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O desenvolvimento da velocidade nos jogos desportivos colectivos |
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Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física Universidade do Porto (Portugal) |
Júlio Garganta |
Resumo: No contexto desportivo, a velocidade tem sido entendida como uma capacidade motora cujo desenvolvimento é fortemente determinado pela faceta genética, o que lhe confere um reduzido potencial de treinabilidade. Contudo, se bem que seja comum dizer-se que já se nasce velocista, para nós é claro que nos jogos desportivos é possível ser-se rápido sem que se disponha das características de um corredor de velocidade ou de um saltador. No presente artigo, procura-se sustentar que nos jogos desportivos colectivos não existe uma, mas várias velocidades, cuja lógica de expressão e desenvolvimento implica uma subordinação às exigências particulares da actividade desenvolvida durante o jogo. Neste sentido, é avançada uma perspectiva centrada na interligação das valências perceptivas, decisionais e motoras, e cuja configuração contempla o entrelaçamento da velocidade com os factores de natureza técnica e táctica. |
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 6 - N° 30 - Febrero de 2001 |
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1. Introdução
Na actividade desportiva, o praticante procura, através do seu corpo, que é, simultaneamente, sujeito e objecto da acção (Panafieu, 1984), jogar sobre o tempo no sentido de modificar as suas acções para melhor se adaptar ao envolvimento (Jalabert, 1998).
Neste contexto, a velocidade motora, entendida como uma capacidade humana que condiciona a realização dos movimentos desportivos, constitui um factor do rendimento ao qual se tem vindo a atribuir grande importância. Treinadores e investigadores têm voltado as suas preocupações, não só para as formas de manifestação que a caracterizam, mas também para o modo de as transformar em indutores de eficiência e eficácia das acções desportivas.
Curiosamente, este realce dado à velocidade parece faz parecer omisso o velho ideal olímpico grego, segundo o qual o desporto constituiria a via para o Homem chegar mais longe, saltar mais alto e ser mais forte (Citius, Altius, Fortius).
De facto, à luz das exigências do desporto actual, não basta chegar mais longe, nem saltar mais alto, nem ser mais forte, é preciso ser mais rápido, mais veloz. Mais rápido, não apenas a chegar ao local desejado, ou a realizar uma acção, mas também a pensar, a encontrar soluções, a perceber o erro, a descodificar os sinais do envolvimento. Em síntese, mais rápido e melhor, a perceber, a pensar e a agir.
Este ponto de vista admite, implicitamente, que o ideal olímpico parece omitir uma dimensão fundamental da prática desportiva enquanto actividade humana: a inteligência. Não uma inteligência abstracta e estática, tantas vezes enfatizada, mas uma inteligência do comportamento motor, através da qual o Homem, não só se adapta estrategicamente às exigências colocadas pelo envolvimento, como também está capacitado para nele provocar, intencionalmente, alterações que lhe sejam favoráveis.
2. A(s) velocidade(s) nos jogos desportivos colectivosO contributo relativo da velocidade para o rendimento varia de acordo com as exigências de cada modalidade desportiva (Dick, 1989).
Os jogos desportivos colectivos (JDC) constituem modalidades que se caracterizam por complexas relações de oposição e de cooperação que decorrem dos objectivos dos jogadores e das equipas em confronto e do conhecimento que estes possuem do jogo, de si próprios e do adversário (Garganta & Oliveira, 1996).
Dado que, neste contexto, a dimensão estratégico-táctica assume um papel determinante, o conceito de velocidade transcende claramente a concepção clássica que a define como a capacidade de executar acções motoras no mais breve tempo possível.
Estamos, portanto, perante um problema de adequação da expressão da velocidade às tarefas a realizar. Nas modalidades que fazem parte deste grupo de desportos, o que se demanda constantemente é uma síntese entre velocidade e eficácia na tarefa, o que implica perceber a importância que assume a unidade entre o sistema perceptivo e a velocidade de realização.
