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ISSN 1514-3465

 

Comparação do desempenho motor de crianças com 

transtorno do espectro autista e desenvolvimento típico

Comparison of Motor Performance between Children with Autism Spectrum Disorder and Typical Development

Comparación del rendimiento motor en niños con trastorno del espectro autista y desarrollo típico

 

Uânia da Silva Alves*

uaniasilvaalves@gmail.com

Emanuel Moita do Nascimento**

emanuelnascimento549@gmail.com

Cícero Luciano Alves Costa***

cicero.luciano@urca.com

 

*Graduada em Licenciatura em Educação Física

pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE)

Graduanda de Bacharelado em Educação Física

pela Universidade Cesumar (UniCesumar)

Membro do Grupo de Estudo em Comportamento Motor,

Performance e Saúde (GECOMPS/IFCE)

Atuou como professora de Educação Física

na escola Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (CNEC)

**Graduado em Licenciatura em Educação Física pelo IFCE

Técnico em Informática pelo Programa Nacional

de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC)

Membro do Grupo de Estudos em Comportamento Motor,

Performance e Saúde (GECOMPS/IFCE)

e do Grupo de Desenvolvimento e Aprendizagem Motora (GEDAM/UFMG)

***Doutor em Ciências do Esporte

na Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UFMG,

na linha de pesquisa de Aquisição, Controle e Adaptação

de Habilidades Motoras ao Longo da Vida

Graduado em Licenciatura em Educação Física pelo IFCE,

Campus de Juazeiro do Norte

Especialista em Educação Física Escolar

Membro do Grupo de Estudos em Desenvolvimento Motor e Saúde

da Criança e do Adolescente e do Grupo de Estudos

em Desenvolvimento e Aprendizagem Motora - GEDAM

(Brasil)

 

Recepción: 18/02/2024 - Aceptación: 28/04/2024

1ª Revisión: 04/04/2024 - 2ª Revisión: 25/04/2024

 

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Cita sugerida: Alves, U. da S., Nascimento, E.M. do, e Costa, C.L.A. (2024). Comparação do desempenho motor de crianças com transtorno do espectro autista e desenvolvimento típico. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(313), 33-46. https://doi.org/10.46642/efd.v29i313.7475

 

Resumo

    Habilidades motoras fundamentais são a base para o desenvolvimento das habilidades motoras esportivas e podem estar relacionadas à prática de atividade física ao longo da vida. Alguns fatores podem influenciar o desenvolvimento dessas habilidades, como a falta de oportunidade de prática e fatores individuais, como o Transtorno do Espectro Autista (TEA). O objetivo deste estudo foi comparar o desempenho em habilidades motoras fundamentais de crianças com TEA e seus pares típicos em uma comunidade da cidade de Limoeiro do Norte, Ceará. Participaram 22 crianças com idades entre 6 e 10 anos. O desempenho nas habilidades motoras fundamentais foi avaliado por meio do Test of Gross Motor Development-3. Os resultados demonstraram que crianças com TEA apresentam desempenho inferior às crianças com desenvolvimento típico. Ao analisar a classificação do desempenho dos participantes, observou-se que os dois grupos apresentam crianças com atrasos nas habilidades motoras fundamentais, sendo a maioria no grupo TEA. Em comparação às habilidades de locomoção, observa-se que as classificações obtidas nas habilidades de controle de objetos foram piores, tanto para o grupo típico como para o com TEA. O estudo indica que, embora o transtorno possa ser um fator individual que comprometa o desenvolvimento de habilidades motoras fundamentais, existem outros fatores que também estão impactando o desenvolvimento dessas habilidades, uma vez que crianças típicas também apresentam atrasos motores. É recomendado que, nesta faixa etária, as crianças possam ser inseridas em contextos que oportunizem uma diversidade de práticas motoras a fim de proporcionar o melhor desenvolvimento motor das crianças.

    Unitermos: Transtorno do Espectro Autista. Desenvolvimento motor. Atividade física.

