ANÁLISE DA MUDANÇA DA INFLUÊNCIA RELATIVA
DOS FACTORES BIOLÓGICOS E DO ENVOLVIMENTO
NA PRESTAÇÃO MOTORA DE CRIANÇAS
Vítor Pires Lopes1, Carlos Alberto Ferreira Neto2 e José e António Ribeiro Maia3 (Portugal)
vplopes@ipb.pt
- Doutorado em Ciência do Desporto, Escola Superior de Educação, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, Portugal.
- Doutorado em Motricidade Humana, Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, Portugal.
- Doutorado em Ciência do Desporto, Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física, Universidade do Porto, Porto, Portugal.
Resumo
Pretendeu-se analisar a mudança da influência de factores biológicos e do envolvimento na prestação motora de crianças ao longo de 21 meses e da influência relativa daquelas variáveis na diferença entre sexos e analisar a estabilidade da prestação motora em ambos os sexos. Foram avaliadas 21 variáveis do envolvimento, referidas na literatura como factores importantes da prestação e do desenvolvimento motor das crianças, e 8 variáveis somáticas em 42 crianças com 6,5±0,33 anos de idade de ambos os sexos. O rendimento motor foi avaliado através das provas de salto em comprimento sem corrida preparatória e lançamento da bola de ténis. As crianças foram avaliadas em dois momentos com um intervalo de 21 meses entre eles. Para identificar as variáveis determinantes da prestação motora foi usada a análise de regressão múltipla com o método setpwise. A ANCOVA foi usada para analisar a influência das variáveis somáticas e do envolvimento na diferença entre os sexos. Verificou-se que na primeira avaliação foram identificados como preditores da prestação motora sobretudo variáveis do envolvimento e na segunda sobretudo variáveis somáticas. Em ambas as avaliações foram as variáveis do envolvimento as que mais influenciaram as diferenças entre os sexos.
Unitermos: Prestação motora em crianças. Factores biológicos e do envolvimento. Diferença entre sexos. Mudança.
Introdução
As diferenças entre as crianças na prestação motora têm sido atribuídas a variáveis do envolvimento ou a variáveis somáticas.Malina (1980b) refere que as variáveis associadas ao estatuto socio-económico são factores importantes na actividade física das crianças e presumivelmente no desenvolvimento e rendimento motor das crianças. Os factores associados à fratria (ordem de nascimento, número de irmãos, presença de irmãos e irmãs mais velhas) foram estudados por diversos autores (e.g. Farmosi, Nádori e Banknyi, 1986; Nelson et al., 1986; Malina, 1987; Ebihara, Ikeda e Myiashita, 1983), os resultados das investigações sugerem que os segundos e os terceiros filhos e os que pertencem a famílias com grande número de irmãos têm melhor prestação motora do que os primeiros filhos e do que os filhos únicos. A interacção dos pais com os filhos é um factor importante para o desenvolvimento da criança e tem sido estudado como um factor do estereotipo sexual do jogo das crianças (Tauber, 1979). A interacção com crianças do mesmo e do sexo oposto foi estudada por Ebihara, Ikeda e Myiashita (1983) que verificaram que a interacção entre crianças do mesmo sexo tem uma relação significativa com a participação em actividades desportivas. O limite geográfico das brincadeiras da criança é um aspecto ligado às práticas educativas bastante importante, uma vez que o grau de controlo físico exercido pelos pais parece influenciar o desenvolvimento motor das crianças entre os 2 e os 6 anos de idade. Através dele poderão fazer-se inferências acerca da actividade motora da criança. Cratty (1986) refere que 50% das mães estudadas restringem as crianças de 5 e 6 anos ao quarteirão, 11% restringem-nas ao jardim ou quintal, e apenas 1% dos pais admitem não impor restrições ao limite geográfico das brincadeiras.
Outros autores (e. g. Malina, 1980a; Nelson et. al., 1986; Slaughter, Lohman, Boileau, 1982; Hensley, East, Stilwell, 1982) verificaram que algumas variáveis somáticas influenciam significativamente a prestação motora das crianças. A altura, as pregas de adiposidade, o diâmetro biacromial e o perímetro geminal são as variáveis somáticas que têm um maior grau de associação com os resultados em provas como salto, corrida e lançamento (Fragoso, 1988; Slaughter, Lohman, Boileau, 1982).
