Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Imagem corporal, insatisfação e transtorno dismórfico. 

Análise contextual entre universitários a partir de uma revisão narrativa

Body Image, Dissatisfaction and Dysmorphic Disorder. 

Contextual Analysis among University Students based on a Narrative Review

Imagen corporal, insatisfacción y trastorno dismórfico. 

Análisis contextual entre estudiantes universitarios a partir de una revisión narrativa

 

Gláucio Oliveira da Gama*

glaucio_gama@hotmail.com

Cláudio Oliveira da Gama**

claudiodagama@hotmail.com

Nancy Vieira Ferreira***

nancyvireiraferreira@yahoo.com.br

Edilson Raimundo de Castro+

edilsonmed10@gmail.com

Jefferson Portela Silveira++

dr.jeffersonportella@gmail.com

Agnaldo José Lopes+++

alopes@souunisuam.com.br

 

*Médico. Doutorando em Ciências da Reabilitação

Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM)

**Doutor em Epidemiologia em Saúde Pública

Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

Pós-Doutor em Educação

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

***Médica. Mestre em Saúde Pública (FIOCRUZ)

+Médico. Especialista em Radiologia e Diagnóstico por Imagem - INCA

++Médico. Pós-Graduado em Dermatologia

Instituto IMS/Hospital da Gamboa

+++Médico. Doutor em Ciências Médicas

Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)

Docente da UNISUAM

(Brasil)

 

Recepción: 22/11/2024 - Aceptación: 17/03/2025

1ª Revisión: 04/03/2025 - 2ª Revisión: 28/02/2025

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Cita sugerida: Gama, G.O. da, Gama, C.O. da, Ferreira, N.V., Silveira, J.P., Castro, E.R. de, e Lopes, A.J. (2025). Imagem corporal, insatisfação e transtorno dismórfico. Análise contextual entre universitários a partir de uma revisão narrativa. Lecturas: Educación Física y Deportes, 30(323), 159-177. https://doi.org/10.46642/efd.v30i323.8016

 

Resumo

    Introdução: A insatisfação corporal é um fenômeno complexo que afeta a saúde mental e o bem-estar, sendo influenciado por fatores sociais, culturais e pessoais. Objetivos: Analisar a insatisfação corporal no contexto universitário, identificando os fatores que moldam a percepção da autoimagem e suas implicações para a saúde mental dos estudantes. Metodologia: Trata-se de uma revisão narrativa da literatura baseada na análise de livros, artigos e publicações indexadas em bases de dados como SciELO, PubMed, Medline e Google Acadêmico. A seleção seguiu critérios de relevância para a temática no Brasil, priorizando estudos sobre insatisfação corporal em jovens universitários, transtorno dismórfico corporal (TDC) e percepção da imagem corporal. A produção textual foi estruturada em dois eixos: o primeiro aborda a prevalência e os fatores determinantes da insatisfação corporal; enquanto o segundo discute a transição para quadros mais graves, como o TDC, analisando fatores de risco e estratégias de intervenção e prevenção. Resultados e discussão: A crescente insatisfação corporal, influenciada por fatores como mídia, redes sociais e padrões estéticos, impacta a saúde mental, especialmente entre universitários. Estudos indicam que mulheres, principalmente as jovens e com sobrepeso, são mais propensas à distorção da imagem corporal, com implicações em distúrbios alimentares e transtornos psicológicos. A pandemia intensificou o uso de redes sociais, exacerbando esses problemas. Conclusão: A insatisfação corporal entre jovens universitários é um problema crescente, afetando saúde mental e desempenho acadêmico. Intervenções holísticas e multidisciplinares são essenciais para promover bem-estar físico e mental.

    Unitermos: Imagem corporal. Transtorno dismórfico. Insatisfação. Universitários.

 

Abstract

    Introduction: Body dissatisfaction is a complex phenomenon that affects mental health and well-being, and is influenced by social, cultural, and personal factors. Objectives: To analyze body dissatisfaction in the university context, identifying the factors that shape the perception of self-image and their implications for students' mental health. Methodology: This is a narrative review of the literature based on the analysis of books, articles, and publications indexed in databases such as SciELO, PubMed, Medline, and Google Scholar. The selection followed criteria of relevance to the topic in Brazil, prioritizing studies on body dissatisfaction in young university students, body dysmorphic disorder (BDD), and perception of body image. The textual production was structured in two axes: the first addresses the prevalence and determining factors of body dissatisfaction; while the second discusses the transition to more serious conditions, such as BDD, analyzing risk factors and intervention and prevention strategies. Results and discussion: The growing body dissatisfaction, influenced by factors such as media, social networks and aesthetic standards, impacts mental health, especially among university students. Studies indicate that women, especially young and overweight women, are more prone to body image distortion, with implications for eating disorders and psychological disorders. The pandemic has intensified the use of social networks, exacerbating these problems. Conclusion: Body dissatisfaction among young university students is a growing problem, affecting mental health and academic performance. Holistic and multidisciplinary interventions are essential to promote physical and mental well-being.

    Keywords: Body image. Dysmorphic disorder. Dissatisfaction. University students.

 

Resumen

    Introducción: La insatisfacción corporal es un fenómeno complejo que afecta la salud y el bienestar mental, influenciada por factores sociales, culturales y personales. Objetivos: Analizar la insatisfacción corporal en contexto universitario, identificando factores que configuran la percepción de autoimagen e implicaciones en salud mental de estudiantes. Metodología: Revisión narrativa de la literatura basada en el análisis de libros, artículos y publicaciones indexadas en bases de datos como SciELO, PubMed, Medline y Google Scholar. La selección siguió criterios de relevancia para el tema en Brasil, priorizando estudios sobre insatisfacción corporal en jóvenes universitarios, trastorno dismórfico corporal (TDC) y percepción de la imagen corporal. La producción textual se estructuró en dos ejes: el primero aborda la prevalencia y determinantes de la insatisfacción corporal; mientras que el segundo aborda la transición a afecciones más graves, como el TDC, analizando factores de riesgo y estrategias de intervención y prevención. Resultados y discusión: La creciente insatisfacción corporal, influenciada por factores como los medios de comunicación, las redes sociales y los estándares estéticos, impacta la salud mental, especialmente entre los estudiantes universitarios. Los estudios indican que las mujeres, especialmente las jóvenes y con sobrepeso, son más propensas a tener una imagen corporal distorsionada, con implicaciones para los trastornos alimentarios y psicológicos. La pandemia ha intensificado el uso de las redes sociales, exacerbando estos problemas. Conclusión: La insatisfacción corporal es un problema creciente que afecta la salud mental y el rendimiento académico. Las intervenciones holísticas y multidisciplinarias son esenciales para el bienestar físico y mental.

