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ISSN 1514-3465

 

Flexibilidade dinâmica de ombro e quadril em escaladores do Boulder indoor

Dynamic Shoulder and Hip Flexibility in Indoor Boulder Climbers

Flexibilidad dinámica de hombros y cadera en escaladores de Boulder indoor

 

Andria Watanabe de Godoy*

andriagodoy@gmail.com

Pedro Paulo Deprá**

ppdepra@gmail.com

 

*Graduada em Educação Física Licenciatura

pela Universidade Estadual de Maringá (UEM)

Mestranda do Programa de Pós Graduação UEM/UEL

na área de Desempenho Humano e Atividade Física

Atualmente, membro do Laboratório de Biomecânica

e Comportamento Motor – Labicom

**Doutor em Educação Física

pela Universidade Estadual de Campinas

Pós-doutorado pela State University of Massachusetts, Amherst

Atualmente é Professor Associado do Departamento de Educação Física

da Universidade Estadual de Maringá/PR

Professor é docente do Programa Associado UEM-UEL

de Pósgraduação em Educação Física

Coordena o Laboratório de Biomecânica

e Comportamento Motor – Labicom

(Brasil)

 

Recepção: 19/09/2023 - Aceitação: 04/01/2024

1ª Revisão: 23/12/2023 - 2ª Revisão: 03/01/2024

 

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Citação sugerida: Godoy, A.W. de, e Deprá, P.P. (2024). Flexibilidade dinâmica de ombro e quadril em escaladores do Boulder indoor. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(309), 16-29. https://doi.org/10.46642/efd.v28i309.7238

 

Resumo

    Este estudo de caráter descritivo teve como objetivo geral analisar a flexibilidade dinâmica de ombro e quadril de atletas escaladores da modalidade Boulder indoor. Como método utilizou-se a cinemetria bidimensional. Os participantes selecionados para o estudo constituíram-se de 15 atletas amadores da modalidade. Para avaliação os escaladores realizaram uma escalada para uma trajetória tipo Boulder idealizada por um Route Setter. O cálculo dos ângulos relativos das articulações de ombro e quadril foram calculados através de funções trigonométricas. A amplitude dessas articulações foi calculada a partir dos picos máximos e mínimos apresentados em função do tempo da prova. A performance dos atletas foi determinada pelo tempo da prova. Os resultados demonstraram que somente a articulação do ombro apresentou diferença significativa, sendo o valor de amplitude maior do ombro direito em relação ao esquerdo. Observou-se que há correlação negativa entre a amplitude da articulação do ombro e a amplitude da articulação do quadril, como uma correlação positiva entre a amplitude do ombro com o tempo de prova e amplitude do quadril com o tempo de prática. Também se observou que existe apenas uma correlação negativa que é entre a amplitude da articulação do ombro com o tempo de prática. Conclui-se que a via foi determinística na cinemática angular do ombro; a amplitude do quadril e ombro foram importantes para o desempenho da modalidade e o tempo pode ser uma variável de controle no processo de análise de desempenho.

    Unitermos: Escalada. Boulder. Ângulo articular. Biomecânica.

 

Abstract

    This descriptive study aimed to analyze the dynamic shoulder and hip flexibility of indoor Boulder climbers. The two-dimensional kinematics was used as a method. The participants selected for the study consisted of 15 amateur athletes of the modality. For evaluation, the climbers performed a climb to a bouldering-type trajectory idealized by a Route Setter. The calculation of the relative angles of the shoulder and hip joints were calculated using trigonometric functions. The amplitude of these articulations was calculated from the maximum and minimum peaks presented as a function of the test time. The performance of the athletes was determined by the time of the test. The results showed that only the shoulder joint showed a significant difference, with the amplitude value being greater for the right shoulder compared to the left. It was observed that there is a negative correlation between the amplitude of the shoulder articulation and the amplitude of the hip articulation, as well as a positive correlation between the amplitude of the shoulder with the test time and the amplitude of the hip with the practice time. It was also observed that there is only one negative correlation, which is between the amplitude of the shoulder joint and the practice time. It is concluded that the pathway was deterministic in the angular kinematics of the shoulder; hip and shoulder amplitude were important for the performance of the modality and time can be a control variable in the performance analysis process.

