ISSN 1514-3465
Tecendo cultura e movimento: experiências pedagógicas
com jogos de povos indígenas na Educação Física escolar
Weaving Culture and Movement: Pedagogical Experiences with
Games by Indigenous Peoples in School Physical Education
Articulando cultura y movimiento: experiencias pedagógicas con
juegos de pueblos originarios en la Educación Física escolar
Madalena da Silva Cardoso
*cardosomadalena34@gmail.com
Márcio Silveira Nascimento
**marciosn.geo@gmail.com
*Graduada em Educação Física
pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA)
**Professor na Educação Básica da Secretaria de Estado do Amazonas
Doutorando e Mestre em Ensino Tecnológico
pelo Instituto Federal do Amazonas (IFAM)
Professor formador (PARFOR/UEA)
(Brasil)
Recepción: 07/05/2024 - Aceptación: 20/09/2024
1ª Revisión: 23/07/2024 - 2ª Revisión: 07/09/2024
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Cita sugerida
: Nascimento, M.S., e Cardoso, M. da S. (2024). Tecendo cultura e movimento: experiências pedagógicas com jogos de povos indígenas na Educação Física escolar. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(317), 136-153. https://doi.org/10.46642/efd.v29i317.7660
Resumo
Os jogos indígenas, originários de diversas culturas ancestrais, constituem um patrimônio cultural significativo, e sua inclusão nas aulas de Educação Física possibilita que os jovens se envolvam em atividades físicas enquanto se conectam com tradições profundamente enraizadas na história do país. Este estudo tem como objetivo relatar uma experiência pedagógica realizada por um egresso do curso de Educação Física da Universidade do Estado do Amazonas, que destacou a prática dos jogos indígenas como elementos passíveis de inclusão e adaptação no contexto escolar. A pesquisa foi conduzida com jovens de uma comunidade amazônica, envolvendo nove escolas municipais indígenas de Japurá, no estado do Amazonas, durante uma edição dos Jogos Escolares Indígenas. O foco foi resgatar e valorizar a rica cultura dos povos originários, além de promover uma abordagem inclusiva e intercultural na Educação Física. A metodologia empregada foi o relato de experiência, descrevendo a execução dos jogos, inspirados por tradições de diferentes etnias indígenas. Esse relato evidenciou o entusiasmo e o comprometimento dos alunos, além de sua imersão na cultura indígena, enriquecendo o ambiente escolar. Assim, concluiu-se que a incorporação dos jogos indígenas nas aulas de Educação Física transcende a prática esportiva, representando uma oportunidade valiosa para ampliar o processo educativo, fomentar a valorização da cultura brasileira e despertar a curiosidade dos jovens sobre suas raízes culturais.
Unitermos:
Jogos. Povos indígenas. Educação Física. Inclusão intercultural. Experiência pedagógica.
Abstract
Indigenous games, originating from diverse ancestral cultures, constitute a significant cultural heritage, and their inclusion in Physical Education classes allows young people to engage in physical activities while connecting with traditions deeply rooted in the country's history. This study aims to report a pedagogical experience carried out by a graduate of the Physical Education course at the State University of Amazonas, which highlighted the practice of indigenous games as elements capable of inclusion and adaptation in the school context. The research was conducted with young people from an Amazonian community, involving nine indigenous municipal schools in Japurá, in the state of Amazonas, during an edition of the Indigenous School Games. The focus was to rescue and value the rich culture of original peoples, in addition to promoting an inclusive and intercultural approach in Physical Education. The methodology used was an experience report, describing the execution of the games, inspired by traditions of different indigenous ethnicities. This report highlighted the enthusiasm and commitment of the students, in addition to their immersion in indigenous culture, enriching the school environment. Thus, it was concluded that the incorporation of indigenous games in Physical Education classes transcends sports practice, representing a valuable opportunity to expand the educational process, encourage the appreciation of Brazilian culture and awaken young people's curiosity about their cultural roots.
Keywords
: Games. Indigenous peoples. Physical Education. Intercultural inclusion. Pedagogical experience.
