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Aspectos imperdíveis em uma viagem a Porto Alegre.
Uma análise sobre recomendações de viagens
nas três últimas décadas
Sílvia Cristina Franco Amaral (Brasil)
Professora da Escola de Educação Física /UFRGS.
Doutoranda em Estudos do Lazer/UniCamp
Resumo
A viagem é uma metáfora que através da literatura cumpriu o papel de difundir a consolidação de nacionalidades. No tocante ao mundo ocidental é possível afirmar que o ato da escrita equivale ao ato de tomar posse. Ato este, que muitas vezes, decorre de narrações de viagens, como no caso brasileiro. As viagens possibilitavam o contato entre culturas, proporcionando processos como o risco, o inusitado, a transculturação, o sobrepujar de uma cultura sobre a outra. Neste século, e principalmente nas últimas décadas, características da modernidade se exacerbaram e estes processos deram lugar para a pasteurização dos gostos e do risco assim como de desterritorialização da cultura. Partindo destas considerações, o objetivo deste trabalho foi de realizar uma análise de tais aspectos, tendo como suporte os guias quatro rodas ( de 1970,1980,1993 e 1998). Tomou-se as informações genéricas e as específicas sobre a cidade de Porto Alegre. Foi possível constatar a perda do risco, sua pasteurização, a desterritorialização da cultura pelo crescente investimento em informações como número de hotéis, restaurantes, roteiros pré-estabelecidos de viagem, recomendações com segurança e ofertas de locais que se assemelham onde quer que se localizem. Aponta-se para o fenômeno da busca pelas viagens em ambientes em contato com a natureza, principalmente na década de 90. Quanto a Porto Alegre, conclui-se que tomando como referencial os guias, os viajantes deixaram de conhecer "as esquinas esquisitas, as nuanças das paredes e as moças bonitas" (Mário Quintana). Deixaram de conhecer a realidade pela falta de inserção no cotidiano e do contato com a diversidade cultural lá existente.
Introdução
"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu."
(Fernando Pessoa,1996, p.9)Esta poesia de Fernando Pessoa pode nos dar a dimensão do que foi a viagem no imaginário e na realidade portuguesa. É possível perceber que o expansionismo e a afirmação da nação portuguesa valiam a pena, apesar das tantas mortes ocorridas, dos entes queridos que partiram e que jamais voltaram, da inimaginável realidade do mar e do além-mar.
Viajar a quinhentos anos atrás significava enfrentar os riscos, pelo desejo de expansionismo, de afirmação e conformação de nações em um mundo que reconfigurava seu desenho territorial e sobretudo o poder sobre tais territórios. É possível afirmar que a viagem foi uma metáfora elástica que, através da literatura, cumpriu o papel de difundir a consolidação de nacionalidades.
Com a evolução dos meios de transportes e dos meios de comunicação, culturas totalmente diferenciadas aos poucos tiveram oportunidade de dialogar entre si. Isto pode ter ocasionado dois processos: o de sobrepujar de um cultura sobre a outra e o da transculturação1 .
Esse contato entre culturas aflorava aspectos como o inusitado, o surpreendente, a descoberta do novo.
Partindo destas considerações o objetivo deste trabalho é realizar uma análise dos aspectos presentes nas viagens, tomando como suporte os guias quatro rodas das três últimas décadas2 , buscando constatar quais são as recomendações, tanto genéricas quanto específicas sobre a cidade de Porto Alegre. Isto permitirá constatar quais aspectos são e foram considerados importantes e quais precauções devem ser tomadas.
Sendo Porto Alegre uma das capitais brasileiras que teve como primeiros habitantes os açorianos, nada mais coerente que em uma primeira aproximação buscássemos o significado das viagens a partir da literatura e do imaginário português.
Aproximando-me destas recomendações talvez seja possível constatar a hipótese de que o ato de viajar está perdendo a possibilidade da surpresa, do inusitado e do real conhecimento do local.