    Keywords: Climbing. Boulder. Joint angle. Biomechanics.

 

Resumen

    Este estudio descriptivo tuvo como objetivo general analizar la flexibilidad dinámica de hombros y cadera de escaladores en Boulder indoor. Se utilizó como método la cinemetría bidimensional. Fueron seleccionados para el estudio 15 deportistas aficionados a este deporte. Para su evaluación, los escaladores ascendieron una trayectoria tipo Boulder diseñada por un Route Setter. Los ángulos relativos de articulaciones de hombro y cadera se calcularon mediante funciones trigonométricas. La amplitud de estas uniones se calculó con picos máximos y mínimos presentados en función del tiempo de prueba. El rendimiento de los deportistas estuvo determinado por el tiempo de la prueba. Los resultados demostraron que sólo la articulación del hombro mostró una diferencia significativa, siendo el valor de amplitud mayor para el hombro derecho en comparación con el izquierdo. Se observó que existe una correlación negativa entre la amplitud de la articulación del hombro y la amplitud de la articulación de la cadera, así como una correlación positiva entre la amplitud del hombro con el tiempo de prueba y la amplitud de la cadera con el tiempo de práctica. También se observó que existe una sola correlación negativa, que es entre el rango de movimiento de la articulación del hombro y el tiempo de práctica. Se concluye que el recorrido fue determinista en la cinemática angular del hombro; el rango de movimiento de la cadera y el hombro fue importante para el desempeño en la modalidad y el tiempo puede ser una variable de control en el proceso de análisis del rendimiento.

    Palabras clave: Escalada. Boulder. Ángulo articular. Biomecánica.

 

    Este artigo é fruto das investigações realizadas no projeto de pesquisa institucional intitulado “Análise biomecânica de atletas de esportes individuais e coletivos” da Universidade Estadual de Maringá/Pr-Brasil, coordenada pelo Prof. Dr. Pedro Paulo Deprá.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 309, Feb. (2024)


 

Introdução 

 

    A escalada assumiu característica de esporte moderno a partir do processo evolutivo do alpinismo, no final do século XX, com o estabelecimento de regras e competições (Pereira, e Nista-Piccolo, 2010). Nesta época, a escalada esportiva era bastante conhecida em países europeus e asiáticos e com a estreia desse esporte nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 (realizado em 2021), conquistou ainda mais praticantes.

 

    Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, a escalada estreou com 3 disciplinas: Speed, Boulder e Lead. O Speed consiste em dois atletas escalarem a mesma rota, ao mesmo tempo, com o objetivo de realizar o percurso no menor tempo. No Boulder os competidores escalam rotas fixas em um tempo de 4 minutos e cada percurso possui uma dificuldade para a sua finalização. Ao final é necessário que o competidor realize o último agarre, com as duas mãos. Já o Lead conhecido também como escalada guiada e dificuldade, consiste em subir 12 metros passando pelas agarras, com equipamentos de segurança, em um tempo de 6 minutos. (IFSC, 2022)

 

    Essas modalidades são realizadas em paredes artificiais e podem ser praticadas indoor, ou seja, realizadas em ambientes fechados. O Boulder indoor vem ganhando espaço na prática da escalada por ser realizado em paredes com até 4,5 metros e não necessitar de muitos equipamentos de segurança. A prática do Boulder é dotada de uma série de desafios, entre essas, a presença de saliências, apoios de diversos tamanhos e distâncias entre agarras. Por isso, o competidor precisa de várias habilidades e técnicas para a finalização de certos percursos.