 

Abstract

    Fundamental motor skills are the foundation for the development of sports motor skills and may be related to physical activity throughout life. Some factors can influence the development of these skills, such as a lack of opportunities and individual factors like autism spectrum disorder (ASD). The aim of this study was to compare the performance in fundamental motor skills between children with ASD and their typical peers in the city of Limoeiro do Norte, Ceará. Twenty-two children aged 6 to 10 participated. The performance in fundamental motor skills was assessed using the Test of Gross Motor Development-3. The results showed that children with ASD exhibited lower performance compared to typically developing children. When analyzing the performance classification of the participants, it was observed that both groups had children with delays in fundamental motor skills, with the majority in the ASD group. In comparison to locomotion skills, it was noted that the ratings obtained for object control skills were worse for both the typical and ASD groups. The study suggests that although the disorder may be an individual factor affecting the development of fundamental motor skills, there are other factors impacting the development of these skills, as typical children also show motor delays. It is recommended that children in this age range be exposed to contexts that provide a variety of motor practices to promote optimal motor development.

    Keywords: Autism Spectrum Disorder. Motor development. Physical activity.

 

Resumen

    Las habilidades motoras fundamentales son la base para el desarrollo de la motricidad deportiva y pueden relacionarse con la práctica de actividad física a lo largo de la vida. Algunos factores pueden influir en el desarrollo de estas habilidades, como falta de oportunidades para practicar y factores individuales, como el Trastorno del Espectro Autista (TEA). El objetivo de este estudio fue comparar el desempeño en habilidades motoras fundamentales de niños con TEA y sus pares típicos en una comunidad de Ceará. Participaron 22 niños entre 6 y 10 años. El rendimiento en habilidades motoras fundamentales se evaluó mediante el Test de Desarrollo Motor Grueso-3. Los resultados demostraron que niños con TEA tienen un desempeño inferior a niños con desarrollo típico. Al analizar la clasificación del desempeño de los participantes, ambos grupos tienen niños con retrasos en las habilidades motoras fundamentales, siendo la mayoría del grupo TEA. En comparación con las habilidades de locomoción, se observó que las clasificaciones obtenidas en las habilidades de control de objetos fueron peores, tanto para el grupo típico como para el grupo con TEA. El estudio indica que, si bien el trastorno puede ser un factor individual que compromete el desarrollo de habilidades motoras fundamentales, existen otros factores que también están impactando en el desarrollo de estas habilidades, ya que los niños típicos también presentan retrasos motores. Se recomienda que, en este grupo de edad, los niños puedan ser ubicados en contextos que brinden diversidad de prácticas motrices para brindarles el mejor desarrollo motor.

    Palabras clave: Trastorno del Espectro Autista. Desarrollo motor. Actividad física.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 313, Jun. (2024)


 

Introdução 

 

    O processo de desenvolvimento motor envolve várias fases e está presente do início ao fim da vida do indivíduo (Haywood, e Getchell, 2016). Gallahue et al. (2013) estabelecem quatro fases de desenvolvimento motor: fase motora reflexa, fase motora rudimentar, fase motora fundamental e fase motora especializada. Embora essas fases possuam uma relação hierárquica e de dependência entre elas, diferentes modelos de desenvolvimento têm chamado a atenção para o papel das habilidades motoras fundamentais (HMFs) (Seefeldt, 1980; Stodden et al., 2008). Este conjunto de habilidades compõe o que os autores consideram os blocos básicos de construção do repertório motor ao longo da vida (Brian et al., 2020; Goodway et al., 2021) e inclui habilidades como correr, saltar, chutar, arremessar, entre outras.

 

    O desenvolvimento das HMFs é essencial para a criança progredir para habilidades especializadas, adquirindo proficiência em uma ampla variedade de esportes, danças e atividades recreativas (Goodway et al., 2021). É possível que as crianças apresentem padrões maduros das HMFs por volta dos seis ou sete anos, mas apenas se tiverem a devida orientação e instrução (Gallahue, e Donnelly, 2008). Dessa forma, para a aquisição de habilidades motoras, a criança deve estar inserida em um contexto que possibilite sua participação em uma variedade de práticas motoras, uma vez que a relação entre o indivíduo e o contexto ao longo do tempo pode ser desenvolvimentalmente instigadora ou disruptiva.

