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Introdução
Vimos acompanhando, principalmente nas três últimas décadas deste século, mudanças nas visões de mundo em diversas áreas da existência humana.
Mesmo considerando que não seja o objetivo principal desta comunicação abordar tais mudanças paradigmáticas, não vejo como deixar de mencioná-las visto que, a partir delas, é que se tornará possível compreender as técnicas de avaliação que discutiremos em seguida.
Globalidade x fragmentação; processo x produto; significatividade x disciplinaridade: confronto e substituição de paradigmas
Em primeiro lugar, gostaria de mencionar a oposição entre duas formas de considerar o mundo: uma como realidade na qual todos os elementos encontram-se integrados (holos) e outra que considera a realidade composta de frações especializadas, estanques das demais, e que possuem vida própria.
Percebemos que diversas áreas de conhecimento, podendo citar como exemplo a física, a biologia, a economia, a pedagogia, bem como áreas de atuação profissional como a medicina, a administração de empresas e a própria educação física, cada vez mais passam a adotar paradigmas holísticos, visões globalizadoras de mundo, seja na busca de sua compreensão, seja na tomada de decisão a respeito de formas de atuar profissionalmente.
Em segundo lugar, gostaria de comentar que a adoção de tais paradigmas globalizadores, por sua vez, implica numa revisão sobre as formas de buscar construir, acumular e disseminar conhecimentos, como também implica revisões sobre as formas de planejar, executar e avaliar nossas ações profissionais. Neste aspecto, podemos perceber que, principalmente quando pensamos na realidade das linhas-de-produção, realidade que emerge da expansão dos processos de industrialização, o paradigma que defende que os processos avaliativos devem ocorrer ao final do processo produtivo hoje já se encontra substituído ou em fase de substituição pelo paradigma que afirma que os procedimentos avaliativos devem estar incorporados a todas as etapas do processo produtivo. Na área de administração, esse processo é comumente conhecido como "gestão pela qualidade". Trata-se, portanto, de uma substituição do paradigma da avaliação centrada no produto pela avaliação centrada no processo.
Ao pensarmos na realidade escolar, deparamo-nos com outra possibilidade de confronto paradigmático: a organização das propostas orientadas pelo princípio da disciplinarização do conhecimento e outras orientadas pelo princípio da significatividade lógica e psicológica (AUSUBEL, 1968; AUSUBEL et alii, 1980; COLL, 1997). Nas propostas pedagógicas orientadas pela especialização das áreas de conhecimento, ou seja, pelo ensino e aprendizagem do conhecimento organizado sob a forma de disciplinas, cada uma delas possui vida própria sendo que os professores podem desenvolver seu trabalho sem a necessidade de preocupar-se com o trabalho que está sendo realizado pelos professores de outras áreas de conhecimento.
Por outro lado, nas propostas que buscam orientar-se pelos princípios da significatividade lógica e psicológica, existe a preocupação que o professor, na organização de seu ensino, proponha experiências que proporcionem aos alunos a apreensão do conhecimento da realidade da forma mais próxima possível do seu contexto natural, contexto este no qual múltiplas perspectivas de acesso ao fenômeno estudado se interpenetram, apresentando implicações mútuas e/ou múltiplas. Poder-se-ia argumentar que qualquer dos paradigmas apresentados até aqui é válido para orientar a compreensão humana sobre seu mundo, ao que responderíamos afirmativamente, no entanto, quando pensamos em formação e desenvolvimento humanos, nos orientamos por valores sobre os quais reina algum consenso social.
Quais seriam, então, os valores e princípios que estariam sendo consensuais na comunidade humana ocidental que pensa e atua na área educacional?
Em outras palavras, quais seriam os princípios que deveriam nos orientar para o desenvolvimento do trabalho educativo considerando a realidade deste fim de século e aquela que se projeta para as primeiras décadas do século XXI?
