Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

A tomada do aparelho político de Estado pelos privatistas. 

O empresariado educacional na homologação das 

Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física

The Takeover of the State Political Apparatus by Privatizers. The Educational Business

Community in the Approval of the National Curricular Guidelines for Physical Education

La toma del aparato político del Estado por parte de los privatizadores. El empresariado 

educativo en la aprobación de los Lineamientos Curriculares Nacionales de Educación Física

 

Thiago Barreto Maciel*

tbarretomaciel@gmail.com

Hajime Takeuchi Nozaki**

hajimenozaki@uol.com.br

 

*Professor do Colégio de Aplicação João XXIII

Universidade Federal de Juiz de Fora

Licenciatura em Educação Física

Universidade Federal de Juiz de Fora

Mestrado em Políticas Públicas e Formação Humana

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Doutorado em Educação

Universidade Federal de Juiz de Fora

**Professor Titular da Faculdade de Educação

Universidade Federal de Juiz de Fora

Licenciado em Educação Física

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Mestre em Educação

Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Doutorado em Educação

Universidade Federal Fluminense

Pós-doutorado na Università degli Studi

della Campania Luigi Vanvitelli, UNICAMPANIA, Itália

(Brasil)

 

Recepción: 03/05/2024 - Aceptación: 06/06/2024

1ª Revisión: 01/06/2024 - 2ª Revisión: 03/06/2024

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Cita sugerida: Maciel, T.B., e Nozaki, H.T. (2024). A tomada do aparelho político de Estado pelos privatistas: o empresariado educacional na homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(314), 2-15. https://doi.org/10.46642/efd.v29i314.7650

 

Resumo

    O objetivo do presente trabalho foi analisar a influência do empresariado da educação dentro da formação profissional em educação física, que tem dentre os marcos legais a Resolução CNE/CES n° 06/18. O trabalho teve como recorte temporal de suas análises o período compreendido entre 2015 e 2021, período demarcado pelo início do debate acerca de novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para a área e perpassado pelo processo de impeachment sofrido pela então presidente da República, alçando à frente do aparelho político de Estado grupos ainda mais afinados com os interesses empresariais e com a agudização do projeto neoliberal no país. Tomou-se como material de análise os Censos da Educação Superior/INEP referentes aos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019; assim como o Sistema de Regulação do Ensino Superior (e-MEC), ferramentas que permitiram traçar um panorama a respeito das ofertas de cursos de educação física pelo Brasil. Como resultado constatou-se que dentre os interesses que mobilizam o empresariado educacional a interferir diretamente nos projetos de formação da educação física, tem-se a manutenção do bacharelado e a ampliação da mercadoria diploma, sobre os quais lograram êxito. Como conclusões tem-se que as atuais DCN são uma expressão hegemônica do interesse privado direto dos legisladores em razão das frações de classe às quais representam. Tem-se a apropriação direta dos aparelhos políticos de Estado pelas representações da iniciativa privada, fazendo valer os seus interesses enquanto classe social.

    Unitermos: Diretrizes Curriculares Nacionais. Formação profissional. Educação Física.

 

Abstract

    The objective of this work was to analyze the influence of the education business community within professional training in physical education, which has among its legal frameworks Resolution CNE/CES No. 06/18. The work had as a time frame for its analyzes the period between 2015 and 2021, a period marked by the beginning of the debate about new National Curricular Guidelines (DCN) for the area and permeated by the impeachment process suffered by the then President of the Republic, leading to In front of the State political apparatus, groups are even more in tune with business interests and the intensification of the neoliberal project in the country. The Higher Education/INEP Censuses for the years 2015, 2016, 2017, 2018 and 2019 were taken as analysis material; as well as the Higher Education Regulation System (e-MEC), tools that allowed us to draw an overview of physical education course offerings across Brazil. As a result, it was found that among the interests that mobilize the educational business community to directly interfere in physical education training projects, there is the maintenance of the bachelor's degree and the expansion of the diploma merchandise, both of which were successful. The conclusions are that the current DCN are a hegemonic expression of the direct private interest of legislators due to the class fractions they represent. There is the direct appropriation of the State's political apparatuses by the representations of the private sector, asserting their interests as a social class.

    Keywords: National Curriculum Guidelines. Professional training. Physical Education.

 

Resumen

    El objetivo de este trabajo fue analizar la influencia del empresariado educativo dentro de la formación profesional en Educación Física, que tiene entre sus marcos legales la Resolución CNE/CES n° 06/18. El trabajo tuvo como marco temporal para sus análisis el período comprendido entre 2015 y 2021, período marcado por el inicio del debate sobre nuevos Lineamientos Curriculares Nacionales (DCN) para el área y permeado por el proceso de impeachment que sufrió la entonces Presidenta de la República, llevando al frente del aparato político del Estado a grupos aún más afines con los intereses empresariales y a la intensificación del proyecto neoliberal en el país. Se tomó como material de análisis los Censos de Educación Superior/INEP de los años 2015, 2016, 2017, 2018 y 2019; así como el Sistema de Regulación de la Educación Superior (e-MEC), herramientas que nos permitieron trazar un panorama de la oferta de cursos de educación física en todo Brasil. Como resultado, se encontró que entre los intereses que movilizan al empresariado educativo para inmiscuirse directamente en los proyectos de formación en educación física, se encuentra el mantenimiento de la carrera de bachiller y la ampliación del mercado de diplomatura, los cuales resultaron exitosos. Las conclusiones son que las actuales DCN son una expresión hegemónica del interés privado directo de los legisladores debido a las fracciones de clase que representan. Se da la apropiación directa de los aparatos políticos del Estado por parte de las representaciones del sector privado, haciendo valer sus intereses como clase social.

