gjscapin@gmail.com

Licenciado e Mestre em Educação Física

Especialista em Educação Física Escolar

Doutorando em Educação - PPGE/UFSM

Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Trabalho, Educação

e Políticas Públicas - Kairós/UFSM

Professor de Educação Física - SMEC Panambi-RS

(Brasil)

Recepção: 08/08/2023 - Aceitação: 22/11/2023

1ª Revisão: 03/11/2023 - 2ª Revisão: 19/11/2023

Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

Citação sugerida: Scapin, G.J. (2024). Temas como forma pedagógica: o ensino da Educação Física na Educação Infantil. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(308), 128-141. https://doi.org/10.46642/efd.v28i308.7165

 

Resumo

    Este texto objetiva apresentar e descrever um recorte da proposta de trabalho elaborada para o ensino da Educação Física na Educação Infantil a partir da forma pedagógica em temas, destacando o brincar/jogar como atividade principal da criança. Metodologicamente seguirá os delineamentos de um Relato de Experiência do trabalho pedagógico realizado em uma turma do Jardim I (Crianças de 4 anos de idade), de uma escola pública municipal da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Nos resultados, entende-se que o trabalho com temas da prática social ampla e, a partir disso, o trabalho com os temas específicos da Cultura Corporal, atribui um sentido amplo à atividade social da criança, traçando relações entre o todo-universal (práticas ou atividades sociais) e o singular (elementos da Cultura Corporal) por meio do particular (brincar e jogar).Por fim, este relato representa uma possibilidade (e uma realidade) concreta de intervenção didática a partir da forma pedagógica de temas.

    Unitermos: Educação Física. Educação Infantil. Trabalho pedagógico. Temas.

 

Abstract

    This text aims to present and describe an excerpt of the work proposal prepared for teaching Physical Education in Early Childhood Education based on the pedagogical form in themes, highlighting playing as the child's main activity. Methodologically, it will follow the outlines of an Experience Report of the pedagogical work carried out in a Kindergarten I class (4-year-old children), at a municipal public school in the northwest region of the State of Rio Grande do Sul. In the results, it is understood- It is clear that the work with themes of broad social practice and, from this, the work with the specific themes of Body Culture, attributes a broad meaning to the child's social activity, tracing relationships between the universal whole (social practices or activities) and the singular (elements of Body Culture) through the particular (playing and gaming). Finally, this report represents a concrete possibility (and reality) of didactic intervention based on the pedagogical form of themes.

    Keywords: Physical Education. Child Education. Pedagogical work. Themes.

 

Resumen

    Este texto tiene como objetivo presentar y describir un extracto de la propuesta de trabajo elaborada para la enseñanza de la Educación Física en la Educación Inicial a partir de la forma pedagógica en temas, destacando el juego como actividad principal del niño. Metodológicamente, se siguen los lineamientos de un Informe de Experiencia del trabajo pedagógico realizado en una clase de Jardín de Infantes I (Niños de 4 años), en una escuela pública municipal de la región noroeste del Estado de Rio Grande do Sul. De los resultados, se entiende que el trabajo con temas de práctica social amplia y, de ahí, el trabajo con los temas específicos de la Cultura Corporal, atribuye un significado amplio a la actividad social del niño, trazando relaciones entre lo universal. (prácticas o actividades sociales) y lo singular (elementos de la Cultura Corporal) a través de lo particular (el juego). Finalmente, este informe representa una posibilidad concreta (y una realidad) de intervención didáctica basada en la forma pedagógica de temas.

    Palabras clave: Educación Física. Educación Inicial. Trabajo pedagógico. Temas.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)

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Introdução 

 

    No âmbito das metodologias de ensino, este trabalho possui como escopo o uso de temas como forma de organização pedagógica dos elementos da Cultura Corporal no contexto da Educação Infantil e como recurso didático para o ensino da Educação Física. De antemão, entretanto, são necessárias algumas considerações acerca da Educação Física na Educação Infantil no Brasil.