Resumen
Los juegos indígenas, originarios de diversas culturas ancestrales, constituyen un importante patrimonio cultural, y su inclusión en las clases de Educación Física permite a los jóvenes realizar actividades físicas al mismo tiempo que se conectan con tradiciones profundamente arraigadas en la historia del país. Este estudio tiene como objetivo relatar una experiencia pedagógica realizada por un egresado de la carrera de Educación Física de la Universidad Estadual de Amazonas, que destacó la práctica de juegos indígenas como elementos capaces de inclusión y adaptación en el contexto escolar. La investigación se realizó con jóvenes de una comunidad amazónica, involucrando nueve escuelas municipales indígenas de Japurá, en el estado de Amazonas, durante una edición de los Juegos Escolares Indígenas. El foco fue rescatar y poner en valor la rica cultura de los pueblos originarios, además de promover un enfoque inclusivo e intercultural en la Educación Física. La metodología utilizada fue un relato de experiencia, que describe la ejecución de los juegos, inspirados en tradiciones de diferentes etnias indígenas. Este informe destacó el entusiasmo y compromiso de los estudiantes, además de su inmersión en la cultura indígena, enriqueciendo el ambiente escolar. Así, se concluyó que la incorporación de juegos indígenas en las clases de Educación Física trasciende la práctica deportiva, representando una valiosa oportunidad para ampliar el proceso educativo, incentivar la apreciación de la cultura brasileña y despertar la curiosidad de los jóvenes sobre sus raíces culturales.
Palabras clave:
Juegos. Pueblos originarios. Educación Física. Inclusión intercultural. Experiencia pedagógica.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 317, Oct. (2024)
Introdução
A inclusão de jogos indígenas nas aulas de Educação Física tem potencial de promover uma experiência pedagógica enriquecedora, ocasionando inúmeros benefícios tanto para os estudantes quanto para o contexto educacional em geral. A presença do desporto no ambiente escolar é fundamental para o desenvolvimento integral dos alunos, promovendo não apenas a saúde física, mas também um significativo crescimento cognitivo, emocional e social (Darido, 2005; Dario, 2015; Guimarães et al., 2001). A inserção dos jogos vai além do simples ensino de práticas esportivas, pois envolve a valorização da cultura indígena e a promoção de uma Educação Física mais inclusiva e intercultural. Fleuri (2005) destaca que a interculturalidade é uma abordagem que promove a convivência democrática entre diferentes culturas sem a imposição de uma sobre a outra e, ao buscar a integração das diversas culturas, a interculturalidade valoriza a diversidade e fomenta um ambiente de respeito e aprendizado mútuo, essa perspectiva é fundamental no contexto educacional, pois incentiva os alunos a reconhecerem e apreciarem as diferenças culturais, contribuindo para a construção de uma sociedade mais inclusiva e harmoniosa.
Ao incluir jogos tradicionais das diferentes etnias indígenas brasileiras nas aulas, os estudantes têm a oportunidade de vivenciar e resgatar parte da rica herança cultural dos povos originários do país. Essa vivência possibilita uma conexão mais profunda com a história, costumes e saberes dessas comunidades, contribuindo para a formação de uma consciência cidadã mais plural e respeitosa em relação à diversidade cultural (Mileski, e Ramon, 2012; Ferreira, e de Assis Pimentel, 2013). De acordo com Sanelli (2023), é essencial reconhecer que a educação tem o poder de transmitir cultura. Na Educação Física, podemos integrar a essência cultural e social do indivíduo por meio de atividades corporais, criando um processo único. Essa abordagem, que valoriza a diversidade cultural, contribui para a formação de novos cidadãos transformadores na sociedade contemporânea (Moreira, e Peres, 2019). Nas sociedades indígenas, a transmissão de técnicas corporais é necessária para assumir da melhor maneira os papéis sociais conquistados; portanto, “reconhece-se a capacidade de a criança aprender a partir dos jogos e brincadeiras”. (Grando, 2006, p. 231)
A experiência pedagógica com jogos indígenas favorece o engajamento dos alunos nas atividades. Nesse contexto, os alunos ganham mais autonomia e se tornam protagonistas de seu próprio aprendizado, motivados pela curiosidade de conhecer e experimentar jogos com significados e origens culturais distintas. De acordo com Júnior et al. (2023), essa autonomia capacita os estudantes a se tornarem aprendizes ao longo da vida, capazes de se atualizar, adaptar e buscar conhecimento além do ambiente escolar.