    Palabras clave: Imagen corporal. Trastorno dismórfico. Insatisfacción. Estudiantes universitarios.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 30, Núm. 323, Abr. (2025)


 

Introdução 

 

    A insatisfação corporal é um fenômeno complexo que tem atraído a atenção de pesquisadores e profissionais da saúde devido ao seu impacto significativo na saúde mental e no bem-estar. Segundo Schilder (1999), a imagem corporal (ImCo) é a representação da imagem do próprio corpo formada na mente, e reflete como o sujeito percebe seu corpo. Tal conceito abrange não apenas a estrutura fisiológica do corpo, mas também aspectos libidinais e sociológicos. A ImCo é, portanto, uma construção dinâmica e subjetiva que evolui continuamente com base nas interações sociais e culturais.

 

    Schilder (1999) considera que a ImCo e suas percepções estéticas são entidades não rígidas, moldadas e remodeladas ao longo do tempo à medida que o sujeito interage com o ambiente e com as pessoas ao seu redor. Essa visão é corroborada por Secchi et al. (2009), que sugerem que a percepção do próprio corpo está intrinsecamente ligada à forma como se percebe o corpo alheio. Neagu (2015) amplia ao afirmar que a ImCo não se resume a uma reflexão das características biológicas do indivíduo ou do feedback recebido de terceiros, mas constitui um conceito multidimensional que engloba saúde, habilidades, gênero e sexualidade, todos influenciados por fatores culturais e sociais.

 

    A insatisfação emerge a partir de uma avaliação negativa da própria imagem, resultando em um estado subjetivo de desconforto, podendo ser descrito também como uma discrepância entre o tipo físico real e o idealizado, o que afeta inclusive indivíduos sem qualquer condição física e psicológica prévia (Grogan, 2008; Miranda, 2011). Rosen (1997) define insatisfação corporal como um "estado subjetivo de desconforto em relação a alguma parte do corpo, ou ao corpo como um todo, que leva à preocupação e ao desejo de mudança". Essa definição é apoiada por Grogan (2008), que destaca que a autopercepção inclui julgamentos sobre tamanho, forma e tônus muscular, frequentemente influenciados por ideais corporais idealizados. A evolução da ImCo ao longo das décadas reflete uma interação contínua entre fatores pessoais, interpessoais, biológicos e culturais. Gama et al. (2022) conceituam a insatisfação corporal como fenômeno multifacetado que abrange amplamente contextos socioculturais e diferentes faixas etárias. A história da relação entre sociedade e ImCo revela uma valorização variada de tipos corporais ao longo do tempo, como exemplificado na Grécia antiga, onde corpos atléticos eram símbolos de força e beleza. No entanto, os ideais estéticos têm se tornado cada vez mais uniformes, influenciados pela mídia e pela indústria da moda. (Gama, 2021)

 

    Observa-se no século XXI um significativo aumento no uso de substâncias como esteroides anabolizantes, o que reflete o ideal moderno de muscularidade predominante em muitos países ocidentais (Kanayama et al., 2020). No Brasil, a ImCo tem ganhado destaque nas últimas três décadas, impulsionada por mudanças sociopolíticas e culturais. O crescente interesse acadêmico sobre o tema resultou no desenvolvimento de diversas abordagens e ferramentas de avaliação, que variam desde a análise global do corpo até a avaliação de suas dimensões específicas (Laus et al., 2014). Além disso, o país enfrenta uma epidemia de obesidade, associada a um aumento no risco de doenças cardiovasculares. Entre os jovens, observa-se uma elevação nos distúrbios relacionados à ImCo, com cerca de um terço insatisfeito com a própria aparência. (Oliveira et al., 2022)

 

    No contexto do público universitário brasileiro, Gama et al. (2024), em uma revisão sistemática com metanálise, identificaram uma prevalência de insatisfação corporal de 30,2% (IC 95%: 25,3-35,2; I²=96,8%). Ao revelar que aproximadamente um terço dos estudantes apresenta essa insatisfação, o estudo reforça a necessidade de maiores investigações sobre os fatores associados a essa prevalência nesse público em especial, que pode apresentar peculiaridades.

 

    Através de uma revisão narrativa abrangente, este estudo buscou analisar a insatisfação corporal no contexto universitário, identificando os fatores que moldam a percepção da autoimagem e suas implicações para a saúde mental dos estudantes.

 

Metodología 

 

    Trata-se de uma revisão narrativa da literatura, baseada na análise de livros, artigos de periódicos e publicações indexadas em bases de dados eletrônicas, como SciELO, PubMed, Medline e Google Acadêmico. A seleção dos trabalhos seguiu critérios de relevância para a temática da insatisfação corporal no Brasil, priorizando estudos que abordassem seu desenvolvimento, prevalências e suas implicações, incluindo a insatisfação corporal entre jovens universitários, o transtorno dismórfico corporal (TDC) e percepção da imagem corporal.

 

    A análise dos estudos foi organizada em dois eixos temáticos, como tópicos no texto, permitindo uma abordagem estruturada e aprofundada dos fatores associados à insatisfação corporal, suas consequências para a saúde global e sua relação com transtornos mais graves, como o TDC.

 

    O primeiro eixo abrange os conceitos fundamentais e as contextualizações contemporâneas sobre a insatisfação corporal, com ênfase na prevalência e nos fatores determinantes entre estudantes universitários. Além disso, investiga o impacto da insatisfação corporal na autoestima e no bem-estar psicológico, considerando aspectos como estratégias de enfrentamento, o uso intensificado de telas e redes sociais e as influências da pandemia da COVID-19.

 

    O segundo eixo aborda a transição da insatisfação corporal para quadros clínicos mais graves, analisando características, fatores de risco e impactos do TDC. Além disso, examina estratégias de intervenção e prevenção da insatisfação corporal e dos transtornos a ela associados, com destaque para abordagens psicológicas e educacionais.

 

    Essa forma de organização do trabalho possibilitou uma análise abrangente da literatura disponível, situando-a de maneira cursiva e estruturada, contribuindo para uma melhor compreensão dos desafios e implicações da insatisfação corporal no contexto da população jovem universitária brasileira.