    

    Assim, a falta de oportunidade de prática é um fator que contribui para o atraso do desenvolvimento motor infantil (Berleze, e Valentini, 2022; Valentini et al., 2020). Essa ausência de oportunidades pode ser ainda mais impactante em populações específicas. Alguns estudos já demonstraram que crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) apresentam comprometimentos sociocomunicativos e comportamentais do desenvolvimento (APA, 2014), podendo manifestar dificuldades motoras, com uma grande incidência dessas crianças que apresentam atrasos motores, em maior ou menor proporção (Gandotra et al., 2020; Macdonald, Lord, e Ulrich, 2013; Phytanza et al., 2021). Dessa forma, estudos vêm tentando identificar se existem diferenças significativas nas HMFs de crianças com TEA e crianças com desenvolvimento típico.

 

    Em um estudo de Liu, e Breslin (2013), foram avaliadas 30 crianças com TEA e 30 crianças com desenvolvimento típico. Os resultados indicaram que 80% das crianças com TEA apresentavam dificuldades motoras. Corroborando esses resultados, outro estudo demonstrou que as crianças com TEA apresentavam pior desempenho em habilidades motoras quando comparadas às crianças do grupo controle. Em outra pesquisa, que utilizou o instrumento Teste de Desenvolvimento Motor Grosso 2 (TGMD-2), os autores verificaram que, quando comparados aos seus pares típicos, as crianças com TEA tinham um pior desempenho nas habilidades motoras de locomoção e controle de objetos (Staples, e Reid, 2010). Considerando que os indivíduos se desenvolvem por meio da interação com o contexto em que estão inseridos, estudos que analisam o desenvolvimento de crianças em contextos de regiões específicas são relevantes.

 

    Assim, utilizando uma bateria de testes que avalia o nível de desenvolvimento em habilidades motoras fundamentais de crianças com TEA e seus pares de desenvolvimento típicos, esta pesquisa teve como objetivo comparar o desempenho em habilidades motoras fundamentais de crianças com TEA e seus pares típicos em uma comunidade da cidade de Limoeiro do Norte, Ceará, Brasil.

 

Métodos 

 

Participantes 

 

    Participaram do estudo 22 crianças divididas em dois grupos. Um grupo de 11 crianças com TEA (GTEA), com idades entre 6 e 10 anos, de ambos os sexos. As crianças deste grupo participavam de uma associação do município de Limoeiro do Norte, CE. Outro grupo foi formado por 11 crianças com desenvolvimento típico (GTIP), com a mesma faixa etária, sendo todas matriculadas em uma escola da rede pública do município de Limoeiro do Norte. Como critérios de inclusão, foi definido que as crianças com TEA deveriam apresentar níveis I e II do transtorno. Para ambos os grupos, não possuir qualquer deficiência física que impedisse a realização dos testes.

 

Contexto em que se desenvolveu o estudo 

 

    A cidade de Limoeiro do Norte está localizada no estado do Ceará, no Vale do Jaguaribe. O estudo foi realizado especificamente no bairro Cidade Alta. Segundo o Censo realizado em 2010 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o município contava com 56.264 habitantes, sendo que 57,73% residiam na zona urbana. O índice de desenvolvimento humano (IDH) era de 0,682. O Produto Interno Bruto (PIB) do município era de R$ 815.967, e o PIB per capita era de R$ 14.026 por ano. Ainda, 10,5% da população possuía rendimento domiciliar per capita mensal de até R$70,00, o que os classificava como extremamente pobres. Segundo o Instituto de Pesquisa e Estratégia Econômica do Ceará (2022), as escolas do Ceará tinham matriculados no ensino básico cerca de 3.717 crianças com TEA em 2012, evoluindo para 14.082 em 2020.

 

Instrumentos e procedimentos para coleta de dados 

 

    A presente pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia, sob o número 4.803.862/2021. Todas as informações necessárias sobre a pesquisa estavam presentes no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que foi devidamente assinado pelos responsáveis legais das crianças voluntárias. Para que o pesquisador pudesse realizar a coleta de dados nas instituições já citadas como cenários de pesquisa, foi solicitada autorização dos responsáveis por meio da assinatura no Termo de Anuência. A pesquisa está de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde (CNS).