Durante esse período, a criança internaliza sua própria cultura, estabelece conexões com seus colegas e emerge como um indivíduo único dentro desse contexto específico. No entanto, é crucial reconhecer a importância simbólica das práticas corporais tradicionais e dos rituais nas aldeias, pois eles são essenciais para a construção da identidade sociocultural. Albuquerque, Leite, e Castro (2016) afirmam que a introdução desses conteúdos na Educação Física escolar, contextualizados na cultura corporal de movimento, que se manifestam principalmente no nível corporal e como expressões culturais de caráter lúdico (Fensterseifer, 2012), é uma maneira de promover o exercício da cidadania.
A experiência pedagógica com jogos indígenas também se reflete na melhoria do ambiente escolar como um todo. As aulas de Educação Física se tornam mais atrativas e significativas para os estudantes, refletindo-se em maior participação nas atividades e um clima mais positivo e colaborativo entre os colegas (Diez, e Wheeler, 2021). Além disso, a inclusão de jogos indígenas pode inspirar a interdisciplinaridade, estimulando professores de outras áreas a abordarem a cultura indígena em seus conteúdos, ampliando ainda mais o aprendizado dos alunos. (Sousa, 2022)
A experiência pedagógica com jogos indígenas, nas aulas de Educação Física, é uma iniciativa valiosa para promover a valorização cultural, inclusão e interculturalidade no ambiente educacional. Segundo Mejía (2018), os jogos indígenas possuem uma importância social significativa e múltiplos significados. Eles integram diversos aspectos da vida social, incluindo dimensões religiosas e rituais. Além disso, servem para a preparação física, oferecem recreação e são utilizados para resolver questões sociais complexas.
Essa abordagem proporciona aos estudantes uma vivência enriquecedora, promovendo o respeito pela diversidade cultural e a valorização da cultura brasileira. Investir nessa prática é investir em uma educação mais plural, inclusiva e consciente, que contribui para a formação de cidadãos respeitosos, empáticos e preparados para uma sociedade diversa e colaborativa.
Assim, o objetivo do presente estudo é relatar uma experiência pedagógica que buscou trazer à tona a vivência de jogos indígenas como elementos passíveis de inclusão e adaptação nas aulas de Educação Física.
Breve história dos Jogos dos Povos Indígenas
O pioneiro encontro para a prática esportiva coletiva, cuja documentação remonta ao dia 19 de abril de 1979, celebrado como o Dia do Índio, marcou um evento significativo, nesse dia, uma seleção de futebol composta por indígenas foi criada para um jogo amistoso contra um time representativo de um centro universitário em Brasília, participaram do evento estudantes indígenas pertencentes às etnias Karajá, Terena, Bakairi, Xavante e Tuxá, unidos para formar a equipe denominada "Kurumim", a trajetória da equipe se estendeu por diversos estados brasileiros, culminando até mesmo em uma partida no icônico Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro. (Terena, 2009)
Os jogos praticados pelas diversas comunidades indígenas do Brasil foram criados em 1996, como resultado da iniciativa dos povos indígenas brasileiros por meio do Comitê Intertribal Memória e Ciência Indígena (ITC), uma associação indígena que atua na defesa dos direitos humanos dos povos indígenas, cultura, esporte e espiritualidade (Museu do Futebol, n.d.). Esses jogos se tornaram um dos maiores encontros esportivos e culturais das Américas, com o apoio do Ministério do Esporte do Brasil. (Rodrigues, 2015)
Os mentores por trás desse projeto foram Carlos Terena e Marcos Terena, fundadores do ITC, cuja contribuição foi essencial para a organização e promoção desses eventos esportivos, que surgiram na década de 1980. Durante suas visitas a várias comunidades indígenas, perceberam que a alegria irradiava dos povos indígenas brasileiros por meio de suas expressões culturais. Essa alegria estava intrínseca na preparação de enfeites plumários, nos contornos dos desenhos, nas pinturas corporais, nas danças, nos cantos e nos instrumentos musicais, bem como nas atividades físicas (Terena, 2009). Os irmãos Terena perceberam que, a partir dessas manifestações culturais, poderiam ser reconhecidos e atribuir novos significados na sociedade em geral, o que os levou a conceber a ideia de organizar os Jogos dos Povos Indígenas com o objetivo de apresentá-los aos não indígenas e promover a aproximação entre as diversas etnias e línguas indígenas ainda presentes no Brasil, essa iniciativa visava possibilitar que essas etnias pudessem se conhecer mutuamente e fortalecer suas culturas. (Camargo, 2015)