As interacções do sistema perceptivo com a velocidade de realização organizam-se em torno de três eixos (Jalabert, 1998):
selecção das informações - o jogador de alto nível ganha tempo seleccionando, cada vez mais rapidamente, num caos de informações, aquelas que lhe são mais úteis para atingir o objectivo;
ligação entre as informações - o jogador de alto nível invoca as experiências passadas para prever as consequências das acções que realiza. Nesse sentido, é capaz de estabelecer conexões entre elementos como a orientação dos apoios, a postura do adversário, as linhas de força da defesa contrária, as trajectórias imprimidas à bola, e outros, os quais se revelam determinantes para a obtenção de sucesso;
reorganização sensorial do controlo do movimento - ao invés do principiante, para quem o controlo visual da bola é indispensável, o jogador confirmado utiliza a propriocepção, o que se torna mais económico em termos de tempo, dado que tal o disponibiliza, do ponto de vista cognitivo, para o tratamento da informação.
Face a este cenário, parece pertinente considerar não uma, mas várias formas de velocidade. Aliás, Weineck (1994) e Gambetta et al. (1998) ilustram bem este facto, no âmbito do Futebol, ao considerarem a coexistência de sete formas:
a velocidade de percepção - relacionada com a habilidade para processar estímulos auditivos e visuais e tomar decisões a partir de uma variedade de escolhas dependentes de uma situação particular;
a velocidade de antecipação - relacionada com a habilidade para prever as probabilidades de evolução das linhas de força de uma situação;
a velocidade de decisão - relacionada com a habilidade para, após ter analisado uma situação, decidir o que fazer;
a velocidade de reacção - relacionada com a habilidade para reagir a uma acção ou estímulo prévio;
a velocidade de movimento sem bola - relacionada com a habilidade para executar acções sem bola (desmarcações, tackles, marcações, saltos, mudanças de direcção e outras);
a velocidade de acção com bola - relacionada com a habilidade para executar as habilidades técnicas específicas, na relação com o móbil do jogo;
a velocidade de acção de jogo - relacionada com a habilidade para tomar decisões durante o jogo e executá-las em relação com as condicionantes técnicas e tácticas, i.e., para agir correctamente, no tempo certo.
Se tomarmos como exemplo a corrida dos jogadores, nos JDC, constataremos que ela não é linear nem a meta é antecipadamente conhecida. Os praticantes deparam com muitas e variadas "metas" a atingir ao longo do jogo, pelo que o desenvolvimento da velocidade assume contornos complexos.
Atentemos noutro exemplo. No Andebol, no Basquetebol e no Futebol, os estímulos visuais são prevalecentes (análise de trajectórias da bola, percepção das movimentações dos colegas e adversários, ...). Num atleta que revele dificuldades ao nível da percepção de estímulos visuais, está comprometido um dos elos da cadeia (a captação do estímulo) e, por consequência, está condicionada negativamente a capacidade para ser rápido nas acções que deve desenvolver.
De facto, a expressão da velocidade decorre, não apenas da brevidade de reacção aos estímulos ou da velocidade gestual, mas também do tempo necessário à identificação, ao tratamento rápido da informação e ao reconhecimento e avaliação das situações complexas de jogo. Como sustenta Paillard (1990), em matéria de tratamento da informação, o tempo de que se dispõe para operar é mais importante do que a quantidade ou a qualidade das acções a realizar.
Verifica-se, contudo, que os estudos dirigidos para a compreensão da lógica da velocidade têm-se voltado, preponderantemente, para a parte observável da acção, ou seja para o tempo de movimento, enquanto que o lado invisível, relacionado com o tempo de reacção (Meignan & Audifren, 1997), inerente às questões do processamento da informação, nomeadamente nas facetas perceptiva e decisional, é tratado com menor incidência.
A este facto não são alheias as conclusões provindas de alguns estudos realizados por especialistas, os quais, tendo por referência o peso dos factores genéticos e adaptativos, vêm difundindo a ideia de que a velocidade é a mais acondicionada geneticamente de todas as designadas características motoras básicas e que, portanto, a sua treinabilidade é reduzida.