    Palabra clave: Directrices Curriculares Nacionales. Formación profesional. Educación Física.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 314, Jul. (2024)


 

Introdução 

 

    As mudanças na formação profissional de educação física no Brasil retratam a própria disputa entre projetos políticos-pedagógicos de cada época mediada pelos diferentes contextos também de cada época. Um debate que tem servido como fio condutor de tal disputa refere-se à criação do bacharelado, em 1987, após décadas de formação em nível superior caracterizada pela licenciatura em educação física. A defesa da criação do curso de bacharelado em educação física refere-se antes a uma necessidade de uma formação voltada a atender os assim chamados mercados emergentes das atividades físicas – academias de ginástica, clubes, centros esportivos, entre outros – e menos a uma observação do ponto de vista do rigor epistemológico, visto que, seja na escola, ou fora dela, o substrato da formação e da atuação está no trabalho pedagógico. Portanto, desde os anos 1980, a defesa do bacharelado possuiu essencialmente um caráter privatista e empresarial, que foi se formando desde aquela década para se solidificar a partir da década seguinte. (Faria Junior, 2001; Maciel, 2021; Nozaki, 2004; Quelhas, e Nozaki, 2018)

 

    Ao final dos anos 1990, inicia-se o debate para implementação de novas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) da educação física, enquanto orientação legal na formação profissional, as quais são aprovadas em 2004, após longo debate de 6 anos, aprofundando a divisão entre licenciatura e bacharelado. Desta vez, diferentemente do que havia se concretizado desde os anos 1980, houve uma proliferação do bacharelado na área e este, por sua vez, cada vez mais ligado a uma visão privatista e fragmentadora do ponto de vista da formação profissional. As DCN de 2004 expressam a política de reformulação curricular iniciada nos anos de 1990, em que o Brasil foi notadamente marcado pela implementação do projeto neoliberal.

 

    Para fins desse artigo, toma-se como recorte o contexto político e econômico aberto mundialmente após a crise econômica iniciada no ano de 2007 e as suas consequências ao redor do globo. Na especificidade brasileira, uma das expressões a qual portou tal situação, embora não de modo linear, foi o processo de impeachment sofrido pela então presidente da República no ano de 2016, alçando à frente do aparelho político de Estado grupos ainda mais afinados com os interesses empresariais e com a agudização do projeto neoliberal no país.

 

    Foi dentro dessa situação aberta após o ano de 2016 que novas DCN para os cursos de graduação de educação física foram homologadas. Nesse contexto, o presente trabalho teve como objetivo analisar a influência do empresariado da educação dentro da formação profissional em educação física, que tem dentre os marcos legais a Resolução do Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Superior (CNE/CES) n° 06/18.

 

    Assim, o texto foi estruturado buscando contextualizar a especificidade do objeto em tela. Inicia-se com a análise da composição da comissão do CNE responsável pelas DCN da educação física, identificando os interesses hegemônicos dentro dessa comissão organicamente ligados aos interesses do grande empresariado da educação. Segue-se a exposição tomando como objeto a particularidade da manutenção da formação em bacharelado em educação física, como um dos pontos de interesse direto do empresariado educacional.

 

    Em diálogo com produções científicas que tratam de compreender a atualidade da situação brasileira, sobretudo no que diz respeito à relação com a educação, toma-se como material de análise os Censos da Educação Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) referentes aos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019; assim como o Sistema de Regulação do Ensino Superior (e-MEC). Ferramentas que permitiram traçar um panorama a respeito das ofertas de cursos de educação física pelo Brasil. O objetivo do presente trabalho foi analisar a influência do empresariado da educação na formação profissional em educação física, que tem dentre os marcos legais a Resolução CNE/CES n° 06/18.

 

O empresariado educacional e a composição do CNE: contornos para a formação profissional da educação física 

 

    As DCN da educação física, Resolução CNE/CES, n° 06 de 18 de dezembro de 2018 (Brasil, 2018), embora comportem singularidades, se localizam dentro do conjunto de reformas educacionais no atual cenário político e econômico brasileiro e, portanto, também alinhadas hegemonicamente às atuais políticas de desmonte dos serviços públicos e dos direitos sociais historicamente conquistados pelo conjunto da classe trabalhadora. Tais políticas reverberam diretamente no direito ao acesso à educação em seus diferentes níveis e modalidades, agudizando o processo de exclusão onipresente na história da formação social desigualitária brasileira.

 

    Importante demarcar desde essas primeiras linhas que tais reformas desencadeadas, sobretudo, mas não somente, a partir do ano de 2016, são parte da ofensiva do capital contra o trabalho guiadas pelas frações mais abastadas da burguesia frente à crise econômica mundial estourada nos anos de 2007/2008. Tal crise teve início no setor imobiliário dos Estados Unidos da América com repercussão global, movimentando suntuosas cifras e esforços do capital financeiro com vistas a revertê-la, com injeções de crédito de bancos europeus (Schettino, 2014). Do mesmo modo, nos anos seguintes crises atingiram outros países, como a China e a Grécia em 2015, além de outros países do sul da Europa (D’Acunto, e Schettino, 2015). No ano de 2016, o sistema financeiro internacional voltou a despender altas cifras para tentar precaver novos colapsos. (Schettino, 2016)

 

    É a partir desse contexto que a análise do presente trabalho será desenvolvida, se aprofundando na especificidade da educação física brasileira, realizando um recorte do papel do empresariado educacional e a sua tomada de assalto dos aparelhos políticos de Estado como o próprio Conselho Nacional de Educação (CNE) – órgão competente oficial formulador de tais políticas formativas – com vistas a assegurar os seus interesses mais vitais enquanto classe social.