 

Resultados e discussão 

 

Situando a insatisfação corporal na contemporaneidade: diagnose e implicações 

 

    A cobiça pelos corpos perfeitos exaltadas no século XXI foi favorecida pelos novos hábitos e costumes “modernos”, ganhando grande destaque nas sociedades ocidentais. Em países como o Brasil, a prática do culto ao corpo não é uma novidade, tendo em vista que a construção da identidade cultural brasileira esteve sempre fortemente relacionada à constituição de uma ImCo aceita pela ótica do outro. Entende-se que ImCo assume grande importância no cenário contemporâneo, pois, mesmo sendo uma imagem mutável e passível de se desenvolver de formas positivas, apresenta traços vinculados a traumas e doenças muitas vezes corroborados pelos padrões contemporâneos de corpo, notadamente os relacionados ao componente atitudinal, o que se insere na insatisfação com o corpo (Gama, 2021).

 

    Inúmeros fatores foram referidos na literatura (Gama, 2021) em associação a graus variados de insatisfação com o corpo, o que tem estimulado novos estudos na tentativa de melhor compreendê-los. Dos mais fortemente associados, estão fatores como o sexo, distúrbios alimentares, estado nutricional (índice de massa corporal-IMC, peso e percentual de gordura), transtornos mentais em diferentes graus, além de tempo de tela, uso de mídias/redes sociais, hábitos e costumes, período menstrual, entre outros.

 

    Outros estudos no território nacional buscaram associações com estado nutricional e transtornos alimentares. Kakeshita, e Almeida (2006) analisaram as relações entre o IMC e a autopercepção da ImCo em 106 universitários, de ambos os sexos. Para avaliar a percepção da ImCo, utilizou-se de escalas de figuras e silhuetas e escala visual analógica. Para avaliação do componente subjetivo da ImCo foi aplicado o Body Shape Questionnaire (BSQ) de Cooper et al. (1987), traduzido no Brasil por Di Pietro (2001). A pesquisa revelou que a maioria das mulheres (87%), independentemente de estarem dentro da faixa de peso considerada adequada ou com sobrepeso, tendia a superestimar seu tamanho corporal. Em contraste, mulheres obesas e homens (73%), independentemente do IMC, tinham uma tendência de subestimar seu tamanho corporal. Essas diferenças entre os sexos foram estatisticamente significativas, assim como a manifestação de uma insatisfação geral com a ImCo percebida, o que reflete no desejo de alcançar valores menores de IMC (magreza). Notavelmente as mulheres com sobrepeso demonstraram uma preocupação e desconforto maiores em relação a seus corpos.

 

    Legnani et al. (2017) avaliaram transtornos alimentares e ImCo em 229 acadêmicos de Educação Física (EF), utilizando o IMC, os indicadores de transtorno alimentar e o questionário BSQ. O estudo atestou associação positiva da distorção com a ImCo, tanto com o provável distúrbio alimentar (p<0,001) quanto com o estado nutricional (p=0,016). Universitários com distorção da ImCo apresentaram uma prevalência 5,29 vezes maior (IC 95%: 2,15-13,09) de transtorno alimentar em relação ao grupo sem distorção.

 

    Ainda sobre estado nutricional e ImCo, Braga (2006) encontrou que mulheres com sobrepeso e obesas têm uma maior probabilidade de apresentar insatisfação com a ImCo. Ao avaliar distúrbios de ImCo em ambos os sexos utilizando o BSQ, obteve-se que 84,5% não apresentavam transtornos de ImCo, 9,5% tinham distúrbios leves, 4,5% moderados e 1,5% graves. No público feminino, 19,8% apresentavam algum tipo de distúrbio da ImCo, enquanto no masculino a proporção foi de apenas 4,1%.

 

    A literatura sobre insatisfação com a imagem corporal indica que esse fenômeno afeta tanto meninas quanto meninos, mas com padrões de preferência distintos. Estudos sugerem que as meninas geralmente almejam uma silhueta mais fina, associando a magreza à beleza e ao padrão estético ideal, enquanto os meninos, por sua vez, frequentemente buscam uma imagem mais musculosa e robusta, idealizando corpos fortes e atléticos. Esses diferentes desejos refletem influências culturais e sociais que, muitas vezes, moldam os padrões de beleza de acordo com o sexo. (Carvalho et al., 2020; Linhares et al., 2024)

 

    Contemporaneamente, as redes sociais se tornaram uma plataforma influente na disseminação de padrões de beleza e corpos idealizados, gerando comparações sociais que podem aumentar a insatisfação com a própria imagem. A exposição a imagens retocadas e estereotipadas pode contribuir para a busca por padrões inatingíveis de beleza e influenciar negativamente a percepção do próprio corpo, desencadeando sentimentos de inadequação e baixa autoestima. (Fardouly et al., 2015)

 

    A crescente prevalência de insatisfação corporal, aliado ao aumento do uso das redes e dispositivos eletrônicos, tem despertado interesse na investigação de possíveis relações entre esses fenômenos. Delgado-Rodrigues et al. (2022) afirmam que indivíduos com sintomas de vício em redes sociais se conectam com mais frequência a perfis de redes com atividades relacionadas à aparência como Instagram, Facebook, Snapchat e Twitter. Além disso, uma proporção maior de seu tempo é gasta na visualização de contas com este perfil. Conclui-se que o contexto do uso viciante das redes sociais, a consciência das pressões relacionadas à aparência e a internalização de ideais de beleza exercem efeitos independentes e sinérgicos em mulheres jovens, tornando-as mais vulneráveis para insatisfação com a ImCo.

 

    Ao analisar os principais resultados mencionados, torna-se evidente que a hipervalorização da ImCo possui o potencial de gerar graves problemas no âmbito da saúde pública e coletiva, em escala mundial. Isto se deve, em parte, à globalização e ao desenvolvimento acelerado de novas tecnologias, como dispositivos digitais, bem como o uso excessivo das redes sociais. Estes fatores contribuem para ampliar a idealização de corpos perfeitos, afetando principalmente a população mais vulnerável à insatisfação que, coincidentemente, são os maiores usuários das novas tecnologias: os jovens.

 

    Diante das implicações envolvidas, considera-se que os profissionais de saúde devam se manter vigilantes em relação aos diferentes níveis de insatisfação corporal e de seus possíveis fatores associados. Isso pode ser mais eficazmente abordado por meio de políticas públicas que incentivem o debate sobre esse tema, especialmente no âmbito do Sistema Único de Saúde. Além disso, é crucial destacar a importância dos profissionais da Educação e da EF que frequentemente interagem com o público jovem no ambiente escolar, devendo também estarem bem informados e atentos sobre o tema e suas consequências. Particularmente relevante em fases precoces, como na infância e adolescência, estes profissionais exercem papel crucial, ao serem capazes de identificar situações alarmantes de conflitos entre os estudantes. Também é fundamental que promovam discussões que estimulem a autoaceitação e medidas antidiscriminatórias nos espaços de formação, como o combate a estigmas, estereótipos sociais corporais, preconceito e bullying.