A primeira edição desses jogos ocorreu em Goiânia, reunindo mais de 150 povos indígenas brasileiros, incluindo Xavante, Bororo, Pareci e Guarani, bem como delegações indígenas do Canadá e da Guiana Francesa. O evento, que evoluiu para os Jogos Mundiais dos Povos Indígenas em 2015, celebra não apenas o esporte, mas também as danças tradicionais de cada povo, visando à integração e à celebração respeitosa de suas culturas únicas. (Rodrigues 2015)
No âmbito local, a cidade de Tefé, no Amazonas, também tomou essa iniciativa e, desde 2018, realiza eventos esportivos indígenas, já alcançando a 6ª edição em 2023, semelhante a outras realizações pelo Brasil, esses jogos contemplam práticas esportivas e danças tradicionais de cada etnia, proporcionando uma celebração respeitosa e integradora, o evento, que se estende por 4 dias, destaca-se por envolver 20 modalidades esportivas. (Oliveira, 2022)
No ano de 2023, a instituição teve o privilégio de sediar os primeiros Jogos Escolares Indígenas. Inicialmente planejado para abril, em sintonia com o Dia dos Povos Tradicionais do Brasil, o evento foi realizado com sucesso nos dias 20 e 21 de maio. Apesar das dificuldades iniciais, a organização conseguiu o apoio necessário e proporcionou duas jornadas de competições envolvendo os alunos que representaram as escolas de suas respectivas aldeias.
Metodologia
Neste estudo, a pesquisadora, uma graduanda do curso de licenciatura em Educação Física, compartilha uma experiência vivenciada durante os Jogos Escolares Indígenas de 2023, realizados em Japurá-AM, cidade localizada no interior do Amazonas. Utilizando uma abordagem qualitativa, o estudo explora aspectos da participação da autora por meio de métodos descritivos e observacionais. Segundo Vieira, e Zouain (2005), a pesquisa qualitativa atribui importância fundamental aos depoimentos dos atores sociais envolvidos, aos discursos e aos significados transmitidos por eles. Nesse sentido, esse tipo de pesquisa preza pela descrição detalhada dos fenômenos e dos elementos que os envolvem.
O Relato de Experiência, uma ferramenta da pesquisa descritiva, oferece uma reflexão sobre a ação em questão, destacando atividades realizadas com o suporte e a orientação dos professores responsáveis. É uma forma de compartilhar conhecimento, no qual o texto apresentado relata uma vivência acadêmica. Apresentaremos uma descrição das intervenções realizadas. Os estudos na categoria de Relato de Experiência são particularmente valiosos, uma vez que o conhecimento científico desempenha um papel importante na formação do indivíduo. (Córdula, e Nascimento, 2018)
Resultados e discussão
Relato de experiência de uma futura professora
A motivação para realizar os jogos surgiu da experiência da licencianda como coordenadora de Educação Escolar Indígena. Envolvida no movimento indígena, ela havia acompanhado outros municípios na realização de eventos semelhantes em suas aldeias, envolvendo diversas escolas indígenas. Nesse contexto, ao atuar como coordenadora de Educação Indígena, identificou a necessidade e a relevância de trazer esse evento para Japurá-AM.
Uma das principais motivações para aprofundar este projeto foi o desejo de resgatar e preservar os jogos tradicionalmente praticados pelos povos indígenas de Japurá. Na perspectiva da autora, esses costumes ancestrais estavam se diluindo diante da influência de outras culturas. Ao dialogar com as lideranças, percebeu a preocupação compartilhada por eles sobre essa questão. A partir disso, surgiu a ideia de conduzir uma pesquisa nas escolas indígenas para entender mais sobre o assunto. Por meio de reuniões com professores e líderes, chegou-se à conclusão de que deveriam realizar os jogos.
