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ISSN 1514-3465

 

Educação Física no Ensino Médio sob o olhar dos alunos. 

Estudo em uma instituição federal de ensino em Mato Grosso, Brasil

Physical Education in High School Under Students’ Perspective. 

A Study of a Federal Educational Institution in Mato Grosso, Brasil

La Educación Física en la Escuela Media desde la perspectiva de los estudiantes. 

Estudio en una institución educativa federal en Mato Grosso, Brasil

 

Fabiana Pomin

fabiana.pomin@ifpr.edu.br

 

Doutora em Ciências da Atividade Física e do Esporte

Universidade da Coruña (UDC)

Especializada em Exercício e Qualidade de Vida

Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Licenciatura Plena em Educação Física (UFPR)

Professora de Ensino Básico, Técnico e Tecnológico e do Ensino Superior

no Instituto Federal do Paraná (IFPR, campus Palmas)

(Brasil)

 

Recepción: 14/10/2023 - Aceptación: 30/06/2024

1ª Revisión: 12/05/2024 - 2ª Revisión: 05/06/2024

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Cita sugerida: Pomin, F. (2024). Educação Física no Ensino Médio: sob o olhar dos alunos. Estudo em uma instituição federal de ensino em Mato Grosso, Brasil. Lecturas: Educación Física y Deportes, 29(315), 2-16. https://doi.org/10.46642/efd.v29i315.7272

 

Resumo

    Este estudo teve por objetivo observar a percepção de alunos do Ensino Médio (n=206; idade 16,42 ±0,96 anos; 131♀ 73♂) acerca das aulas de Educação Física em uma instituição federal de ensino do estado do Mato Grosso, no Brasil. Assim sendo, foram elencados alguns questionamentos, a saber: (i) qual os estudandes consideram ser o objetivo das aulas da referida disciplina; (ii) se consideram que a mesma promove as diferentes manifestações corporais; e (iii) quais os conteúdos que experimentam nessas aulas. Trata-se de uma pesquisa quantiqualitativa, na qual a coleta de dados ocorreu por meio da aplicação de um questionário virtual. A análise de dados foi realizada pela técnica de análise de conteúdo. Os resultados denotam a relação feita pelos alunos da Educação Física com os esportes, e a percepção dos mesmos de que a diferença na aplicação dos conteúdos acontece conforme o professor, não havendo um currículo comum. Aponta-se, dessa forma, a necessidade de aprofundar as discussões sobre o objeto de estudo da Educação Física, bem como de refletir sobre a responsabilidade no acompanhamento e no redirecionamento da grade curricular, sugerindo-se a formação de professores e a instrumentalização de alunos e da comunidade para exigir o cumprimento das normativas junto a professores e gestores. Estas ações podem ocasionar uma mudança nos conteúdos, passando a integrar efetivamente, conforme orientação dos documentos oficiais, os seis eixos da Educação Física Escolar, quais sejam: jogos e brincadeiras, ginásticas, danças, lutas, esportes e práticas corporais de aventura.

    Unitermos: Alunos. Educação Física. Ensino Médio.

 

Abstract

    This paper aims to observe what is the high school students’ perception (n=206; age 16.42 ±0.96 years old; 131♀ 73♂) of a federal educational institution in the state of Mato Grosso (Brazil) on Physical Education classes, which objective the students believe the classes have, if they believe that the classes promote different bodily manifestations, and what kind of experiences they have in these classes. This is quantitative-qualitative research, and data collection was made through a virtual questionnaire. Data analysis was performed by content analysis technique. The results denote that high school students connect Physical Education to sport, and they perceive the different content applications according to the teacher who is giving the class, with no common curriculum. Therefore, it suggests the need to deepen the discussions on the object of Physical Education studies, and to reflect on the people who are responsible for monitoring and redirecting the curriculum. It also suggests the training of teachers and instrumentalization of students and their community in order to demand compliance from teachers and educational administrators. These actions can lead to a change in content, effectively integrating, as directed by official documents, the six axes of School Physical Education: games, gymnastics, dances, fights, sports and body practices of adventure.