A estes aspectos, que ainda parecem não abranger todas as pessoas e culturas, agrega-se um outro processo, também presente hoje no cotidiano dos viajantes, que é o de desterriorialização da cultura. Conceito este entendido como
"No estágio atual da indústria cultural, no interior do processo de globalização cada vez mais intensa de todo o tipo de troca, modos culturais se separam de seus territórios de origem, eventualmente despem todo traço distintivo ligado a um território particular, e investem outros territórios do qual se propõem como representações adequadas" (Canclini, 1989, p. 43).
É desta forma que os viajantes vão encontrar como singularidades shopping centers, locais de show, redes de hotéis que são semelhantes em qualquer lugar do mundo, cinemas, casas noturnas que tocam o mesmo tipo de música em Porto Alegre, Barcelona ou Londres.
Viagem: da metáfora ao conceito... do conceito ao cotidiano atual
A viagem para a humanidade é uma metáfora que nos remete a uma perspectiva profunda e fecunda para compreendermos um fato. Também é possível pensá-la como uma metáfora geo-histórica que reflete e afirma o desenvolvimento social, os processos do mundo moderno. É possível entendermos a cultura de uma determinada sociedade somente pêlos seus escritos sobre viagem.Adorno e Horkheimer (1985) no seu livro Dialética do Esclarecimento fazem uma leitura sobre a Odisséia, em um texto intitulado Ulisses ou Mito e Esclarecimento. A Odisséia é um gênero literário que trabalhava com grandes heróis. Neste caso, as viagens de Ulisses eram plenas de mistério, do inusitado mas também estes escritos esclarecem elementos presentes na sociedade. Os autores podem nos dar a conhecer o 'habitus' de uma ou mais comunidades. Desta forma o discurso helênico, pleno de sentido, revela-se como uma obra de razão ordenadora que destrói o mito. É possível perceber/discernir o elemento esclarecedor burguês em Homero. "Em Homero, epopéia e mito, forma e conteúdo, não se separam simplesmente, mas se confrontam e se elucidam mutuamente" (p. 55). Quanto a análise do papel de Circe, por exemplo, reflete a constituição de uma sociedade patriarcal e a contribuição feminina para tanto.
No tocante ao mundo ocidental parece possível afirmar que o ato da escrita equivale ao ato de tomar posse. Ato este que muitas vezes decorre da descrição de viagens, como no caso brasileiro.
A armada de Pedro Álvares Cabral destinava-se para a Índia, seus objetivos eram de comércio como também de ocupação e domínio. No entanto eles tomaram outro caminho e aportaram no Brasil. Existe outra versão que defende que este já era um território conhecido e que os portugueses propositadamente direcionaram sua viagem neste rumo. Sem a preocupação em defender nenhuma das duas versões, o importante para a reflexão proposta neste estudo é pensar sobre o quão inusitado foi qualquer uma das mesmas, imaginemos quantas surpresas e quão difícil foi lidar com o desconhecido.