 

Insatisfação corporal nas universidades 

 

    O ambiente universitário brasileiro apresenta um contexto bem dinâmico, com públicos distintos, abrangendo professores, alunos, funcionários, comunidade adjacente etc., todos interagindo em rotinas complexas. Em relação aos estudantes, as rotinas comumente exaustivas e a pressão psicológica por resultados, com altas demandas acadêmicas e sociais (desafios, projetos, provas, questões financeiras, de gênero e sexualidade e vida social), podem influenciar negativamente na percepção e aceitação do corpo. Conjuntamente, esses fatores geram desconfortos e reações na busca por uma possível forma de reversão, controle ou mesmo aceitação social, culminando em um ambiente com grande potencial de fomentar quadros de insatisfação.

 

    Há ainda um crescente número de publicações que examinam este grupo, em particular, como suscetível para insatisfação corporal, bem como estudos que buscam possíveis explicações para este quadro. Souza (2017) comparou relações entre atividade física, corpo e ImCo de universitários investigando diferentes países. No que diz respeito ao público brasileiro, a preocupação com a saúde foi apontada como a principal razão para a prática de exercícios físicos e o sexo feminino como o gênero com maior insatisfação e preocupações com o peso.

 

    Diversos estudos que avaliaram a insatisfação corporal selecionaram como amostra o público universitário. Recente revisão sistemática com metanálise de Gama et al. (2024) encontrou prevalência global de 30,2% de insatisfação corporal nos universitários brasileiros considerando ambos os sexos, com destaque para o sexo feminino. O estudo analisou 49 artigos sobre a temática e teve como maior proporção amostral os estudantes da área da saúde. Corroborando com os achados encontrados, outra revisão feita por Souza, e Avarenga (2016), que também avaliou a insatisfação corporal entre universitários, associou-a positivamente a fatores como exposição à mídia e redes sociais, período menstrual e baixa autoestima.

 

    Tendo em vista o cenário local do Estado do Rio de Janeiro, três importantes estudos ganharam notoriedade ao mensurarem a prevalência de insatisfação corporal de universitários de EF em momentos distintos. Pires (2017) avaliou estudantes de EF (n = 392) e Psicologia (n = 146) da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Em relação a estudantes de EF, a prevalência de alteração perceptiva da ImCo foi de 85,7% (utilizando escala de figuras e silhuetas), considerando gordura e magreza e 14,3% de insatisfação corporal. Bosi et al. (2008) investigaram 191 graduandas em EF da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os resultados apontaram prevalência de 17,1% de insatisfação corporal. Monteiro (2018), também na UFRJ, encontrou em seu estudo, aplicado nos estudantes de EF (n = 166), a prevalência de 47,6% de insatisfação corporal, considerando leve, moderada e grave insatisfação, e 25,9% de insatisfação abrangendo os estratos moderado e grave. Isso sugere uma tendência de estabilidade e prevalência dos níveis de insatisfação ao longo de uma década no público universitário. Em relação a escala de silhuetas, os resultados deste estudo apontaram que as estudantes de todos os demais cursos estudados (Letras, EF e Nutrição) gostariam de ter e/ou idealizavam um corpo mais magro em relação ao seu peso real.

 

    Sob a prerrogativa filosófica de uma “vida saudável” e de prestígio social estimuladas pela convivência social do ambiente universitário, termos como “saúde”, “qualidade de vida” (QV) e tantos outros ganham destaques contemporâneos. Os exercícios físicos, os procedimentos estéticos, as roupas e os acessórios de moda submetem esse grupo de indivíduos a formatos sistematizados de ideais de vida e padrões estéticos de corpo, os quais deturpam as definições do que seria saudável. Neste sentido, todas as esferas da vida cotidiana - relacionamentos, práticas alimentares, sexualidade, hábitos de vida, uso de medicamentos e suplementos, acessórios e vestimentas - são também progressivamente envolvidas (Gama, 2021). Em prol desta busca, passam a responder aos anseios do consumismo desenfreado, que acabam por realocar suas expectativas em ideais de vida inatingíveis, tornando-os altamente suscetíveis a quadros de insatisfação corporal.

 

    Portanto, cabe ressaltar a complexidade da insatisfação corporal no ambiente universitário, influenciada por múltiplos fatores, incluindo exigências acadêmicas, pressões sociais e exposição a padrões estéticos idealizados. A prevalência significativa desse fenômeno entre estudantes, especialmente entre mulheres e alunos da área da saúde, evidencia a necessidade de estratégias de intervenção que promovam a aceitação corporal e o bem-estar. Dessa forma, é fundamental que universidades e profissionais da saúde atentem para essa realidade, fomentando ações que incentivem uma relação mais saudável com o corpo, livre de padrões inatingíveis e imposições socioculturais.

 

Insatisfação corporal, pandemia da COVID-19 e a intensificação no uso de telas 

 

    A pandemia global de COVID-19, que emergiu no final de 2019, impôs desafios adicionais ao cenário da insatisfação corporal. As medidas de enfrentamento recomendadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), como o distanciamento e o isolamento social, acarretaram mudanças significativas nas rotinas, resultando em maior exposição às telas e, consequentemente, em um aumento do tempo dedicado às redes sociais e plataformas digitais. Essa intensificação no uso de dispositivos eletrônicos fomentou uma ampla disseminação de mensagens relacionadas a ideais inalcançáveis, incluindo dietas milagrosas, incentivo ao uso ilícito de esteroides anabolizantes, exaltação excessiva do corpo perfeito e pressão estética para corrigir mínimas imperfeições, ocasionando impactos profundos na percepção da autoimagem e na saúde mental.

 

    Durante o período da pandemia, as instituições de ensino adaptaram suas atividades para formatos remotos ou híbridos, adotando estratégias de ensino emergencial a distância que se diferenciam do modelo estruturado de Educação a Distância (EaD), rompendo com o ensino presencial tradicional. Sampaio (2021) destaca que o ensino remoto emergencial foi a alternativa encontrada para dar continuidade ao processo de ensino-aprendizagem em tempos de pandemia.

 

    Essa transição no ensino resultou em um aumento significativo do tempo de tela, relacionado ao uso de ferramentas para reuniões virtuais, aulas, discussões acadêmicas e trabalhos em grupo, além do uso ampliado de mídias sociais. Em um estudo recente, Pedroso et al. (2023) identificaram uma elevada frequência no uso de dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets e computadores, acompanhada de níveis insuficientes de prática de atividade física entre universitários durante a pandemia de COVID-19.