A equipe da Coordenação Indígena e os professores das comunidades uniram-se para elaborar o projeto. Definiram as modalidades esportivas, suas regras e o regulamento dos jogos. Com o projeto finalizado, agendaram uma reunião com o prefeito da cidade e o secretário de Educação, buscando seu apoio para o evento, uma vez que se tratava de um evento escolar.
Um dos maiores desafios que enfrentaram dizia respeito à logística, especialmente em relação a como trazer todas as escolas e alunos para participarem dos jogos, considerando que as comunidades estavam distantes umas das outras. Junto ao prefeito, elaboraram um orçamento para garantir que todas as escolas indígenas do município de Japurá pudessem participar.
Em abril de 2023, as lideranças se reuniram novamente para definir a data dos jogos e ouvir as necessidades de cada escola, com o objetivo de se preparar para a chegada à aldeia que sediaria o evento. A aldeia São Joaquim foi escolhida como anfitriã dos jogos, decisão unânime durante as reuniões, principalmente devido à sua infraestrutura adequada para acomodar todos os participantes do evento.
Em 19 de maio, as delegações foram recebidas. Os organizadores do evento, juntamente com as lideranças, deram as boas-vindas a todos. Cada escola e seus respectivos responsáveis foram direcionados a alojamentos previamente preparados.
Os jogos indígenas se estenderam por dois dias, contando com a participação das etnias Maku Nadëb, Maku Yuhup, Kanamary e Kaixana, envolvendo exclusivamente estudantes indígenas. A programação seguiu a seguinte dinâmica de eventos:
1° dia: Início dos Jogos
No dia 20 de maio de 2023, às 7h30 da manhã, tiveram início os Jogos Escolares Indígenas. A programação começou com uma cerimônia cívica, na qual os líderes de cada aldeia expressaram suas palavras, enfatizando a relevância do evento e a importância de incorporar atividades físicas nas rotinas diárias de educação nas comunidades indígenas. Às 8h, iniciou-se a modalidade de "Arco e Flecha", um instrumento usado em diversas circunstâncias e atividades, como caça, pesca, rituais, proteção e também para a prática desportiva. Essa modalidade contou com a participação de dois representantes de cada escola. O alvo, representado por um peixe, estava posicionado a cerca de 20 metros da linha de prova, com diferentes pontuações: 100 pontos, 50 pontos e 25 pontos. O vencedor era aquele que acumulava a maior quantidade de pontos acertando o alvo. Os melhores classificados avançaram para a final, com o objetivo de acertar o alvo para alcançar a vitória. Cada aluno tinha duas tentativas de disparo.
Em seguida, ocorreu a modalidade de "Tiro com Zarabatana", que é um tubo de madeira oco pelo qual são soprados dardos e flechas. O tiro com zarabatana também é realizado como modalidade esportiva entre os povos indígenas. Na prova, o participante se posicionava a uma distância de um alvo e precisava acertá-lo o maior número de vezes possível. Nessa modalidade, os alunos tinham como alvo um desenho em formato de animal, localizado a cerca de 20 metros da linha de largada. O sistema de pontuação e classificação seguiu o mesmo padrão da modalidade de arco e flecha. Os melhores competidores avançaram para a final.
Em seguida, ocorreu a modalidade de “Arremesso de Lança”. Cada escola tinha permissão para inscrever até dois alunos na competição. Nessa prova, o aluno tinha uma linha de partida, mas não havia restrição quanto à direção em que a lança poderia ser lançada. A classificação era determinada pela distância alcançada no arremesso. Uma equipe de professores estava presente para medir a distância atingida por cada participante. Os melhores classificados prosseguiram na competição, persistindo até que um vencedor fosse definido. Às 17 horas, as atividades do primeiro dia dos Jogos Escolares Indígenas foram encerradas, contando com a participação de nove escolas municipais indígenas de Japurá.
