ISSN 1514-3465
Educação Física escolar e produção de saúdes
School Physical Education and the Production of Health
Educación Física escolar y producción de saludes
Alan Camargo Silva*
alancamargo10@gmail.com
Pedro Henrique Zubcich Caiado de Castro**
pedro.castro@uerj.br
*Doutor em Saúde Coletiva pelo Instituto de Estudos em Saúde Coletiva
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ)
Professor do curso de Pós-graduação Lato sensu
em Desportos de Campo e de Quadra da UFRJ
Coordenador do Grupo de Trabalho Temático Corpo e Cultura
do Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte (GTTCC/CBCE).
**Pós-doutorando em Educação pelo Programa de Pós-graduação
em Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGE/UFRJ)
Professor adjunto do Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira
Departamento de Educação Física e Artística
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
(Brasil)
Recepción: 07/07/2024 - Aceptación: 17/08/2024
1ª Revisión: 03/08/2024 - 2ª Revisión: 13/08/2024
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Cita sugerida
: Silva, A.C., e Castro, P.H.Z.C. de (2024). Educação Física escolar e produção de saúdes. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(317), 154-161. https://doi.org/10.46642/efd.v29i317.7769
Resumo
O presente texto objetiva apresentar o livro Educação Física para a saúde: uma aposta em (form)ação (segunda edição) de autoria do Prof. Victor José Machado de Oliveira, publicado pela editora CRV em 2023, e tecer breves apontamentos críticos para distintos campos de saber. Trata-se de uma resenha de uma obra potente ao analisar o conceito de saúde na área por uma perspectiva ampliada e pelo fato de operacionalizar, na prática, modos de pedagogizar o tema. Além disso, discute a formação inicial e continuada em saúde e defende a importância das políticas públicas na consolidação de propostas educativas marcadas pela ótica biopsicossocial. Leitura indispensável para professores/as de Educação Física, profissionais de Saúde e demais educadores/as sensíveis a contextos formativos que ultrapassem a dimensão técnica e físico-orgânica do corpo/atividade física.
Unitermos:
Educação Física. Saúde Coletiva. Educação para a Saúde. Currículo. Universidade. Escola.
Abstract
This text aims to present the book Physical Education for Health: a commitment to (form)action (second edition) authored by Prof. Victor José Machado de Oliveira, published by CRV in 2023, and to offer brief critical remarks for various fields of knowledge. It is a review of a powerful work that analyzes the concept of health in the field from a broad perspective and highlights how it practically operationalizes ways of teaching the theme. Additionally, it discusses initial and continuing education in health and advocates the importance of public policies in consolidating educational proposals marked by the biopsychosocial perspective. An indispensable read for Physical Education teachers, Health professionals, and other educators to formative contexts that go beyond the technical and physical-organic dimension of the body/physical activity.
Keywords
: Physical Education. Public Health. Health Education. Curriculum. University. School.
Resumen
Este texto tiene como objetivo presentar el libro Educación Física para la Salud: una apuesta por la (form)acción (segunda edición) escrito por el Prof. Victor José Machado de Oliveira, publicado por CRV en 2023, y realiza breves notas críticas sobre diferentes campos del conocimiento. Se trata de una revisión de un trabajo intenso que analiza el concepto de salud en el área desde una perspectiva más amplia y que operacionaliza, en la práctica, formas de pedagogizar el tema. Además, discute la formación inicial y continua en salud y defiende la importancia de las políticas públicas para consolidar propuestas educativas marcadas por una perspectiva biopsicosocial. Lectura imprescindible para profesores de Educación Física, profesionales de la Salud y otros educadores sensibles a contextos formativos que van más allá de la dimensión técnica y físico-orgánica del cuerpo/actividad física.
Palabras clave:
Educación Física. Salud Pública. Educación para la Salud. Currículo. Universidad. Escuela.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 317, Oct. (2024)
Introdução
As relações entre Educação Física escolar e saúde são fundamentalmente sócio-históricas (Soares, 2004). Desde a constituição da disciplina à sua intervenção social dentro e fora da escola, discutem-se, historicamente na área, o compromisso ético-moral dos processos legais, teórico-metodológicos e didático-pedagógicos que envolvem o corpo e a saúde. (Silva, e Silva, 2018)
Assim, indubitavelmente, se “o trabalho em saúde pressupõe certa afinidade com a educação” (Palma, 2020, p. 13) e se, cada vez mais, a “boa vida” atrela-se a um modo coletivo de afirmar vidas por distintos saberes (Almeida, 2022), argumenta-se aqui que as questões de saúde no chamado âmbito formal da área de Educação Física são contempladas, com vigor teórico-científico, na obra intitulada Educação Física para a saúde: uma aposta em (form)ação do Prof. Victor José Machado de Oliveira1.
Antes de enveredar na resenha do livro, cumpre destacar o percurso formativo do autor da obra aqui escrutinada. O Prof. Victor Oliveira é formado em Educação Física pelo Centro Universitário Católico de Vitória (ES – Espírito Santo). Concluiu seus cursos de mestrado e doutorado pela Universidade Federal do ES. Atualmente, o docente atua na Universidade Federal de Goiás com a disciplina Estágio Curricular Profissional II.
