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ISSN 1514-3465

 

Benefícios do surfe adaptado para o portador de 

paralisia cerebral - o estado da arte. Revisão da literatura

Benefits of Adapted Surfing for People with Cerebral Palsy - The State of the Art. Literature Review

Beneficios del surf adaptado para personas con parálisis cerebral - el estado del arte. Revisión de la literatura

 

Enzo Aleixo Souza*

enzo.aleixo@unifesp.br

Emilson Colantonio, PhD**

colantonio@unifesp.br

 

*Graduado em Fisioterapia

pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Pós-Graduando em Fisioterapia no Esporte e Exercício

Hospital das Clínicas - Faculdade de Medicina

da Universidade de São Paulo (USP)

**Professor Associado da UNIFESP

Departamento de Ciências do Movimento Humano

Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano (UNIFESP)

Programa de Pós Graduação em Ciências

do Movimento Humano e Reabilitação (UNIFESP)

(Brasil)

 

Recepción: 24/06/2024 - Aceptación: 25/12/2024

1ª Revisión: 10/11/2024 - 2ª Revisión: 17/12/2024

 

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Cita sugerida: Souza, E.A., e Colantonio, E. (2025). Benefícios do surfe adaptado para o portador de paralisia cerebral - o estado da arte. Revisão da literatura. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(321), 180-199. https://doi.org/10.46642/efd.v29i321.7752

 

Resumo

    O surfe adaptado seria um modo de surfe capaz de proporcionar ao indivíduo com paralisia cerebral (PC) uma experiência muito semelhante à do surfe convencional. Acredita-se que a prática regular do surfe possa levar a um desenvolvimento nas aquisições motoras fora dos padrões habituais para pessoas com deficiência (PCD) com diagnóstico de PC. Desse modo, o objetivo deste estudo é compreender como a prática regular do surfe adaptado pode influenciar a vida de uma pessoa diagnosticada com PC. Esse estudo tem como característica uma pesquisa de revisão da literatura, com abordagem qualitativa. Com uma quantidade de estudos muito limitada é possível afirmar que o surfe adaptado pode servir como uma atividade física de muita relevância para essa população, além de ser um esporte alternativo diferenciado pelo contato constante com a natureza, traz diversos benefícios fisiológicos, sociais, motores, mentais e também como meio de conscientização de inclusão para PCD na sociedade como um todo, sendo uma ferramenta importante para combater estigmas e preconceitos.

    Unitermos: Esportes aquáticos. Surfe. Surfe adaptado. Paralisia cerebral.

 

Abstract

    Adaptive surf would be a mode of surfing capable of providing individuals with cerebral palsy (CP) a very similar experience to conventional surfing. It is believed that regular surfing practice can lead to motor skill development beyond the usual standards for people with disabilities (PWD) diagnosed with CP. Therefore, the aim of this study is to understand how regular adapted surfing practice can influence the life of a person diagnosed with CP. This study features a qualitative literature review approach. With a very limited number of studies, it is possible to assert that adapted surfing can serve as a highly relevant physical activity for this population, as well as being a distinctive alternative sport that offers constant contact with nature. It brings various physiological, social, motor, and mental benefits and serves as a means of raising awareness about inclusion for PWD in society as a whole. It is an important tool to combat stigma and prejudice.

    Keywords: Aquatic sports. Surf. Adapted surfing. Cerebral palsy.

 

Resumen

    El surf adaptado es una forma de surf capaz de proporcionar a las personas con parálisis cerebral (PC) una experiencia muy similar a la del surf convencional. Se cree que la práctica regular del surf puede llevar a un desarrollo en las habilidades motoras fuera de los estándares habituales para personas con discapacidad (PCD), diagnosticadas con parálisis cerebral. Por lo tanto, el objetivo de este estudio es comprender cómo la práctica regular del surf adaptado puede influir en la vida de una persona diagnosticada con parálisis cerebral. Este estudio se caracteriza por ser una revisión de la literatura con un enfoque cualitativo. Aunque la cantidad de estudios es limitada, se puede afirmar que el surf adaptado puede servir como una actividad física muy relevante para esta población, además de ser un deporte alternativo diferenciado por el contacto constante con la naturaleza. Aporta diversos beneficios fisiológicos, sociales, motores y mentales, y también sirve como medio de concienciación e inclusión para las PCDs en la sociedad en general, siendo una herramienta importante para combatir estigmas y prejuicios.

    Palabras clave: Deportes acuáticos. Surf. Surf adaptado. Parálisis cerebral.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 321, Feb. (2025)


 

Introdução 

 

    A paralisia cerebral (PC) caracteriza-se por ser uma lesão estática ocorrida no desenvolvimento cefálico fetal em maturação estrutural e funcional ou na infância até os dois ou três anos de vida, pré, peri ou pós-natal (Martins, e Sandoval, 2017). É uma condição neurológica multifatorial e de longo prazo, apresenta desafios importantes no quediz respeito ao desenvolvimento motor e funcional desses indivíduos. Embora já existam alguns tratamentos terapêuticos convencionais que visam aprimorar a qualidade de vida dos pacientes com PC, como treino funcional, fortalecimento muscular ou até mesmo abordagens terapêuticas menos convencionais como o tratamento pelo conceito Bobath, hidroterapia, terapia de restrição induzida ou a aplicação de toxina botulínica (Santos et al., 2018), há um campo importante para o estudo de tratamentos alternativos e inovadores. Dessa forma, surge a oportunidade de usar o surfe como uma modalidade terapêutica, levando em consideração os benefícios do ambiente aquático e os estímulos únicos que a prática desse esporte pode oferecer.