2° dia: Término dos Jogos
No segundo dia dos Jogos Escolares Indígenas, iniciou-se com a participação e presença de todas as comunidades. Nesse último dia, as atividades começaram com a modalidade de “Corrida com Tora”, que é uma corrida em um curto espaço onde tem que se carregar uma tora (pedaço de madeira). Cada escola inscreveu quatro representantes, seguindo as diretrizes previamente acordadas. Nessa modalidade, os estudantes realizaram uma corrida de revezamento, carregando uma tora nos ombros. A tora tinha cerca de 20 quilos, e a corrida começava com um sinal de apito. Os representantes das escolas competiam separadamente para evitar colisões ou atritos entre os alunos durante o percurso até a linha de chegada. O tempo de feito por escola foi cronometrado, e os vencedores foram aqueles que completaram a corrida no menor tempo registrado no cronômetro.
A segunda modalidade do dia ocorreu na tarde de 21 de maio e foi a natação. Nesta modalidade, as meninas também participaram, assim como nas competições de "Cabo de Guerra", "Canoagem" e na apresentação da "Dança Cultural Indígena". Cada escola inscreveu duas alunas e dois alunos para a natação. Em vez de ser realizada em uma piscina, a competição ocorreu em um rio próximo à aldeia, proporcionando um ambiente natural. A natação foi a competição mais demorada devido à participação de ambos os gêneros. Os alunos foram avançando com base em sua agilidade, com os primeiros a chegarem na linha de chegada classificando-se. Essa dinâmica se repetiu até restarem apenas duas escolas para a final, tanto na categoria masculina quanto na feminina. Vencia a competição o primeiro a cruzar a linha de chegada.
Seguindo o regulamento, cada escola inscreveu dois alunos (um no masculino e outro no feminino) para a modalidade de canoagem. As canoas tinham aproximadamente de 3 a 4 metros de comprimento e contavam com dois remos. Os alunos percorriam 100 metros até a linha de chegada. Houve duas baterias: quatro escolas competiam na primeira, e mais quatro na segunda. Duas escolas de cada bateria avançaram para a final. A final determinou o 1º, 2º e 3º colocado.
A penúltima modalidade foi o "Cabo de Guerra", uma atividade esportiva em que duas equipes competem em um teste de força, puxando uma corda em direções opostas. A equipe vencedora é aquela que consegue puxar o grupo adversário para além de uma linha demarcada. Cada equipe podia ter até dez alunos. Todas as escolas participaram dessa prova, que se destacou pela intensidade e competitividade, com grande entusiasmo dos alunos, que testaram sua força e estratégias. A escola vencedora foi a que conseguiu superar as demais.
A modalidade seguinte foi a "Subida no Açaizeiro". Nessa competição, cada escola inscreveu um aluno para disputar a subida mais rápida em um açaizeiro, uma palmeira típica da região amazônica. O aluno precisava subir e descer o mais rápido possível, com o tempo sendo cronometrado para determinar o vencedor. A prova foi monitorada pelos professores responsáveis pela organização.
Para encerrar os Primeiros Jogos Indígenas Escolares na aldeia São Joaquim, preparou-se a última competição: a apresentação das danças culturais tradicionais. Cada escola preparou uma dança para apresentar aos jurados e à população em geral. Devido à maioria das escolas em Japurá ser do povo Maku Nadëb, as danças eram semelhantes, mas os tuxauas de cada aldeia eram responsáveis pelo canto durante as apresentações. Todas as escolas apresentaram suas danças diante dos jurados e de um público de aproximadamente 450 pessoas, incluindo adultos, crianças e idosos. Nessa primeira edição dos jogos, a escola vencedora foi a Escola Municipal Indígena da aldeia Jeremias, seguindo o registro de algumas modalidades de jogos da competição (Imagem 1).