 

    Sabe-se que a partir da Constituição Federal de 1988, a educação de crianças com idade de zero a 6 anos, em creches e pré-escolas, passou a ser atribuição e dever do Estado (Brasil, 1988). Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 1996, – LDB 9394/96 – a Educação Infantil, reformulando e substituindo a educação dita “pré-escolar”, integrou-se à Educação Básica, incorporando o mesmo status curricular e pedagógico do Ensino Fundamental e do Ensino Médio (Brasil, 2018).

 

    Com a modificação da própria LDB, em 2006, cujo ajuste antecipou a inserção dos alunos no Ensino Fundamental a partir dos seis anos de idade, a Educação Infantil passou, desse modo, a atender crianças com idade de zero a 5 anos. A obrigatoriedade, entretanto, do acesso à Educação Infantil para crianças de 4 e 5 anos foi viabilizada somente com a Emenda Constitucional nº 59/2009¹, que estabeleceu a obrigatoriedade (e gratuidade) do acesso à educação escolar para crianças/adolescentes com idade entre 4 e 17 anos, sendo inserida, por conseguinte, na Lei 12.796 de 2013², alterando a LDB de 1996 (Brasil, 2018).

 

    Neste contexto, em 2010, o Ministério da Educação publicou as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, com o objetivo de estabelecer as bases para a organização das propostas pedagógicas da referida etapa da educação básica (Brasil, 2010). No ano de 2013, divulga-se a revisão das diretrizes curriculares da Educação Infantil, a partir da publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica, a fim de “incorporar os avanços presentes na política, na produção científica e nos movimentos sociais na área. Elas podem se constituir em instrumento estratégico na consolidação do que se entende por uma Educação Infantil de qualidade”. (Brasil, 2013, p. 83)

 

    Ademais, é oportuno o destaque desta etapa singular da educação básica para o pleno desenvolvimento e aprendizagem da criança, fazendo parte, inclusive, dos delineamentos da Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018). De acordo com o referido documento, a Educação Infantil, como primeira etapa da educação básica, lança mão de princípios pautados pela concepção do cuidar e do educar como entes inseparáveis do processo educativo, articulando-se com as interações e brincadeiras tomadas, no documento normativo, como eixos estruturantes das práticas pedagógicas. (Brasil, 2018)

 

    É nesse plano que a Educação Física, como área de conhecimento que trata pedagogicamente dos elementos da Cultura Corporal (Coletivo de Autores, 2012), paulatinamente, se insere e desenvolve/objetiva seu trabalho pedagógico³, buscando contribuir para a formação da corporeidade dos educandos, ampliando seu acervo cultural e de práticas corporais. Sobre isso, importa estabelecer estratégias metodológicas que vise à qualidade do ensino da Educação Física na Educação Infantil, destacando o trabalho interdisciplinar, o jogo simbólico e a autonomia da criança para se relaciona com seus pares no processo de produção/apropriação de práticas corporais em diferentes tempos e espaços, conforme sugestões de Borré, e Reverdito. (2020)

 

    Entende-se que o compromisso da Educação Física nesta etapa da educação básica, ou seja, da Educação Física na Educação Infantil, consiste em articular todo o seu acervo de conhecimentos específicos, tais como os jogos/brincadeiras, danças, lutas, esportes e ginásticas, com os princípios e concepções da Educação Infantil, alicerçados pelos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento (conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se) e pelos Campos de Experiências (o Eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons, cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações e transformações), atendendo aos objetivos de aprendizagem e desenvolvimento de cada faixa etária da Educação Infantil de acordo com a BNCC⁴. (Brasil, 2018)

 

    Em recente estudo, publicado em formato de ensaio, Scapin, e Camargo (2021) situaram o lugar da Educação Física na Educação Infantil. Contrapondo as formas didatizadas e conteudistas de desenvolver o trabalho pedagógico na Educação Infantil – cujo processo metodológico inibe o desenvolvimento da criatividade e do protagonismo da criança – os autores destacaram a importância da Educação Física para o desenvolvimento da criança tomando como referência o brincar como objeto de conhecimento da área. Também concluíram que a Educação Física na Educação Infantil, por meio do brincar, entendido como tempo-espaço exclusivo da criança em sua integralidade, atende as demandas de suas necessidades de ação e de se-movimentar, tornando-se (o brincar) a atividade principal da criança em sua relação com o mundo a partir da linguagem e do/com o corpo. (Scapin, e Camargo, 2021)