Na carta de Pero Vaz de Caminha ao Rei de Portugal há uma descrição da chegada em território brasileiro, o que aqui encontraram, como perceberam esta nova realidade e a construção simbólica e literal. Sobre a descoberta da terra, em 22 de abril de 1500, ele escreve
"Neste mesmo dia, a horas de véspera, houvemos vista de terra! A saber, primeiramente de um grande monte, muito alto e redondo; e de outras serras mais baixas ao sul dêle; e de terra chã, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs o nome de O Monte Pascoal e à terra A Terra de Vera Cruz!" (1971, p. 45)
Ao chegar aqui encontraram outros povos. A situação foi de estranhamento e aproximação gerados pelo contato de culturas tão distintas. Parece claro que houve aos poucos o sobrepujar de uma cultura sobre a outra e o processo de transculturação. Isto pode ser notado , entre outras evidências, pela exploração das riquezas minerais e vegetais do território, as tentativas de escravizar o povo que aqui já vivia, a primeira missa, as inúmeras tentativas com e sem sucesso de catequização que tal povo sofreu. Quando falo de transculturação, podemos tomar como exemplos a incorporação de palavras tupi-guarani ao vocabulário da língua portuguesa, as esculturas com influências marcadamente indígenas, a miscegenação de raças, as formas de cultivo da terra. Remeto-me a carta de Caminha para caracterizar o que estou dizendo. Vejamos como ele se referia a certos fatos. Quando falava sobre os habitantes dizia
Quando falava sobre a colaboração existente por parte dos indígenas dizia"A feição dêles é serem pardos, um tanto avermelhados, de bons rostos e bons narizes, vem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Nem fazem mais caso de encobrir suas vergonhas do que mostrar a cara... Mas nem sinal de cortesia fizeram, nem de (querer) falar ao Capitão; nem a alguém." (1971, p. 46)
"Levava Nicolau Coelho cascáveis e manilhas. E a uns dava cascavel, e a outros manilha, de maneira que com aquela encarna quase que nos queriam dar a mão. Davam-nos daqueles arcos e setas em troca de sombreiros e carapuças de linho, e de qualquer coisa que a gente lhes queria dar." (1971, p. 49)
Caminha deixa clara sua visão etnocêntrica nesta passagem:
"Acabada a missa, tirou o padre a vestimenta de cima, e ficou na alva; e assim subiu, junto ao altar, em uma cadeira; e ali nos pregou o Evangelho e dos Apostolos cujo é o dia, tratando no fim da pregação dêsse vosso prosseguimento tão santo e virtuoso (de sorte) que nos causou mais devoção... E segundo o que a mim e a todos pareceu, esta gente, não lhes falece outra coisa para ser tôda cristã, do que entenderem-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer como nós mesmos; por onde pareceu a todos que nenhuma idolatria ou adoração tem." (1971, p. 62)
Todas estas passagens e reflexões deixam processos claros como o da transculturação, do sobrepujar de culturas, o inusitado, o risco, etc.
Sérgio Buarque de Holanda (1969) em Raízes do Brasil, especificamente em Visão do Paraíso analisa os escritos dos primeiros cristãos (padres da Igreja, principalmente) na época dos descobrimentos marítimos. Tais escritos parecem revelar, mais uma vez, o estranhamento entre culturas tão diferentes e realidades que pretendem dialogar. Mas isso se dá novamente a partir de um olhar etnocêntrico, sendo que a leitura acontece desde o puritanismo cristão. Muitas análises se aproximam das Escrituras, sendo que tais significados também foram assumidos depois na simbologia renascentista e barroca.
Também é interessante analisar a presença do risco, do inusitado na literatura sobre viagem do início deste século. O livro "Através do Brasil", de Olavo Bilac e Manuel Bonfim (1910), descreve uma viagem de dois irmãos(adolescentes) através do Brasil. Os dois jovens tomam caminho a fim de encontrar o pai, que em certa altura da narrativa é dado como morto. Este fato leva-os, partindo de Recife, a viajar ao encontro de parentes que residiam no Rio Grande do Sul. Durante o percurso eles descobrem o Brasil, e o leitor também. Os autores buscam afirmar uma identidade nacional e para além disto está a descoberta do inusitado que existe em cada região. Em cada cidade e estado surgem aspectos culturais diferenciados, caracterizados pela forma com que cada habitante vive, se expressa, produz juntamente com os ícones identitários de cada região.