O autor tem publicado trabalhos científicos nas interfaces entre Educação Física, Saúde e Escola, na perspectiva salutogênica. Dessa forma, busca olhar para o campo da Saúde através de um viés que extrapola a dimensão biodinâmica e tradicional, na área, tal como sugerem Silva et al. (2021). Nesse sentido, direciona-se a um enfoque que também leva em conta aspectos socioculturais, emocionais e relacionais, aparentemente ainda incipientes na área, ao menos, nos estudos brasileiros que abordam as relações entre Educação Física escolar e saúde, pois tais pesquisas ainda se sustentam em perspectivas biológicas e comportamentais. (Rosas et al., 2024)
Destarte, nesta resenha, objetiva-se, portanto, apresentar o livro Educação Física para a saúde: uma aposta em (form)ação de autoria do Prof. Victor Oliveira e tecer breves apontamentos críticos para distintos campos de saber.
Educação Física para a saúde
Após a apresentação articular o tema do livro com a própria trajetória do autor, a obra em tela foi construída, inicialmente, com dois prefácios. O primeiro prefácio, referente à primeira edição do livro foi elaborado pelo Prof. Dr. Alex Branco Fraga da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O segundo prefácio, dessa segunda edição, foi redigido pelo Prof. Dr. Cristiano Mezzaroba da Universidade Federal de Sergipe.
Em seguida, foram escritos quatro capítulos e uma seção final na qual o autor extrapola as suas reflexões para além do conteúdo em si ao apontar possíveis caminhos no sentido da educação para a saúde, como poderá ser visto detalhadamente a seguir.
No primeiro capítulo, “De que conceito de saúde estamos falando? Ensaio-aposta de uma Educação Física para a saúde”, Prof. Victor Oliveira problematiza o processo histórico-social do conceito de saúde ampliado e sua potência teórico-conceitual na área. Ao fundamentar a ideia de “aposta”, ele aprofunda sete princípios sem os quais não seriam possíveis em direção a uma “educação (física) para a saúde”: 1) A saúde deve ser tematizada em vista da compreensão das determinações sociais da saúde; 2) A saúde para a Educação Física é uma questão pedagógica; 3) A tematização da saúde depende das perspectivas pedagógicas da Educação Física; 4) A saúde não é um mandato exclusivo da Educação Física; 5) A tematização da saúde deve produzir movimentopensamento; 6) A Educação Física para a saúde enseja que os alunos construam experiências positivas e competências relevantes para a saúde; 7) A Educação Física para a saúde necessita de contextos favoráveis para seu desenvolvimento e que o corpo seja reconhecido no processo de aprendizagem.
Nesse primeiro momento, em diálogo com diferentes autores, Prof. Victor Oliveira demarca o amplo debate crítico sobre o conceito de saúde que ultrapassa a ideia de “ausência de doenças” e já adianta o referencial ao qual se filia atualmente: o referencial teórico da salutogênese de Aaron Antonovsky. Em termos gerais, o autor do livro explora uma relativa noção de agência que esteja situada, de modo consciente, dos aspectos que potencializam a produção de saúdes a partir de dada realidade social.
O segundo capítulo, “Educação Física para a saúde: movimento (e) saúde nas aulas”, o autor argumenta sobre a necessidade de pensar na materialidade das ações pedagógicas dentro dessa aposta de “educação para a saúde”. Ele explica, sustenta e exemplifica três eixos que podem ser explorados nas aulas, a partir dos autores Lutz Kottman e Doris Küpper: 1) pessoal-individual; 2) social; 3) ecológico. Em síntese, Prof. Victor Oliveira consegue articular, equilibrar ou harmonizar os aspectos fisiológicos e psicológicos com as relações sociais e o ambiente que cerca o sujeito diante das (im)possibilidades de agir na produção de saúdes.
Assim, neste capítulo dois, Prof. Victor Oliveira não descarta a importância dos saberes e práticas voltadas aos aspectos físico-orgânicos do corpo. Ele defende que também há a necessidade de compreender os impactos dos Determinantes Sociais da Saúde e outros aspectos ambientais que interferem (in)diretamente nas condições de vida de determinados grupos sociais.
No terceiro capítulo, “O tema da educação para a saúde em Educação Física: o que esperar da formação inicial e continuada?”, Prof. Victor Oliveira analisa a construção histórica da área a partir Diretrizes Curriculares Nacionais e revela a importância de revisitar alguns documentos, tais como: Base Nacional Comum Curricular, Relatório Movimento é Vida do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, Programa Saúde na Escola dos Ministérios da Saúde e Educação e o recente Guia de Atividade Física para a População Brasileira.
Nesse contexto, ele defende a urgência dos debates sobre educação para a saúde na graduação e ao longo da carreira. É a partir dos documentos supramencionados que o autor da obra também argumenta sobre a relevância de trabalhar esse tema da saúde na área de Educação Física pela via educativa/pedagógica.