 

    Desse modo, inicia-se a presente exposição em acordo com Evangelista, Fiera, e Titton (2019), os quais, ao analisarem a composição dos conselheiros do CNE no ano de 2019, são taxativos em afirmar:

    Os conselheiros são a face exposta, conquanto não perceptível imediatamente, dos interesses espúrios que correm sob o slogan da defesa da escola de boa qualidade e inúmeras são as evidências de suas relações institucionais diretas e indiretas. Elas incluem Aparelhos Privados de Hegemonia (APH); instituições de ensino superior privado; Aparelhos de Estado; empresas educacionais de capital aberto; Sistema S; movimentos empresariais; Organização Social (OS) e atividades ligadas à defesa de Direitos Humanos e raciais. Apenas duas pessoas que apresentam vínculos com instituições públicas de ensino superior aparecem na Comissão Bicameral. (Evangelista et al., 2019)

    São justamente essas representações vinculadas ao empresariado educacional que trataram de conduzir o processo afeto às políticas formativas no campo da educação física, garantindo, desse modo, a consolidação de DCN ainda mais retrógradas em relação ao marco legal que vigorava sob o texto da Resolução CNE/CES n° 07/04. (Maciel, 2021)

 

    Como parte da relação dialética entre estrutura e superestrutura (Gramsci, 1999), as atuais DCN vêm contribuir a responder aos anseios de uma burguesia carente da necessidade de transformação cada vez maior da educação em mercadoria e, também, da formação objetiva e subjetiva da classe trabalhadora para um tempo histórico em que as contradições do próprio sistema capitalista se veem cada vez mais insustentáveis, com franca destruição de forças produtivas.

 

    No campo da educação física, destaca-se a concordância com as afirmações feitas por Freitas, Oliveira, e Coelho (2019), os quais alertam que nos últimos anos dentro do embate das pautas específicas em torno da formação profissional “tem sido nítido perceber o campo que tem obtido mais sucesso em todo esse pleito: o setor dos reformadores empresariais da educação” (p. 2), inferindo que os interesses de tais reformadores foram hegemônicos na construção das atuais DCN. Acrescentam, ainda, o atendimento aos interesses do mercado fitness, o qual “oriundo da privatização no âmbito da Educação Física e das atividades físicas passou por uma expansão exponencial em todo o mundo”. (Freitas et al., 2019, p. 7)

 

    Os autores ajudam a pensar o papel dos reformadores empresariais da educação, chamando a atenção para o fato de que entre os membros da comissão do CNE que tratou da Resolução n° 06/18, dois estavam diretamente atrelados aos interesses mencionados acima: um deles enquanto “um dos fundadores dos Institutos Paraibanos-IPÊ, atual Centro Universitário de João Pessoa – UNIPÊ [e que] em 2018 integrou o Cruzeiro do Sul Educacional, o quinto maior grupo privado de educação do país”; além do próprio presidente da comissão, na condição também de “presidente do Education Quality Acreditation Agency (EQUAA) e Pró-Reitor de Ensino, Pesquisa e Pós-Graduação da Fundação Getúlio Vargas-FGV”. (Freitas et al., 2019, p. 3)

 

    Deve-se acrescentar a esse time outro membro da comissão, figura central – enquanto articulador geral – na condução e homologação dos trabalhos referentes à educação física, o próprio relator das DCN, que à época da homologação ocupava o posto de presidente do CNE, o qual:

    [...] além dos vínculos com o aparelho de Estado, está ligado a quatro instituições ensino (sic) superior privado: Grupo Sistema Educacional Brasileiro (SEB), Unieuro (Grupo Ceuma); Faculdade UNYLEYA (oferece formação apenas na modalidade EaD), holding da qual é sócio-proprietário, e Estácio de Sá, da qual foi fundador, estando ela na categoria de empresa educacional de capital aberto. Além disso, tem vínculos com o Instituto Tim de Educação, com a Pearson Sistemas do Brasil, com a OEA e o Mercado Comum do Sul (Mercosul), na área da avaliação de educação superior. Atua ou atuou no MEC, no INEP, no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) [...]. Em junho de 2016, durante o governo Dilma, foi responsável pela implementação do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), uma Organização Social supervisionada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (Brasil, 2016)1. Precisamente esta OS é uma das cotadas para administrar instituições federais de ensino superior caso seja aprovado o Future-se. (Evangelista et al., 2019)

    Tem-se, portanto, que dos 05 (cinco) membros da comissão do CNE que trabalhou sobre a legislação formativa da educação física, 03 (três) deles se ligam de modo visceral ao empresariado educacional. A composição de tal comissão é coerente com a composição geral do CNE e do próprio MEC, o qual hegemonicamente está formado por representantes dos aparelhos privados de hegemonia burgueses. (Evangelista, 2019)

 

    Todo o esforço que impulsiona esses grupos é, tão somente, o fortalecimento do privado em detrimento do público: “A destruição do sistema público de educação é a agenda oculta da reforma empresarial. Não existe ‘meia’ privatização ou ‘quase’ mercado”. (Freitas, 2018, p. 57)

 

    Trata-se exatamente das frações do capital que adentram o ramo educacional do ensino superior e que ebuliram no protagonismo da cena nacional com maior vigor pós-impeachment 2016, em que pese fazerem parte de governos anteriores. Foi justamente após esse período:

    [...] que a concentração e monopolização atingiu níveis históricos inteiramente novos, processo que vem sendo chamado de financeirização do ensino superior, pois coincide e está articulado ao movimento de privatizações, desregulamentações e reorganização dos graus de intensidade de capitais nos diferentes momentos do ciclo de valorização do valor. (Evangelista, e Souza, 2020)

    Tem-se uma crescente mercantilização da educação, em todos os níveis, sob o domínio do capital monopolista financeiro, para o qual a degradação do patrimônio público é de interesse imediato e direto.