 

    Para Mello et al. (2020), a inserção da Educação Física na Educação Infantil precisa superar a lógica disciplinar. Para tanto, necessita articular a referida área de conhecimento com outras áreas, com diferentes linguagens e sujeitos, oportunizando para as crianças a possibilidade de expressarem sua corporeidade de modo co-participativo. Do mesmo modo, Pane, e Levoratti (2022, p. 91) sugerem alternativas para o ensino da Educação Física, no intuito de superar os modelos hegemônicos na área com o estabelecimento de práticas pedagógicas críticas que "deben propiciar el tránsito por experiências significativas por parte de las y los actores que les permitan vivenciar otros sentidos sobre las prácticas deportivas, lúdicas y gimnásticas".

 

    Dito isso, objetiva-se apresentar e descrever um recorte da proposta de trabalho elaborada para o ensino da Educação Física na Educação Infantil a partir da forma pedagógica em temas, destacando o brincar/jogar como atividade principal da criança. Metodologicamente, pauta-se por uma exposição descritiva, a partir dos delineamentos de um Relato de Experiência do trabalho pedagógico ideado e objetivado em uma turma do Jardim I (Crianças com idade de 4 anos), de uma Escola⁵ pública municipal da região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, no ano de 2021, com aulas realizadas de forma híbrida, em contexto da pandemia de COVID-19.

 

Relato da experiência 

 

    Metodologicamente, o desenvolvimento desta elaboração teórica esteve pautado por um relato de experiência. Para tanto, lançou-se mão de registros sistemáticos das aulas a partir de anotações, sistematizando as observações e intervenções, conforme preceitos de Robert Bogdan, e Biklen (1994). Desse modo, considerando o objetivo proposto para este artigo e seus limites estruturais, o desenvolvimento deste artigo organiza-se em dois momentos: 1º) descrição dos preâmbulos⁶ do trabalho pedagógico e apresentação dos pressupostos teórico-metodológicos que fundamentaram o planejamento e o desenvolvimento do trabalho pedagógico na escola; 2º) apresentação de recortes de uma aula de Educação Física realizada na Educação Infantil, descrevendo seu desenvolvimento e a exposição de alguns registros fotográficos a fim de ilustrar os resultados.

 

Preâmbulos do trabalho pedagógico e fundamentação teórica 

 

    O trabalho pedagógico objetivado com a intencionalidade de tratar dos sentidos/significados da Educação Física na Educação Infantil, a partir da organização pedagógica de temas, foi realizado durante o ano letivo de 2021, em uma escola municipal situada na região noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Nesta rede municipal de ensino, atendem-se crianças e adolescentes nas etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental (Anos Iniciais e Anos Finais). A referida Escola⁷, por sua vez, atendia, à época, em torno de 260 alunos distribuídos, também, em Educação Infantil (Jardim I e II) e Ensino Fundamental (turmas do 1º ao 9º ano).

 

    Considerando o recorte metodológico para apresentação da proposta de trabalho, destaca-se o trabalho desenvolvido com a turma do Jardim I (tipicamente com alunos de 4 anos). Em 2021, a Escola contava com 25 alunos matriculados na referida turma, sendo atendida por três professores em dia/hora específico/a: professora Pedagoga, professora de Arte e professor de Educação Física. O trabalho pedagógico de cada professor era/é realizado de forma articulada e integrado à proposta pedagógica da Escola.

 

    Particularmente, o trabalho pedagógico realizado com o componente curricular da Educação Física, em 2021, na turma do Jardim I, era desenvolvido em um dia da semana (nas segundas-feiras), no turno da tarde, durante 2h (dois períodos de 1 hora/aula). Ademais, considerando o delicado estado, à época, do contexto pandêmico, as aulas eram realizadas de forma híbrida, articulando uma rotina presencial (na escola) com atendimento remoto (em casa).