 

    Em síntese, a intensificação do uso de telas durante a pandemia da COVID-19 contribuiu para a amplificação de fatores associados à insatisfação corporal, especialmente entre universitários. A exposição prolongada a conteúdos que reforçam padrões estéticos irreais, aliada à redução da prática de atividade física e ao isolamento social, configurou um cenário propício ao desenvolvimento de preocupações excessivas com a autoimagem. Diante disso, torna-se essencial aprofundar as investigações sobre os impactos dessa nova dinâmica digital na percepção corporal e na saúde mental, bem como desenvolver estratégias de intervenção que minimizem seus efeitos negativos a longo prazo.

 

Um olhar aos gravemente insatisfeitos: da insatisfação ao transtorno dismórfico corporal 

 

    Estudos brasileiros que investigaram o fenômeno da insatisfação corporal em diversas populações destacaram, em comum, a escassez de pesquisas nacionais que permitam comparações e compreensões aprofundadas desse problema de saúde. Além disso, esses estudos reforçam a necessidade de maior produção científica sobre o tema. (Damasceno et al., 2011; Medeiros et al., 2017; Gama et al., 2022)

Para caracterizar a insatisfação corporal, recorre-se ao conceito de Imagem Corporal (ImCo), que engloba as maneiras como um indivíduo experimenta, percebe e conceitua seu próprio corpo. Trata-se de um constructo individual e dinâmico que legitima a singularidade e a originalidade da existência humana. Em essência, a ImCo refere-se à forma como o corpo é representado mentalmente pelo próprio indivíduo (Campana, e Tavares, 2009; Gama, 2021).

 

    A insatisfação corporal é um componente da ImCo, sustentado pelos aspectos afetivo e cognitivo, que são centrais na dimensão atitudinal. Essa dimensão reflete uma avaliação negativa que o indivíduo faz de sua aparência física (Gama, 2021). Grogan (2008) complementa essa perspectiva ao afirmar que essa avaliação negativa inclui julgamentos sobre tamanho, forma e tônus muscular, geralmente marcados por uma discrepância entre o tipo físico "real" e o "ideal". Essa insatisfação pode afetar até mesmo indivíduos aparentemente saudáveis, tanto física quanto psicologicamente.

 

    Nas últimas décadas, as investigações sobre insatisfação corporal têm ganhado relevância devido à sua associação com distúrbios alimentares, transtornos comportamentais e mentais, bem como com o risco de suicídio, principalmente em adolescentes e adultos jovens. A busca por aceitação social em determinados contextos leva indivíduos a se esforçarem para atender aos padrões considerados desejáveis (Pires, 2017). Segundo Miranda et al. (2011), a insatisfação corporal se intensifica na adolescência, período marcado por transformações decorrentes da puberdade, sendo essa faixa etária particularmente vulnerável aos padrões de beleza disseminados pela mídia, que enaltecem formas corporais supostamente ideais. Nesse contexto, Hirata (2009) sugere que a ImCo é influenciada pela internalização de normas sociais, nas quais a comparação social com padrões corporais pode exacerbar diferenças e resultar em autoavaliações negativas.

 

    Pires (2017) aponta que a insatisfação corporal está associada a fatores sociais, culturais e antropométricos, incluindo percepções e preocupações dos pais sobre o estado nutricional dos filhos, pressões culturais em ambientes sociais e padrões veiculados pela mídia e redes sociais. De forma complementar, Souza (2017) relaciona a insatisfação corporal a consequências nocivas, como baixa autoestima, depressão, ansiedade, redução da QV, ideação suicida, desenvolvimento de transtornos alimentares e comportamentos disfuncionais. Essa insatisfação, frequentemente associada a um julgamento negativo do próprio corpo em comparação com os outros, reflete a complexidade e os impactos da ImCo na saúde e no bem-estar dos indivíduos.

 

    Portanto, a insatisfação corporal não se limita a um mero descontentamento com a aparência, mas pode evoluir para quadros mais graves, como o TDC, afetando significativamente a saúde mental e emocional dos indivíduos. A influência de fatores socioculturais, midiáticos e familiares evidencia a complexidade desse fenômeno, que exige uma abordagem interdisciplinar para compreensão e intervenção. Diante disso, torna-se essencial ampliar as pesquisas sobre a Imagem Corporal, especialmente em contextos nacionais, a fim de desenvolver estratégias eficazes de prevenção e tratamento que promovam uma relação mais saudável com o próprio corpo.

 

Associação com os casos graves e estratégias de intervenção 

 

    Pires (2017) avaliou a insatisfação corporal em universitários na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), dos cursos de EF e Psicologia, utilizando, entre outros instrumentos, o BSQ e a Escala de silhuetas. Os principais fatores associados a insatisfação corporal foram ser do sexo feminino, o estado nutricional e o uso abusivo de bebidas alcoólicas, enquanto ser do sexo feminino foi o único fator independente associado à alteração perceptiva da ImCo. Para insatisfação corporal, no grupo de EF, 13,8% tiveram insatisfação leve ou moderada e 0,5% insatisfação grave; e no grupo da Psicologia, 21,3% e 3,4% respectivamente.

 

    Bosi et al. (2006) investigaram 193 estudantes do Curso de Nutrição no Rio de Janeiro, com idade média de 20,9 anos, usando o BSQ. Eles identificaram uma prevalência de 6,2% (IC 95%) de distorção grave da ImCo.

 

    Bosi et al. (2009) avaliaram 175 estudantes de Psicologia, tendo como objetivo a caracterização dos hábitos alimentares e a identificação de possíveis fatores de risco associados aos transtornos alimentares. Os resultados revelaram a presença de comportamento alimentar anormal, em proporção aproximadamente duas vezes maior nos alunos que obtiveram pontuações significativas no BSQ, com insatisfação corporal moderada a grave (66,7%), em comparação àqueles que demonstraram níveis normais a leves (33,3%). Uma das observações feitas pelos pesquisadores reside na notável ênfase dada ao desejo de emagrecer, apesar dos participantes do estudo possuírem um IMC adequado para sua altura. Esses resultados conduziram os autores a concluir que uma análise mais minuciosa se faz necessária, apontando para a prevalência de valores relacionados à estética em detrimento daqueles voltados à saúde. Tal constatação reitera a importância de uma investigação mais aprofundada nesse campo, a fim de uma compreensão mais abrangente dessa dinâmica e das possíveis implicações que dela decorrem.

