Judô. Obrigando um treinamento de toda a musculatura qual aumenta a força e a elasticidade, assegurando uma melhora da resistência física geral, o domínio da respiração e aumentando o tempo de reação dos seus praticantes.

O Judô como Atividade Pedagógica/Desportiva

    A partir dos pressupostos teóricos anteriormente citados, o ensino do Judô desenvolvido no Instituto Benjamim Constant, para adolescentes portadores de deficiência visual vem procurando atingir além dos objetivos comuns preconizados pela Educação Física. Objetivam-se atitudes que tragam maior independência de locomoção, melhor postura corporal, iniciativa para ações, além de relaxamento muscular que as atividades físicas proporcionam e que os cegos tanto necessitam.

    O Judô não é somente uma técnica física para o corpo, mas também um princípio filosófico para o fortalecimento do espírito. Princípio esse que se aplicará em todas as fases da vida humana, em todos os desafios, combates e contratempos, com que porventura se defrontará o portador de deficiência visual nas suas atividades, quer sejam esportivas, sociais ou profissionais.

    Ainda dentro desses aspectos, BROUSSE, M. & MATSUMOTO (1999), destacam algumas das características desenvolvidas com o Judô, como:

  • Consciência do próprio corpo;

  • Organização do esquema corporal;

  • Domínio do equilíbrio;

  • Orientação de tempo e espaço;

  • Mobilidade segura;

  • Exploração das possibilidades corporais;

  • Eficiência nas coordenações globais e segmentadas.

    Torna-se importante salientar que o ensino do Judô proposto, procura atingir outro nível de comprometimento desportivo, que não se limita somente ao aspecto de realizar um treinamento, pois produz uma modificação de estado físico, motor e afetivo ou uma melhoria metódica e coordenada da capacidade de desempenho esportivo.

    Deve-se entender o Judô como uma prática pedagógica/desportiva de visão global, que se estabelece como uma estratégia de aprendizagem , em busca do desenvolvimento e da diminuição de defasagens psicomotoras, procurando o ótimo em cada praticante.

    O desporto Judô então, assume a condição utilitária complementar, servindo como recurso auxiliador para Atividades da Vida Diária (AVD), perdendo o caráter esportivo.

    Partindo desse pressuposto, utiliza-se a descoberta orientada e a solução de problemas como os métodos adotados com essa parcela da população e que se adequam as características do trabalho desenvolvido, pois a partir das características que o desporto possui, consegue-se planejar, conduzir e explorar as diversas situações proporcionadas pelo Judô.

    Na antiga Grécia methodos significava “caminho para chegar a um fim”. O filósofo Antenor Nascentes (2000), define método, como “Conjunto de meios dispostos convenientemente para chegar a um fim que se deseja”. Cândido de Figueiredo (2000), aprofunda essa definição, esclarecendo-a assim, “Conjunto de processos racionais, para fazer qualquer coisa ou obter qualquer fim teórico ou prático”. Já Aurélio Buarque de Holanda (1985), registra que “Método é o caminho pelo qual se chega a um determinado resultado, ainda que esse caminho não tenha sido fixado de antemão de modo deliberado e refletido”

    No entanto, a que melhor se adapta ao propósito é o de Galliano (1990), afirmando que “Método é um conjunto de etapas, ordenadamente dispostas, a serem vencidas na investigação da verdade, no estudo de uma ciência ou para alcançar determinado fim”.

    Neste contexto, a descoberta orientada e solução de problemas se classificam como os métodos utilizados e o Judô e suas especificidades técnicas, a tática da ação.

    Por analogia, pode-se afirmar que o método é a estratégia da ação, indicando e orientando o que fazer. E as técnicas utilizadas no Judô são a tática da ação, sendo portanto uma instrumentação específica da ação em cada etapa do método.

    Não deve-se portanto, confundir Método Desportivo com Técnica Desportiva. Enquanto a Técnica é o modo de fazer, mais hábil e seguro, o Método indica o que fazer. Este último é a estratégia que permite a utilização de técnicas distintas e mais adequadas.


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