 

    O instrumento utilizado na coleta de dados foi o Teste de Desenvolvimento Motor Grosso 3 - TGMD-3, seguindo o protocolo proposto por Ulrich (2019). A bateria de testes inclui habilidades de locomoção, com seis subtestes: correr, galopar, saltar com um pé, salto horizontal, skip e corrida lateral, e controle de objetos, que inclui sete subtestes: rebater com as duas mãos, rebater com uma mão, quicar a bola no lugar, receber, chutar, arremessar por cima do ombro e arremessar por baixo do ombro. Os testes foram realizados em duplas, com cada criança realizando três tentativas para cada habilidade, sendo a primeira para familiarização. Como protocolo do teste, antes da criança iniciar, foram realizadas uma demonstração e uma instrução verbal da habilidade a ser executada. Os testes foram aplicados em duas crianças por vez, sendo realizado revezamento das crianças que iniciavam as tentativas de cada habilidade (por exemplo, a criança A iniciava o teste da corrida seguida da criança B e no teste seguinte a criança B que iniciava sendo seguida pela criança A). Este procedimento foi adotado para minimizar efeitos de aprendizagem observacional. A duração da aplicação para cada dupla de crianças foi de aproximadamente 30 minutos.

 

    Todas as habilidades foram filmadas utilizando uma câmera digital. Para análise dos vídeos, foram utilizados dois notebooks com o software Kinovea versão 0.9.5 2021. A realização da análise de vídeos seguiu o protocolo indicado pelo manual do TGMD-3, utilizando a folha de avaliação descrita. Durante a análise, a mesma criança era avaliada duas vezes no mesmo subteste, sendo atribuída a nota 0 (zero) para cada elemento que não atendesse ao critério estabelecido e 1 para o elemento da habilidade que contemplava o critério proposto pelo protocolo. As notas das duas tentativas foram somadas para compor o escore de cada habilidade, e a soma dos escores de cada habilidade resultou no escore total de cada subteste. Os escores de cada habilidade, juntamente com a idade real de cada criança, foram utilizados para analisar a idade equivalente e os escores padrão, e posteriormente a classificação de desenvolvimento motor de cada criança (Ulrich, 2019). O manual do TGMD-3 propõe as seguintes classificações: "atrasado", "borderline atrasado", "abaixo da média", "média", "acima da média", "superior" e "superdotado". Para descrição dos resultados, os dados das duas primeiras classificações, nesse caso, "atrasado" e "borderline atrasado", foram somados.

 

    Dois avaliadores realizaram a análise dos vídeos separadamente. Para avaliar a confiabilidade entre os avaliadores, o Coeficiente de Correlação Intraclasses (ICC) foi utilizado. Para a locomoção, o ICC indicou uma confiabilidade satisfatória entre os avaliadores (ICC = 0,839 [IC 95% = 0,554 - 0,948]), assim como para o controle de objetos (ICC = 0,677 [IC 95% = 0,677 - 0,963]).

 

Análise de dados 

 

    A análise de dados foi realizada através do Statistical Package for the Social Sciences 22 - SPSS. Foram utilizadas medidas descritivas de média, desvio padrão e distribuição de frequência. Foi realizada uma análise exploratória, a fim de verificar a existência de outliers, e a normalidade de distribuição dos dados amostrais foi analisada através do teste de Shapiro-Wilk. A homoscedasticidade das variâncias foi verificada através do teste de Levene, e foram realizadas análises exploratórias para verificar média e desvio padrão. Para avaliar a confiabilidade entre avaliadores, foi utilizado o Coeficiente de Correlação Intraclasses (ICC). Posteriormente, o teste U de Mann-Whitney foi utilizado para verificar se houve diferenças significativas entre os grupos. Para esse trabalho, foi adotado o nível de significância de p< 0,05.

 

Resultados 

 

    A Tabela 1 apresenta as medianas e os valores mínimos e máximos dos grupos de crianças com TEA e de crianças com desenvolvimento típico. O teste U de Mann-Whitney apontou diferenças significantes entre os grupos (U = 13,000; p = 0,002), com as crianças com desenvolvimento típico obtendo uma maior mediana quando comparadas ao grupo de crianças com TEA nas habilidades de locomoção, ou seja, elas apresentam um desempenho motor superior nestas habilidades.