 

    Os estudos que focaram na atividade de escalada indoor elencaram como os principais parâmetros de desempenho: a flexibilidade, a potência, a força e a resistência (Draper et al., 2021), assim como, as capacidades físicas para o bom desempenho: força muscular isométrica, potência muscular de membros superiores, como também a flexibilidade de membros inferiores. (Bertuzzi, e Lima-Silva, 2013; Billat et al., 1995; Wall et al., 2004)

    

    No Brasil é usual avaliar a flexibilidade por meio do Flexiteste, que é definida como a amplitude máxima passiva fisiológica de um dado movimento articular. Nos estudos de Weineck (1999) e Araújo (2008) realizou-se o Flexiteste com a população em geral e verificaram que a flexibilidade de homens e mulheres se diferenciavam e que as mulheres tendiam a ser mais flexíveis a partir dos 5 anos de idade.

 

    No entanto, em estudos sobre a flexibilidade em escaladores (Grant et al., 1996; Grant et al., 2001; Wall et al., 2004; Draper et al., 2009; Draga et al., 2020; Draper et al., 2021), os autores realizaram testes de flexibilidade como o de “sentar e alcançar”, “leg span”, “foot raise”, “lateral foot reach”, “foot-loading flexibility test” e goniometria estática. Mesmo sendo utilizados por alguns estudos, estes testes de flexibilidade de campo são capazes de avaliar zonas do corpo de grande interesse para a funcionalidade e a manutenção da saúde, como articulações dos ombros, da zona lombar e da musculatura isquiotibiais (Imba Zurita, 2021), mesmo assim, continuaram sendo realizados de forma estática passiva. Logo, para o contexto do Boulder é pouco ecológico, isto é, fora do contexto de execução do percurso dinâmico e ativo.

 

    Desta forma, partindo do conceito de que a flexibilidade é uma capacidade física importante em relação ao desempenho, sua observação na forma dinâmica torna-se necessária, pois possibilita um entendimento de como as restrições do ambiente exercem efeitos sobre o deslocamento do corpo na parede de escalada. No caso deste esporte as articulações de ombro e quadril de atletas exercem papéis preponderantes na dinâmica da escalada.

 

    Partindo deste pressuposto, evidencia-se neste estudo a descrição do comportamento motor dinâmico de articulações através da Cinemetria visando uma compreensão do atleta na perspectiva do desempenho no Boulder. Sendo assim, este estudo pretende responder a seguinte questão: as flexibilidades dinâmicas de ombro e quadril contribuem para o desempenho de escaladores na disciplina Boulder indoor?

 

    O objetivo geral deste estudo é analisar a flexibilidade dinâmica de ombro e quadril de atletas escaladores da disciplina Boulder indoor. Especificamente, tem-se como objetivos: identificar as amplitudes angulares dinâmicas das articulações do ombro e do quadril em atletas escaladores da disciplina Boulder indoor; comparar o desempenho de prova com as amplitudes articulares e verificar a existência de relação entre o tempo de prática, tempo de prova e as amplitudes articulares dinâmicas.

 

Métodos 

 

    Trata-se de uma pesquisa descritiva que buscou analisar a flexibilidade dinâmica de ombro e quadril de escaladores da disciplina Boulder indoor. Utilizou-se a cinemetria que é um método de análise de parâmetros cinemáticos, baseada em filmagens dos movimentos em estudo e na determinação da posição e orientação dos segmentos corporais de forma dinâmica (Ávila et al., 2002). O presente estudo está vinculado ao projeto de pesquisa “Análise Biomecânica de Atletas de Esportes Individuais e Coletivos”, aprovado pelo Comitê de Ética (CAAE nº 58393122.6.0000.0104).