 

    A procura interminável por métodos ou técnicas terapêuticas que possam aumentar os benefícios funcionais e proporcionar uma maior independência para os indivíduos com PC é de extrema importância. Assim, a proposta de investigar a prática do surfe como intervenção terapêutica ganha significância. A atmosfera desafiadora e variável proporcionada pelas ondas do mar, pelo vento, pelas marés ou até mesmo pelo tempo, pode se mostrar um campo abundante para o desenvolvimento motor, o equilíbrio e a coordenação de indivíduos com essa condição. (Leite, e Prado, 2004; Santos et al., 2018)

 

    Acredita-se que a prática regular do surfe possa levar a um desenvolvimento nas aquisições motoras fora dos padrões habituais para pessoas com deficiência (PCD) com diagnóstico de PC, proporcionando uma melhor qualidade de vida para essa população. A motivação para este estudo encontra-se na ausência de pesquisas que discutam exclusivamente os efeitos do surfe como opção terapêutica para a PC. Ao lançar luz sobre essa possibilidade, desejamos aumentar a gama de alternativas disponíveis, proporcionando aos pacientes e profissionais da área da saúde uma nova abordagem promissora. A interação com o meio aquático, aliada à sensação de liberdade e conquista proporcionada pelo surfe, pode gerar motivação adicional para o engajamento nos tratamentos, potencializando os resultados.

 

    Ademais, a presente pesquisa pode abrir portas para um entendimento mais profundo das mudanças nos diversos âmbitos que decorrem em resposta à prática do surfe, ajudando no desenvolvimento de protocolos terapêuticos mais precisos e individualizados. Ao completar o espaço existente na literatura científica, este trabalho procura colaborar para uma abordagem mais abrangente e diversificada no tratamento da PC, permitindo uma melhor qualidade de vida e colocando os pacientes em um contexto de atividade física divertida e desafiadora.

 

    Desse modo, o objetivo deste estudo é compreender como a prática regular do surfe adaptado pode influenciar a vida de uma pessoa diagnosticada com PC.

 

Métodos 

 

    De acordo com o objetivo proposto, norteou-se uma revisão narrativa da literatura, que englobou a análise de artigos acadêmicos sobre o tema. De acordo com Cordeiro et al. (2017), uma revisão da literatura narrativa, também chamada de tradicional, tende a adotar uma abordagem mais aberta. Geralmente, não parte de uma questão de pesquisa rigorosamente definida, dispensando a necessidade de um protocolo estrito em sua elaboração. Além disso, a procura por fontes não segue um conjunto pré-determinado e específico, frequentemente sendo menos ampla ao final da pesquisa. Os próprios autores destacam que a seleção dos artigos nesse contexto é arbitrária, o que pode introduzir viés de seleção, com significativa influência da percepção subjetiva. (Cordeiro et al., 2017)

 

    Desse modo, os capítulos seguintes abordarão: Paralisia Cerebral, História do surfe e seu crescimento, Surfe adaptado e seus benefícios e Paratleta surfista. Para começar o desenvolvimento da revisão narrativa, foi realizada uma busca abrangente em bases de dados, incluindo o PubMed, Scopus, Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Academic Google e Semantic Scholar, utilizando os idiomas inglês e português. Essas bases de dados foram escolhidas por sua ampla cobertura de literatura científica na área da saúde. Foram utilizadas as palavras-chaves: “Esportes Aquáticos”, “Surf”, “Surfe”, “Surfe de Ondas”, “intervenções aquáticas”, “benefícios do surfe”, “Water Sports”, “Wave Surfing”, “Surfing Wave”, “Surfboarding”, “Adapt Surf”, “aquatic interventions”, “benefits of surfing”, “Surfeadaptado”, “Paralisia cerebral” e “Cerebral Palsy”; no período entre 2013 a 2023. A pesquisa inicial resultou em um conjunto de 256 artigos que abordavam temas relacionados ao tópico de interesse desta revisão.

 

    A próxima etapa envolveu o reconhecimento e exclusão de duplicatas. Após minuciosa revisão, 50 artigos foram identificados como duplicatas e, portanto, removidos do estudo. Com o conjunto de artigos apurados, a triagem continuou com a avaliação dos títulos e resumos dos artigos restantes. Essa parte é importante para identificar estudos que claramente não se enquadram no tema da revisão. Após a análise detalhada dos títulos e resumos, restaram apenas cinco artigos os quais se alinham com os objetivos e critérios predefinidos para a revisão narrativa. A próxima fase da revisão envolveu uma análise aprofundada desses cinco artigos selecionados, com o objetivo de sintetizar o conhecimento existente e extrair informações pertinentes ao estudo.

 

Resultados 

 

    Para o desenvolvimento deste trabalho, foram analisados cinco artigos que se referem ao Surfe adaptado e PC. Os artigos responderam à questão norteadora. No Quadro 1 estão apresentados resumos dos artigos analisados na presente pesquisa.

 

Quadro 1. Resumos dos artigos selecionados cronologicamente e suas características

Título

Autores/Ano

Objetivos

Amostra

Método

Resultado

The Ocean as a Unique Therapeutic

Environment: Developing a Surfing Program

Clapham et

al. (2014)

Desenvolver

e melhorar a

força,

flexibilidade,

amplitude de

movimento,

coordenação,

equilíbrio e

desenvolvim

ento

psicossocial

das crianças.