 

    É mergulhado nessas possibilidades mercadológicas que se veem mantidos os interesses do empresariado da educação entranhados nas DCN da educação física, os quais, dentre outros proveitos, conseguiram garantir a manutenção da figura do bacharelado na área. Essa possibilidade estava em vias de extinção a partir do ano de 2015, ocasião em que foi divulgada uma Minuta de Projeto de Resolução pelo CNE/CES para debater novas DCN para os cursos de graduação em educação física e previa em seu artigo 7° que “Os cursos de Bacharelado em Educação Física atualmente existentes entrarão em regime de extinção, a partir do ano letivo seguinte à publicação desta Resolução” (Brasil, 2015, p. [3]). Em sentido oposto, a Resolução n°06/18 continuou a considerar a permanência do bacharelado.

 

    Esse aspecto, enquanto um dentre outros interesses da burguesia educacional expressos nas DCN, garante a continuidade da possibilidade de venda de mais cursos e diplomas, em especial na modalidade de educação a distância (EaD).

 

A fragmentação da formação profissional: o bacharelado como mais uma mercadoria 

 

    Existem alguns elementos que ajudam a confirmar tal indicação. Se atendo aos dados oficiais do Censo da Educação Superior referentes aos anos 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019 (INEP, 2018a; 2018b; 2019; 2020a; 2021), vê-se que os cursos de educação física figuram em todos esses anos entre os vinte cursos de graduação com maior número de matrículas, além de ser possível constatar um aumento significativo do número de matrículas nos cursos de bacharelado em relação aos de licenciatura.

 

    Durante esse período, observa-se o número de matrículas dos cursos de licenciatura crescerem modestamente entre 2015 e 2017 (em uma ordem de aproximadamente 9,75%) e nos dois anos seguintes sofrerem uma brusca queda, chegando em 2019 com um patamar inferior ao que se tinha em 2015, registrando uma queda geral entre esses períodos (2015-2019) de aproximadamente 8,4% (Tabela 1).

 

    Em tendência explicitamente contrária se tem o número de matrículas nos cursos de bacharelado em constante crescimento, puxando, inclusive, o crescimento total de matrículas gerais em educação física. Entre 2015 e 2019 o crescimento do número de matrículas nos cursos de bacharelado é de nada menos que, aproximadamente, 107% (Tabela 1).

 

Tabela 1. Número de matrículas nos cursos de graduação em educação física (2015-2019)

 

Número de matrículas

2015

2016

2017

2018

2019

Licenciatura

167.668

185.554

185.792

168.153

153.540

Bacharelado

107.409

119.429

148.151

190.148

222.677

Total

275.077

304.983

333.943

358.301

376.217

Fonte: Elaborado por Maciel (2021)

 

    O Censo referente ao ano de 2019 (INEP, 2020b), aponta que a proporção de cursos de licenciatura em educação física ofertados nas instituições de ensino superior (IES) privadas é aproximadamente 232% maior do que nas IES públicas (568 em confronto a 171) e o número de matrículas se comparado entre as duas esferas é aproximadamente 275% maior na esfera privada (121.245 em confronto a 32.295). No que diz respeito aos cursos de bacharelado em educação física os dados se mostram mais sintomáticos, revelando uma proporção aproximadamente 613% maior de cursos privados (677 em confronto a 95), com uma relação entre as matrículas de aproximadamente 981% maior no setor privado (203.816 em confronto a 18.861). (INEP, 2020b)

 

    Tal fato faz merecer o reconhecimento do relator das atuais DCN em educação física, ainda se referindo aos dados de 2017 (INEP, 2019), ao assumir que o “crescimento dos cursos de educação física foi bem maior que a média dos [demais] cursos, com destaque para a rede privada”. (Curi, 2019)

 

    Aqui os dados se mostram gritantes sobre o crescimento dos cursos e matrículas de bacharelado em relação aos de licenciatura com uma proporção sobremaneira ampliada em IES privadas para ambos os cursos em relação às IES públicas. Contudo, vale trazer também alguns dados do Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior (cadastro e-MEC), os quais não necessariamente coincidem com o divulgado pelo INEP.

 

    A partir da ferramenta “consulta avançada” disponível no cadastro e-MEC2, foi feita a busca por cursos de graduação em atividade com a palavra exata “educação física”, sem discriminar unidade federativa e índice. Com essas regularidades foram realizadas combinações possíveis entre os filtros “gratuidade do curso”, “modalidade” e “grau” (exclusos aqui “tecnológico” e “sequencial”). Desse modo, chegou-se ao seguinte quadro.

 

Tabela 2. Dados de cursos de educação física no Brasil

Modalidade a distância

Modalidade presencial

Total

Bacharelado

Licenciatura

Bacharelado

Licenciatura

PUB

PRIV

PUB

PRIV

PUB

PRIV

PUB

PRIV

 

01

99

16

98

88

796

171

642

1911

Fonte: Elaborado por Maciel (2021)

 

    Independente da fonte, todos os quadros indicam a supremacia numérica das IES privadas em relação às IES públicas. A diferença de cursos é grande, porém cabe lembrar que as ofertas de matrículas por EaD, devido à própria dinâmica das plataformas, são exponencialmente maiores do que as presenciais, o que permite uma irradiação de vendas de matrículas muito maior do que os números de cursos podem sugerir.