 

Participantes da pesquisa 

 

    Os participantes selecionados para o estudo constituíram-se de 15 escaladores recreativos, sendo 11 do sexo masculino (73,3%) e 4 do sexo feminino (26,7%), com idade média de 29,47 ± 5,24 anos, massa corporal média de 71,87 ± 8,77 Kg, estatura média de 1,75 ± 0,08 metros e com IMC médio de 23,36 ± 2,03 Kg/m², sendo 86,7% destros e 13,3% canhotos. Os participantes considerados iniciantes apresentaram tempo de prática de até um ano (n=8) e os intermediários acima de um ano (n=7) e frequência de treino: 1x na semana (20%); 2x na semana (53,3%); 3x na semana (26,7%).

 

    Como critérios de inclusão foram considerados atletas de ambos os sexos, com frequência mínima de prática de 1 vez na semana e a autodeclaração da ausência de lesões. Antes da coleta de dados os participantes assinaram voluntariamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). As informações foram usadas nas análises para fins de pesquisa, assegurando a privacidade e o anonimato dos participantes.

 

Coleta de dados 

 

    A coleta foi realizada em uma academia de escalada localizada na cidade de Maringá-PR-Brasil. Uma ficha de dados foi preenchida contendo: nome, sexo, idade, massa corporal, altura, lado dominante, tempo de prática e frequência de treino. Todas essas informações foram autodeclaradas pelos participantes do estudo. Após esta primeira etapa, foi realizado a medida de flexibilidade dinâmica através da cinemetria.

 

Procedimentos 

 

Cinemetria Bidimensional 

 

    Utilizou-se para a análise da flexibilidade dinâmica, a técnica da Cinemetria bidimensional, por meio de dois smartphones da marca Apple nos modelos 6s e 11, com ajuste de foco manual e frequência de 30 quadros por segundo, assim como uma fita métrica, um tripé e um refletor.

 

    O sistema de referência, construído era de 5,7 m², sendo 1,50 metros de largura (x) e 3,80 metros de altura (y). A câmera foi posicionada perpendicular à parede, no centro do sistema de referência com 1,9 metros de altura em relação ao chão e a 7,19 m de distância. O refletor de luz foi posicionado ao lado da câmera para que os marcadores, produzidos com material refletor, que estavam posicionados no corpo dos participantes, fossem melhor destacados nas filmagens.

 

    A parede continha 5 agarras do lado direito e 4 do lado esquerdo, sendo uma final entre as duas. No lado direito, as distâncias estavam assim distribuídas: entre a 1° e a 2° (79 cm), entre a 2° e a 3° (80 cm), entre a 3° e a 4° (111 cm), entre a 4° e a 5° (60 cm). No lado esquerdo, as distâncias estão assim distribuídas: entre a 1° e a 2° (82 cm), entre a 2° e a 3° (140 cm), entre a 3° e a 4° (90 cm).

 

Modelo Biomecânico Anatômico 

 

    Na pele dos participantes do estudo foram fixados 16 marcadores, sendo 8 marcadores na parte superior do corpo e 8 na parte inferior. Na parte superior, os marcadores foram posicionados: no acrômio, na borda inferior da escápula e nos epicôndilos medial e lateral do cotovelo, nos hemicorpos direito e esquerdo. Já na parte inferior, os marcadores foram posicionados, na espinha ilíaca póstero superiora, no trocânter e nos epicôndilos lateral e medial do joelho, também do hemicorpo direito e esquerdo. Os pares de marcadores posicionados no cotovelo e joelho serviram como referência para a determinação do centro articular correspondente.