17 crianças com deficiências

variadas (idade varia entre 5 e 17

anos).

Implementação

de um programa

de surfe com

duração de oito

semanas e

frequência de

duas vezes na

semana.

Observou-se que as

crianças pareciam

mais autoconfiantes,

obtiveram ganhos no

desenvolvimento

social ao interagir

com os voluntários e

outros participantes

e pareciam estar

mais relaxados.

Perfil do praticante do subsetor desportivo do surf adaptado: estudo de caso da SURFaddict

Matos

(2015)

Verificar qual é o perfil do

praticante de Surfe adaptado em Portugal.

Destacar quais pontos a serem

melhorados nesta modalidade.

85 praticantes

de surfe adaptado,

residentes em

Portugal, que

estiveram

presentes em

três eventos de surfe adaptado, 58 do sexo masculino e 27 do sexo feminino,

com idades compreendidas entre os 8 e os 60 anos.

Aplicação de um questionário de 14 questões sendo 10 fechadas e 4 abertas.

O perfil    do praticante   de

Atividades físicas frequentemente se enquadra nas seguintes

Características predominantes: Em sua maioria, têm entre 22 e 35 anos, abrangendo um grupo de adultos jovens em busca de atividades físicas, predominantemente do sexo masculino, indicando uma inclinação mais significativa por parte dos homens em praticar atividades físicas. Costumam se exercitar de 1 a 3 vezes por semana, refletindo uma egularidade moderada em suas atividades esportivas. Preferem praticar esportes acompanhados de amigos ou familiares, sugerindo uma abordagem social e de integração nas atividades físicas, dentre outros.

Adapted surfing as a tool to promote inclusion and rising disability awareness in Portugal

Lopes (2015)

Demonstrar como o surfe pode ser uma ferramenta importante para promover a saúde e o bemestar físico, a saúde mental e o

bem-estar psicológico, bem como a interação social e a inclusão de pessoas com deficiência, entre os anos de 2012 e

2013.

187 surfistas adaptados em 2012 e 134 surfistas adaptados em 2013.

Reconhecer as deficiências e demonstrar os benefícios dos surfistas que participaram do projeto SURFaddict, em Portugal, entre os anos de 2012 e 2013.

O surfe pode ser visto como válido na prevenção e tratamento de muitas condições patológicas, ao contribuir para a inclusão social, ajudando a prevenir o sedentarismo e o stress, melhorando a autoestima e incentivando o trabalho em equipe. Além disso, estimula a proteção do meio ambiente e da qualidade de vida.

Com uma média de cinco eventos por ano, o SURFaddict® tem proporcionado oportunidades para mais de trezentas PCDs para poder surfar. Suas deficiências variam desde amputações de membros, lesões na medula espinhal, Síndrome de Down, autismo, espinha bífida, paralisia cerebral e deficiência visual, entre outros.

Surf adaptado e para surfe: Uma revisão integrativa

Rosario et al. (2021)

Realizar uma breve revisão integrativa sobre o Surfe Adaptado, o Para Surfe e o seu processo de desenvolvim ento em âmbito nacional e internacional

.

Foram selecionados sete artigos sobre o tema, entre os anos de 2014 e 2020 em português ou inglês cujo tema seja o surfe adaptado ou o para surf.

Pesquisa exploratória, com caráter de revisão integrativa da literatura

Observou-se que o surfe adaptado é um esporte acolhedor e inclusivo, bastante significativo para PCD, que pode trazer a esse indivíduo benefícios físicos, psicomotores, mentais e sociais, contudo a prática desse esporte, em sua esmagadora maioria depende de projetos e instituições sem fins lucrativos, assim como é dependente de trabalho voluntário, acessibilidade nas orlas e também adaptações de materiais.

Evidencia-se que esse esporte é bem estruturado, mas carece de produção acadêmica para um maior conhecimento do assunto.

Effectiveness of surf therapy for children with disabilities

Clapham et al. (2020)

Examinar os efeitos fisiológicos de um programa de terapia de surfe em crianças com deficiência e comparar o surfe com atividades estruturadas na piscina.

91 crianças com deficiências variadas, sendo 71 participaram na intervenção de surfe e 20 participaram de atividades estruturadas na piscina( idade varia entre cinco e 18 anos).

Determinar os efeitos

fisiológicos de oito

semanas de um programa de surfe adaptado. Foram seis anos colhendo dados (entre 2012 e 2017). As variáveis analisadas foram força da parte superior do corpo, força da parte central do corpo, força aeróbica, força e flexibilidade da parte inferior do corpo, além de composição corporal e densidade mineral óssea.

Foram encontradas melhoras significativas para as medidas de força da parte superior e central, flexibilidade, aptidão aeróbia, na composição corporal e densidade mineral óssea no grupo surfe adaptado.

Entretanto, não houve diferença significativa nos níveis de aptidão física geral entre os grupos.

