Estudo comparativo das variáveis
neuro-motoras em portadores de deficiência mental

Jônatas de França Barros*, Cândido Simões Pires Neto** e Turíbio Leite de Barros Neto*** (Brasil)

* Professor da Faculdade de Educação Física e do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Ciências da Saúde/UnB
**Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto-Sensu em Educação Física do Centro de Educação Física e Desporto/ UFSM
*** Professor do Programa de Pós-Graduação Strict

paty91@persocom.com.br

Artigo Original (parte da tese de Doutorado na Escola Paulista de Medicina)

     Resumo
     Com o objetivo de comparar o índice de aptidão física em portadores de deficiência mental nas variáveis neuro-motoras, estudou-se 108 indivíduos portadores de deficiência mental leve e moderada, com a idade variando entre 10 a 36 anos todos praticantes regulares de atividade física em diferentes modalidades. Estudamos 74 indivíduos do sexo masculino, divididos em deficiente mental leve (N= 37), deficiente mental moderado (N= 37). No sexo feminino, foram 34 indivíduos divididos em: deficiente mental leve (N= 18), e deficiente mental moderado (N= 16), todos matriculados na APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) em seus respectivos núcleos: Vila Mariana, Itaim e Bronklin da cidade de São Paulo, SP. A coleta de dados foi aplicada numa única fase. Todos foram comparados nas seguintes variáveis: 1) flexibilidade, com o teste de sentar e alcançar; 2) impulsão vertical; 3) velocidade de 50 metros e 4) agilidade pelo Shuttle-run. Comparando-se os deficientes mentais leves com os deficientes mentais moderados constatamos maior impulsão vertical (Pa = 0,0001), maior velocidade (Pa = 0,0001), e maior agilidade (Pa = 0,0001) não existindo diferença quanto à flexibilidade. Estes resultados são detectados em ambos os sexos. Em relação aos padrões populacionais observamos também maior flexibilidade e impulsão vertical e menor velocidade de corrida. Estes resultados caracterizam a importância da atividade física para os deficientes e a necessidade dos programas serem desenvolvidos respeitando as características desses pacientes.
     Unitermos: Retardo Mental. Aptidão Física.

     Abstract
     With the purpose to compare indexes of physical fitness of patients with a mental handicap regarding neuromotor variables, 108 individuals with light to moderate mental handicap, ages ranging from 10 to 36 years, all of them perfoming different modalities of regular physical activities were studied. Seventy-four male individuals were divided into: light (N=37) and moderate mental handicap (N=37). Females were divided into: light mental handicap (N=18) and moderate mental handicap (N=16). All were enrolled in the APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais - Association of Parents and Friends of Disabled Individuals) at their respective units: Vila Mariana, Itaim, and Brooklin of the city of São Paulo, SP. Data collection was done in a single phase. All patients were compared regarding the following variables: 1) flexibility, with sitting and reaching test; 2) vertical jump; 3) speed - 50 meters and 4) Shuttle-run agility. When comparing light mentally handicapped patients with the moderate ones, greater vertical jump (Pa = 0.0001), higher speed (Pa = 0.0001), and greater agility (Pa = 0.0001) were observed and no differences regarding flexibilty. These results were detected in both sexes. Regarding population patterns, greater flexibility and vertical jump and lower running speed were observed. These results emphasize the importance of physical activity for handicapped individual and the need to develop programs respecting the characteristics of these patients.
     Keywords: Mental Handicap. Physical Fitness.

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revista digital | Buenos Aires | Año 5 - Nº 18 - Febrero 2000

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Introdução
     Este estudo considera a necessidade de estímulos especiais ao desenvolvimento motor e funcional dos portadores de deficiência mental, por meio de uma atividade física orientada para a melhoria da condição física, o que é importante no que diz respeito aos benefícios das funções fisiológicas, neuro-motoras e somáticas voltadas à saúde destes pacientes conforme os autores (CLIMSTEIN et al., 1993).

     A busca da melhoria na qualidade de vida nos últimos anos levou um número crescente de pessoas portadoras de deficiência a procurar a prática de diferentes esportes, visando a uma melhoria em seu bem-estar físico e psicológico. Assim, diversos estudos têm sido realizados, especialmente a partir da década de 70, demonstrando os efeitos benéficos da atividade física nas diversas doenças e as respostas fisiológicas aos exercícios nesta população (SHEPARD, 1990; CLIMSTEIN et al., 1993; PITETTI, 1993; Bar-Or, 1994; BOOTH, 1994).