 

    Bosi et al. (2014) conduziram um estudo com 189 estudantes do curso de Medicina da UFRJ, utilizando o BSQ e outros instrumentos de avaliação de transtornos alimentares. O estudo evidenciou uma prevalência significativa de comportamentos alimentares anormais ou de risco, atingindo cerca de 45,5% das participantes. No que tange à satisfação com a Imagem Corporal (ImCo), os resultados revelaram um cenário preocupante: apenas 3,2% das alunas apresentaram níveis satisfatórios de satisfação com sua ImCo, enquanto 27,7% relataram insatisfação moderada ou grave. Ademais, 82,3% das participantes expressaram o desejo de perder peso, embora apenas 11,7% apresentassem Índice de Massa Corporal (IMC) fora da faixa de eutrofia. Notavelmente, 68,7% das estudantes desejavam perder mais de 2 kg, indicando uma superestimação do peso, na qual o desejo de alterar a aparência não correspondia às medidas objetivas do corpo.

 

    De acordo com Santos (2021), as relações entre insatisfação corporal e comportamentos alimentares variam conforme o gênero e a percepção do corpo. Mulheres insatisfeitas com a magreza apresentam comportamentos alimentares restritivos, enquanto homens que superestimam seu tamanho corporal tendem a ter comportamentos alimentares emocionais. Quando a insatisfação com a ImCo alcança níveis mais severos, pode estar associada a transtornos mentais, como o TDC. Conforme Brito et al. (2014), embora a insatisfação com a aparência seja comum na população em geral, o que diferencia essa preocupação do TDC é sua intensidade. O TDC representa uma manifestação mais grave dessas inquietações, situando-se em um contínuo que parte da insatisfação corporal comum. Esse dado sublinha a importância de diferenciar preocupações normais de aspectos patológicos relacionados à ImCo, permitindo intervenções mais direcionadas e eficazes.

 

    Segundo o American Psychiatric Association (2013) o TDC se configura:

  1. Preocupação com um ou mais defeitos ou falhas percebidas na aparência física que não são observáveis ou que parecem leves para os outros.

  2. Em algum momento durante o curso do transtorno, o indivíduo executou comportamentos repetitivos (p. ex., verificar-se no espelho, arrumar-se excessivamente, beliscar a pele, buscar tranquilização) ou atos mentais (p. ex., comparando sua aparência com a de outros) em resposta às preocupações com a aparência.

  3. A preocupação causa sofrimento clinicamente significativo ou prejuízo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo.

  4. A preocupação com a aparência não é mais bem explicada por preocupações com a gordura ou o peso corporal em um indivíduo cujos sintomas satisfazem os critérios diagnósticos para um transtorno alimentar.

    O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5) destaca a relevância de especificar a presença de outros transtornos associados ao TDC, como a Dismorfia Muscular (DM). Nesse caso, o indivíduo demonstra uma preocupação intensa com a ideia de que seu corpo é muito pequeno ou insuficientemente musculoso, mesmo que outras áreas também sejam motivo de inquietação, o que frequentemente ocorre. A DM está associada a elevados níveis de ansiedade, baixa autoestima e depressão, devendo ser claramente diferenciada de transtornos alimentares. Além disso, muitos indivíduos com TDC apresentam ideias ou delírios de referência, acreditando que outras pessoas direcionam atenção especial a eles devido à sua aparência.

 

    Cintra (2017) avaliou a prevalência do TDC em estudantes universitários de cursos da área da saúde, identificando uma maior ocorrência nos homens, em contraste com a literatura predominante, justificando-se pela composição amostral majoritariamente masculina. Tal estudo revelou que pessoas com TDC podem passar entre 4 e 8 horas diárias focadas em preocupações com supostos defeitos físicos. Para alguns, a atenção recai exclusivamente sobre a musculatura corporal, marcada pela percepção de que não atingiram o grau desejado de hipertrofia. No público masculino, são alvos mais frequentes de insatisfação a pele, cabelo e nariz. Em casos extremos, chegam a descrever sua aparência como “monstruosa” ou “uma aberração”. (Fang, e Wilhelm, 2014 como citado em Cintra, 2017)

 

    O TDC, especialmente em sua manifestação de DM, apresenta um elevado índice de ideação e tentativas de suicídio (DSM-5), reforçando seu caráter altamente incapacitante. Diante disso, o diagnóstico precoce de ambos os transtornos é essencial para mitigar os prejuízos à saúde mental e à QV.

 

    Em comum, os estudos citados indicam a necessidade de uma atenção especial aos jovens universitários oriundos de cursos da área da saúde, devido aos altos níveis e intensidades das questões analisadas.

 

    A intensificação gerada pela exposição constante a imagens idealizadas de corpos nas redes sociais e outros meios de comunicação (com padrões irreais de beleza) aumentam a sensação de inadequação. A expectativa irreal criada por essas imagens pode contribuir para distúrbios alimentares, baixa autoestima e insatisfação corporal.

 

    Dentro do contexto universitário, essa problemática ganha ainda mais relevância, pois os estudantes estão em uma fase de desenvolvimento profissional, pessoal e social. Incentiva-se a criação de ambientes de discussões sobre a temática, com enfoque particular no público feminino. A pressão para alcançar um corpo idealizado afeta de maneira desproporcional as mulheres, impactando negativamente sua autoimagem e saúde mental.

 

    Os professores e profissionais de saúde podem adotar uma abordagem inclusiva e atenta, que reconheça e trate essas questões de forma abrangente. Iniciativas como campanhas de conscientização, palestras, rodas de conversa e a criação de espaços seguros para debates sobre corpo e gênero são essenciais. Além disso, integrar essas questões nos currículos acadêmicos, especialmente em cursos como os de EF, pode promover uma educação mais holística e empática, capacitando os estudantes a lidarem com esses desafios de maneira saudável.

 

    O estudo de Maués et al. (2017) exemplifica como uma abordagem multidisciplinar pode melhorar significativamente tanto a percepção da imagem corporal quanto a QV de pacientes pós-cirúrgicos. Esse exemplo reforça a importância de integrar a insatisfação corporal aos cuidados de reabilitação e à promoção da saúde. Estudos complementares, como o de Wang et al. (2019), corroboram a eficácia de intervenções multidisciplinares, destacando que a aceitação da imagem corporal vai além da modificação de parâmetros como peso ou a busca por um corpo ideal. Além disso, essas intervenções devem ser implementadas antes que a insatisfação corporal se torne crônica, prevenindo impactos negativos na saúde mental.