 

Tabela 1. Mediana e valores mínimos e máximos dos escores de locomoção para os grupos GTEA e GTIP

 

N

Med.

Min.

Max.

U

p

GTEA

11

19

1

32

13,000

,002*

GTIP

11

33

15

41

Nota. Med = mediana, Min = mínimo, Max = máximo, 

*p<0,05 - Teste U de Mann Whitney. Fonte: Autores

 

    A Tabela 2 apresenta as medianas e valores mínimos e máximos obtidos pelos grupos GTEA e GTIP nas habilidades de controle de objetos. Foi observado que as crianças com desenvolvimento típico também apresentam superioridade quando comparados a seus pares com TEA nas habilidades de controle de objetos (U = 5,000; p<0,001).

 

Tabela 2. Mediana e valores mínimos e máximos dos escores de controle de objetos para os grupos GTEA e GTIP

 

N

Med.

Min.

Max.

U

p

GTEA

11

19

8

30

5,000

,000**

GTIP

11

34

22

45

Nota: Med = mediana, Min = mínimo, Max = máximo, 

**p<0,001 - teste U de Mann Whitney. Fonte: Autores

 

    A Tabela 3 apresenta as medianas e os valores mínimos e máximos obtidos em cada uma das habilidades avaliadas nos subtestes de locomoção e de controle de objetos para os dois grupos. Nas habilidades de locomoção, foram observadas diferenças a favor do grupo GTIP (p<0,05), exceto na habilidade de galope (U = 56,500; p>0,783). No que diz respeito às habilidades de controle de objetos, o GTIP também apresentou desempenho superior na maioria das habilidades (p<0,05), com exceção do arremesso por baixo, na qual os grupos apresentaram desempenho similar (U = 33.500; p>0,066).

 

Tabela 3. Mediana e valores mínimos e máximos dos escores dos 

subtestes de locomoção e controle de objetos para os grupos GTEA e GTIP

 

Grupo

Med.

Min.

Máx.

U

p

Corrida

GTEA

6,0

,00

8,0

15,000

,002*

GTIP

8,0

6,0

8,0

Galope

GTEA

3,0

,00

5,0

56,500

,787

GTIP

2,0

,00

7,0

Salto em um pé

GTEA

3,0

,00

6,0

19,500

,006*

GTIP

6,0

,00

7,0

Skiping

GTEA

,00

,00

5,0

28,500

,027*

GTIP

4,0

,00

6,0

Salto H.

GTEA

4,0

,00

6,0

16,000

,003*

GTIP

7,0

1,0

8,0

Corrida L.

GTEA

4,0

,00

8,0

19,500

,005*

GTIP

8,0

5,0

8,0

Rebater com duas mãos

GTEA

4,0

3,0

6,0

29,500

,037*

GTIP

6,0

2,0

10,0

Rebater com uma mão

GTEA

2,0

,00

8,0

30,500

,046*

GTIP

5,0

,00

7,0

Quicar no lugar

GTEA

,00

,00

1,0

26,000

,011*

GTIP

3,0

,00

6,0

Receber

GTEA

3,0

,00

4,0

12,500

,001*

GTIP

4,0

3,0

6,0

Chute

GTEA

4,0

,00

7,0

17,500

,004*

GTIP

6,0

3,0

8,0

Arremesso por cima

GTEA

2,0

,00

5,0

22,500

,011*

GTIP

4,0

2,0

8,0

Arremesso por baixo

GTEA

4,0

3,0

6,0

33,500

,066

GTIP

5,0

4,0

8,0

Nota: M (mediana); Min (mínimo); Max (máximo); Salto H (Salto horizontal);

Corrida L (corrida lateral); *p>0,05. Fonte: Autores

 

    Na Figura 1, é apresentado o gráfico da distribuição de frequência da classificação das habilidades de locomoção dos dois grupos. É visto que 40,9% (n=9) das crianças, são classificadas com algum atraso, a maioria está no grupo TEA (n=8). É possível ver que as crianças típicas apresentam superioridade em locomoção em relação ao grupo TEA, e se encontram na média, em sua maioria.