 

    Outros caminhos de utilização dos filtros disponíveis no cadastro e-MEC são possíveis, levando a números ainda mais chamativos. Em pesquisa percorrendo praticamente todos os mesmos filtros anteriores, porém discriminando estado por estado, Taffarel (2020b) chega aos seguintes números nos somatórios dos estados de cada região do país:

 

Tabela 3. Dados de cursos de educação física no Brasil.

Cursos de Educação Física no Brasil - 2020

Região

Modalidade a Distancia

Modalidade Presencial

Total

Bachalerado

Licenciatura

Bachalerado

Licenciatura

Pub

Priv

Pub

Priv

Pub

Priv

Pub

Priv

Norte

0

106

4

124

21

38

45

29

367

Nordeste

0

190

8

230

15

162

55

102

762

Centro-Oeste

0

82

6

110

9

81

18

65

371

Sul

1

84

3

107

16

126

19

118

474

Sudeste

0

127

6

163

31

382

32

340

1081

Total

1

589

27

734

92

789

169

654

3055

Fonte: Sistema e-MEC (Agosto 2020)

Fonte: Elaborado por Taffarel (2020b)

 

    Percebe-se que referente à modalidade presencial os números totais são muito próximos nas duas tabelas, ou seja, é uma diferença possível devido à abertura ou fechamento de cursos entre agosto e novembro/2020 (período das pesquisas). Contudo, no que diz respeito à EaD os dados são extremamente discrepantes. Essa diferença se dá, pois, por este último caminho percorrido, há a aparição dos diferentes polos EaD de um mesmo curso de graduação em diferentes estados, os quais apesar do curso ter alocação em determinada unidade federativa, os seus polos podem se irradiar por “n” outros diferentes estados. E, como foi indicado alguns parágrafos acima, cada polo desse pode se multiplicar por outras “n” matrículas.

 

    Essa tendência de maior crescimento das matrículas da educação física em IES privadas, junto ao desmedido crescimento da EaD, segue o movimento mais geral, em que as IES privadas buscam pela venda indiscriminada de mensalidades e diplomas, enquanto mercadorias, além da busca em abocanhar fundos públicos destinados à educação via programas governamentais. Se tornam, desse modo, os educadores hegemônicos das próximas gerações.

    Esta devastadora e crescente tendência de aumento dos cursos de formação de professores na iniciativa privada e pela modalidade de Educação a Distância, sob os auspícios dos oligopólios, tem o respaldo de Diretrizes que regem esses Cursos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e homologadas pelo Ministro da Educação. Podemos constatar que, ao longo da história, sempre ocorreram negociações que viabilizaram a incorporação de avanços nas Diretrizes, processo que não está acontecendo desde o Golpe de 2016 e, principalmente, sob o governo ultra neoliberal de Jair Bolsonaro. (Taffarel, 2020a, p.10)

    Alguns interlocutores desses interesses compareceram à Audiência Pública, nas dependências do MEC (Ministério da Educação), no dia 11 de dezembro de 2015 que teve como pauta o debate da já citada Minuta de Projeto de Resolução, principalmente no intuito de reclamar contra a extinção do bacharelado. É o caso de Márcia Regina Aversani Lourenço, a qual se apresentou como representante da UNOPAR. A, atualmente, Universidade Pitágoras UNOPAR, com sede em Londrina/PR, é uma das expressões mais desenvolvidas desse tipo de interesse privado. Pertencente ao grupo Kroton, hoje ramifica as suas atividades comerciais a distância em todos os estados da federação, com destaque para a educação física, sendo uma das líderes em venda de matrículas, movimentando vultuosas cifras.

 

Gráfico 1. Percentual de matrículas em educação física (licenciatura) 

por categoria administrativa e grupos privados – Brasil, 2017

Gráfico 1. Percentual de matrículas em educação física (licenciatura) por categoria administrativa e grupos privados – Brasil, 2017

Fonte: elaborado por Souza e Melgarejo (2019)

 

    Para se ter uma ideia, somente nos cursos de educação física EaD (licenciatura e bacharelado) a Universidade Pitágoras UNOPAR possuía, na ocasião do fechamento da presente pesquisa, a autorização do MEC para oferta de 34.000 vagas anuais (metade para cada itinerário formativo)3, com centenas de polos espalhados em todas as 27 unidades federativas do país. Em relação à oferta de vagas anuais presenciais, também para a educação física, a mesma instituição totalizava 330 para a licenciatura e 540 para o bacharelado (somatório de 870), ou seja, aproximadamente 2,56% do que é ofertado para EaD.

 

    A Kroton Educacional S.A. apesar de continuar registrada com este nome, vem utilizando, hoje, a marca Cogna Educação e se configurava em 2019 como o maior grupo educacional do país, atingindo com todas as suas atividades cerca de 1 milhão de estudantes (Tricontinental, 2020). Possui uma ramificação de suas atividades com empresas diferentes: “Kroton, para o ensino superior; Saber, para cursos de línguas e ensino básico; Vasta Educação, para serviços de gestão escolar e material didático; Platos, para gestão no ensino superior, além da Cogna Venture, para startups”. (Evangelista et al., 2019)

 

    A consequência direta da voracidade com que o capital opera nos países de capitalismo periférico e dependente não traça limites para a transformação em mercadoria de todos os serviços essenciais. A Cogna é, hoje, uma empresa com capital aberto na bolsa de valores e que, portanto, é submissa diretamente aos interesses incontroláveis do mercado financeiro e dos grandes investidores internacionais. Como parte do grande capital monopolista, vem realizando fusões a cada ano.