Fonte: Dados de pesquisa

 

Discussão 

 

    De acordo com a abordagem metodológica dos trabalhos selecionados, dois possuíram uma abordagem qualitativa (Lopes, 2015; Clapham et al., 2014), um referiu-se a uma abordagem quantitativa (Clapham et al., 2020) e dois a uma abordagem qualitativa- quantitativa (Matos, 2015; Rosario et al., 2021). A literatura ainda é muito carente de estudos como estes e ainda mais, que abordem o surfe e a PC isolada em consonância, já que nenhum artigo sobre isso foi encontrado. Existe um grupo enorme e heterogêneo de praticantes do surfe adaptado, abrangendo diversas deficiências, visto que Matos (2015) buscou traçar o perfil desses praticantes. Corroborando com Rosario et al. (2021), pode-se afirmar que mesmo as produções científicas estarem caminhando numa crescente, ainda são poucas publicações nesse universo, mostrando uma grande lacuna entre a prática e a academia.

 

Paralisia Cerebral 

 

    A PC caracteriza-se por ser uma lesão estática ocorrida no desenvolvimento cefálico fetal em maturação estrutural e funcional ou na infância até os dois ou três anos de vida, pré, peri ou pós-natal. O termo é utilizado para designar um conjunto de desordens motoras permanentes, principalmente do tônus, da postura e da movimentação voluntária, podendo ser acompanhada por distúrbios de percepção, sensação, cognição, comunicação e comportamento (Martins, e Sandoval, 2017). De acordo com Palisano et al. (2007) o movimento e a postura podem piorar, mas a lesão é estática.

 

    A incidência é em torno de 1,5 a 5,9 casos para cada 1000 nascidos vivos nos países mais desenvolvidos, visto que essa frequência não vem mudando ao longo dos anos. Já em crianças prematuras com baixo peso, existem evidências que a incidência pode ser ainda maior. No âmbito nacional, há uma carência de estudos que visam pesquisar sobre a prevalência da PC, mas em países em desenvolvimento estima-se que chegue a sete casos a cada 1000 nascidos vivos (Zanini et al., 2009). A discrepância na magnitude da prevalência entre esses dois conjuntos de nações pode ser explicada pelas condicionantes dos cuidados pré-natais e pelo acesso limitado ao atendimento primário das gestantes.

 

    Indivíduos com PC podem ser categorizados com base na característica clínica mais predominante e é dividida em três grupos: espástico, discinético e atáxico e mista (Cans et al., 2007). A PC espástica é caracterizada pela presença de tônus muscular elevado, evidenciado pelo aumento dos reflexos miotáticos, clônus e pelo reflexo cutâneo plantar em extensão (sinal de Babinski). Essa forma de PC resultante de lesões no sistema piramidal sendo a mais comum em crianças nascidas prematuramente. Por outro lado, as formas discinéticas e atáxicas são mais frequentes em crianças nascidas a termo. (Himpens et al., 2010)

 

    A PC discinética é caracterizada pelos movimentos atípicos que se evidenciam quando o paciente começa um movimento voluntário, ocasionando posturas e movimentos atípicos. Essa categoria inclui a distonia, que envolve variações importantes no tônus muscular durante o movimento através de contrações involuntárias, e a coreoatetose, que apresenta tônus muscular instável com movimentos involuntários associados. Essa característica da PC surge através de lesões no sistema extrapiramidal, principalmente nos núcleos da base, como o corpo estriado (estriado) e o globo pálido, além da substância negra e o núcleo subtalâmico. (Palisano et al., 2007)

 

    A PC atáxica é caracterizada por um distúrbio na coordenação dos movimentosdevido à dissinergia. Ela geralmente se manifesta com uma marcha com base de sustentação aumentada, baixo tônus e tremor intencional. Essa PC é causada por uma disfunção no cerebelo (Palisano et al., 2007). Por fim, a PC mista é o conjunto de pelo menos duas disfunções motoras citadas anteriormente. Além da divisão de PC caracterizada e determinada pela característica clínica mais relevante, esse conjunto de desordens também pode ser classificado através da topografia de acordo com o comprometimento anatômico. Através da classificação em hemiplegia, com comprometimento em somente um hemicorpo; diplegia, com comprometimento nos membros superiores e inferiores, sendo o acometimento maior nos inferiores; e tetraplegia ou quadriplegia, que acomete globalmente os membros superiores e inferiores (Mancini et al., 2002)

 

    Entre seus comprometimentos podem estar presentes o atraso no desempenho motor normal, dificultando suas atividades básicas, como o rolar, sentar, engatinhar, deambular, bem como a dificuldade na higiene pessoal, para alimentar-se, vestir-se, entre outros (Palisano et al., 2007; Valdiviesso et al., 2005). De acordo com a gravidade da PC os déficits motores e sensoriais estão mais evidenciados, assim interferindo no desempenho de sua motricidade, acarretando em déficit de funcionalidade (Mancini et al., 2004). Devido a essas alterações citadas, existe a necessidade de um acompanhamento fisioterapêutico para promover um maior desenvolvimento psicomotor, e consequente melhora da qualidade de vida (Vasconcelos et al., 2009). Para isso, é necessário o uso de instrumentos deavaliação sensíveis a detecção dos aspectos motores e de seu desenvolvimento motor, visandoo bom direcionamento clínico e a avaliação efetiva dos protocolos de pesquisa. Existem alguns sistemas existentes na literatura para avaliar a funcionalidade do indivíduo com PC.