É fundamental destacar o papel ativo de todas as lideranças na produção e apoio desse evento. Reconhecem que a preservação da identidade cultural é uma responsabilidade coletiva, pois temas ligados a memórias e ancestralidades jamais devem ser esquecidos. Esses conhecimentos devem ser mantidos e transmitidos de geração em geração, valorizando a cultura. O Tuxaua, uma das lideranças do evento, enfatizou que os professores têm um papel fundamental nessa tarefa, sendo criativos ao envolver os alunos na prática desses esportes. Ressaltou que, embora as modalidades não indígenas também sejam importantes, é fundamental que elas sejam praticadas para que não se percam, fortalecendo as práticas tradicionais, que são nosso maior patrimônio.
Essas atividades contribuíram para o desenvolvimento da motricidade, a interação com outros povos e o cultivo da sensibilidade emocional nas crianças. Além disso, ajudaram a promover um modo de vida sustentável, valorizando práticas conservacionistas e transmitindo conhecimentos de geração em geração. O papel fundamental do profissional de Educação Física nessa jornada é evidente, e é importante que as lideranças indígenas continuem apoiando os professores dentro das aldeias.
Os resultados dessa experiência pedagógica revelaram o entusiasmo e o envolvimento dos alunos nas atividades com jogos indígenas. A introdução dos jogos despertou claramente o interesse dos estudantes, que manifestaram curiosidade e respeito pela cultura indígena. A prática dos jogos tradicionais criou oportunidades de cooperação, integração e aprendizado sobre a diversidade cultural brasileira.
A inclusão dos jogos indígenas, nas aulas de Educação Física, demonstrou ser uma estratégia eficaz para valorizar a cultura indígena e fomentar a consciência intercultural. Como corrobora Sánchez et al. (2022), os jogos e os esportes nativos constituem um excelente elemento pedagógico para ser utilizado na escola, tanto como conteúdo em diferentes áreas quanto como estratégia metodológica. Esses jogos permitiram que os alunos se aproximassem da história, tradições e valores dos povos indígenas, contribuindo para a construção de uma identidade cultural mais plural e inclusiva. Além disso, essa experiência pedagógica promoveu um ambiente escolar mais acolhedor e enriquecedor, estimulando o respeito à diversidade e a valorização da cultura brasileira.
Segundo Ardila-Barragán (2022), os jogos tradicionais têm contribuído significativamente para os processos educativos e evolutivos da sociedade, a partir dos diferentes contextos em que o ser humano se desenvolve. Por meio desses jogos, é possível identificar costumes, tradições e estilos de vida das gerações passadas, uma vez que eles fazem parte do patrimônio cultural da humanidade. Simultaneamente, constituem um elemento da cultura popular que é transmitido de geração em geração.
De acordo com Santin (1996), a promoção de esportes ancorados em identidade cultural requer o resgate das atividades lúdicas, que são reflexos autênticos da tradição cultural. Essa abordagem não deve ser vista como uma mera exposição exótica ou apresentação de tradições folclóricas isoladas. O processo de resgate, essencial para revitalizar efetivamente a identidade cultural, deve ser reincorporado às práticas sociais contemporâneas, tornando essas manifestações culturais uma parte vibrante da cultura do grupo social. Para isso, é essencial considerar as modificações introduzidas pela intencionalidade dos praticantes e promover esses esportes por intermédio do intercâmbio cultural.
O engajamento dos alunos nos jogos indígenas destacou a importância de preservar a rica herança cultural das comunidades indígenas. Por meio dessas atividades, os estudantes puderam experimentar a autenticidade e profundidade dos costumes indígenas, compreendendo a relação intrínseca entre a prática esportiva e a cultura tradicional. O conhecimento é construído de forma colaborativa, baseado na interação social e moldado pelo desenvolvimento histórico e cultural dos indivíduos envolvidos. Esse conjunto de conhecimentos é fundamental para o desempenho social e individual do ser humano. (Guerra García, 2020)
Ao participar dessas modalidades, segundo Grando (2010), os jovens não apenas aprimoram suas capacidades físicas, mas também se conectam a valores como cooperação, respeito pela natureza e pelas tradições. Esse é um fator relevante, conforme destacado por Pereira et al. (2019), que enfatizam a importância da proteção desses espaços naturais para o bem-estar da sociedade. Ramírez Velázquez (2007) argumenta que as comunidades indígenas possuem uma identidade distinta que merece ser preservada dentro das nações em que estão inseridas. Para essas comunidades, dois pilares são cruciais: as pessoas que as constituem e o espaço geográfico ao qual se vinculam, conferindo-lhes um forte senso de pertencimento. Além disso, suas tradições indígenas, incluindo história, cultura local, costumes e modo de vida, fornecem uma base sólida de identidade que não deve ser negligenciada.