    Somente nos anos 2000 foi que a Kroton passou a atuar no Ensino Superior, abrindo a primeira filial da Faculdade Pitágoras em Belo Horizonte (MG). Em 2007, a empresa abriu capital na Bovespa, aumentando sua capacidade financeira e consolidando a atuação no Ensino Superior. A partir daí iniciou-se um intenso processo de fusões e aquisições de empresas menores, adquirindo o grupo Iuni Educacional (2010), Ceama (2011), Fais (2011), União (2011), Unopar (2011). Em 2013, a Kroton se fundiu com o grupo Anhanguera Educacional. Foram nestes anos também que a empresa ampliou sua atuação na modalidade de Ensino à Distância (EaD). A ampliação de sua atuação prosseguiu ainda com a aquisição do Unirondon (2013), do Centro Educacional Leonardo Da Vinci (2018), a compra do grupo Somos Educação (2018), do Colégio Lato Sensu (2018), do Centro de Ensino Superior de Marabá (2019), do Centro de Ensino Superior de Parauapebas (2019) e do Centro de Ensino Superior de Paragominas (2019). (Tricontinental, 2020, p. 9)

    Desse modo não existe um projeto educacional socialmente referenciado, mas, antes, mercadologicamente referenciado. Sob esse aspecto, se a Minuta 2015 tivesse sido aprovada daquele modo, a extinção do bacharelado significaria um abalo em parte considerável da venda de cursos/matrículas que são fundamentais para o processo de acumulação capitalista. Não abalariam a estrutura em sua raiz, mas seriam uma pedra para a voracidade expressa em tais interesses.

 

    São esses os motivos que impulsionaram o fato de várias figuras estarem presentes na ocasião da Audiência de 2015 e, a partir de então, exercerem pressão para novos rumos do debate que vinha acontecendo.

 

    Nesse mesmo sentido, outra interlocutora, que não estava lá por ordem do acaso, é Elizabeth Guedes, irmã do ex-ministro da economia ultraliberal, Paulo Guedes. Elizabeth, após o impeachment, passou a ter um papel ainda mais central enquanto mediadora dos interesses privados e as políticas de Estado no que diz respeito aos assuntos relacionados à educação. Uma expressão dessa mediação público-privado realizada por Elizabeth Guedes se encontra na matéria do jornal “Valor Econômico” de 11 de agosto de 2020, intitulada “Senadores propõem pacote de ajuda para ensino privado”.

    O senador Dário Berger (MDB-SC), com apoio de outros 24 senadores, apresentou projeto com um ambicioso pacote de medidas para socorrer as instituições de ensino privado. Ele disse ter contado com o auxílio de Elizabeth Guedes, irmã do ministro da Economia, Paulo Guedes, e presidente da Associação Nacional das Universidades Particulares (ANUP). Os benefícios somam um custo de aproximadamente R$ 16 bilhões, além da criação de uma linha de crédito de R$ 40 bilhões e a liberação do uso do FGTS para pagamento de mensalidade por até cinco meses. (Lima, e Truffi, 2020, p. A6)

    Elizabeth Guedes, enquanto representante da ANUP, fala em nome dos interesses diretos dos grandes monopólios educacionais e do capital financeiro, como a própria Kroton, Anhanguera, Estácio, dentre outros. Sob essa ótica, é defensora dos interesses do mercado e, portanto, da expansão da EaD como negócio lucrativo para as IES privadas, tal qual já foi expresso aqui no caso da Universidade Pitágoras UNOPAR.

 

    A agudização do projeto neoliberal no país está redefinindo o papel do Estado, acelerando o desmonte dos bens e serviços públicos em prol da iniciativa privada (Taffarel, 2020a). Essa tendência parece não ter limites e indica que se acirrará mais ainda, a depender do contexto da luta de classes, principalmente sobre a guia do “Ajuste Justo”. (Banco Mundial, 2017)

 

    Desse modo, são muitos os interesses que mobilizam o empresariado educacional a interferir diretamente nos projetos de formação, no entanto, devido ao espaço que permite este texto, damos destaque à manutenção da ampliação da mercadoria diploma enquanto uma de suas vitórias mais importantes frente às DCN n° 06/18. Em tal direção também sinalizam Silva et al. (2020), sob o entendimento de que as políticas neoliberais forjadas nas últimas décadas, sobretudo vinculadas ao campo educacional, não são alheias ao campo da educação física e às consequências aos seus trabalhadores, as quais conferiram ao setor privado um mercado altamente lucrativo frente à venda de diplomas e, por outro lado, colocam todos os trabalhadores da educação física (do campo escolar e dos campos não escolares) na condição de precarização e superexploração. (Silva et al, 2020)

 

    Com efeito, as DCN da educação física acompanham a tendência mais geral de ataques do capital contra o trabalho e, como tal, não foram debatidas democraticamente pelo campo. Vieram de modo autocrático e vertical, expressando, desse modo, uma grande ruptura com o movimento inicial de debate dado na ocasião da Audiência Pública de 2015. Assim sendo, o documento não assimila e não acompanha os acúmulos, produções teóricas e científicas da área dos, pelo menos, últimos 30 anos. Se calam para a maior parte da comunidade acadêmico científica da educação e da educação física e se abrem, tão somente, para a parcela interna da área identificada diretamente com os setores conservador/reacionário, prepostos ou interessados diretos da burguesia educacional e da burguesia do fitness.

 

Conclusões finais 

 

    Encerra-se aqui a análise do papel do empresariado educacional na homologação da DCN que, a partir do conjunto de reformas em curso, se fizeram gozar de maiores possibilidades de avanço dos interesses privados, principalmente a partir do ataque aos interesses públicos, e, na especificidade da educação física, com a permanência da figura do bacharel como uma de suas vitórias.