 

    Dentre os instrumentos de avaliação relatados na literatura, encontra-se a Escala Gross Motor Function Classification System (GMFCS) a qual é responsável por classificação funcional motora grossa e também em estabelecer o desenvolvimento esperado em longo prazo. Este teste é composto por cinco níveis de classificação sendo: O nível I consegue locomover- se sem restrição, nível II limitação na marcha em ambientes externos, nível III necessita de apoio para locomover-se, nível IV uso de equipamentos de tecnologia assistiva para mobilidade, nível V restrição grave de locomoção mesmo com tecnologias avançadas. (Oliveira et al., 2010)

 

    Outro sistema de classificação amplamente estudado e validado é o MACS (Manual Ability Classification System), isto é, o Sistema de Classificação da Habilidade Manual. Trata- se de um sistema destinado a classificar a função manual de crianças e adolescentes com PC entre quatro e 18 anos, sem se concentrar no lado afetado ou nenhum tipo de aperto manual. Em vez disso, o foco não apresenta desempenho bimanual durante as atividades de vida diária, seja em casa, na escola ou na comunidade (Eliasson et al., 2006).

 

    Assim como o GMFCS, o MACS também divide as crianças e adolescentes em cinco níveis de classificação. Esses níveis variam do nível I até o V, sendo nível I abrangendo aqueles que manipulam objetos com facilidade e obtém sucesso; nível II abrange aqueles que manipulam objetos, mas com qualidade e/ou velocidade da realização um pouco reduzida; nível III enquadra aqueles que manipulam objetos com dificuldade e necessitam de ajuda para preparar e/ ou modificar as atividades; nível IV envolve aqueles que manipulam uma variedade limitada de objetos facilmente manipuláveis em situações adaptadas e por último o nível V, que engloba aqueles que têm grande dificuldade em manipular objetos e apresentam diversas limitações na realização de tarefas simples. (Eliasson et al., 2006)

 

    Existe também o Sistema de Classificação de Comunicação Funcional (CFCS) que avalia todas as formas de comunicação, incluindo falas, gestos, comportamentos, olhar fixo, expressões faciais, comunicação alternativa e aumentativa (Guedes-Granzotti et al., 2016). Assim como os sistemas anteriores, o CFCS também diferencia a PC em cinco níveis, através da qualidade e capacidade que um indivíduo possui de emitir ou receber a comunicação. Sendo eles: Nível I - Emissor e receptor eficaz com parceiros desconhecidos e conhecidos; Nível II - Emissor e receptor eficaz, mas com um ritmo de conversação mais lento ou seja, com mais interrupções e um maior tempo de espera entre essas trocas de turnos comunicativos, com parceiros desconhecidos e conhecidos; Nível III - Emissor e receptor eficaz apenas com parceiros conhecidos; Nível IV- Emissor e receptor inconsistente com parceiros conhecidos; Nível V - Emissor e receptor raramente eficaz, mesmo com parceiros conhecidos. (Guedes- Granzotti et al., 2016)

 

    O último sistema de classificação funcional abordado no presente trabalho é o Sistema de Classificação Visual Funcional (VFCS), que foi desenvolvido para classificar as habilidades visuais de pessoas com PC na vida cotidiana, com uma abordagem em como elas usam o sentido da visão intencionalmente para ver, olhar diretamente, reconhecer e interagir com o meio ambiente e explorá-lo (Baranello et al., 2020). Para facilitar na classificação, assim como os sistemas anteriores, o VFCS também é separado por cinco níveis, sendo do nível I, menos comprometido, ao nível V, mais comprometido. De forma mais detalhada: Nível I - Usa a função visual com facilidade e sucesso em atividades relacionadas à visão; Nível II - Usa a função visual com sucesso, mas precisa de estratégias compensatórias auto-iniciadas; Nível III - Utiliza função visual mas necessita de algumas adaptações; Nível IV - Usa a função visual em ambientes muito adaptados, mas realiza apenas parte das atividades relacionadas à visão; Nível V - Não utiliza função visual mesmo em ambientes muito adaptados. (Baranello et al., 2020)

 

    É de conhecimento prévio que a PC apresenta um conjunto multifatorial para se desenvolver, entretanto, existem estudos que visam pesquisar os fatores de risco, já que a prevalência dessa condição é diferente em diferentes países de acordo com o desenvolvimento da nação. Para o controle, aumento de qualidade de vida e talvez uma possível diminuição dos casos de PC, é necessário promover ações voltadas para a saúde pública da população, visto que já se sabe sobre alguns fatores de risco e a partir disso, controlá-los. Em relação aos fatores pré-natais, é importante destacar o retardo de crescimento intrauterino e o baixo peso ao nascer, bem como condições como doença tireoidiana e infecções virais agudas maternas durante a gestação. Por exemplo, a exposição perinatal ao vírus herpes quase dobra o risco de PC em recém-nascidos. (Gibson et al., 2005)

 

    O descolamento prematuro da placenta, o prolapso de cordão umbilical e o choque hipovolêmico materno são situações ocorridas durante o parto que têm o potencial de resultar em lesões cerebrais em fetos que estavam previamente saudáveis (Brasil, 2014). Após o período neonatal, existem fatores de risco menos comuns, incluindo infecções do sistema nervoso central, hemorragia craniana relacionada a problemas de coagulação, convulsões persistentes, lesões cranianas e distúrbios eletrolíticos graves (Resegue et al., 2007).