    Keywords: Students. Physical Education. High School.

 

Resumen

    Este estudio tuvo como objetivo observar la percepción de estudiantes de Escuela Media (n=206; idade 16,42±0,96 anos; 131♀ 73♂) sobre las clases de Educación Física en una institución federal de enseñanza del estado de Mato Grosso, en Brasil. Para esto, se enumeraron algunas preguntas, a saber: (i) cuáles consideran los estudiantes que son los objetivos de las clases de esta asignatura; (ii) si se considera que promueve distintas manifestaciones corporales; y (iii) qué contenidos experimentan en estas clases. Se trata de una investigación cuantitativa y cualitativa, en la que la recolección de datos se produjo mediante la aplicación de un cuestionario virtual. El análisis de los datos se realizó mediante la técnica de análisis de contenido. Los resultados denotan la relación que tienen los estudiantes de Educación Física con el deporte, y su percepción de que la diferencia en la aplicación de los contenidos se da en función del docente, sin que exista un currículum común. Por lo tanto, se destaca la necesidad de profundizar las discusiones sobre el objeto de estudio de la Educación Física, así como reflexionar sobre la responsabilidad en el seguimiento y redireccionamiento del currículo, sugiriendo la formación de docentes y la instrumentalización de los estudiantes y la comunidad para exigir el cumplimiento de regulaciones en profesores y directivos. Estas acciones pueden provocar un cambio de contenidos, integrando efectivamente, según las orientaciones de documentos oficiales, los seis ejes de la Educación Física Escolar, a saber: juegos, gimnasia, danzas, luchas, deportes y prácticas corporales de aventura.

    Palabras clave: Estudiantes. Educación Física. Escuela Media.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 315, Ago. (2024)


 

Introdução 

 

    O objeto de estudo e o objetivoda Educação Física Escolar têm passado por um longo e constante processo de modificação no Brasil. Abordando as diretrizes pedagógicas da Educação Física Escolar, observa-se que, hoje, ela segue majoritariamente, ao menos, e em documentos oficiais, a concepção de conhecimento e manifestações derivadas e culturalmente construídas, ainda que não exista um consenso,concepção ou fundamentação teórica sobre o termo. Este texto utilizará o termo “Cultura Corporal de Movimento”, entendendo-o, portanto, como objeto de estudo da Educação Física Escolar, adotando como referências Mauro Betti (2009) e Valter Bracht (2005).

 

    A manifestação corporal contida na Cultura Corporal de Movimento é definida por Saneto, e Anjos (2011, p. 1) da seguinte forma: “todo gesto ou manifestação corporal pode ser considerado uma técnica, implícita de significados, à medida em que atende aos critérios estabelecidos pela tradição e também pela eficácia simbólica (...)”. Ao falar em técnica, os autores se baseiam na teoria de técnica corporal de Mauss (2003), que a define como “as maneiras pelas quais os homens de sociedade em sociedade, de uma forma tradicional, sabem servir-se de seus corpos” (Mauss, 2003, p. 201). Assim, manifestação corporal compreende movimentação física por meio de atividades social e culturalmente aprendidas. E a Cultura Corporal de Movimento, enquanto objeto de estudo da Educação Física Escolar, instrumentaliza os alunos a analisar criticamente os diferentes aspectos relacionados com as mais variadas manifestações da cultura corporal, promovendo autonomia para essa prática. (Darido, 2004)

 

    A Educação Física Escolar é a única movimentação física para parte considerável dos adolescentes, possuindo a escola, dessa maneira, importante função no incentivo e na promoção de um estilo de vida ativo. (Oliveira, Bulhões, e Zafallon, 2019; Carvalho, e Marenga, 2012; Faria, Canabrava, e Amorim, 2013; Romero-Chouza et al., 2021)