 

Figura 1. Imagem ilustrativa do Modelo Biomecânico Anatômico

Figura 1. Imagem ilustrativa do Modelo Biomecânico Anatômico

Fonte: Elaboração própria

 

Condição do experimento 

 

    A trajetória (via da escalada) foi idealizada e construída por um Route Setter credenciado, que é um profissional que organiza e constrói as linhas de escalada em ginásios e em campeonatos. A via é construída atendendo a escala RIC, a partir da dificuldade do movimento, sendo composta pelo tamanho da via, inclinação da parede, tipos de agarras e inclusões de movimentos dinâmicos (Godoffe, 2017). Este buscou idealizar uma via cuja capacidade física flexibilidade fosse mais solicitada, definindo uma via de grau 4A. Foram escolhidas agarras cavadas de pega cheia (CruxÒ), para atender tanto aos níveis iniciantes como intermediários. Esse tipo de agarra é a que mais facilita a apreensão manual e o encaixe do pé para a subida. Todos os participantes utilizaram sapatilhas e magnésio nas mãos, para facilitar a sustentação e diminuir o risco de quedas pelo suor.

 

    No movimento realizado os escaladores se posicionavam na base da parede para a realização da subida de uma rota fixa. A partir do momento que se posicionavam no começo da via (base da parede) e retiravam os pés do Crash Pad (colchão para amortecer em caso de queda, utilizado obrigatoriamente para a segurança dos participantes) se iniciava o registro da filmagem e finalizava quando o atleta agarrava a última peça (TOP) com as duas mãos, finalizando a avaliação.

 

Edição dos vídeos 

 

    Após o registro das subidas, realizadas de forma efetiva, os vídeos foram editados no programa Adobe Premier para a transformação da extensão dos vídeos de MOV para AVI, para o recorte do movimento a ser analisado e para redução da dimensão da imagem de 1920x1080 para 720x480 pixels.

 

Tratamento de dados 

 

    Após a edição, os vídeos foram submetidos ao programa SkillSpector, para a reconstrução do modelo anatômico bidimensional. Na reconstrução 2D foi gerado um arquivo com os dados das posições das articulações marcadas. O cálculo dos ângulos relativos das articulações de ombro e quadril foram calculados através de funções trigonométricas desenvolvidas em ambiente MATLAB®. Para a articulação do ombro foram construídos dois vetores a partir das coordenadas bidimensionais do acrômio, da borda inferior da escápula e do cotovelo. Para a articulação do quadril foram utilizadas as coordenadas bidimensionais da espinha ilíaca póstero superiora, do trocânter e do joelho.

 

    Em relação ao ombro, o ângulo obtido está entre o braço e o tronco, ou seja, um ângulo interno. Para o quadril, o ângulo obtido é o externo. Uma grande amplitude de ombro representa um maior afastamento do braço em relação ao tronco. Já para o quadril, uma grande amplitude representa uma maior aproximação da coxa ao tronco.

 

    Em seguida foram elaborados gráficos dos ângulos articulares do ombro e quadril em função do tempo em que se detectou os picos mínimos e máximos e foi calculada a amplitude. A performance dos atletas foi determinada pelo tempo da prova, de modo que o melhor desempenho é representado pelo menor tempo de via percorrida.

 

Análise de dados 

 

    Para a análise dos dados utilizou-se as estatísticas descritivas e inferenciais. O tipo de distribuição de dados foi verificado através do teste de Shapiro-Wilk. Apenas as variáveis amplitude de ombro e tempo de prática apresentaram distribuição normal. Para as comparações entre variáveis com distribuição normal utilizou-se o teste de t Student para amostras independentes e para as demais comparações o teste U de Mann-Whitney. Os testes de correlação adotados foram o de Pearson (distribuição Normal) e Spearman (não-Normal). O nível de significância adotado foi de 5%.

 

Resultados 

 

    A seguir apresentam-se os resultados referentes às análises estatísticas das amplitudes articulares dinâmica de ombro e quadril dos participantes, distribuídas em função do hemicorpo e do sexo.

 

    Na Tabela 1 são apresentadas as amplitudes articulares dinâmicas de ombro e quadril em relação ao hemicorpo direito e esquerdo.