 

    É possível afirmar que as DCN hegemonicamente representam os interesses formativos das classes dominantes e, enquanto parte de um bloco histórico, possuem forte relação dialética com o atual estágio do modo de produção capitalista, em especial na fase de acirramento das contradições expostas, destruição das forças produtivas e agudização neoliberal no país. As forças sociais dominantes foram exitosas em imprimir os seus interesses mais caros à legislação formativa. Contudo, importante ressaltar que as DCN não são incólumes às contradições.

 

    Disso posto, tem-se que dentro dos próprios dispositivos da lei pode-se encontrar brechas nas atuais DCN para a possibilidade de formulação de cursos que avancem em direção às pautas historicamente acumuladas e reivindicadas pela classe trabalhadora (sobretudo pautadas nos acúmulos em torno da licenciatura ampliada de caráter generalista). Contudo, tratam-se de possibilidades de resistências imediatas e paliativas no campo de cada IES, uma vez que tais saídas não resolvem o problema de conjunto da classe trabalhadora e se põem, assim, como saídas particularistas, apesar de muito importantes nas realidades locais e, também, como fôlego para a luta nacional.

 

    Já a luta pela revogação das atuais DCN atrelada à reabertura imediata de um processo de construção de fato democrático deve continuar na pauta do dia. Nossas lutas não podem se encerrar no particular, mas, sem desconsiderá-lo, devem se pautar no aspecto geral da classe trabalhadora, portanto no universal.

 

    É sob essa premissa que ressaltamos a luta empreendida por vários movimentos e setores vinculados à classe trabalhadora, dentre os quais, sob essa pauta específica, fazemos destaque ao “Comitê Nacional Contra as Atuais Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Física”, o qual vem aglutinando docentes e estudantes por todo o país e empreendendo uma ofensiva nacional pela revogação das atuais DCN. Um primeiro momento simbólico dessa mobilização se deu na entrega de uma carta ao CNE, ao final de 2019, assinada por setores da comunidade acadêmica, científica, movimento estudantil e entidades nacionais reivindicando tal pleito. Dela, extraímos o excerto abaixo.

    Diante desses fatos, solicitamos ao CNE que considere a necessidade da revogação das novas DCNs da Educação Física, passando à convocação de toda a comunidade acadêmica, científica, movimento estudantil, entre outras entidades e indivíduos interessados em contribuir, para participação em audiência pública com o objetivo de aprofundar as discussões sobre tais Diretrizes. Estamos certos de que em função das condições atuais do país, sob as quais se encontra submetida a educação de modo geral, e a educação superior em particular, é mais que necessário que nos coloquemos em defesa de uma Educação Física que privilegie a formação humana fundada em bases técnico-científicas críticas, que se articulem às ciências humanas e naturais, associada à reflexão filosófica, política e à expressão artística e literária. (Carta Da..., 2019, p. [3])

    Essa carta passou por uma 2ª versão, revista e atualizada (Carta Do..., 2021), entregue novamente ao CNE, no dia 31/08/2021 e continuou a contar com a adesão de inúmeros docentes, estudantes e entidades por todo o país, aprofundando as críticas que já se colocavam há 18 meses atrás, quando da entrega da 1ª versão, sobretudo sob um contexto de agravamento de crise em conjuntura pandêmica da COVID-19. Trata-se de um exemplo simbólico, mas que sintetiza os anseios e um conjunto de frente de lutas que vêm sendo empreendidas por trabalhadores (as) e estudantes de educação física por todo o país.

 

    Por fim, nos colocamos abertamente na luta contra a mesquinhez dos interesses privados. Sabedores de que a expressão legislativa é apenas uma das manifestações e, portanto, uma das trincheiras da luta de classes, ainda que limitada, vemos no modus operandi do bloco do poder a negação de dar à classe trabalhadora o que lhe é de direito; no nosso caso, o acesso ao conhecimento em sua forma mais elaborada e o acesso ao trabalho. As atuais diretrizes formativas da educação física são uma expressão hegemônica do interesse privado direto dos legisladores em razão das frações de classe às quais representam. Temos a apropriação direta, desse modo, do espaço público e dos aparelhos políticos de Estado pelas representações da iniciativa privada e das forças mais conservadoras e reacionárias que irromperam no Brasil, em especial após a crise econômica mundial de 2007, fazendo valer os seus interesses enquanto classe social.

 

Notas 

  1. Referência a “BRASIL. Portaria n. 410, de 2 de junho de 2016. Diário Oficial da União, n° 106, segunda-feira, 6 de junho de 2016”.

  2. Disponível em: https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 23 nov. 2020.

  3. Dados recolhidos em https://emec.mec.gov.br/. Acesso em 30 out. 2020.

Referências 

 

Banco Mundial (2017). Um Ajuste Justo: Análise da eficiência e equidade do gasto público no Brasil. Brasil - Revisão das Despesas Públicas. Volume I: Síntese V.1, Grupo Banco Mundial. https://www.worldbank.org/pt/country/brazil/publication/brazil-expenditure-review-report

 

Brasil (2015). Minuta de Projeto de Resolução para audiência pública de 11/12/2015. Conselho Nacional de Educação.

 

Brasil (2018). Resolução CNE/CES nº 6, de 18 de dezembro de 2018. Conselho Nacional de Educação. Diário Oficial da União, Brasília, DF, ed. 243, p. 48-49, 19 dez. 2018. Seção 1. https://www.semesp.org.br/legislacao/resolucao-cne-ces-no-6-de-18-de-dezembro-de-2018/

 

Carta Da Educação Física Ao Conselho Nacional De Educação (2019). In: Moção de Apoio. Colégio Brasileiro de Ciências o Esporte. https://www.cbce.org.br/item/carta-da-educacao-fisica-ao-conselho-nacional-de-educacao

 

Carta Do Comitê Nacional Contra As Atuais Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) Da Educação Física (Resolução CNE/CES Nº 06/2018) - 2ª versão revista e atualizada (2021).