 

    Souza, Freitas, e Furlan (2020, p. 80) apontam que a Educação Física deve ainda considerar as experiências anteriores dos alunos do Ensino Médio, “ampliando e criando oportunidades para que os mesmos compreendam as inter-relações entre os saberes, as práticas corporais e os diferentes campos da atividade humana”. Igualmente, para Cordovil, Gomes, Moreira, e Rodrigues (2015), é essencial que os alunos compreendam os objetivos da disciplina, para que possam se comprometer e compreender sua importância. Todavia, para Cardoso, e Nunez (2014), cabe aos professores desenvolverem atividades que despertem interesse, valorizando a disciplina.

 

    Gaviria-Cortés, e Castejón-Oliva (2019, p. 1) acrescentam, ainda, que “o pensamento dos estudantes sobre o que aprendem na sala de aula e a importância que lhes atribuem àquela aprendizagem são fatores que afetam a atitude em relação ao tema da educação física”.

 

    Desta forma, tendo em conta a importância da percepção dos alunos sobre a disciplina para que exista o comprometimento com a mesma e a necessidade de que a disciplina cumpra com seu objetivo, o presente estudo objetivou analisar a percepção dos alunos sobre as aulas de Educação Física, qual consideram ser seu objetivo, se consideram que a disciplina promove as diferentes manifestações corporais e quais os conteúdos que experimentam nessas aulas.

 

Métodos 

 

    A metodologia da pela presente pesquisa é quantiqualitativa, descritiva, envolvendo levantamento bibliográfico e análise das respostas e relatos dos participantes, cujo objetivo foi observar a experiência dos alunos do Ensino Médio com a disciplina de Educação Física.

 

    O questionário1 foi enviado para todos os alunos do Ensino Médio (1º, 2º e 3º anos), do Instituto Federal do Mato Grosso (IFMT) - Primavera do Leste, localizado no estado de Mato Grosso (n=638) no mês de março do ano de 2019. Houve um retorno de 206 alunos, sendo 131 meninas e 73 meninos; com idade média de 16,42±0,96 anos; e escore de autodeclaração de cor/raça, segundo as categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estadística (IBGE), assim definido: 48,0% Branco; 40,2% Pardo; 10,1% Preto e 1,4% Amarelo ou Indígena.

 

    O respeito aos procedimentos éticos estabelecidos para a pesquisa científica foram seguidos no decorrer do estudo e na análise e divulgação dos dados.Todos os participantes da pesquisa receberam e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Cessão de Imagem (TCI). No caso dos participantes menores de idade, estes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e os pais ou responsáveis assinaram o TCLE e o TCI. Estes termos foram ofertados em versão impressa e digital.

 

    Os dados numéricos foram inseridos e tabulados em uma planilha Excel, e os dados qualitativos foram analisados desde o Método de Análise de Conteúdo, de Bardin (2010). Procedeu-se ao tratamento interpretativo dos resultados, obtendo-se as categorias de análise, e realizando a leitura flutuante, que, segundo Bardin (2010, p. 71), se refere à “(...) leitura intuitiva, muito aberta a todas as ideias, reflexões, hipóteses (...)”. A leitura flutuante permitiu selecionar unidades significativas e pautar as discussões em eixos temáticos, que passaram posteriormente por inferência e interpretação, validação e atribuição de significados.

 

Resultados 

 

    “Qual o objetivo da Educação Física Escolar?” (Gráfico 1), foi a pergunta aberta que objetivou apresar a compreensão sobre qual o objetivo desta disciplina. As respostas foram tabuladas em sete categorias, ainda que, quanto mais complexa e/ou extensa a resposta, mais complexo foi classificá-la em um único tópico. Nesses casos, enquadrou-se a resposta naquele em que era dada maior ênfase.

