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O desenvolvimento da velocidade nos jogos desportivos colectivos
Júlio Garganta

http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 30 - Febrero de 2001

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    Neste âmbito, a capacidade de antecipação parece revelar-se um indicador fundamental para discriminar jogadores experientes ou inteligentes de jogadores principiantes ou pouco esclarecidos tacticamente (Tavares, 1994).


3. O treino da velocidade nos JDC

    Nos JDC há que considerar: (1) o treino da velocidade relacionado com as acções explosivas efectuadas em espaço reduzido, tais como saltos, travagens, mudanças de direcção, passes, remates, e outras actividades acíclicas; (2) o treino da velocidade de repetição, mais relacionado com as acções cíclicas, produzidas num espaço mais amplo, como por exemplo a corrida, com e sem bola.

    Dado que a prestação efectiva dos jogadores numa partida se prolonga por um período de tempo considerável, não basta ser rápido. É necessário sê-lo muitas vezes, sem perder eficácia. Deste modo uma das preocupações ao nível do treino é predispor o jogador para repetir a realização de acções rápidas, ao longo do jogo, sem que a sua velocidade de realização baixe drasticamente por aparecimento da fadiga.

    À capacidade que permite fazer face a este condicionamento dá-se o nome de velocidade-resistência. O treino desta capacidade é muito esgotante, tanto física como mentalmente, o que nos previne para a parcimónia com que deve ser abordado. Normalmente é usado em jogadores de elite, devendo evitar-se a sua aplicação a indivíduos com idade inferior a 16 anos (Bangsbo, 1994).


3.1. Objectivos

    Em função do que foi referido, parece plausível que através do treino da velocidade, nos JDC, se procure alcançar os seguintes objectivos:

  • incrementar a capacidade para decidir, rápida e ajustadamente, em resposta aos complexos de estímulos que caracterizam diferentes configurações de jogo (posição da bola, baliza, colegas, adversários, linhas de força do jogo, e outros);

  • aumentar a capacidade para executar rapidamente habilidades técnicas específicas em contextos que reproduzam a matriz do modelo de jogo que se pretende implementar (por exemplo, treinar a condução da bola ou o passe, na fase de contra-ataque, em situações de pressão espacial, com tempo e número de contactos com a bola limitados);

  • desenvolver a capacidade para gerar elevadas magnitudes de potência mecânica externa em acções ou sequências de elevada intensidade (saltos, sprints, mudanças bruscas de direcção, inversões bruscas de sentido, ...);

  • no que toca, particularmente, à velocidade-resistência: aumentar a capacidade de produção contínua de potência e energia; e incrementar a capacidade de recuperação após a realização de um exercício de alta intensidade.


3.2. Preceitos fundamentais

    Como já o referimos, o treino da velocidade no contexto dos JDC deve ser equacionado de forma a que haja um casamento óptimo entre a solicitação das valências perceptivas, decisionais e neuromusculares.

    Há, portanto, que reconhecer que os benefícios do treino da designada velocidade funcional, que integra os ingredientes do jogo, são bem mais significativos do que o treino formal de velocidade, este habitualmente associado aos sprints lineares realizados sem bola (Bangsbo, 1994).

    Nesta linha de raciocínio, para que o desenvolvimento da velocidade seja eficaz, nos JDC, parece-nos importante atender aos seguintes preceitos:

* Gerar esforços de intensidade maximal

    Para que se consiga uma adaptação efectiva é imprescindível exigir-se ao executante elevada concentração e máximo empenhamento na tarefa a realizar. O respeito por esta exigência é fundamental, dado que o exercício apenas induz a adaptação desejada se provocar a solicitação de um número significativo de unidades motoras, o que, por sua vez, reclama intensidade maximal na sua execução.

    Tal implica o respeito pelas seguintes condições:

  • é conveniente realizar o treino de velocidade no início das sessões, após um adequado aquecimento (Bangsbo, 1994). O desenvolvimento da velocidade deve ter lugar em condições de relativa frescura nervosa e muscular (Dick, 1989; Verkhoshansky, 1996a). Quando a fadiga começa a instalar-se a excitabilidade do sistema neuromuscular diminui, provocando também uma redução da coordenação intra e intermuscular e, com ela, uma diminuição da eficiência dos movimentos. Neste caso o efeito de treino orientar-se-á, sobretudo, para a velocidade-resistência;

  • os exercícios devem ser realizados durante períodos de tempo curtos, até 10 segundos;

  • os períodos de recuperação devem ser longos, com duração superior a cinco vezes o tempo de duração do exercício, de forma a permitir uma recuperação completa, e assim se criarem condições aos sistemas implicados para nova repetição ou série em regime de intensidade máxima (Quadro 1).