 

Figura 1. Classificação das habilidades de Locomoção do grupo TEA e grupo TIP

Figura 1. Classificação das habilidades de Locomoção do grupo TEA e grupo TIP

Fonte: Autores

 

    No Gráfico 2, é apresentada a distribuição de frequência das classificações nas habilidades de controle de objeto para o GTEA e GTIP. Novamente, observa-se um número elevado de crianças com atraso nas habilidades. Em geral, 63,6% (n=14) das crianças apresentam atraso, sendo que no grupo TEA, todas as crianças foram classificadas com atraso (n=11). Por outro lado, também se observa um percentual elevado de crianças típicas com classificação de atrasado (n=3) e abaixo da média (n=3).

 

Figura 2. Classificação das habilidades de Controle de Objetos do grupo TEA e grupo TIP

Figura 2. Classificação das habilidades de Controle de Objetos do grupo TEA e grupo TIP

Fonte: Própria autora

 

    Apesar do grupo com TEA apresentar um percentual mais elevado quando comparados ao grupo típico, ao analisar a classificação, percebe-se que os dois grupos apresentam atrasos nas habilidades motoras fundamentais. Em comparação às habilidades de locomoção, observa-se que as classificações obtidas nas habilidades de controle de objetos foram piores, tanto para o GTEA como para o GTIP.

 

Discussão 

 

    O presente trabalho se propôs a identificar se existe diferença no desempenho de habilidades motoras fundamentais entre crianças com TEA e seus pares típicos em um bairro da cidade de Limoeiro do Norte. Para essa pesquisa, as HMFs foram analisadas através do TGMD-3, que avalia sete habilidades fundamentais, entre locomoção e controle de objetos. Os resultados encontrados, demonstram que as crianças com desenvolvimento típico, possuem melhor desempenho, em média do que crianças com TEA, corroborando com a atual literatura, que já vem demonstrando que crianças com TEA possuem pior desempenho quando comparadas a seus pares típicos.

 

    Estudos como o de Liu et al. (2014), também compara crianças com TEA e com desenvolvimento típico com os resultados demonstrando que 91% das crianças do grupo com TEA apresentavam atraso nas habilidades motoras. Um estudo de revisão (Machado et al., 2022) demonstrou que crianças com TEA tem classificações de desempenho e capacidade motora inferiores, quando comparados aos seus pares típicos ou a crianças com outras deficiências, demonstrando piores resultados em controle de objetos e locomoção. Corroborando com esses resultados, um estudo comparativo de crianças com TEA e seus pares típicos indicou que as crianças típicas possuem melhor motricidade fina, motricidade global, equilíbrio, esquema corporal/rapidez e organização espacial que o grupo TEA (Ataide et al., 2023), demonstrando assim, que o grupo típico apresenta melhor desempenho que o grupo com TEA, em média.

 

    No presente estudo, apesar das médias mais elevadas no grupo típico, nem todas as crianças desse grupo demonstraram um desenvolvimento adequado das HMFs. A maioria das crianças do grupo típico estava dentro da média em locomoção, mas nenhuma criança foi classificada como superior em qualquer das habilidades. É relevante destacar que o ambiente escolar, especialmente nas instituições onde foi conduzida a pesquisa, não ofereciam aulas de Educação Física, o que pode ser um dos fatores do contexto que estão influenciando o desenvolvimento das HMFs. As crianças se encontravam na faixa de 6 a 10, sendo esperado que neste período elas possam executar as habilidades fundamentais em seu padrão mais desenvolvido (Gallahue, e Donnelly, 2008). No entanto, a literatura defende que para isso, as crianças devem estar inseridas em contextos que oportunizem situações que envolvam práticas motoras (Goodway et al., 2021). A interação do contexto de oportunidades, com encorajamento, orientação e as restrições individuais influenciam a emergências dos padrões coordenativos esperados na infância (Newell, 1986). Dessa forma, é possível que o diagnóstico do TEA não seja o único fator impactando no desenvolvimento motor eficaz das crianças. Como descrito na literatura, o desenvolvimento motor é um processo complexo e dinâmico (Clark, e Metcalfe, 1989), influenciado por múltiplos fatores. (Payne, e Isaacs, 2007)