 

Gráfico 1. “Qual o objetivo da Educação Física Escolar?”

Gráfico 1. “Qual o objetivo da Educação Física Escolar?”

Fonte: A autora (2024)

 

    Os objetivos identificados pelos alunos apresentaram as seguintes categorias: (i) Estímulo a um estilo de vida ativo e desenvolvimento das capacidades físicas; (ii) Prática de esportes e competição; (iii) Descoberta do corpo; (iv) Socialização; (v) Práticas corporais culturais; (vi) Não sei; e (vii) Bem-estar físico e mental.

 

    Na categoria “Estímulo a um estilo de vida ativo e desenvolvimento das capacidades físicas” (35,4%), foram incluídas as respostas que colocavam como sendo objetivo da Educação Física Escolar promover exercícios físicos e combater o sedentarismo, incluindo relatos relacionados à disciplina com o corpo e a exercícios físicos e melhoria da saúde.

 

    Em “Prática de esportes e competição” (14,0%) foram enquadrados relatos relacionados ao estudo do histórico de modalidades esportivas, aprendizado das regras, prática, e participação em campeonatos.

 

    Nas respostas organizadas em “Descoberta do corpo” (12,1% das respostas), enquanto objetivo da Educação Física Escolar, observaram-se relatos relacionados à descoberta do corpo e aos cuidados para mantê-lo saudável, denotando-se resquícios da Educação Física higienista.

 

    Entre os alunos que consideram que o objetivo da Educação Física é a “Socialização” (11,6% da amostra), encontra-se a citação de elementos como desenvolvimento afetivo e social, interação por meio de jogos, e fomento do respeito entre os alunos.

 

    A categoria “Práticas corporais culturais” incluiu 10,6% das respostas. Os relatos sintetizaram as respostas oferecidas considerando a Educação Física como uma área ligada às práticas corporais produzidas pela humanidade, proporcionando a vivência de diferentes culturas por meio da dança, de jogos e de outras atividades.

 

    Por sua vez, a categoria “Não sei”, relacionada aos objetivos da Educação Física,incluiu 9,7% das respostas, englobando respostas como “Não sei” e “não respondeu à questão”.

 

    “Bem-estar físico e mental” foi apontado como objetivo da Educação Física por 6,3% dos respondentes, proporcionando relatos relacionados às reflexões promovidas sobre os benefícios da prática regular de exercício físico na saúde mental e nos aspectos relacionados ao bem-estar.

 

    Se “as aulas de Educação Física os(as) ajudam a se manifestar corporalmente?” foi uma das perguntas que gerou dificuldade de entendimento. Assim, foi possível observar que houve embaraço entre os alunos para compreender o termo utilizado. Essa pergunta fechada recebeu 80,5% de respostas para “Sim”; 15,5% para “Não sei”; e 3,8% para “Não”.

 

    Quando perguntado “Por quê?”, solicitando uma justificativa à resposta anterior, 22,8% dos alunos tiveram respostas que foram incluídas na categoria “Não”, “não sei”, “não respondeu” ou “não entendeu a pergunta”. Destes, ainda que houvesse a resposta de que a Educação Física não estimula a manifestação corporal (um total de 3 alunos), os restantes, 47 estudantes, responderam com “não sei”, “não responderam à questão”, ou ainda, deixaram claro que não haviam compreendido a pergunta (Gráfico 2).

 

    A dificuldade em compreender o termo pode ser derivada da falta de emprego deste nas aulas, o que sugere a necessidade de aprofundar as discussões sobre o objeto de estudo da Educação Física.

 

    Assim, embora o caráter cultural da movimentação física tenha sido citado como objetivo da Educação Física por 10,6% dos alunos, ao se perguntar se esta disciplina auxilia na manifestação corporal, apenas 2,9% dos estudantes responderam positivamente.

 

    As demais respostas a esta pergunta aberta foram tabuladas em seis categorias, conforme o seguinte gráfico.