Quadro 1 - Referências metodológicas para o treino da velocidade (Bangsbo, 1994).

Treino de velocidade-resistência

Duração do exercício

Repouso

Intensidade

Repetições

2 -10 segundos

Superior a 5 vezes a duração do exercício

Máxima

2 -10 segundos

    Para o caso particular da velocidade-resistência, pode ter-se como referência exercícios realizados com intensidade quase máxima, com uma duração entre 20 e 40 segundos e intervalos de recuperação entre três e cinco vezes a duração do exercício. Os intervalos devem incluir actividades de repouso activo que acelerem a recuperação, como por exemplo corrida lenta (Quadro 2).


Quadro 2 - Referências metodológicas para o treino da velocidade-resistência (Bangsbo, 1994).

Treino de velocidade-resistência

Duração do exercício

Repouso

Intensidade

Repetições

20 -40 segundos

3-5 vezes a duração do exercício

Quase máxima (maximal)

2 -10 segundos


* Estabilizar o contexto de treino

    Importa criar um contexto de treino no qual as experiências motoras favoreçam a identificação de uma regularidade de certos efeitos. Isto permite que o praticante seleccione os aspectos fundamentais e que o treinador disponha de condições para o informar acerca da maior ou menor justeza dos seus comportamentos e dos aspectos sobre os quais deve actuar para ser eficaz.

    No âmbito energético-funcional, um dos aspectos a considerar é a realização de um volume de trabalho suficiente para provocar uma adaptação positiva. Dependendo embora da estrutura interna do exercício, do grau de motivação dos atletas e do seu estado de treino, para o desenvolvimento da velocidade parece razoável tomar-se como referência a execução de 2 a 10 séries de 2 a 10 repetições (Bangsbo, 1994).


* Desenvolver o complexo velocidade-precisão

    A procura da conjugação velocidade-precisão, aquando do treino das habilidades técnicas, é um aspecto importante a ter em conta, no sentido do aperfeiçoamento do controlo da alternância da contracção e descontracção dos músculos esqueléticos, i.e., da coordenação intra e intermuscular (Israel & Buhl, 1982), em função dos padrões de movimento típicos da modalidade e também da adaptabilidade na realização de movimentos atípicos.

    Não obstante pesquisas, efectuadas no âmbito da Psicologia do Trabalho, tenham demonstrado que toda a aprendizagem é acompanhada de um aumento de velocidade de realização do sujeito para a tarefa considerada (Leplat, 1970 cit. Jalabert, 1998), sabe-se que existe um limiar de velocidade abaixo e acima do qual o desenvolvimento da velocidade não se faz sentir. Enquanto que no primeiro caso a precisão das acções raramente é perturbada, no segundo ela torna-se praticamente inacessível (Jalabert, 1998).

    Assim, impõe-se a adopção de uma velocidade crítica que viabilize a relação optimal entre a velocidade e a precisão, não ignorando que a mesma varia, entre outros aspectos, com a complexidade da tarefa a realizar e com o nível do praticante.

    Para que o desenvolvimento do complexo velocidade-precisão não fique comprometido, o jogador deve ter assimilado e estabilizado o estereótipo dinâmico motor relativo aos requisitos fundamentais das habilidades técnicas.

    As habilidades técnicas devem ser aprendidas e estabilizadas a velocidades relativamente baixas. Contudo, é ao experimentar acções executadas a velocidades superiores, que o praticante adquire a correspondente imagem sensório-motora do movimento (Verkhoshansky, 1996a). Por essa razão e também porque o transfere da técnica aprendida a baixa velocidade para exigências de alta velocidade é extraordinariamente complexo (Dick, 1989), o atleta deve ser encorajado a consolidar a técnica acelerando, aumentando a intensidade.