Consideramos, todavia, que esta é uma forma restritiva de colocar o problema, porque a realidade tem evidenciado que nos JDC as possibilidades de desenvolvimento da velocidade passam, em grande parte, pela exercitação conjugada das capacidades motoras com as habilidades táctico-técnicas, nas quais aspectos como a atenção, a capacidade de discriminação dos sinais pertinentes e a justeza decisional se revestem de uma importância fundamental. Neste sentido, o treino de tais factores tem permitido maximizar as valências musculares ou, nalguns casos, disfarçar até as suas limitações.
A capacidade de previsão, por exemplo, permite que um jogador, mesmo sendo "mais lento" do que outro, do ponto de vista neuromuscular, possa chegar mais depressa a um determinado lugar do terreno de jogo, porque previu e antecipou a resposta.
Atentemos nos movimentos basilares de locomoção dos jogadores, nas suas diferentes formas (marcha, trote, corrida rápida, sprint). Podemos constatar que as razões da sua expressão se fundam numa intencionalidade guiada, sobretudo, por imperativos tácticos. O jogador desloca-se para algum lugar, com maior ou menor intensidade, num ou noutro momento, em função da movimentação dos colegas e adversários, e da posição da bola, isto é, em função das configurações do jogo (Garganta, 1997).
De acordo com este entendimento, a velocidade motora, longe de se restringir à acepção física do termo, que a situa como uma grandeza física, dada pela relação entre o espaço percorrido por um objecto e o tempo necessário para o percorrer, impõe-se, sobretudo, como uma grandeza táctico-técnica, perceptiva e informacional, que se consubstancia no que se pode designar por velocidade de realização, quando nos referimos à prestação individual do jogador, ou por velocidade de jogo, quando nos reportamos ao desempenho das tarefas da equipa, enquanto unidade colectiva, nas diferentes fases que o jogo atravessa.
A velocidade de realização resulta, assim, da conjugação de diferentes e complementares aspectos, e.g., fisiológicos (nível de contractibilidade das fibras musculares), biomecânicos (intensidade, orientação e transmissão do complexo de forças em presença) e perceptivos (natureza dos receptores sensoriais que controlam o movimento). A velocidade de jogo resulta, não do somatório das velocidades parcelares de realização dos jogadores, tidos como célula ou individualidade, mas da forma como a equipa, enquanto superestrutura, gere os diferentes momentos configurações do jogo e a eles reage colectivamente, tal como um tecido celular inteligente.
Tal sugere que, nos JDC, o facto da velocidade ser treinada através de exercícios nos quais se exige que a tarefa proposta se realize no mais breve tempo possível, é condição necessária mas não suficiente para que o efeito de treino se oriente no sentido pretendido. Para além de executar depressa é necessário executar bem, isto é, de forma ajustada.
2.1. A velocidade de jogoOs JDC praticados ao mais alto nível, são caracterizados por requererem um ritmo muito elevado e por reclamarem dos jogadores um empenho permanente. A existência de sistemas defensivos cada vez mais pressionantes implica exigências crescentes, nomeadamente no que se refere à velocidade de processamento da informação e de execução.
No jogo ocorrem, cada vez com maior frequência, circunstâncias nas quais os jogadores devem realizar acções de adaptação com elevada velocidade. Todavia, ao atribuir-se às capacidades motoras um estatuto de autonomia, à margem do contexto táctico que as reclama, o significado de características como esta pode ser destorcido.
Por isso, Brettschneider (1990) alerta quem pretender analisar os jogos desportivos e a prestação dos jogadores, para que o faça através da análise do contexto no qual ocorrem as acções, não se devendo limitar a aspectos isolados.
Quando, tentando analisar parcelarmente os JDC, falamos em velocidade, no sentido restrito, não conseguimos um aporte de informação importante para melhorar a qualidade do treino e do jogo. A velocidade está sempre relacionada com o ajustamento temporal (Balash, 1998) e espacial das acções, e também com as características da tarefa a realizar. Trata-se, portanto, de uma velocidade táctico-técnica.