 

    Elemento fundamental é compreender a insatisfação corporal como um conceito multifacetado, influenciado por fatores pessoais, interpessoais, biológicos e culturais. A abordagem holística para a promoção do bem-estar físico e mental deve integrar tanto aspectos estéticos quanto as percepções individuais relacionadas ao corpo. A implementação de intervenções precoces e abrangentes é crucial para abordar a insatisfação corporal de forma eficaz, promovendo uma abordagem mais equilibrada e saudável na percepção da imagem corporal.

 

Conclusão 

 

    Este estudo analisou a insatisfação corporal entre jovens universitários, um tema de crescente relevância no contexto contemporâneo. A revisão narrativa revelou um cenário preocupante, evidenciando a insatisfação corporal como uma questão global de saúde pública, com impactos significativos na saúde mental e no bem-estar biopsicossocial.

 

    Destaca-se a necessidade de aprofundar a compreensão desse fenômeno, conectando-o ao cotidiano dos estudantes universitários e desenvolvendo estratégias eficazes de prevenção e intervenção. Professores de EF e profissionais da saúde devem estar atentos às questões relacionadas à imagem corporal, integrando-as em suas práticas para promover não apenas a saúde física, mas também o equilíbrio emocional e social dos alunos. Além disso, temas como Insatisfação corporal nas universidades e Insatisfação corporal, pandemia da COVID-19 e a intensificação do uso de telas ainda carecem de investigações mais aprofundadas, dada sua relevância no cenário acadêmico e na área da saúde.

 

    Por fim, esta revisão teve como premissa contribuir para a atualização do conhecimento e o preenchimento das lacunas na literatura, oferecendo ao leitor uma análise crítica e contextualizada do fenômeno. Embora não apresente dados quantitativos ou metodologias replicáveis, proporciona subsídios importantes para futuras pesquisas, ampliando a discussão sobre a insatisfação corporal e fortalecendo ações voltadas à promoção da saúde e ao bem-estar dos indivíduos afetados, especialmente entre os jovens universitários.

 

Referências 

 

American Psychiatric Association (2013). Diagnostic and statistical manual of mental disorders - DSM-5 (5th ed.). American Psychiatric Association.

 

Bosi, M.L.M., Luiza, R.R, Morgado, C.M. da C.; Costa, M.L. dos S., e Carvalho, R. (2006). Auto-percepção da imagem corporal entre estudantes de nutrição: um estudo no município do Rio de Janeiro. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 55(2), 108-113. https://doi.org/10.1590/S0047-20852006000200003

 

Bosi, M.L.M., Luiz, R.R, Uchimura, K.Y., e Oliveira, F.P. (2008). Comportamento alimentar e imagem corporal entre estudantes de Educação Física. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 57(1), 28-33. https://doi.org/10.1590/S0047-20852008000100006

 

Bosi, M.L.M., Luiz, R.R, e Uchimura, K.Y. (2009). Comportamento alimentar e imagem corporal entre estudantes de Psicologia. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 58(3), 150-155. https://doi.org/10.1590/S0047-20852009000300002

 

Bosi, M.L.M., Nogueira, J.A.D., Uchimura, K.Y., Luiz, R.R., e Godoy, M.G.C. (2014). Comportamento Alimentar e Imagem Corporal entre Estudantes de Medicina. Revista Brasileira de Educação Médica, 38(2), 243-252. http://dx.doi.org/10.1590/S0100-55022014000200011

 

Braga, A.C.R. (2006). Body shape questionnaire em universitários no Sul de Minas Gerais [Dissertação de Mestrado Interinstitucional. Universidade do Vale do Sapucaí, Universidade Federal de São Paulo]. http://repositorio.unifesp.br/handle/11600/21407

 

Brito, M.J.A., Nahas, F.X., Cordás, T.A., Felix, G.A., Sabino Neto, M., e Ferreira, L.M. (2014). Compreendendo a psicopatologia do transtorno dismórfico corporal de pacientes de cirurgia plástica: Resumo da literatura. Revista Brasileira de Cirurgia Plástica, 29(4). https://doi.org/10.5935/2177-1235.2014RBCP0106

 

Campana, A.N.N.B., e Tavares, M.C.G.C.F. (2009). Avaliação da imagem corporal: Instrumentos e diretrizes para pesquisa. Phorte Editora.

 

Carvalho, G.X. de, Nunes, A.P.N., Moraes, C.L., e Veiga, G.V. da (2020). Insatisfação com a imagem corporal e fatores associados em adolescentes. Ciência & Saúde Coletiva, 25(7), 2769-2782. https://doi.org/10.1590/1413-81232020257.27452018

 

Cintra, J.D.S. (2017). Risco de transtorno dismórfico corporal em universitários e fatores associados [Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Neuropsiquiatria e Ciência do Comportamento. Universidade Federal de Pernambuco]. https://www.repositorio.ufpe.br/handle/123456789/46566

 

Cooper, P., Taylor, M.J., Cooper, Z., e Fairburn, C.G. (1987). The development and validation of the Body Shape Questionnaire. International Journal of Eating Disorders, 6(4), 485-494. https://doi.org/10.1002/1098-108X(198707)6:4%3C485::AID-EAT2260060405%3E3.0.CO;2-O

 

Damasceno, M.L., Schubert, A., Oliveira, A.P., Sonoo, C.N., Vieira, J.L.L., e Vieira, L.F. (2011). Associação entre comportamento alimentar, imagem corporal e esquemas de gênero do autoconceito de universitárias praticantes de atividades físicas. Revista Brasileira de Atividade Física & Saúde, 16(2), 138-143. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.16n2p138-143

 

Delgado-Rodríguez, R., Linares, R., e Moreno-Padilla, M. (2022). Social network addiction symptoms and body dissatisfaction in young women: Exploring the mediating role of awareness of appearance pressure and internalization of the thin ideal. Journal of Eating Disorders, 10, 117. https://doi.org/10.1186/s40337-022-00643-5

 

Di Pietro, M.C., e Silveira, E.D.X. (2001). Validade interna, dimensionalidade e desempenho da escala BSQ - “body shape questionnaire” em uma população de estudantes universitários [Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de São Paulo]. http://repositorio.unifesp.br/handle/11600/17797

 

Fardouly, J., Diedrichs, P.C., Vartanian, L.R., e Halliwell, E. (2015). Social comparisons on social media: The impact of Facebook on young women's body image concerns and mood. Body Image, 13, 38-45. https://doi.org/10.1016/j.bodyim.2014.12.002

 

Gama, C.O. (2021). Insatisfação corporal de universitários no Brasil: conceitos e evidências empíricas [Tese de Doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/49505

 

