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Esporte e Modernidade: Notas sobre Crítica Escritura Histórica em Walter Benjamin
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http://www.efdeportes.com/ Revista Digital - Buenos Aires - Año 5 - N° 26 - Octubre de 2000 |
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Ao contrário do que pensa uma historiografia contemplativa, os fatos passados que devem ser citados no tribunal da história não são aqueles que devem servir de exemplo para nossas ações presentes e futuras. Do passado é preciso reter as lembranças daquilo que não foi realizado, das esperanças não cumpridas da história, dos desejos que ficaram.
4. Ainda Progresso e História: Uma Notinha para a historiografia dos esportesAs críticas de Benjamin a concepção de tempo histórico homogêneo e vazio, e que tem como mote o progresso infinito, podem nos ajudar a pensar algumas questões relacionadas ao esporte e a escritura de sua história.
O esporte é um dos principais vetores da idéia de um progresso linear e infinito, cuja concepção de natureza é fortemente vinculada a produtividade e a tecnificação. As metáforas maquinais em relação ao corpo, tão típicas da modernidade, não são figuras de linguagem inocentes.24
Talvez por isso ainda prepondere uma história por vezes bastante celebrativa dos "feitos" esportivos, que desconsidera a dialética entre progresso e regressão. O esporte é um campo privilegiado onde o progresso é considerado como "[...] um processo sem limites, idéia correspondente à da perfectibilidade infinita do gênero humano", conforme se lê sobre o dogmatismo da social-democracia dos anos trinta.25
À direita e à esquerda há uma história do esporte que louva a dominação irrestrita do corpo. Há uma história do olimpismo, muito presente, que não quer sequer pensar na hipótese de que os Jogos de Berlim em 1936 talvez não tenham sido uma "traição" aos ideais olímpicos, mas, pelo contrário, sua afirmação.26
Há um caráter restaurativo no Olimpismo, que por um lado cria a fantasia da continuidade entre os Jogos da Antigüidade grega e da Modernidade, e por outro procura um último suspiro para os ideais aristocráticos, feridos, um século antes da instituição das Olimpíadas Modernas, pela Revolução Francesa. Esse caráter restaurativo é mais do que confirmado pela equiparação (mitológica!) entre os mitos gregos e os germânicos, vinculados a supremacia racial, fortes Leitmotiven dos Jogos de 1936. A Obra de Arte Total (Gesamtkunstwerk) em que se constituíram as Olimpíadas de Berlin teve sua face cinematográfica notavelmente construída no projeto Olympia (Festa da Beleza e Festa do Povo), dirigido pela talentosa Leni Riefensthal, cineasta oficial do Terceiro Reich.
Esta história considera o progresso de forma contemplativa, sem observar seu potencial também regressivo. Não vê que todo documento de cultura também o é de barbárie; que a transmissão cultural também é portadora de violência (Tese VII); que "há sangue na sapatilha", como Heiner Müller27 lembra a Pina Bauch, e que isso não pode ser simplesmente louvado.
Esta é uma historiografia que, também no mundo acadêmico, constrói os museus que louvam as conquistas no esporte, como se fossem elas conquistas da humanidade. Gostaria de ver com mais força na Educação Física/Ciências do Esporte uma historiografia que escovasse a história a contrapelo, que concorresse com a história celebrativa e pudesse narrar os acontecimentos passados também do ponto de vista dos vencidos.
É preciso dizer, no entanto, que isso não significa desconsiderar o caráter dialético das práticas corporais (e do esporte em especial), o que seria pouco rigoroso com a história, talvez apenas exercício de preconceito.
Não é o caso, também, de se advogar uma "história militante", que procure por vilões e mocinhos, mas de se considerar que também há fissuras, fracassos e feridas que não cicatrizarão se permanecerem desprezadas. É preciso lembrar, não para que se possa esquecer, mas para que o passado seja retrabalhado, compreendido. Se não for assim, as feridas reaparecerão violentamente, na forma de trauma, como tudo aquilo que é recalcado.
Notas
Uma versão deste texto foi apresentada no VII Congresso Brasileiro de História da Educação Física, Esporte, Lazer e Dança, em Gramado, RS, em 30/05/2000, com o título de Em Favor da Memória, Contra o Esquecimento: História, Progresso e Esporte em Walter Benjamin (Vaz 2000).
Proc. 1106/95-15.
Arendt, 1973, p. 161.
Informações e interpretações biográficas a respeito de Benjamin podem ser conferidas, entre outras fontes, em Fuld 1990, Gagnebin 1993 e 1999.
O texto tem duas versões e várias edições. Baseio-me aqui na primeira versão, em sua publicação nas Obras Reunidas (Ver Benjamin 1980b [1935/1936]).
Benjamin 1980b, p. 442.
Benjamin, 1980b, p. 440.
Benjamin 1980b, p. 464.
Sobre o cinema em Brecht consultar o trabalho de Esperança 1993, principalmente p. 110-116. Sobre Leni Riefensthal conferir, entre outros, o interessante livro de Wildmann 1998, sobretudo p. 27-34.
É preciso considerar que se parte dos comentários não foram aproveitados nas duas versões do ensaio, é porque o Autor talvez tenha querido levar as discussões adiante. Duas hipóteses: ou delas não tinha segurança, ou não as considerava importantes para o contexto do ensaio, naquele momento. De qualquer forma, mas considerando o exposto, vale seguir nesse exercício de analisar as anotações de Benjamin.
Buck-Morss 1993, p. 384-391.
É preciso destacar que a temática do Corpo em Walter Benjamin possui várias faces. Os limites e objetivos desse trabalho não me permitem aprofunda-la. Um esboço dessa abordagem pode, no entanto, ser encontrado em Vaz 1995.
Buck-Morss 1993, p. 389-391.
Ver como exemplos os textos de Habermas 1967 e Plessner 1956. Para uma pequena história da sociologia do esporte na Alemanha, consultar o artigo de Pilz 1999.
Buck-Morss 1993, p. 389-391.
Benjamin 1980c, p 1039.
Benjamin 1980c, 1040; Buck-Morss 1993, p. 391.
Benjamin 1980b, p. 450.
Conferir os textos, escritos entre 1925 e 1932 Die Krise des Sports, Die Todfeinde des Sports e Sport und Geistiges Schaffen em Brecht 1967, p. 26-30.
Benjamin 1977a, p. 259.
Benjamin 1993a, p. 225; 1977a, p. 254. (Tradução ligeiramente modificada)
Benjamin 1993a, p. 226; 1977a, p. 255.
Dois temas muito importantes para a teoria da história em Walter Benjamin ficaram, em razão dos limites desse trabalho, relegados para uma outra exposição. Um deles é o da narração, o outro é o surpreende significado que a revolução tem para Benjamin, não como aceleração do tempo, como queria (e quer?) um marxismo mais ortodoxo, mas como sua paralisação!
Desenvolvo essas idéias em vários trabalhos, entre eles Vaz 1999 e 1999b.
Benjamin 1993a, p. 229.
Alkemeyer 1996.
Müller 1990.
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digital · Año 5 · N° 26 | Buenos Aires, octubre de 2000 |