    Neste sentido, preconiza-se a realização de exercícios de velocidade funcional (Bangsbo, 1994), os quais devem reproduzir, não só o padrão estrutural dos movimentos a adoptar, mas também a velocidade crítica com que os mesmos devem ser executados (Verkhoshansky, 1996b).

    É óbvio que ao pretender-se desenvolver a velocidade funcional, deve garantir-se que os atletas assegurem a continuidade das acções, o que implica, por exemplo, que saibam receber a bola e passá-la em condições de ser jogada, ou conduzi-la em progressão sem perder o seu controlo. Se os atletas estiverem constantemente a perder o controlo da bola, a continuidade e a ligação das acções ficará comprometida e, por consequência, estará também comprometido o desenvolvimento da velocidade.


* Desenvolver a velocidade em contextos de interferência táctico-técnica

    O desenvolvimento da velocidade em contextos de interferência táctico-técnica revela-se muito importante. Neste domínio a procura da individualização da carga e da diferenciação do conteúdo, em função do estatuto posicional e das características dos jogadores (Morth, 1998), são aspectos a considerar.

    Para dar resposta a esta intenção torna-se muito importante o recurso a "complexos táctico-técnicos", entendidos como conjuntos de exercícios que, inspirados na matriz do modelo de jogo a perseguir, induzem um desenvolvimento motor específico do sistema funcional dos jogadores e da equipa.

    É conveniente, por exemplo, adoptar exercícios rítmicos que levem o jogador e a equipa a reagirem, o mais rapidamente e o melhor possível, à situação de perda ou conquista do móbil do jogo (bola, ...), com o intuito de criar desequilíbrios súbitos no balanço ataque-defesa ou defesa-ataque e surpreender o adversário.


* Dar uma intenção funcional à acção a desenvolver

    Um jogador que leia ou interprete o jogo duma forma deficiente, mesmo que seja rápido na execução de acções individuais, não consegue, habitualmente, adoptar soluções proveitosas para a equipa.

    Sabendo que o projecto de intenção, relativo a uma determinada acção, guia já essa mesma acção no plano perceptivo (Jeannerod, 1985), deve procurar-se que as intenções de acção resultem duma análise funcional do movimento adaptado às competências reais do executante e aos requisitos próprios do jogo. Neste sentido elas favorecem a selecção, a ligação das informações e induzem ganhos na velocidade de realização.


* Atender à especificidade do contexto

    No treino da velocidade deve adoptar-se formas e situações similares às do jogo, perseguindo o denominado treino da velocidade funcional (Bangsbo, 1994).

    Tenha-se em consideração, no entanto, que os tipos de solicitações de um jogo de Futebol são diferentes das reclamadas por um jogo de Basquetebol e estas diferem das exigências típicas de um jogo de Hóquei em Patins. Este facto torna imprescindível a necessidade de perfilar a especificidade (o bilhete de identidade) da modalidade desportiva em questão.


4. Conclusões

    O que interessa aos JDC não é o desenvolvimento de capacidades absolutas-máximas, mas de capacidades relativas-optimais que permitam ao jogador ser eficaz em relação às configurações de jogo com que depara.

    Por isso, a velocidade, como qualquer outra capacidade configurada a partir da dimensão energético-funcional, não é, nos JDC, uma faculdade substantiva, mas uma capacidade subsidiária do rendimento, a qual adquire sentido quando perspectivada em função do contexto que justifica a sua expressão.

    Considerando este pressuposto, a organização do processo de treino deve partir, antes de mais, do modelo de actividade que se pretende que os jogadores desenvolvam, para dar resposta ao modelo de jogo preconizado pelo treinador, embora se possa acentuar a valência muscular ou informacional, em função de aspectos como, por exemplo, o momento do treino (sessão de treino, microciclo, mesociclo) e as características dos atletas (idade, anos de treino, perfil fisiológico, etc.).

    Este entendimento implica que o treino da velocidade seja perspectivado duma forma integrada e aplicada, na qual o protagonismo excessivo do condicionamento atlético dá lugar à solicitação conjugada da(s) velocidade(s) de percepção, decisão e realização, consubstanciada em sequências rítmica de comportamentos táctico-técnicos que traduzem a velocidade de jogo.


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