Estando a velocidade intimamente associada a acções de intensidade maximal, alguns especialistas (ver por exemplo, Palfai, 1979; Ekblom, 1986) têm referido que aquilo que diferencia o nível dos jogadores e das equipas, no que respeita à actividade realizada durante as partidas, não é tanto o número de acções, mas fundamentalmente a intensidade com que elas são desenvolvidas.
Quando os desportistas se movimentam em função de um móbil de jogo (a bola) e interactuam com elementos móveis dotados de autonomia (colegas e oponentes), as acções não podem ter uma duração fixa. A acção desenvolvida pelo sujeito decorre, não só da leitura da configuração do momento, mas também da previsível evolução das linhas de força do jogo, em função da velocidade de que se está animado para fazer coincidir a execução com o momento (tempo ) e o lugar (espaço) exigidos para obter êxito.
De facto, a velocidade de realização parece ser um indicador do nível de jogo. Os melhores jogam mais depressa. Todavia, a intensidade com que um jogador executa as acções no jogo, depende, por um lado, da forma como ambas as equipas em confronto condicionam o ritmo do jogo, e, por outro, da qualidade das escolhas e das opções táctico-técnicas efectuadas pelo jogador no seu decurso.
Sabe-se que não é apenas na forma, mas também no ritmo de execução das habilidades técnicas, que os jogadores mais talentosos se distinguem dos demais (Mercier, 1979). Contudo, a velocidade das acções do jogador adquire sentido quando relacionada com a velocidade de jogo, isto é, com a interacção de várias formas de manifestação parcelares que se entrecruzam e que vão desde a velocidade mental (Cianciabella, 1995) até à velocidade de deslocamento e de execução, numa interacção recorrente entre colegas e concorrente entre adversários.
Quer isto confirmar que os melhores não jogam apenas mais depressa. Jogam, sobretudo, mais eficazmente, fazendo variar a velocidade de realização e de jogo, em função das características do momento e das possibilidades de evolução das linhas de força da jogada.
O jogo em que o jogador se posicionava para receber a bola, depois observava, pensava e agia, faz pouco sentido no contexto actual. As marcações são cada vez mais pressionantes, a velocidade de jogo cada vez mais elevada, o tempo para agir cada vez mais curto, pelo que cada vez é mais premente a necessidade de realizar a antecipação mental e motora. Neste contexto, a compatibilização da velocidade com a precisão parece ser um problema importante.
Já em 1951, Gibbs demonstrou que existe uma correlação negativa entre velocidade e precisão.
Também se sabe, desde 1942 com Fulton, que o nível de precisão adquirido a baixa velocidade decresce rapidamente quando esta aumenta e que, pelo contrário, quando se pede a um indivíduo, que treinou a elevada velocidade, que procure cuidar os aspectos de precisão, ele perde pouca velocidade.
Este preceito reveste-se de grande importância, nomeadamente pelas repercussões que pode ter quando se pretende eleger uma metodologia para promover a aquisição eficaz das diferentes habilidades técnicas nos JDC.
Há, por isso, que considerar a relação da velocidade das acções com a precisão e com antecipação da resposta motora decorrente dos aspectos tácticos do jogo. Segundo Dugrand (1989), embora exista uma relação negativa entre velocidade e precisão, verifica-se uma relação positiva entre a velocidade e a "previsibilidade" das soluções retidas pelos jogadores.
A este propósito, Bouthier (1988) sustenta que os jogadores mais experientes e os mais inteligentes se distinguem pelo apuro das capacidades de antecipação, quer na evolução das relações de oposição, quer nas escolhas tácticas mais ajustadas, quer ainda na execução das correspondentes operações que viabilizem o desencadeamento dessas acções em tempo útil.
Também Ripoll (1979), num estudo em que comparou praticantes de Basquetebol com sujeitos não praticantes, demonstrou que os segundos, não obstante serem capazes de reconhecer uma considerável quantidade de informação sobre o jogo, ignoravam a sintaxe e o conteúdo semântico das mesmas.
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