 

    Esses resultados corroboram com a teoria ecológica de Bronfenbrenner (1979), que destaca que o contexto em que o indivíduo está inserido tem influência sobre seu desenvolvimento. O autor considera o desenvolvimento como um sistema recíproco, ou seja, como resultado da interação dos sistemas. Nesse ponto, para a criança desenvolver as HMFs ela deve ter acesso a contextos que propiciem oportunidades para a aquisição. Ou seja, oportunizar intervenções que possibilitem à criança vivências de jogos, brincadeiras, dentre outras atividades motoras, pode auxiliar no desenvolvimento dessas habilidades que são tão relevantes para a prática de atividade física ao longo da vida. (Brian et al., 2020; De Meester et al., 2018; Stodden et al., 2008)

 

    Os achados demonstraram que, quando comparados a locomoção, os dois grupos apresentaram habilidades de controle de objetos com pior desempenho, corroborando com a literatura. Importante ressaltar que os dois grupos apresentaram médias iguais em galope e arremesso por baixo, que são habilidades de locomoção e controle de objetos, respectivamente, podendo supor que essas duas habilidades não são frequentemente utilizadas no cotidiano dessas crianças. Atualmente, pesquisas sobre como auxiliar as crianças a desenvolverem as HMF's vêm sendo feitas.

 

    Não é de hoje que a literatura tem demonstrado a importância da intervenção para crianças com e sem TEA, possibilitando a oportunidade de prática. Estudos de revisão (Ceccarelli et al., 2020; Colombo-Dougovito, e Block, 2019) têm apresentado efeitos de diferentes tipos de intervenções com crianças autistas, sendo observado benefícios na participação em atividade física na vida diária e em outras dimensões do desenvolvimento das crianças. Estudos como o de ElGarhy, e Liu (2016), analisaram que é possível mudanças significativas em crianças com TEA nas variáveis de consciência corporal e conceitos psicomotores gerais. Os resultados foram obtidos através de sessões com um programa de intervenção psicomotora, visto que os aspectos psicomotores de crianças com TEA é diretamente atingida pelo transtorno. Um estudo de Bosa, e Teixeira (2017) relata que as atividades que estimulam percepção do corpo combinado a outros campos sensoriais como a audição, visão e toque, podem trazer intervenções eficazes.

 

    Dessa forma, o contexto em que a criança está inserida pode afetar o desenvolvimento motor dela (Valentini et al., 2020), principalmente se a criança tem um maior risco de atraso motor quando comparado a população em geral, que é o caso das crianças com TEA (Bhat, 2021). No presente estudo, o maior número de crianças com TEA se encontra com atrasos significativos tanto em locomoção quanto em controle de objetos, corroborando com outros estudos (Spies et al., 2023). O presente estudo possui a limitação de não ter investigado a rotina diária dos participantes fora do contexto escolar, no entanto, é inferido que a ausência da oportunidade de prática na própria escola, com a ausência das aulas de Educação Física, pode ser um dos fatores limitadores para o desenvolvimento motor, tanto das crianças com TEA quanto as de desenvolvimento típico.

 

Conclusão 

 

    O objetivo deste trabalho foi comparar o nível de desempenho motor nas habilidades fundamentais de crianças com TEA e de crianças típicas de 6 a 10 anos. Através dos achados, foi possível identificar que os dois grupos, apesar da superioridade, já esperada do grupo típico, apresentam necessidade de uma intervenção voltada para a melhora do desempenho nas HMFs. É sabe-se que os atrasos no desenvolvimento motor são influenciados por muitos fatores, sendo a ausência de oportunidade de prática um dos principais. Espera-se que achados dessa pesquisa possam contribuir para o entendimento da necessidade de intervenções, principalmente para o grupo de crianças com TEA, e para reconhecer a importância das aulas de Educação Física nas escolas.

 

Referências 

 

American Psychiatric Association (APA) (2014). Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5 (5ª ed.). Artmed Editora.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 313, Jun. (2024)