 

Gráfico 2. Por que as aulas de Educação Física os(as) ajudam a se manifestar corporalmente?

Gráfico 2. Por que as aulas de Educação Física os(as) ajudam a se manifestar corporalmente?

Fonte: A autora (2024)

 

    A justificativa para a pergunta “Por que as aulas de Educação Física os (as) ajudam a se manifestar corporalmente?”, sugerindo que a Educação Física auxilia na manifestação corporal por meio de propiciar a expressão corporal, incluiu a resposta de 7,2% dos alunos, observando-se a relação de “manifestação corporal” com dança e expressão corporal.

 

    Relatos ainda parecem apontar a Educação Física Escolar como o único meio de prática de exercícios físicos por parte dos adolescentes, com termos que variam da obrigação em participar das aulas ao estímulo oferecido. A Educação Física, ainda, foi aqui identificada como espaço privilegiado para a movimentação, sendo considerada a única disciplina escolar que promove a movimentação física, e que disponibiliza espaço e formas para que essa manifestação ocorra. Também foram registradas considerações sobre a subutilização do potencial da disciplina, com desenvolvimento insuficiente no espaço escolar.

 

    Ao questionar, segundo a experiência na instituição de ensino que se encontram atualmente, sobre os conteúdos que são mais trabalhados nas aulas de Educação Física, foi possível classificar 16 categorias: não sei/não respondeu, e 15 conteúdos específicos. Todos os conteúdos citados foram computados, inclusive quando um mesmo aluno citou vários.

 

    Os conteúdos mais citados foram esportes (mencionado em 134 ocasiões), jogos (incluídos os populares, cooperativos e de mesa) (37), ginásticas (29), exercício físico (sem maior especificação) (27 ocasiões), e saúde e qualidade de vida (postura, benefícios do exercício físico, alimentação saudável, etc.) (19 vezes) (Gráfico 3).

 

Gráfico 3. Conteúdos que são mais trabalhados nas aulas de Educação Física.

Gráfico 3. Conteúdos que são mais trabalhados nas aulas de Educação Física.

Fonte: A autora (2024)

 

    Relatos permitiram considerar que, embora os esportes nas aulas de Educação Física tenham sido constantes na vida dos alunos, na atual etapa de ensino, o Ensino Médio, estão podendo vivenciar outras atividades relacionadas à Cultura Corporal de Movimento, como jogos, exercícios físico para o bem-estar, ginásticas e danças.

 

    Ao serem analisados os esportes, quando especificados pelos alunos, os que contaram com mais citações foram o vôlei (citado 40 vezes), o futsal (27) e o handebol (19) (Gráfico 4).

 

Gráfico 4. Esportes desenvolvidos nas aulas de Educação Física.

Gráfico 4. Esportes desenvolvidos nas aulas de Educação Física.

Fonte: A autora (2024)

 

    Todavia, foi possível identificar a percepção por parte dos alunos de que a diferença na aplicação dos conteúdos acontece de maneira individualizada, conforme o professor, não havendo um currículo comum.

 

Discussão 

 

    Em revisão bibliográfica sobre objetivos e finalidades da Educação Física no Ensino Médio, Romero-Chouza, Lago-Ballesteros, Toja-Reboredo, e González-Valeiro (2021) encontraram: (i) promover um estilo de vida ativo (38,46% dos artigos); (ii) estimular o gosto pela atividade física (19,23%); (iii) promover o aprendizadode modalidades esportivas e de questões relacionada à saúde (17,3%); (iv) promover a aptidão física dos alunos (9,62%);(v) fins educativos gerais e socialização (9,62%); e (vi) a oferta da Educação Física como momento de relaxamento e descontração na rotina estudantil (5,77%), havendo, dessa forma, um considerável paralelo com a presente pesquisa.