 

    Dentre esses fatores de risco citados acima, existem os que são mais frequentes para dar origem a pessoa com PC, dentre eles: a infecção congênita (15%), a infecção do sistema nervoso central (10,6%) e o estado de mal convulsivo (22,5%). A prematuridade esteve associada a esses fatores de risco em 50% dos lactentes, isto é, mesmo quando adequadamente nutridas, crianças com PC são menores que as crianças que não tem deficiência, possivelmente, em razão de inatividade física, forças mecânicas sobre ossos, articulações e musculatura, fatores endócrinos, altas prevalências de prematuridade e baixo peso ao nascer (Tâmega et al., 2011). Comparado aos seus pares sem deficiência, o indivíduo com PC enfrenta maiores desafios em sua capacidade de participar plenamente em atividades escolares e na vida social (Blum, 1991). Nessa perspectiva, o surfe adaptado pode oferecer a oportunidade de participação e autoconfiança, tendo um feedback em tempo real de estímulos. O Surfe adaptado pode possibilitar intervenções terapêuticas e motivações ao participante com diferentes sensações pela resposta aos estímulos causados pelo esporte. (Souza, e Chaves, 2016, Clapham et al., 2014)

 

Surfe e seu crescimento 

 

    É impressionante perceber como o surfe, uma atividade que nos dias de hoje é relacionada ao lazer e ao esporte, tem ligações profundas nas culturas antigas e nas práticas de subsistência. A sua origem nas Ilhas Polinésias, onde os povos nativos utilizavam do mar como fonte de seu sustento, os quais desenvolveram uma técnica de deslizar sobre as ondas para ajudar a chegar à faixa de areia, destaca-se a relação única do ser humano com o oceano (Gutemberg, 1989). O autor evidencia como essa prática de deslizar sobre as ondas avançou com o tempo, transformando-se em um hábito cultural dos povos que moravam naquela região. A relação entre a prática do surfe e a cultura local mostra a importância desse esporte não apenas como uma atividade física, mas também como um estilo de vida e um componente absoluto das tradições das comunidades.

 

    Mas, no século XIX o surfe foi quase extinto como modalidade desportiva, representando assim um período hostil na história do surfe (Matos, 2015). Já no século XX, no Havaí, ocorre um desenvolvimento, crescimento e popularização do surfe através de um grupo de três havaianos, entre estes Duke Kahanamoku, que foi um nadador olímpico, considerado o pai do surfe, por elevar a imagem do esporte nas mais diversas regiões do mundo, carregando sua prancha na bagagem durante as competições (Souza, 2013), que então criaram um clube designado por Hui Nalu. Consequentemente, multiplicaram-se as práticas do surfe pelo mundo e então George Freeth, em 1907, leva pela primeira vez o surfeà praia de Redondo na Califórnia. (Matos, 2015)

 

    No Brasil, os primeiros indícios do surfe foi por volta de 1930, quando dois jovens de Santos, cidade litorânea no estado de São Paulo, na praia do Gonzaga, mostraram de forma espontânea um entusiasmo inicial na produção e utilização das chamadas "tábuas havaianas", o que hoje é conhecido como pranchas de surfe (Gutenberg, 1989). Depois de aproximadamente 60 anos, após o surfe chegar na califórnia, mais precisamente em 1964, ocorre o primeiro campeonato de surfe organizado pela primeira entidade, a International Surfing Federation (ISF), a partir disso o esporte não parou de crescer, necessitando aevolução de empresas que fabricavam materiais de surf, assim como o crescimento das organizações. (Souza, 2013)

 

    Segundo Souza (2013) em 1976, a ISF passa a denominar-se International Surfing Association (ISA) que com o reconhecimento do Comitê Olímpico Internacional, a partir de 1982 passa a ter a responsabilidade de conduzir o surf amador em nível mundial, enquanto a International Professional Surfers (IPS), torna-se o órgão regulador mundial original do surfe profissional (World Surf League, 2023). Em 1983, o ex-surfista número dois domundo, Ian "Kanga" Cairns, transforma o IPS na Associação de Profissionais de Surf (ASP), possibilitando domínio e controle conjunto do esporte tanto para os organizadores do evento quanto para os surfistas (World Surf League, 2023). É importante destacar que a partir de 1992, o renomado surfista mundial, Kelly Slater, começou a sua grande carreira como campeão mundial, conquistando seu primeiro título da ASP. Hoje, ele acumula onze títulos de campeão mundial, o que lhe garantiu reconhecimento internacional como o melhor surfista da história (Souza, 2013). Importane mencionar o papel da ISA, cuja missão é desenvolver o surfe em todas as suas formas ao redor do mundo, ainda, assume um papel ativo no desenvolvimento e avanço do parasurfe para criar uma plataforma global para acesso universal ao esporte e permitir que os parasurfistas tenham a oportunidade de alcançar a excelência esportiva e inspirar outros. (ISA SURF, 2023)

 

    Em 2015, a World Surf League (WSL) atua para fortalecer a ASP, tornando-a um órgão central mais robusto, com supervisão sobre as principais áreas dos World Championship Tours masculinos e femininos de elite, da Qualifying Series (QS), do Big Wave Tour, dos Wave Awards, do Campeonato Mundial de Longboard e do Campeonato Mundial Júnior. Além de sua sede em Santa Monica, Califórnia, a WSL mantém um escritório comercial na cidade de Nova York, bem como escritórios regionais no Japão, Austrália, França, África do Sul, Brasil, Havaí e sul da Califórnia (World Surf League, 2023).