Gama, CO, Gama, GO, Ferreira, NV, Lopes, AJ, Pires, VNL, Cupolillo, AV, Braga, JU, e Maciel, EMGS (2024). Prevalência de insatisfação corporal entre universitários brasileiros: Revisão sistemática e metanálise. Leituras: Educação Física e Esportes, 29(313), 161-178. https://doi.org/10.46642/efd.v29i313.7437

 

Gama, CO, Gama, GO, Pires, VNL, Cupolillo, AV, Fonseca Júnior, SJ, Braga, JU, e Maciel, EMGS (2022). Conceitos e reflexões da avaliação da insatisfação corporal no Brasil. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(287), 160-179. https://doi.org/10.46642/efd.v27i287.3084

 

Grogan, S. (2008). Body image: Understanding body dissatisfaction in men, women, and children. Routledge. https://doi.org/10.4324/9781003100041

 

Hirata, E. (2009). Influências de padrões de corpo e da comparação social na imagem corporal [Dissertação de Mestrado em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizações. Instituto de Psicologia, Universidade de Brasília]. http://repositorio.unb.br/handle/10482/8433

 

Kanayama, G., Hudson, J.I., e Pope Jr., H.G. (2020). Anabolic-androgenic steroid use and body image in men: A growing concern for clinicians. Psychotherapy and Psychosomatics, 89(2), 65-73. https://doi.org/10.1159/000505978

 

Kakeshita, I.S., e Almeida, S.S. (2006). Relação entre índice de massa corporal e a percepção de autoimagem em universitários. Revista de Saúde Pública, 40(3). https://doi.org/10.1590/S0034-89102006000300019

 

Laus, M.F., Kakeshita, I.S., Costa, T.M.B., Ferreira, M.E.C., Fortes, L.S., e Almeida, S.S. (2014). Body image in Brazil: Recent advances in the state of knowledge and methodological issues. Revista de Saúde Pública, 48(2), 331-346. https://doi.org/10.1590/S0034-8910.2014048004950

 

Legnani, RFS, Legnani, E., Pereira, EF, Gasparotto, GS, Medeiros, TH, Caputo, EL, e Domingues, MR (2017). Insatisfação corporal em frequentadoras de academia. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 66(1), 38-44. https://doi.org/10.1590/S1980-65742012000100009

 

Linhares, I. S., Cardoso, O. de O., Andrade, J.X., Nascimento, F.F. do, Rodrigues, M.T.P., e Mascarenhas, M.D.M. (2024). Prevalence and factors associated with body image dissatisfaction among school students: National School Health Survey, 2019. Epidemiologia e Serviços de Saúde, 33, e20231441. https://doi.org/10.1590/S2237-96222024v33e20231441.en

 

Maués, F.B.R., Carneiro, S.R., Costa, T.L., e Rosa, B.B.F. (2017). The impact of physical therapy on the quality of life of women after breast cancer surgery. Mastology, 27(4), 300-306. http://dx.doi.org/10.29289/Z2594539420180000303

 

Medeiros, T.H., Caputo, E.L., e Domingues, M.R. (2017). Insatisfação corporal em frequentadoras de academia. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 66(1), 38-44. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000148

 

Miranda, V.P.N., Conti, M., Bastos, R., e Ferreira, M. (2011). Insatisfação corporal em adolescentes brasileiros de municípios de pequeno porte de Minas Gerais. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 60(3), 190-197. https://doi.org/10.1590/S0047-20852011000300007

 

Monteiro, J.A.S. (2018). Prevalência de insatisfação corporal e sintomas sugestivos de transtornos alimentares em estudantes de Nutrição, Educação Física e Letras [Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro]. https://oasisbr.ibict.br/vufind/Record/BRCRIS_215c0d7c47b0fce000793ffd0bef5132

 

Neagu, A. (2015). Body image: A theoretical framework. Proceedings of the Romanian Academy, Series B, 17(1), 29-38. https://acad.ro/sectii2002/proceedingsChemistry/doc2015-1/Art04Neagu.pdf

 

Oliveira, J.S.A., Girotto, E., e Guidoni, C.M. (2022). Relação entre o peso corporal e a insatisfação com a imagem corporal entre estudantes universitários. Revista Baiana de Saúde Pública, 46(2), 39-50. https://doi.org/10.22278/2318-2660.2022.v46.n2.a3611

 

Pedroso, D.G., Pinheiro, G.P., Silva, T. de C.R. da, e Fernandes, A.G.O. (2023). Tempo de tela e prática de atividade física entre universitários durante a pandemia. O Mundo da Saúde, 47. https://doi.org/10.15343/0104-7809.202347e14252022P/1326

 

Pires, V.N.L. (2017). Associação entre a satisfação corporal e a atividade física em universitários [Tese de Doutorado em Epidemiologia em Saúde Pública. Fundação Oswaldo Cruz, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca]. https://www.arca.fiocruz.br/handle/icict/25764

 

Rosen, J.C. (1997). Body image disorder: Definition, development, and contribution to eating disorders. In J.K. Thompson (Ed.), Body image, eating disorders, and obesity: An integrative guide for assessment and treatment (pp. 129-143). American Psychological Association. https://psycnet.apa.org/record/1992-97518-007

 

Santos, M.M. dos, Moura, P.S. de, Flauzino, P.A., Alvarenga, M. do S., Arruda, S.P.M., e Carioca, A.A.F. (2021). Comportamento alimentar e imagem corporal em universitários da área de saúde. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 70(2), 126-133. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000308

 

Schilder, P. (1999). A imagem do corpo: As energias construtivas da psique. Editora Martins Fontes.

 

Secchi, K., Camargo, B.V., e Bertoldo, R.B. (2009). Percepção da imagem corporal e representações sociais do corpo. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 25(2), 229-236. https://doi.org/10.1590/S0102-37722009000200011

 

Souza, A.C. (2017). Relações entre atividade física, corpo e imagem corporal entre universitários da Argentina, Brasil, Estados Unidos da América e França [Dissertação de Mestrado em Nutrição em Saúde Pública. Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/D.6.2017.tde-02082017-153802

 

Souza, A.C., e Alvarenga, M.S. (2016). Insatisfação com a imagem corporal em estudantes universitários - Uma revisão integrativa. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 65(3), 286-299. https://doi.org/10.1590/0047-2085000000134

 

Wang, S.B., Haynos, A.F., Wall, M.M., Chen, C., Eisenberg, M.E., e Neumark-Sztainer, D. (2019). Prevalência de quinze anos, trajetórias e preditores de insatisfação corporal da adolescência à idade adulta média. Clinical Psychology Science, 7(6), 1403-1415. https://doi.org/10.1177/2167702619859331


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 30, Núm. 323, Abr. (2025)