A integração das meninas em diversas modalidades destaca a importância da igualdade de gênero nas práticas esportivas, rompendo estereótipos e promovendo a inclusão de todos os alunos. Além disso, o cabo de guerra demonstrou a força e o espírito competitivo das equipes, enquanto a subida do açaizeiro testou a agilidade e a resistência dos participantes.
O encerramento dos jogos com as apresentações das danças tradicionais enriqueceu ainda mais a experiência. Essas danças não apenas celebraram a cultura indígena, mas também transmitiram os valores e a espiritualidade das comunidades por meio da expressão artística. A diversidade de manifestações culturais representadas nas danças ressaltou a riqueza da herança indígena, enriquecendo o entendimento dos alunos sobre a identidade cultural do Brasil.
Conclusões
A inserção dos jogos indígenas no contexto das aulas de Educação Física emerge como uma experiência pedagógica de grande impacto e relevância para o processo educacional. O enfoque na valorização da cultura indígena desempenhou um papel essencial na formação de indivíduos mais conscientes e respeitosos em relação à vasta diversidade cultural do Brasil. Nesse sentido, é imperativo promover práticas pedagógicas inclusivas e interculturais nas escolas, buscando resgatar e exaltar as tradições e contribuições dos povos originários para a configuração de nossa identidade nacional. A inclusão dos jogos indígenas no currículo de Educação Física não apenas enriquece as atividades escolares, mas também promove a inclusão e facilita o diálogo intercultural, fortalecendo os laços de pertencimento e contribuindo para a construção de uma sociedade mais justa, diversificada e consciente de sua riqueza cultural.
No entanto, é fundamental reconhecer as dificuldades enfrentadas ao longo desse processo. Popularmente sabe-se que muitos jogos indígenas, tradicionalmente, dão maior ênfase à participação masculina, o que pode representar um desafio para a inclusão das meninas nas atividades. A integração das meninas em diversas modalidades é essencial para romper estereótipos de gênero e promover a igualdade nas práticas esportivas. Enfrentar esses desafios requer um esforço contínuo para adaptar as práticas pedagógicas, garantindo que todos os alunos, independentemente de gênero, possam participar plenamente e se beneficiar das atividades.
Além disso, a implementação bem-sucedida dos jogos indígenas nas aulas de Educação Física demanda a colaboração entre profissionais de Educação Física, lideranças indígenas e a comunidade escolar. Essa cooperação é fundamental para superar as barreiras culturais e logísticas, garantindo que as tradições sejam respeitadas e adaptadas de maneira inclusiva.
Essa experiência proporcionou aos alunos uma compreensão mais profunda e respeitosa das tradições indígenas, estimulando a consciência intercultural e estabelecendo bases sólidas para a preservação e o respeito à diversidade cultural brasileira. Para futuros relatos de experiência, é recomendado que se inclua uma análise mais abrangente dos efeitos a longo prazo nas práticas educacionais e culturais, bem como a realização de entrevistas e questionários com todos os participantes para obter uma visão mais completa e detalhada do impacto dos jogos. Além disso, uma abordagem mais estruturada na coleta e análise de dados pode oferecer insights mais precisos e contribuir para a formulação de melhores práticas e recomendações para eventos semelhantes.
Referências
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Ardila-Barragán, J. N. (2022). Juegos tradicionales: aportes al desarrollo sociocultural en contextos educativos rurales. Revista Digital: Actividad Física y Deporte, 8(1). https://doi.org/10.31910/rdafd.v8.n1.2022.2152
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Córdula, E.B.L., e Nascimento, G.C.C. (2018). A produção do conhecimento na construção do saber sociocultural e científico. Revista Educação Pública, 18, 1-10. https://educacaopublica.cecierj.edu.br/artigos/18/12/a-produo-do-conhecimento-na-construo-do-saber-sociocultural-e-cientfico
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