 

Curi, L.R.L. (2019). Palestra proferida no III Colóquio de Graduação das Universidades Estaduais Paulistas, Rio Claro, SP, ocorrido no dia 25 de abril de 2019. Youtube. https://www.youtube.com/watch?feature=youtu.be&v=3-z8QnvOtT8&app=desktop

 

D’Acunto, S., e Schettino, F. (2015). Democracia burguesa e política econômica: o trágico caso grego. Revista Política Pública, 19(2), 381-391. https://doi.org/10.18764/2178-2865.v19n2p381-391

 

Evangelista, O (2019). Professores na linha de tiro. Contrapoder. https://contrapoder.net/colunas/professores-na-linha-de-tiro/

 

Evangelista, O., e Souza, A. (2020). Pandemia! Janela de oportunidade para o capital educador. Contrapoder, https://contrapoder.net/colunas/pandemia-janela-de-oportunidade-para-o-capital-educador/

 

Evangelista, O., Fiera, L., e Titton, M. (2019). Diretrizes para formação docente é aprovada na calada do dia: mais mercado. Universidade à esquerda. https://universidadeaesquerda.com.br/debate-diretrizes-para-formacao-docente-e-aprovada-na-calada-do-dia-mais-mercado/

 

Faria Junior, A.G. (2001). Reflexões sobre a educação física brasileira – A carta de Belo Horizonte. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 23(1), 19-31. http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/317

 

Freitas, L.C. (2018). A reforma empresarial da educação: nova direita, velhas ideias (1ª ed.). Expressão Popular.

 

Freitas, R.G., Oliveira, M.R.F., e Coelho, H.R. (2019). Recentes Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos de graduação em educação física e disruptura na formação: apontamentos preliminares. Caderno de Educação Física e Esporte, 17(1), 1-9. https://doi.org/10.36453/2318-5104.2019.v17.n1.p245

 

Gramsci, A (1999). Cadernos do cárcere: Introdução ao estudo da filosofia. A filosofia de Benedetto Croce. Volume 1. Civilização Brasileira.

 

INEP (2018a). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2015 (2ª ed.). Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. https://download.inep.gov.br/educacao_superior/censo_superior/resumo_tecnico/resumo_tecnico_censo_da_educacao_superior_2015.pdf

 

INEP (2018b). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2016. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

 

INEP (2019). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2017. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

 

INEP (2020a). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2018. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

 

INEP (2020b). Sinopse estatística da educação superior 2019. INEP.

 

INEP (2021). Resumo técnico do Censo da Educação Superior 2019. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira.

 

Lima, V., e Truffi, R. (2020, 11 de agosto). Senadores propõem pacote de ajuda para ensino privado. Valor econômico, A6.

 

Maciel, T.B. (2021). Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física (Resolução n°06/18): as forças sociais hegemônicas na condução dos rumos da formação [Tese, Doutorado em Educação. Faculdade de Educação, Universidade Federal de Juiz de Fora]. https://repositorio.ufjf.br/jspui/handle/ufjf/13006

 

Nozaki, H.T. (2004). Educação Física e reordenamento no mundo do trabalho: mediações da regulamentação da profissão [Tese, Doutorado em Educação. Faculdade de Educação, Universidade Federal Fluminense]. https://app.uff.br/riuff/handle/1/31277

 

Quelhas, A.A., e Nozaki, H.T. (2018). A licenciatura ampliada no contexto dos projetos de formação humana em disputa na educação física brasileira. In: P.A.C. de Almeida, e W.L. de Castro (Org.). A licenciatura em educação física na UFF: uma alternativa curricular (pp. 29-45). CRV.

 

Schettino, F. (2014). A última crise: desde o colapso de Lehman Brothers até a questão da dívida pública europeia. Revista Política Pública, número especial, 161-170. https://doi.org/10.18764/2178-2865.v18nEp161-170

 

Schettino, F. (2016). La crisis irresoluta. Las raíces de los dramáticos colapsos de las bolsas de valores. Mimeo. https://www.academia.edu/22679427/LA_ CRISIS_IRRESOLUTA

 

Silva, M.R., Pires, G.L., Pereira, R.S., e Bianchi, P. (2020). Bolsonaro e a COVID-19: e daí? “o Brazil tá matando o Brasil”, “do Brasil, SOS ao Brasil”, “chora a nossa pátria, mãe gentil...”. Motrivivência, 32(62), 01-19. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2020e74507

 

Souza, A.G., e Melgarejo, M.M. (2019). Kroton e a formação em educação física. Boletim Informativo MNCR, Revista Digital, 18(1). http://mncref.blogspot.com/2019/05/boletim-informativo-do-mncr-ano-18-n1.html

 

Taffarel, C.N.Z. (2020a). Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores: a disputa nos rumos da formação. Revista Fluminense de Educação Física, Edição Comemorativa, 01(01), 1-16. https://periodicos.uff.br/edfisica-fluminense/article/view/47480

 

Taffarel, C.N.Z. (2020b). A implementação das DCNs e a formação em Educação Física: o que dizem as entidades? In: Fórum Nacional de Pró-Reitores de Graduação – ForGrad Diretrizes Curriculares Nacionais: diálogos sobre a formação em Educação Física. UFOP. https://www.youtube.com/watch?v=wvlemDUThbc

 

Tricontinental (2020). A educação brasileira na bolsa de valores: as oito empresas privadas de capital aberto que atuam no setor educacional. Front. https://thetricontinental.org/pt-pt/brasil/cartilha-a-educacao-brasileira-na-bolsa-de-valores/


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 314, Jul. (2024)