Estas metáforas, presentes na literatura, nos permitem pensar no conceito de viagem. Achei interessante buscar conceitos presentes em momentos distintos da língua portuguesa. Francisco Solano Constâncio diz "que etimologicamente a palavra vem do latim via e agoro, ere, fazer. Seu significado é caminho que se faz por mar. Fazer – navegar, seguir a sua rota. Desfazer- a arribando ou mudando o destino, voltando para o porto de que partimos. Viagem, jornada por terra." (1863)
Aurélio Buarque de Holanda diz "ato de ir de um a outro lugar relativamente afastado." (1998). Quanto ao ato de viajar ele diz "1. Fazer viagem ou viagens; 2. Sentir o efeito da droga; 3. Andar por, percorrer, correr". (1998)
Pensar hoje sobre esta questão da metáfora e do conceito de viagem é importante, pois permitirá que pensemos na sociedade moderna. Pensar em modernidade é pensar que ela é "constituída por um conjunto no qual o todo se expressa na individualidade das partes. Diversidade e semelhança caminham juntas, expressando a matriz modernidade-mundo em escala ampliada." ( Renato Ortiz, s.d., p.19)
E a modernidade traz uma sociedade, que mesmo tendo raízes históricas sólidas que a sustentam, possui uma consolidação em patamares diferenciados segundo Ortiz.
Desta forma a viagem assumiu diferentes conotações. Na época da Odisséia "vivido como uma prova, aventura, como um sofrimento." (op. cit., p.25). Na passagem para um mundo moderno como prazer, excitação, como experiência de lazer.
O que se sustenta, no entanto, é que há uma crescente busca de viagens 'modelos', 'assépticas', ausentes de riscos ou ao menos que estes sejam minimizados ao máximo. O que os viajantes buscam são os símbolos, os locais, as dicas, o planejamento prévio a exaustão para que o inusitado não aconteça. Mesmo assim, caso ocorra, as soluções já são previamente pensadas. A cada viagem são mapas, dicas, reservas de hotéis, passeios pré-planejados.
Tomando as dicas para viagens, é possível cada vez menos pensar no viajante como "um estrangeiro, um intruso, um marginal...aquele que se afasta de seu próprio mundo e penetra no território alheio" (ibid, p. 27)
Outro aspecto que parece perder espaço são os contatos entre diferentes culturas, que acontecia pela presença de um viajante. A transculturação vem via meios de comunicação, vias eletrônicas, redes multinacionais. Viajar muitas vezes é conhecer um pouco do já desterritorializado.
Desta forma, ao nos determos nas informações dos guias quatro rodas poderemos levantar argumentos que enriqueça esta discussão. Interessa perguntar:que informações eles vem trazendo sobre viagem nestas últimas três década? Quais são as informações privilegiadas? É possível constatar a hipótese deste trabalho? E no caso de Porto Alegre, quais são as transformações ocorridas?
Viagem: do trato genérico
- informações Guia Quatro Rodas-Existe um tempo de experiência que é vital, experiência de tempo e de espaço, portanto parece que isto nos é apresentado pela evolução das viagens. Nada mais atual do que ser moderno. Nas palavras de Marshall Berman
"Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos... Ser moderno é fazer parte de um universo no qual, como disse Marx, 'tudo que é sólido desmancha no ar'". (1986, p. 15)
Na modernidade parece que o gosto, os riscos, o inusitado, os contatos foram pasteurizados. A transitoriedade dos fatos assume uma velocidade cada vez maior, o que não permite às viagens espaços para o que não foi previamente planejado, para que paixões ou decepções possam acontecer. Cada vez mais nos aproximamos de um tempo que para viajar não será preciso sair de casa. Vejamos os casos dos "travel channels", internet, etc.
As viagens no Brasil, parecem ter tomado este rumo. Em apenas três décadas3 , o risco, inusitado, as informações genéricas deixaram lugar para a pasteurização do gosto. São apresentados espaços, opções de compras, hotéis, restaurantes, estradas mais ou menos semelhantes em lugares diferentes. As informações são detalhadas em prol de segurança e conforto.
Quando observamos a moeda corrente nacional, em cada um dos períodos analisados, perceberemos que em 1970 tínhamos os novos cruzeiros (NCR$), em 1980 a moeda era o cruzeiro (CR$), em 1993 era o cruzado e hoje temos o real. A realidade aponta que nestas últimas três décadas nossa economia interna, e possivelmente a externa, esteve numa dança de instabilidade. É possível inferir que o fator econômico pesa no planejamento de uma viagem. Estamos numa economia que nos traz surpresas a cada ano, talvez pudéssemos afirmar a cada semestre, fato este que faz com que a população brasileira, e mesmo os estrangeiros que vem ao Brasil tenham inseguranças cotidianas. Nos deparamos com um exercício constante de imaginar, planejar, repensar, mudar de rota e as vezes até desistir de viajar. Queremos segurança econômica num País e num momento histórico onde a famosa frase de Marx tem muito sentido: "tudo que é sólido desmancha no ar".