Segundo BALCELLS & AZA (1995), o Cóllege de Francia em 1987, a pedido do então presidente Françoise Miterrand, publicou um informe a respeito de quais seriam estes princípios:
Através da leitura e reflexão sobre tais princípios, percebemos que os mesmos também se encontram norteando os programas e ações pedagógicos atualmente em desenvolvimento na realidade brasileira. Constatamos, também, que eles evidenciam a orientação pelos paradigmas globalizadores e processuais. Orientando-se por tais princípios, KING & SCHNEIDER (1992, apud BALCELLS & AZA, 1995), reconhecem que a educação é uma ação multidisciplinar e que deve abranger as seguintes funções:
Um pouco de globalização e América Latina
Temos ouvido o termo globalização com uma certa freqüência, normalmente associado com discussões político-econômicas. Cumpre-nos aproximarmo-nos desta discussão no sentido de analisar suas implicações para o trabalho educacional. Gostaria de ressaltar que, ao aplicar a idéia de globalização à realidade educacional, não considero apenas a diminuição da rigidez das fronteiras geográficas entre os países, mas a diminuição da rigidez das fronteiras estabelecidas entre as disciplinas escolares, entre aquilo que entendemos por seqüência de conteúdos e até mesmo entre o que entendemos por faixas etárias, visto que lidamos com uma heterogeneidade de características humanas no nosso grupo de alunos.
Ao comentarem as implicações de um processo político-econômico de unificação européia em relação às necessidades educativas, BALCELLS & AZA (1995) defendem que o perfil do novo cidadão europeu deve conservar a individualidade e os valores idiossincráticos, porém preparando para a vida, o trabalho, a comunicação em diferentes países e para o contato e o diálogo com diferentes culturas. Destacando que algumas habilidades são necessárias ao cidadão que já está residindo num mundo em que as fronteiras culturais estão sendo ultrapassadas, sugerem que o trabalho educacional esteja direcionado para o desenvolvimento das habilidades de :
o que, em resumo, significa afirmar que a "escola não é somente o lugar onde se aprendem coisas, mas o lugar onde se aprende a aprender" (1995, p.43).
Levantados estes pontos, podemos realizar um questionamento:
"Quais destes objetivos tem sido colocados nas programações de Educação Física Escolar?"
"Será que não poderíamos estabelecer uma comparação entre o processo de unificação européia e o desenvolvimento do Mercosul ?"
Acredito que o mesmo raciocínio sobre o fenômeno educativo apresentado em relação ao processo de unificação européia, possa se aplicar à América Latina.
Falamos em Mercosul mas constatamos que são raras as escolas que incluem em seu conteúdo curricular a informação/discussão do idioma e da cultura latino-americana. Nós, brasileiros, somos, curiosamente, o povo do maior país da América Latina e que em muitas situações nos apresentamos restritos ao nosso território e à nossa cultura por diferenças entre nosso idioma e os dos nossos vizinhos.
Falamos em desenvolver o espírito solidário em nossas escolas, mas cultivamos a rivalidade entre Brasil e os outros países latino-americanos. Pode-se observar reflexos deste fenômeno também no interior de nossas Universidades. Grande parte delas continua se espelhando em modelos importados do Primeiro Mundo sem o compromisso e a preocupação de construir uma Universidade que atenda às nossas características, peculiaridades e necessidades latino-americanas.
Não nego que temos o que aprender a partir da análise crítica da realidade histórica e atual vivida nos países de Primeiro Mundo, mas permanecer o tempo todo com nossos olhares apenas voltados para aquilo que "poderia ser", ocasionalmente nos distancia e impossibilita de construir e evoluir a partir do conhecimento daquilo "que é".
Deixo aqui explícita a minha defesa da expansão da comunicação científica e do intercâmbio de projetos científicos e educacionais entre o Brasil e os outros países da América Latina e do reconhecimento do idioma hispânico como um veículo apropriado para este intercâmbio e divulgação do conhecimento. Isto não significa defender a extinção do idioma inglês das nossas escolas ou das comunicações científicas, mas na defesa do reconhecimento de que a pretensão de que a população latino-americana, com nossa história de pobreza e escassez, leia com facilidade este idioma constitui, até o momento, um "purismo" acadêmico.