     Entretanto nos testes de habilidades físicas, devemos também considerar o tipo de teste, a medida e a avaliação. Parte do comportamento observado, em pessoas portadoras de deficiência mental, auxiliam os profissionais a detectar características de deficiências, homogeneizar um grupo, graduar o aluno excepcional, motivar, propor situações novas e alternar programas. Entretanto, a avaliação deve ser constante e global, na qual cada profissional faz o diagnóstico relativo à sua área (ROSADAS, 1986). O mesmo autor observa, ainda, que as características que são relevantes para o desempenho físico e sobre as quais o indivíduo tem pouco ou nenhum controle incluem: sexo, idade, somatótipo, estatura. O desempenho físico é influenciado pelas características fisiológicas específicas.

     DASMACENO (1992) comenta os testes de habilidades físicas como um dos elementos importantes de avaliação para uma melhora da condição neuro-psico-social do portador de deficiência mental, que gera possibilidades e alternativas aos profissionais de educação física quanto à necessidade de elaborar programas de condicionamento físico, levando em consideração desde exercícios básicos como coordenação motora viso-manual até exercícios de maior complexidade, como no desporto coletivo ou individual. ROSADAS (1986) considera que sem um programa de atividades físicas cientificamente elaborado a criança, deficiente ou não, estará sujeita aos principais problemas da civilização moderna, em que acarretará insuficiência de movimentos, lentidão de reações, sistemas cárdio-respiratório com pouco movimento e conseqüentes distúrbios neurológicos.

     WATSON (1986) comenta que o desempenho físico resulta de um conjunto de todas as características físicas e mentais do indivíduo. Para que haja um resultado efetivo, devemos conhecer quais os fatores que influenciam o processo de crescimento, maturação e aprendizagem.


Flexibilidade
     DONSKOI & ZATISIORSKI (1988) denominam flexibilidade a capacidade de executar os movimentos com grande amplitude. Para uma medição exata da flexibilidade será necessário medir o ângulo que corresponde à articulação e à posição limite possível entre os membros articulados.

     A flexibilidade está relacionada com o tipo corporal, o sexo, a idade, a estrutura óssea e articular e com outros fatores, que escapam do controle do indivíduo, e é, predominantemente, uma função dos hábitos de movimento, da atividade e da inatividade. A falta de flexibilidade normal perturba a extensão e a qualidade de desempenho, podendo ser responsável por transtornos específicos. Com isto, a diminuição da flexibilidade, normalmente conseqüência do envelhecimento, é causada pela falha em manter o movimento numa amplitude completa (RASCH, 1987).

     MATVÉIEV (1986) considera que o desenvolvimento da flexibilidade não se resume ao simples aperfeiçoamento da coordenação muscular e compreende um certo número de modificações morfo-funcionais específicas dos músculos e dos ligamentos. O autor comenta, ainda, que os índices de flexibilidade dependem da aptidão de combinar o relaxamento dos músculos antagônicos com a contração dos músculos que executam os movimentos.

     É difícil fazer generalizações sobre flexibilidade, devido às diferenças estruturais das articulações e a diversidade de demandas em cada prática. Pessoas destreinadas tendem a ser deficientes na maioria dos aspectos da mobilidade articular, tornando-se necessário, para as mesmas, um programa geral e completo no início do treinamento. Neste estágio, é pouco provável que a flexibilidade se constitua um problema (WATSON, 1986).

     Para POLLOCK et al. (1978) a flexibilidade pode ser aumentada por meio de exercícios, porém a magnitude desse aumento e as articulações envolvidas dependem do tipo de exercícios ou da variação da atividade.

     Os valores de referência da flexibilidade na população americana são expressos no Quadro único referentes ao trabalho da (AAHPER, 1976).

Quadro único - Padrões para teste de alcance máximo de flexibilidade sentado
ALCANCE MÁXIMO SENTADOCentímetros
Excelente
Bom
Médio
Regular
Fraco
22 ou mais
entre 19-21
entre 14-18
entre 12-13
11 ou menos

     As limitações da flexibilidade são: a vida sedentária, inatividade prolongada, e hábitos impostos pela natureza das atividades profissionais do indivíduo. Na maioria dos casos, todas elas são responsáveis pela diminuição da flexibilidade em função da idade. Nestes casos, processa-se uma progressiva e lenta perda da mobilidade articular e da elasticidade muscular (VIANA, 1982).

Impulsão vertical
     A impulsão vertical é uma prova funcional capaz de detectar a potência anaeróbia aláctica dos membros inferiores no gesto específico do salto vertical (AAHPER, 1976).

Velocidade (corrida de 50 metros)
     Esta variável mede de maneira indireta a potência anaeróbia aláctica, em que o pico máximo do metabolismo ATP-CP é alcançado aos 10 segundos de atividade física ( AAHPER, 1976).