Nesta ciranda econômica, principalmente nos finais dos anos 80 e na década de 90, fez crescer a oferta de formas econômicas de viajar. Surge e afirma-se no cenário nacional o sistema de albergues, que oferece hospedagem confortável e barata nas principais cidades brasileiras. É também neste contexto que inicia-se a edição de um guia, similar ao quatro rodas, porém numa categoria que podemos caracterizar como 'seguro e barato': o "Viaje bem e barato".
Outro fato notório é a expansão do turismo nacional com a oferta de pacotes da viagem, que seguindo a mesma lógica de análise, aproveita desde as mudanças da moeda nacional até as quedas da bolsa de valores para reafirmar a promessa do bom e barato. É constante vermos propagandeado em tais ofertas, como requisitos básicos, o quão confortáveis e seguras serão tais viagens.
Fica claro que desejamos entrada de capital estrangeiro e contato com outros povos. O guia é oferecido em três línguas (português, espanhol e inglês). Proponho que analisemos a questão das línguas a partir de alguns fatos: no caso do espanhol – somos ilhados pela forte influência de países de língua espanhola, o que tomou importância econômica maior, na década de 90, após a formação do MERCOSUL4 . Sobre o inglês, parece que é a língua que se impôs com mais força em todas as nações do mundo, fato percebido pelas exigências de mercado e de uso da internet, por exemplo. É possível afirmar que assim como os portugueses no período dos grandes descobrimentos buscavam a expansão da nação portuguesa, neste último século a língua inglesa afirmou um domínio cultural e é através desta, que podemos perceber em nossos cotidianos a desterritorialização da cultura e o domínio de determinadas culturas sobre outras. "Mac Donalds", "Shopping centers", "Nike" são alguns ícones que poderíamos tomar como exemplos.
No que se refere a aproximação com outra língua e a busca de facilitar o acesso nos remete a uma pergunta pontual: que País queremos mostrar aos estrangeiros?
Desejamos mostrar um país isento de riscos, próspero e livre dos conflitos advindos da modernidade. Mas será esta nossa realidade? Tomemos dois exemplos. Primeiro a reunião de cúpula realizada em 1999 no Rio de Janeiro. As ruas foram limpas, a sujeira varrida, as calçadas pintadas, os mendigos escondidos, o policiamento foi ostensivo...Os chefes de Estado foram levados a visitar uma cidade saneada, favelas- bairro (modelos de urbanização). O dia-a-dia desta cidade é bem diferente, sujeira na rua, pessoas dormindo nas calçadas, favelas onde o crime organizado impera em contraste com um dos mais bonitos cartões postais do mundo: baía da Guanabara com Pão de Açúcar ao fundo e o Cristo Redentor parecendo abençoar a cidade.
O segundo exemplo diz respeito a realização do Festival de Cinema de Gramado. Lá são apresentados muitos filmes que retratam a realidade brasileira como "Central do Brasil", "Pixote"entre tantos outros. São viagens de um cotidiano urbano violento e que massacra uma população que pode tornar-se a maioria da população brasileira. O contraste fica por conta da cidade que se apresenta, limpa, Européia, isenta de riscos, boa comida, bons hotéis, nenhuma pobreza, asséptico onde o risco e o inusitado raramente tem vez. Não há como desconhecer que isto também é Brasil mas acredito que seria interessante que houvesse uma forma de que os viajantes pudessem entender que existem realidades totalmente diferenciadas dentro de um território que a muito tenta afirmar uma identidade nacional.
revista digital · Año 4 · Nº 16 | Buenos Aires, octubre 1999 |