 

Tabela 1. Amplitudes articulares dinâmicas do ombro e quadril em relação ao hemicorpo

Medida

Articulação

Hemicorpo

Direito (n=15)

Esquerdo (n=15)

Média

[graus]

Desvio-Padrão

[graus]

Média

[graus]

Desvio-Padrão

[graus]

Dinâmica

Ombro

164,48*

12,12

149,59

15,86

Quadril

97,39

45,53

85,10

25,93

Nota: Test t para amostras independentes: * Diferenças estatisticamente significativa (p=0,007). 

U de Mann-Whitney: Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas. Fonte: Elaboração própria

 

    Os resultados demonstraram que somente a articulação do ombro apresentou diferença significativa, sendo o valor de amplitude maior do ombro direito em relação ao esquerdo.

 

    As correlações entre as amplitudes das articulações do hemicorpo direito com os tempos de prática e de prova estão apresentadas na Tabela 2.

 

    Observou-se que há correlação negativa entre a amplitude da articulação do ombro e a amplitude da articulação do quadril, como também uma correlação positiva entre a amplitude do ombro com o tempo de prova e amplitude do quadril com o tempo de prática.

 

Tabela 2. Valores dos coeficientes de correlação referentes às articulações do hemicorpo direito

Medida Dinâmica

Amplitude Ombro

[graus]

Amplitude Quadril

[graus]

Tempo de Prática

[meses]

Tempo de Prova

[meses]

Amplitude Ombro

-

-

-0,624**

0,013

-0,406

0,133

0,634*

0,011

Amplitude Quadril

-0,624**

0,013

-

-

0,777**

0,001

-0,485

0,067

Tempo de Prática

-0,406

0,133

0,777**

0,001

-

-

-0,489

0,064

Tempo de Prova

0,634*

0,011

-0,485

0,067

-0,489

0,064

-

-

Nota: *Correlação de Pearson; **Correlação de Spearman. Fonte: Elaboração Própria.

 

    Para o hemicorpo esquerdo apresenta-se, na tabela 3, as correlações entre as amplitudes das articulações ombro e quadril com o tempo de prática e o tempo de prova.

 

Tabela 3. Valores dos coeficientes de correlação referentes às articulações do hemicorpo esquerdo

 

Amplitude Ombro

[graus]

Amplitude Quadril

[graus]

Tempo de Prática

[meses]

Tempo de Prova

[meses]

ρ

σ

ρ

σ

ρ

σ

ρ

σ

Amplitude

Ombro

-

-

0,213

0,446

-0,632*

0,011

0,231

0,407

Amplitude

Quadril

0,213

0,446

-

-

-0,070

0,804

0,109

0,699

Tempo de Prática

-0,632*

0,011

-0,070

0,804

-

-

-0,489

0,064

Tempo de Prova

0,231

0,407

0,109

0,699

-0,489

0,064

-

-

Nota: *Correlação de Spearman. Fonte: Elaboração própria.

 

    Os valores apresentados na tabela acima, mostra que existe apenas uma correlação negativa que é entre a amplitude da articulação do ombro com o tempo de prática.

 

Discussão 

 

    A discussão a seguir está organizada em três grandes tópicos: a influência da via da escalada sobre o comportamento angular, a influência da flexibilidade sobre a performance e a influência do tempo de prática sobre a flexibilidade.

 

Influência da via sobre o comportamento angular 

 

    A construção da via foi determinística no comportamento das articulações, pois a distância entre agarras do lado esquerdo foram menores do que o direito. Assim, considerando o grupo dos participantes observou-se diferenças significativas da amplitude do ombro direito comparado ao esquerdo. Na construção das rotas a maioria dos Route Setters utilizam a escala de RIC que foi desenvolvida e idealizada por Jacky Godoff e com a colaboração de Tonde Kativo. A escala RIC é um sistema para descrever numericamente um problema de Boulder entre os Route Setters da Federação Internacional de Escalada Esportiva (IFSC). (Godoffe, 2017)

 

    O objetivo é estimular a capacidade de resolver o desafio de uma via da escalada pela maneira mais técnica e criativa possível, e leva em consideração três fatores essenciais identificados como: R (risco) + I (intensidade) + C (complexidade). Dentre cada um desses fatores é atribuída uma nota que varia de 0 (mínimo) a 5 (máximo). O risco avalia o desafio mental que o movimento ou a agarra representa, a intensidade avalia o desafio físico de um movimento, ou uma sequência ou uma via da escalada para um determinado sujeito. Já a complexidade avalia o quão difícil é a resolução desta determinada rota, ela procura entender como se encontra a beta (como fazer a via da escalada).