Agilidade (Shuttle Run)
     Agilidade é uma variável neuro-motora caracterizada pela capacidade de realizar trocas rápidas de direção, sentido e deslocamento da altura do centro de gravidade de todo corpo ou parte dele (AAHPER, 1976).


Objetivo
     O objetivo do presente estudo é comparar entre deficientes mentais leves e moderados, de ambos os sexos, as seguintes variáveis de aptidão física: a) Neuro-motoras (flexibilidade, impulsão vertical, velocidade e agilidade).


Material e Método

Tipo de pesquisa
     O estudo segue o método transversal causal-comparativo, pois procura analisar o problema, já mencionado, que se refere ao fenômeno observado (CAMPBELL & STANLEY, 1971).

Casuística
     Os participantes da pesquisa são portadores de deficiência mental, de ambos sexos, na faixa etária de 10 a 36 anos, todos matriculados na instituição APAE (Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais) (n = 800), em seus respectivos núcleos: Vila Mariana, Itaim e Brooklin da cidade de São Paulo/SP em parceria com o CEMAFE (Centro de Medicina da Atividade Física e do Esporte).

     A coleta da pesquisa foi aplicada numa única fase, correspondendo a quatro meses, iniciando-se em agosto e terminando em novembro de 1996.

     Foram incluídos os portadores de deficiência mental leve e moderada que realizavam as seguintes atividades esportivas: natação; futebol de salão; ginástica rítmica desportiva; ginástica olímpica; expressão corporal; tênis de mesa; basquetebol e handebol (n = 113), com a freqüência de 2 vezes por semana.

     Foram excluídos os cinco deficientes mentais severos em razão da incapacidade de assimilar e executar os testes.

     A amostra final desta pesquisa contou com 108 portadores de deficiência mental.

Grupos da pesquisa
     Os deficientes mentais praticantes de modalidades desportivas foram divididos em quatro grupo de acordo com o sexo e nível mental, como descrito abaixo:


Coeficiente de inteligência (QI)
     Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 1976, na sua classificação, o QI é descrito da seguinte maneira:

QI = (idade mental / idade cronológica) x 100
Deficiente Mental Leve .....
Deficiente Mental Moderado .....
Deficiente Mental Severo .....
Deficiente Mental Profundo .....
   QI entre 50 a 70
QI entre 35 a 50
QI entre 20 e 35
QI inferior a 20

     Valores para cálculo do QI (Coeficiente de Inteligência) através do WISC (Wechster intelligence scale for children), segundo KADLECK & GLAT (1985).


Método Estatístico

Teste Estatístico
     Para a análise dos resultados foram utilizados testes paramétricos e testes não paramétricos, levando-se em consideração a natureza das variáveis estudadas.

     Foram utilizados os seguintes procedimentos:

  1. teste paramétrico - teste t de student para amostra independente (SOKAL, 1969) com o objetivo de comparar os grupos, dois a dois, para: a) agilidade (Shuttle-run) e b) velocidade (50 metros).

  2. Teste não-paramétrico de Mann-Whitney, para duas amostras independentes (SIEGEL, 1988) quando comparamos os grupos, dois a dois, para: a) flexibilidade e b) impulsão vertical.


Nível de Significância do teste estatístico
     Fixou-se em 0,05 ou 5% o nível para a rejeição da hipótese de nulidade, assinalando-se com um asterisco os valores significantes.

O valor do risco alfa foi definido em 0,05 ou 5%.


Resultados das Variáveis

     Gráfico I - Valores médios da flexibilidade para os grupos, masculino com deficiência mental leve (DML-M), feminino com dificiência mental leve (DML-F), masculino com dificiência mental moderada (DMM-M) e feminino com deficiência mental moderada (DMM-F) da APAE/SP.

Nivel mental
Teste de Mann-Whitney
z crítico = 1,96
Leve x Moderado
Masculino
z calculado = 0,09
Feminino
z calculado = 0.52
Masculino x Feminino
Leve
z calculado = 2,09* (F>M)
Moderado
z calculado = 1,67

Gráfico II - Valores médios da impulsão vertical (IV) para os grupos, masculino com deficiência mental leve (DML-M), feminino com dificiência mental leve (DML-F), masculino com dificiência mental moderada (DMM-M) e feminino com deficiência mental moderada (DMM-F) da APAE/SP.

Nivel mental
Teste de Mann-Whitney
z crítico = 1,96
Leve x Moderado
Masculino
z calculado = 5,60* (Mod>Lev)
Feminino
z calculado =3,12*(Lev>Mod)
Masculino x Feminino
Leve
z calculado = 5,09*(M>F)
Moderado
z calculado = 4,03* (M>F)


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