 

    Por sua vez, Gaviria-Cortés, e Castejón-Oliva (2019), em pesquisa com alunos de ensino médio na Colômbia, utilizando perguntas fechadas, observaram que estes identificam como objetivos da disciplina: (i) o desenvolvimento de habilidades motoras (34,4%); (ii) o entendimento do funcionamento do corpo (31,2%); (iii) o conhecimento e aplicação de regras do esporte (12,9%); (iv) o desenvolvimento pelo gosto pela prática de exercício físico (12,9%); (v) não respondeu (4,3%); (vi) nenhum/não aprende nada (2,2%); (vii) nenhuma das opções anteriores (2,2%).

 

    Em Fernández, Pérez, e López (2021), outro estudo realizado na Colômbia, a melhoria da saúde e o entendimento do funcionamento do corpo foram apontados como os principais objetivos da Educação Física Escolar, parecendo haver uma concordância em como essa disciplina é desenvolvida no país e interpretada pelos alunos. Ademais, não observou-se o foco no esporte, encontrado por essa e outras pesquisas.

 

    Na presente pesquisa, 9,7% das respostas sobre o objetivo da Educação Física foram incluídos na categoria “Não sei”. O desconhecimento sobre o objetivo da disciplina pode ser um dos fatores responsáveis pela falta de interesse e de participação nas aulas de Educação Física no Ensino Médio, como apontado por Ferreira, Graebner, e Matias (2014), bem como por Gaviria-Cortés, e Castejón-Oliva (2019).

 

    Em Pereira, e Silva (2004), ao entrevistarem 22 professores de Educação Física de Ensino Médio de 18 diferentes instituições, foram identificados, entre outros, os seguintes conteúdos com seu correspondente percentual: (i) esportes (66,9%); (ii) ginástica (14,4%); (iii) recreativos (6,1%); (iv) dança (1,5%) e (v) outros registros (3,4%). As definições de competições (3,1%), teóricos (2,6%) e avaliativos (2,0%), apresentadas por Pereira, e Silva (2004), são consideradas, nesta pesquisa, meios procedimentais de desenvolvimento do conteúdo.

 

    Em Souza, Freitas, e Furlan (2020), os conteúdos e as porcentagens foram os seguintes: (i) esportes (75,6%); (ii) saúde; (iii) atividade física e qualidade de vida (56,4%); (iv) jogos e brincadeiras (32,3%); (v) ginástica (15,2%); (vi) dança (10,8%) e (vii) lutas (3,3%).

 

    Os esportes como conteúdo mais trabalhado nas aulas de Educação Física foi também encontrado por essa pesquisa, corroborando os estudos de Schiestl, e Santos (2022), Chicati (2000), Rosário, e Darido (2005), Ferreira, Graebner, e Matias (2014) e Moreira, Simões, e Martins (2010), no qual estes são apontados como o tema mais desenvolvido nas aulas de Educação Física, em todos os níveis de escolarização. Por sua vez, Brandolin, Koslinski, e Soares (2015) conjecturam que, apesar de todos os avanços, as aulas de Educação Física na escola seguem sendo um espaço de afirmação da masculinidade e das habilidades, encontrando nos esportes o espaço para incorporar essas características.

 

    A pesquisa de Chicati (2000) centrou-se na motivação dos alunos para as aulas de Educação Física, e, embora a autora tenha encontrado que o esporte é o conteúdo mais frequente nas aulas, e ser este o tema preferido pela maior porcentagem dos alunos (65,83%), 30% dos estudantes relataram interesse baixo e/ou regular pelas aulas. Fernández, Pérez, e López (2021) também encontraram essa ambiguidade, onde os esportes são o conteúdo preferido, mas, ao mesmo tempo, um grande número de alunos se sente desmotivado com ele. A aceitação pela prática esportiva é conjecturada por Chicati (2000) como resultante de incentivo midiático e paternal, enquanto a menor aceitação da ginástica e da dança estaria relacionada à falta de divulgação e de incentivo para a prática, o preconceito e a experiência escassa que os alunos possuem.