Os objectivos deste estudo são: (1) analisar a mudança da influência de variáveis do envolvimento e somáticas na prestação motora de crianças ao longo de 21 meses, (2) examinar a mudança da influência relativa daqueles variáveis na diferença entre sexos no mesmo período de tempo e (3) analisar a estabilidade da prestação motora em ambos os sexos.
Metodologia
Amostra
Constituíram a amostra 42 crianças com 6,51±0,194 anos de idade (idade na primeira avaliação), 20 do sexo feminino e 22 do sexo masculino.Variáveis
A prestação motora foi avaliada através dos resultados obtidos nas provas de lançamento da bola de ténis (LAN) e no salto em comprimento sem corrida preparatória (SAL). Cada prova consistia em cinco ensaios, os ensaios que diferiam significativamente da média foram eliminados, sendo considerado a média dos restantes ensaios como o resultado obtido na prova.Foram avaliadas as seguintes variáveis do envolvimento: a profissão e o grau académico dos pais, o número de assoalhadas da habitação, o tipo de habitação, o número de pessoas por assoalhada, a existência de pátio jardim ou quintal junto à habitação, o número de irmãos, a ordem de nascimento, a existência de irmãos e irmãs mais velhas, a presença regular do pai e da mãe no lar, o limite geográfico das brincadeiras da criança, a interacção com outras crianças fora da escola, a idade e o sexo dos companheiros de brincadeira e o tipo de brinquedos mais usados.
As variáveis somáticas avaliadas foram: a altura, o peso, os diâmetros biacromial e bicristal, o comprimento do membro superior, os perímetros braquial e geminal e a soma de três pregas de adiposidade (tricipital, sub-escapular, geminal).
Procedimentos estatísticos
Foi usada a prova t de Student para analisar a diferença entre os dois sexos nas diferentes provas motoras.A regressão múltipla com o método passo a passo (stepwise) foi usada para predizer os factores que mais influenciam o rendimento motor, tendo como variáveis dependentes o rendimento motor em cada habilidade testada e como variáveis independentes as variáveis do envolvimento e somáticas, as variáveis entravam na equação de regressão quando F=4. A análise da covariância foi usada para analisar a importância relativa das variáveis do envolvimento e somáticas na diferença entre os sexos nas variáveis dependentes em que os dois sexos se distinguem significativamente, tendo como covariáveis as variáveis identificadas como preditores pela análise de regressão.
A estabilidade da prestação motora foi analisada através do método de auto-correlação usando o r de Pearson.
Apresenta#231;ão dos resultados
São apresentados no Quadro 1 os resultados obtidos em cada prova motora por sexo e os resultados da prova t de Student nos dois momentos de avaliação.Verifica-se que os indivíduos do sexo masculino obtêm melhores resultados do que os indivíduos do sexo feminino nas duas provas motoras e nos dois momentos de avaliação, sendo as diferenças estatisticamente significativas, com a excepção dos resultados da prova de salto em comprimento sem corrida preparatória na primeira de avaliação.
Quadro 1 - Estatística descritiva (x±dp) das provas motoras e resultados da prova t de Student nos dois momentos de avaliação.
Resultados do coeficiente de auto-correlação (r).*Significativo para p£0,05. **Significativo para p£0,01. ***Significativo para p£0,001 Prova Motora 1ª avaliação t 2ª avaliação t r LAN (m) Mas. 10,89±3,85
3,39**
14,26±4,92
4,05***
0,63
Fem. 7,58±2,36
9,32±2,66
0,44
SAL (cm) Mas. 97,16±13,06
1,32
115,66±15,14
2,16*
0,74
Fem. 90,99±16,67
105,22±16,15
0,68
O aumento da prestação na prova de lançamento foi de 31% para os indivíduos do sexo masculino e de 23% para os indivíduos do sexo feminino. Na prova de salto em comprimento sem corrida preparatória foi de 19% para os indivíduos do sexo masculino e de 16% para os indivíduos do sexo feminino.
Na prova de lançamento a prestação obtida pelos indivíduos do sexo feminino diminuiu de 69,6% para 65,4% da prestação dos indivíduos do sexo masculino. Na prova de salto em comprimento sem corrida preparatória diminuiu de 93,7% para 91%. Acentuando-se, portanto, as diferenças entre os dois sexos em ambas as provas motoras.