Já no quarto e último capítulo, “Educação Física para a saúde, salutogênese e pedagogia crítica: apostas para uma agenda de estudos-pesquisas”, o autor aborda o casamento entre a perspectiva salutogênica e as clássicas pedagogias críticas já presentes há um tempo na área. Defende uma Educação (Física escolar) como um dispositivo protetor e acolhedor e não meramente classificatório e hostil diante das questões de saúde.
Nessa direção, Prof. Victor Oliveira traz à baila a possibilidade de exercitar um continuum entre as dimensões socioculturais e individuais. O autor ainda finaliza apontando alguns postos-chaves para uma agenda em construção sobre educação para a saúde no plano político-epistemológico, teórico-metodológico, investigativo e prático/pedagógico.
Por fim, na seção “Linhas provisórias ou para provocar novos movimentospensamentos”, Prof. Victor Oliveira traz sete provocações para pensar as relações entre Educação Física e saúde: 1) A ampliação do conceito de saúde deve alcançar o chão da escola; 2) A educação para a saúde não é uma abordagem em si, mas dialoga com abordagens pedagógicas, especialmente, as críticas e progressistas; 3) Uma concepção crítica de educação para a saúde não pode abrir mão de tematizar questões biológicas e comportamentais; 4) O tema da saúde deve ser uma ação coletiva que congregue toda a escola e o seu território do entorno; 5) O tema da saúde não é exclusivo da formação do bacharelado em Educação Física; 6) É necessário o fomento de pesquisas que considerem o chão da escola com a perspectiva colaborativa; 7) É preciso reafirmar e defender as vidas e as ciências.
À guisa de fechamento do livro, embora o autor traga discussões e reflexões extensamente estabelecidas há décadas no campo da Educação Física (escolar) e Saúde (Soares, 2004), nota-se como os apontamentos supramencionados ainda são atuais no âmbito educacional, sobretudo em tempos que, cada vez mais, tentam silenciar a determinação social da atividade física, por vezes, obscurecida pela perspectiva epidemiológica (Palma, Paiva, e Araújo, 2022). As provocações finais realizadas pelo Prof. Victor Oliveira trazem a ideia de educação para a saúde essencialmente na dimensão dos saberes e práticas da área situada no chamado Sul Global. Assim, em suma, as articulações entre Educação Física escolar e Saúde Coletiva investidas no livro se coadunam com as lutas de projetos progressistas que afetam positiva e localmente as “quadras de aula” brasileiras/latino-americanas.
Conclusões
A obra desvelada faz refletir sobre alguns pontos estruturantes para a Educação Física escolar e seus nexos com o campo da Saúde. Na perspectiva apresentada, pensar uma intervenção em Saúde implica considerar sua dimensão pedagógica. Dessa forma, não basta transpor saberes técnico-científicos a um aluno ou paciente sem pensar na multidimensionalidade que envolve o ensino e a aprendizagem. Isso pode ser visto em Silva (2017, p. 52), quando argumenta que “os profissionais de Educação Física devem aliar o conhecimento biomédico à sensibilidade de compreensão do contexto sociocultural que o cerca”.
Portanto, no desenvolvimento do livro, o autor defende, de forma consistente, um olhar sobre a Saúde que parta do entendimento acerca dos determinantes sociais que nela incidem, por exemplo. Portanto, os conhecimentos estruturados a partir das Ciências Naturais e Biológicas, embora importantes, não podem limitar a atuação do professor de Educação Física. Desse modo, não basta, nesse sentido, explicitar prescrições de exercícios físicos; faz-se preciso tornar os conhecimentos do campo da Saúde em catalizadores de uma formação humana e crítica, levando em conta conceitos, atitudes e práticas atreladas ao processo educativo.
Em síntese, especialmente profissionais de saúde e professores/as que atuem nos contextos formais e informais – seja na disciplina Educação Física ou em correlatas – se beneficiarão da leitura dessa obra. A preocupação do autor em favorecer uma intervenção profissional consubstanciada e contextualizada, em Saúde, constitui-se marco referencial do livro aqui escrutinado.
Nota
Currículo lattes: http://lattes.cnpq.br/7335514115153220
Referências
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Rosas, R.R., Oliveira, R.P. de, Barbosa Filho, V.C., e Oliveira, V.J.M. de (2024). Educação Física escolar relacionada à saúde: uma revisão de escopo nos estudos no Brasil. Educação em Revista, 40. https://doi.org/10.1590/0102-469839543
Silva, A.C. (2017). Da Antropologia da Saúde para Educação Física: práticas corporais sob análise. En S. Telles, S. Lüdorf, e. Pereira (coord.). Pesquisa em Educação Física: perspectivas sociocultural e pedagógica em foco (pp. 50-57). Autografia.
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Soares, C.L. (2004). Educação Física: raízes européias e Brasil. Autores Associados.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 317, Oct. (2024)