 

    Gaviria-Cortés, e Castejón-Oliva (2019) consideram que os alunos aceitam o modelo esportivista das aulas de Educação Física por estarem habituados ao modelo curricular orientado nas instituições de ensino. Assim, embora o esporte corresponda à expectativa de mais da metade dos alunos, ignora aqueles que possuem outras preferências, ou aqueles que manifestam experiências negativas com a competição e o rendimento. (Pedersen, Thornquist, Natvik, e Raheim, 2021)

 

    Neste sentido, Brandolin, Koslinski, e Soares (2015, p. 606) colocam que:

    (...) as aulas de educação física não se configuram como um espaço de socialização de técnicas corporais que oferece oportunidades iguais de satisfação e desenvolvimento para meninos e meninas e/ou habilidosos e não-habilidosos no ensino médio.

    Ferreira, Graebner, e Matias (2014) acrescentam que a questão de gênero é um grande desafio para a Educação Física.

 

    Em Pereira, e Silva (2004) encontra-se que o conteúdo esportivo vôlei e futebol perfizeram 72% quando o tema tratado era o esporte. No presente estudo, das respostas que incluíam a especificação do esporte, se colocados vôlei, futsal e futebol, foi encontrado um escore de 66,9% de correspondência quando o tema da aula era esporte.

 

    Em Rosário, e Darido (2005), que pesquisaram entre professores da área, todos os participantes da pesquisa citaram a utilização de esportes coletivos (especificamente, futebol, vôlei, handebol e basquetebol) e de jogos (recreativos, adaptados, etc.). Isoladamente, entretanto, foram citadas práticas como: atletismo, xadrez, dança, capoeira, judô e natação.

 

    Paralelamente a este estudo, Pereira, e Silva (2004) encontraram que a definição de conteúdo desenvovido nas aulas de Educação Física acontece em função do professor, colocando que mesmo existindo legislação que regulamenta a disciplina, a autonomia escolar (constante nos documentos oficiais) acaba tendo como definidores, entre outros, a capacidade profissional e as práticas dos professores.

 

Conclusões 

 

    A partir da análise de conteúdo feita pela presente pesquisa, conclui-se que, ainda que parte dos alunos compreenda a disciplina de Educação Física dentro de seus fundamentos e práticas legisladas e regulamentadas, a falta de experienciar esta disciplina de maneira que realmente contemple a Cultura Corporal de Movimento dificulta o entendimento do objetivo da disciplina e da compreensão do termo manifestação corporal.

 

    A falta de entendimento sobre Cultura Corporal de Movimento e manifestação corporal nos alunos pode ser um reflexo não apenas da falta de trabalho destes termos, mas, igualmente, da ausência de consenso e de conhecimento dos professores.

 

    Quando observado o entendimento sobre manifestação corporal, ainda que parcial, este se relaciona apenas com dança e expressão corporal.

 

    Quanto aos conteúdos, não houve diferença com outros estudos sobre o tema, incluído um com mais de vinte anos desde a sua publicação, denotando-se a manutenção de velhos problemas do componente curricular. O ensino e a prática esportiva continuam sendo priorizados em detrimento dos demais eixos da disciplina.

 

    Observou-se, ainda, a percepção por parte dos alunos de que a diferença na aplicação dos conteúdos acontece de maneira individualizada, conforme o professor, não havendo um currículo comum.

 

    Se existe um currículo, a quem incumbe a cobrança pelo não cumprimento? Corresponde ao professor contribuir com visões complementares? Talvez a responsabilidade não resida em uma única entidade, mas, sim, dependa de oferecer formação e espaço de discussão para os professores, e de instrumentalizar alunos e comunidade para exigir o cumprimento junto a professores e gestores.