 

    O surfe é admitido cotidianamente nos diversos campos de conhecimento como um esporte radical (Santos, 2014). Dessa forma concepções apontadas por Le Breton (2006) e Santos (2014), correlacionam várias definições para prática de esportes radicais que variam desde certo risco, perigo, dificuldade e superação, complexidade e inteligência sinestésica, como uma possibilidade que se diferencia dos esportes tradicionais pelos objetivos, motivações e condições de prática, até a possibilidade de acreditar (sentir, refletir) sua existência dominada pelo seu corpo (Santos, 2014). Segundo Souza Neto, e Wendhausen (2010), o surfe é capaz de ser uma ponte para diversos benefícios à saúde, tanto físico quanto mental. Devido ao seu crescimento na última década e a explosão pós Jogos Olímpicos de 2020, em Tóquio, onde o surfista brasileiro Ítalo Ferreira se consagrou o primeiro campeão olímpico de surfe; cada vez mais pessoas, morando em cidades litorâneas ou não, possuem vontade de aprender a surfar. Exemplo disso é a crescente participação de mulheres, PCDs e até idosos em um esporte que antes era praticado por homens jovens em sua esmagadora maioria.

 

Surfe adaptado e seus benefícios 

 

    De acordo com Rosário et al. (2021), o surfe adaptado seria um modo de surfe capaz de proporcionar à PCD uma experiência muito semelhante à do surfe convencional. O surfe adaptado é possível ser desenvolvido por meio de um olhar inclusivo em que se acredita nas possibilidades da PCD, e como isso pode ser feito através de adaptações, seja no ambiente, materiais ou estratégias de ensino, o que possibilita uma “onda” de sensações (Souza & Chaves, 2016). Essa experiência traz os benefícios da atividade física em si com oambiente aquático, além da união com a natureza, fazendo com que a PCD possa vir a superarbarreiras físicas e sociais (Clapham et al., 2014), favorecendo a afirmação de Lopes (2015) que diz que o surfe, por ser um esporte ao ar livre e com água ao fundo em constante variação, aparece como uma boa alternativa terapêutica para abranger algumas áreas funcionais como: atividade de vida diária; educação e participação; autonomia; habilidades sensoriais e psicossociais em uma única atividade.

 

    Dentre as diferentes formas de deficiências presentes no surfe adaptado, a PC apresenta- se como um importante distúrbio congênito de movimentação, tônus muscular ou postura. Segundo Clapham et al. (2014) devido à flutuabilidade da água, muitas PCDs que normalmente têm dificuldade de se movimentar em terra conseguem se deslocar de maneira autônoma em um ambiente aquático, sem depender de aparelhos de apoio, como órteses, muletas ou andadores. É importante ressaltar que a prática da natação também fortalece os músculos responsáveis pela estabilidade do corpo, tanto durante atividades de locomoção quanto durante o manuseio de objetos.

 

    Segundo Clapham et al. (2020) o surfe é capaz de trazer efeitos fisiológicos positivos, como aumento da resistência cardiorrespiratória, flexibilidade, força e resistência muscular, avaliados antes e depois de um programa, de oito semanas de duração, de surfe-terapia para crianças com deficiências, sendo considerado tamanho de efeito moderado a grande, de acordo com a classificação de Cohen. As medidas analisadas no estudo de Clapham et al. (2020) foram a força da flexão, tanto de membros superiores como da força do core, capacidade da força aeróbica através do 20 m Pacer, flexibilidade através do teste de sentar e alcançar tanto a direita quanto a esquerda. Reafirmando que atividades aquáticas, como o surfe, cuidadosamente planejadas e implementadas para atender às necessidades individuais da criança podem contribuir para o desenvolvimento social e cognitivo. (Clapham et al., 2014)

 

    O autor Lopes (2015) traz um conceito diferenciado sobre os fatores de intervenção do surfe adaptado, ele separa em quatro grande fatores sendo o primeiro o ambiente aquático/oceano, onde ele aborda as particularidades físicas da água salgada, o segundo ele visa abordar a interação do ambiente da praia em si com o indivíduo, trazendo as inúmeras possibilidades de estímulos que existe neste local, como estímulos visuais, gustativos, auditivos e olfativos, o terceiro Lopes (2015) cita sobre a interação individual do participante,com seu treinador/terapeuta, trazendo uma questão da expressão de emoções e sentimentos, jáque o professor traz uma segurança para o aluno, facilitando a exteriorização sentimental epor último, o quarto fator é a interação grupal, onde ele diz que prática cria um ambiente propício para a coletivização entre os participantes, ao mesmo tempo em que oferece o desenvolvimento de competências sociais, liderança, respeito mútuo e colaboração.