 

    Como é um esporte que o desafio muda a cada momento, nem sempre quem vence uma competição de escalada é aquele que possui mais força. O escalador precisa também ter raciocínio e estratégia, em vista disso, a escala RIC tem a sua importância para criar vias da escalada mais equilibradas, em que, para ser superada, o escalador precisa ser eficaz e adaptável ao problema do Boulder. Portanto, a construção da via da escalada é decisiva para o comportamento das articulações, como o uso de determinadas técnicas.

 

    A igualdade de amplitudes dos quadris na comparação geral entre participantes parece demonstrar que o movimento desta articulação acontece como sequência da ação do ombro. Observou-se uma correlação negativa entre a amplitude do ombro e quadril, ou seja, durante o movimento enquanto o ombro apresenta uma grande amplitude o quadril apresenta um menor valor.

 

    A escalada esportiva e o Boulder se caracterizam pela progressão lenta. As mãos e pés são usados para sustentar o corpo na parede, os braços ficam estendidos ou flexionados para auxiliar as pernas a projetar o corpo nas diversas direções com movimentos de oposição e compressão. Desta forma, essa sequência de movimentos e coordenação entre braços e pernas são importantes. (Souto, e Alchieri, 2015)

 

    A coordenação dos membros durante a escalada é dependente do comportamento perceptivo-motor, pois os atletas observam a via e se adaptam em função das restrições impostas e o desempenho necessário. Portanto estas ações coordenadas entre membros são reguladas ao longo do tempo (Orth, Davids, Seifert, 2016). Em escaladas, a variabilidade dos ângulos dos membros pode ser maior em especialistas do que iniciantes sugerindo a eles maior dependência das propriedades do ambiente de desempenho e dos comportamentos adaptativos. (Seifert et al., 2013)

 

Influência da flexibilidade sobre a performance 

 

    Quando se aborda o estilo Boulder há necessidade de se ponderar em relação ao tempo de prova, pois pelo regulamento este não é determinístico no desempenho. O vencedor de uma prova Boulder se estabelece pelo número reduzido de tentativas para alcançar o topo da escalada em um tempo limite de quatro minutos. Neste estudo foi abordada apenas a primeira subida efetiva. No desempenho de prova menores tempos apresentaram-se em movimentos com menores amplitudes de ombro, ou seja, a estratégia de troca rápida de agarras pode ter sido determinística para a performance.

 

    Embora o tempo não seja considerado para a modalidade Boulder, esta variável é considerada por muitos estudos para analisar a performance dos atletas. Na escalada não é diferente, pois essa duração é traduzida como um tempo máximo de realização do percurso e não como pontuação ou critério de desempate. O tempo tem uma função mais efetiva apenas nas modalidades de Speed e Lead, para critério de pontuação. No Lead o tempo é usado como critério de desempate (ABEE, 2022). O desempenho do atleta na escalada esportiva é resultado de uma somatória das pontuações nas três modalidades.

 

    Embora na modalidade Boulder a inclusão do tempo não seja utilizada para determinar a classificação dos atletas em competição, os resultados encontrados neste estudo apontam esta variável como importante para o acompanhamento do desempenho do atleta. Tanto no processo de ensino-aprendizagem da disciplina quanto numa reavaliação do desempenho pós-competição, o tempo pode ser utilizado como parâmetro de acompanhamento do atleta. Neste estudo foi observado que há correlação entre o tempo de prova e a amplitude articular do ombro.