 

    Desta forma, a presente pesquisa encontrou dados que confirmam pesquisas anteriores, podendo-se observar um problema sistêmico da Educação Física Escolar não apenas no Brasil mas também em outros países da América do Sul, no qual, ao menos parte do desinteresse demonstrado pelos alunos do Ensino Médio pela disciplina de Educação Física está associados ao desenvolvimento limitado e a falta de esclarecimento sobre qual o seu objetivo da disciplina.

 

    Assim, considera-se a necessidade de aprofundar as discussões sobre o objeto de estudo da Educação Física e de compartilhá-lo com os alunos.

 

Nota 

  1. O questionários esteve composto por 7 questões (5 abertas e 2 fechadas). São elas: 1. Qual sua idade? 2. Qual o seu gênero? 3. Como você definiria sua cor segundo os critérios do IBGE? (branco/preto/pardo/amarelo ou indígena); 4. Qual o objetivo da Educação Física Escolar? 5. As aulas de Educação Física os(as) ajudam a se manifestar corporalmente? (sim/não); 6. Por quê? 7. Segundo tua experiência no IF, quais conteúdos são mais trabalhados nas aulas de Educação Física?

 

Referências 

 

Bardin, L. (2010). Análise de conteúdo (4ª ed.). Edições70.

 

Betti, M. (2009). Educação Física Escolar: ensino e pesquisa-ação. Unijuí.

 

Bracht, V. (2005). Cultura corporal, cultura de movimento ou cultura corporal de movimento? In: M. Souza Jr. (Org.), Educação Física Escolar: teoria e política curricular, saberes escolares e proposta pedagógica (pp. 97-106). EDUPE.

 

Brandolin, F., Koslinski, M.C.S., e Gonçalves, A.J. (2015). A percepção dos alunos sobre a educação física no ensino médio. Rev Educ Física, 26(4), 601-610. https://doi.org/10.4025/reveducfis.v26i4.29836

 

Cardoso, A.G., e Nunez, P.R.M. (2014). Percepção dos alunos do ensino médio em relação às aulas de educação física. Col Pesq Educ Física, 13(4), 125-132. https://fontouraeditora.com.br/periodico/public/storage/articles/1146_1504048382.pdf

 

Carvalho, J.A.M., e Marenga, M. (2012). Manual para atividades físicas para prevenção de doenças. Editorial Elsevier.

 

Chicati, K.C. (2000). Motivação nas aulas de Educação Física no Ensino Médio. Rev Educ Física, 11(1), 97-105. https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/3799

 

Cordovil, A. de P.R., Gomes, C.F., Moreira, E.C. e S., e Rodrigues, M.C. (2015). O espaço da educação física na escola: um estudo sobre os conteúdos das aulas no Ensino Médio. Pensar a Prática, 18(4), 842-847. https://www.revistas.ufg.br/fef/article/view/34352

 

Darido, S.C. (2004). A educação física na escola e o processo de formação dos não praticantes de atividade física. Rev Bras Educ Fís Esporte, 18(1), 61-80. https://www.revistas.usp.br/rbefe/article/view/16551

 

Faria, F., Canabrava, K.L.R., e Amorim, P.R. dos S. (2013). Nível de atividade física durante o recreio escolar em escola pública e particular. Rev Bras Ci e Mov, 21(1), 90-97. https://doi.org/10.18511/rbcm.v21i1.3223

 

Fernández, B.C., Pérez, S.M., e López, D.A.L. (2021). La educación física desde la perspectiva de los estudiantes: un estudio de caso. Rev Cien Act Fís UCM, 22(2), 1-12. https://doi.org/10.29035/rcaf.22.2.7

 

Ferreira, M.L. dos S., Graebner, L., e Matias, T.S. (2014). Percepção de alunos sobre as aulas de Educação Física no Ensino Médio. Pensar a Prática, 17(3), 734-750. https://doi.org/10.5216/rpp.v17i3.25587

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 29, Núm. 315, Ago. (2024)