 

    Existe uma temática pouco abordada nos artigos, que é a capacitação dos professores, pois além dos alunos, os voluntários que participaram do projeto de surfe-terapia também obtiveram benefícios, onde aprenderam novas habilidades que poderão introduzir futuramente nas suas profissões, incluindo estratégias para trabalhar com uma criança com deficiência (Clapham et al., 2014). O esporte adaptado visa oferecer ao praticante um fortalecimento para sua auto-estima, além de uma reintegração à sociedade, servindo como uma ferramenta de socialização (Matos, 2015). Como o surfe adaptado é um esporte sem regras complicadas, pois todas as formas de surfe foram estimuladas e reconhecidas pelo programa de surfe-terapia, além de não exigir uma interação direta com outras pessoas, as barreiras sociais podem ser ultrapassadas pela PCD. (Clapham et al., 2014)

 

    Os baixos níveis de atividade física são uma preocupação global de saúde para todas as crianças e jovens. Crianças com PC têm níveis de atividade física ainda mais baixos do que os seus pares com desenvolvimento típico; portanto, um risco aumentado de doenças crônicas relacionadas, estão associados a déficits na aptidão física relacionada à saúde. Contudo, com base nas presentes evidências, todas as crianças e jovens com PC devem envolver-se, na medida do possível, em atividades aeróbicas, anaeróbicas e de fortalecimento muscular. Porém, pesquisas futuras são necessárias para determinar as melhores maneiras de avaliar aptidão física em crianças e jovens com PC que não conseguem andar e, assim, promover mudanças a longo prazo de comportamento da atividade física em todas as pessoas com esta condição. (Maltais et al., 2015)

 

Paratleta de surfe & praticante de surfe adaptado 

 

    Nas últimas décadas tem ocorrido um aumento no número de PCD praticando o surfe. Alguns praticantes com destaque são PCDs como lesão medular, amputação de membros inferiores, amputação do membro inferior esquerdo, deficiência visual, síndrome de Down, PC, entre outros (Bissolotti, e Santos, 2009). Em geral, muitas pessoas atribuem ao surfe os méritos pela sua reabilitação e melhora de vida. Entretanto, ainda que muitos praticantes do surfe adaptado atribuam ao envolvimento com este esporte os méritos de alguns aspectos de sua reabilitação, há uma escassez de trabalhos científicos voltados a elaborar e/ou aplicar sistematicamente o surfe para fins de reabilitação.

 

    Existe uma diferença pouco comentada no que diz respeito aos termos “para surfe” e “surfe adaptado”, de acordo com Rosario et al. (2021) o termo “para surfe” traz um conceito do esporte de alto rendimento, ou seja, profissional, separando as categorias de acordo com a restrição que a PCD apresenta com o objetivo de equalizar a modalidade e consequentemente diminui as formas de participação, diferente do “surfe adaptado” que busca uma tendência ligada ao lazer e recreação, com formas de surfe ilimitadas sem caráter competitivo.

 

    Um programa de surfe-terapia constatou que há uma grande variedade de deficiências entre os praticantes como intelectual e dificuldades de aprendizagem, síndrome de down, vários espectros de autismo, PC, distúrbios, microcefalia, atrasos globais no desenvolvimento, síndrome de Dandy, defeitos cardíacos e hipotireoidismo, apresentando uma idade variada entre cinco a 18 anos (Clapham et al., 2014). Outro estudo separou as deficiências a partir das restrições que cada uma apresentava, revelando que a maior incidência de praticantes de surfe adaptado na região de Portugal são os que possuem dificuldade de mobilidade, seguido pelas deficiências intelectuais, cognitivas e finalmente, visuais variando desde amputações de membros, lesões na medula espinhal, Síndrome de Down, autismo, PC e deficiência visual entre outras. (Lopes, 2015)

 

    Já Matos (2015), possui uma análise muito mais aprofundada sobre os praticantes de surfe adaptado e a PCD em Portugal, buscando compreender esse praticante como um todo desde sua idade, atividades até o meio de locomoção que o mesmo utiliza para ir à praia, mostrando também a grande variedade de deficiências, como a restrição de mobilidade, deficiências intelectuais, cognitivas e visuais, corroborando com o achado de Lopes (2015). Os atletas de “para surfe” estão em constante crescimento, juntamente com a modalidade, pois de acordo com a ISA World Para (Adaptive) Surfing, organizadora do maior campeonatomundial de “para surfe”, em 2015, no primeiro campeonato organizado pela entidade participaram 69 atletas e em 2021, participaram 130 atletas mostrando um grande crescimentonos últimos anos. (ISA SURF, 2023)

 

Conclusões 

 

    O presente estudo teve como objetivo analisar os possíveis efeitos para a população com PC, porém não foram encontrados estudos que abordassem apenas surfe e PC isoladamente e sim as PCDs como um todo, embora as amostras dos estudos analisados contenham, em parte, indivíduos com PC. Diante do que a literatura dessa área tem mostrado até o presente momento, pode-se considerar a importância desse esporte, em diversos âmbitos da vida, para a pessoa com PC apontando que o surfe adaptado pode servir como uma atividade física de muita relevância para essa população, além de ser um esporte alternativo diferenciado pelo contato constante com a natureza, traz diversos benefícios fisiológicos, sociais, motores, mentais e também como meio de conscientização de inclusão para PC na sociedade como um todo, sendo uma ferramenta importante para combater estigmas e preconceitos.

 

    Observou-se uma quantidade muito limitada de estudos que abordassem a temática do surfe adaptado, o que é compreensível, haja vista que o esporte teve sua ascensão faz pouco tempo, e ainda por ser da área do esporte adaptado, mas que exige dos pesquisadores uma atenção singular, pois é a partir dessas pesquisas que o esporte pode evoluir de forma apropriada. É esperado que em um futuro próximo o surfe adaptado ganhe mais atenção, por meio de maior investimento e pesquisas na área, como estudos futuros mais robustos metodologicamente, ampliando o número de praticantes e capacitando mais profissionais. Cabe ainda, destacar o potencial dessa modalidade esportiva como uma intervenção de baixo custo e de fácil acesso em regiões litorâneas.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 321, Feb. (2025)