 

Influência do tempo de prática sobre a flexibilidade 

 

    A influência do tempo de prática sobre a flexibilidade foi corroborada com a existência da relação negativa entre a articulação do ombro e o tempo de prática. Também os atletas mais experientes apresentaram maiores amplitudes de quadril.

 

    Observa-se que neste tipo de abordagem os testes de flexibilidade utilizados são aplicados de forma estática, cujos resultados ainda são divergentes entre autores. No estudo de Draper et al. (2009), os autores observaram que escaladores de maior habilidade tiveram melhores níveis de flexibilidade, sugerindo que esta é um componente importante da aptidão em escaladores de rocha.Ainda, afirmam que esta deve ser abordada nos programas de treinamento, pois o desempenho é dependente da flexibilidade.

 

    A escalada tanto em gelo quanto de forma esportiva embora tenham semelhança quanto à atividade, cada uma possui uma especificidade. Comparando escaladores de gelo e escaladores esportivos, Vujić et al. (2021) verificaram que as capacidades físicas são mais preponderantes em um grupo do que em outro.Os escaladores esportivos comparados aos de gelo apresentaram maior força de preensão manual e flexibilidade. Já Draga et al. (2020) não observaram correlações significativas entre os testes de flexibilidade específicos para escalada e o nível de habilidade esportiva de escaladores.

 

    Desta forma, é necessário esclarecer que embora os autores tenham utilizado testes de flexibilidade estáticos e de serem específicos para a modalidade, há de considerar que o esporte é dinâmico. Além do nível de habilidade dos escaladores os autores relacionaram ao grau de vias, enquanto, neste estudo, foi utilizado o tempo de prática desses atletas. Ainda, os autores afirmaram que a flexibilidade é muito específica e difícil de diagnosticar na escalada, mas que deve ser desenvolvida (Draga et al., 2020).

 

Limitações e propostas de novos estudos 

 

    Há limitações deste estudo, uma relacionada ao plano de movimento. Enquanto no Boulder as paredes apresentam inclinações, na cinemetria há necessidade de um posicionamento perpendicular da câmera em relação ao plano de movimento, fato este mais facilitado quando a parede está em 90 graus em relação ao chão. Nestas projeções dos segmentos no plano bidimensional podem ocorrer rotações em outros planos. Neste sentido, nos cálculos realizados neste estudo consideramos os movimentos como se fossem adução/abdução de ombro e flexão/extensão de quadril. Outras limitações que podemos apontar são em relação:à amostra, relativamente pequena;à desigualdade em número de homens e mulheres e à distribuição de treinamento,o que podem afetar a representatividade e a generalização dos resultados.

 

    Para estudos futuros observa-se a necessidade de comparações das vias direita e esquerda, aumentar o número de tentativas efetivas, comparar o desempenho entre sexos e aumentar a amostra dos participantes e ainda verificar se os praticantes realizam treino de flexibilidade.

 

Conclusão 

 

    Considerando as limitações deste estudo foi possível identificar as amplitudes angulares dinâmicas das articulações do ombro e do quadril em atletas escaladores da disciplina Boulder indoor. Ao comparar o desempenho de prova com as amplitudes articulares conclui-se que tanto o quadril quanto o ombro são importantes, porém, a via da escalada é determinística na cinemática angular do ombro. Na compararão entre o tempo de prática e as amplitudes articulares dinâmicas, escaladores com menor tempo de prática apresentaram maiores amplitudes de ombro, já escaladores mais experientes apresentaram maiores amplitudes de quadril. Tais achados podem contribuir com o aperfeiçoamento dos treinamentos referente à flexibilidade tanto de ombro como de quadril. O tempo de prova mostrou-se uma variável de controle no processo de análise de desempenho, embora a disciplina não a considere como determinística na classificação do atleta.

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 309, Feb. (2024)