A adequação pedagógica da Educação Física escolar
Julgo pertinente argumentar que os objetivos referentes à formação de um cidadão que se depara com a necessidade de viver num mundo "globalizado" refletem a tarefa de toda a instituição escolar, no entanto, gostaria que os mesmos fossem considerados à luz do que temos entendido pela especificidade da Educação Física Escolar.
Compreendendo tal especificidade como a responsabilidade de abordar conhecimentos sistematizados sobre a motricidade humana com a finalidade de educar os seres humanos para um estilo de vida ativo voltado para a aquisição de uma qualidade de vida satisfatória, perguntamo-nos:
"O que os professores deste componente curricular, através da sua especificidade, podem fazer no interior da escola de forma a contribuir para que os objetivos mais amplos da Educação sejam alcançados?"
Segundo MELOGRANO (1999), os bons professores não desejam que seus alunos apenas estudem ou leiam sobre os conteúdos de suas disciplinas, mas que incorporem tais conhecimentos à sua vida diária, ou seja, que apliquem os conhecimentos, atitudes e habilidades no desenvolvimento das tarefas cotidianas.
Com a mudança de paradigmas que temos observado, torna-se necessário, por conseqüência, pensar numa redefinição dos papéis de professores e alunos, o que implica em mudanças no conteúdo do que o aluno precisa aprender e na forma de ensinar.
Centraremos nossa abordagem na sistemática de avaliação. Consideramos que a avaliação normalmente apresenta-se envolta numa nebulosa de mistério que costuma gerar apreensões tanto em professores, quanto nos alunos.
Concordamos com a tentativa de MELOGRANO (1999) em tentar derrubar os mitos criados em função do processo avaliativo, afirmando que a avaliação é simplesmente uma coleção das evidências sobre o crescimento do estudante como aprendiz.
Tal significado básico parece permanecer o mesmo apesar da mudança dos paradigmas educacionais, porém verifica-se a necessidade de mudanças em termos operacionais.
Os instrumentos tradicionalmente utilizados ( testes padronizados de aptidão física ou habilidades motoras, testes de múltipla escolha para avaliar conhecimentos), costumam fornecer informações discretas sobre a evolução dos alunos e mostrar-se limitados quando se pretende avaliar a evidência da aplicação das habilidades motoras no contexto da vida real.
Parece não ser novidade que professores de Educação Física sentem-se frustrados pois percebem que seus alunos estão evoluindo positivamente no processo de aprendizagem mas que este aprendizado não se reflete nos testes tradicionais, cujos resultados, além disso, não colaboram para auxiliar o aluno em aprendizados futuros ou na formação de hábitos relacionados aos objetivos preconizados pela Educação Física Escolar.
Na perspectiva da significatividade psicológica do que se tenta ensinar, a avaliação precisa passar a ser realizada em abordagens baseadas nas realizações globais dos alunos.
Da mesma forma que a avaliação não deve centrar-se em momentos estanques ou por demais específicos das realizações dos alunos, WILSON & ROOF (1999) enfatizam que a avaliação não deve ser um processo separado do processo instrucional, e mais do que isso, ela é completamente integrada a todas as etapas do processo de ensino e de aprendizagem.
Como instrumentos adequados para tal fim, podemos citar as listas de auto-checagem, as listas de avaliação preenchidas pelos pares, a compilação de documentos em fichários elaborada pelos alunos visando retratar a evolução da sua aprendizagem, a elaboração de diários ou de registros anedóticos seja pelos alunos como também pelo professor.
Tais instrumentos possuem em comum a característica de buscar alertar a consciência de professor e alunos para o planejamento e execução de todas as etapas do processo de ensino e de aprendizagem, como também de aumentar a responsabilidade de todos em relação a este processo.
Tomando como exemplo os fichários organizados pelos alunos (portfolios), WILSON & ROOF (1999) destacam este instrumento de acompanhamento da aprendizagem se caracteriza por:
Ao argumentar favoravelmente em relação a este instrumento avaliativo, mencionam que:
revista digital · Año 4 · Nº 17 | Buenos Aires, diciembre 1999 |