 

    De modo específico, a turma do Jardim I estava organizada em três grupos de alunos⁸: dois grupos realizavam um rodízio semanal e intercalado, com atividades presenciais e remotas; e o terceiro grupo, em razão da escolha da família ou por decisão de outra ordem, manteve a realização das atividades somente em regime remoto. As atividades realizadas de forma presencial seguiam todos os protocolos de segurança sanitária elaborados pela escola com orientação da rede municipal de ensino, tais como uso da máscara, distanciamento social, higienização de materiais e das mãos, cuidados acerca do compartilhamento de objetos e materiais. Nas atividades remotas, a mediação (entre escola e família) era realizada pelas tecnologias de informação e comunicação (TIC), com uso da plataforma EducarWeb para envio das atividades⁹ e recebimento das devolutivas e registros.

 

    Realizado esse movimento de caracterização do contexto e do local de realização do trabalho pedagógico, encaminha-se a apresentação da proposta de trabalho ideada e objetivada para o trato pedagógico com a Educação Física na turma do Jardim I, destacando as concepções e os pressupostos teórico-metodológicos que pautaram o desenvolvimento do trabalho.

 

    Acerca da concepção de Educação Física que alicerçou o trabalho pedagógico na escola, com a turma de Jardim I, lança-se mão das elaborações do Coletivo de Autores (2012). Tal como sugerem os referidos autores, tematizou-se, na escola, a Educação Física constituída a partir da sistematização das práticas corporais situadas no âmbito da Cultura Corporal, na qualidade de dimensão da materialidade corpórea produzida e preservada pelo conjunto da humanidade ao longo de sua história e incorporadas em seu comportamento e em suas relações sociais, representadas e manifestadas na forma de jogos, brincadeiras, danças, lutas, esportes, ginásticas, entre outras. Isso posto, torna-se necessário, portanto, disponibilizar às novas gerações o acesso a esse acervo cultural da humanidade na forma de conteúdos escolares a partir de uma abordagem Crítico-Superadora, considerando a historicidade das práticas corporais situadas no plano da cultura e a necessidade de superar as relações de poder dominante que compõem seus sentidos e significados. (Coletivo de Autores, 2012)

 

    Do ponto de vista curricular, os elementos e as formas da Cultura Corporal, já mencionados, orientam-se pelos delineamentos do Referencial Curricular Municipal e da Base Nacional Comum Curricular para a etapa da Educação Infantil. Reitera-se, portanto, que a tarefa da Educação Física na Educação Infantil situa-se em articular o seu acervo de conhecimento com as diretrizes indicadas pelos documentos curriculares específicos como, por exemplo, Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento, Campos de Experiência e Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento. Considerando o recorte deste artigo e o objetivo proposto para o desenvolvimento do trabalho com a turma de Jardim I, observa-se o que trata cada um dos referidos campos curriculares de acordo com a BNCC. (Brasil, 2018)

 

    No que se refere aos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento para a Educação Infantil, a BNCC destaca: conviver; brincar; participar; explorar; expressar e conhecer-se. Acerca dos Campos de Experiência, entendidos como “[...] um arranjo curricular que acolhe as situações e as experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural”. (Brasil, 2018, p. 40), a BNCC/2018 menciona cinco¹⁰, dos quais se destaca um, de acordo com a especificidade da Educação Física: Corpo, gestos e movimentos. Esse Campo de Experiência, em particular, é concebido como:

    Com o corpo (por meio dos sentidos, gestos, movimentos impulsivos ou intencionais, coordenados ou espontâneos), as crianças, desde cedo, exploram o mundo, o espaço e os objetos do seu entorno, estabelecem relações, expressam-se, brincam e produzem conhecimentos sobre si, sobre o outro, sobre o universo social e cultural, tornando-se, progressivamente, conscientes dessa corporeidade. [...]. As crianças conhecem e reconhecem as sensações e funções de seu corpo e, com seus gestos e movimentos, identificam suas potencialidades e seus limites, desenvolvendo, ao mesmo tempo, a consciência sobre o que é seguro e o que pode ser um risco à sua integridade física. Na Educação Infantil, o corpo das crianças ganha centralidade, pois ele é o partícipe privilegiado das práticas pedagógicas de cuidado físico, orientadas para a emancipação e a liberdade, e não para a submissão. Assim, a instituição escolar precisa promover oportunidades ricas para que as crianças possam, sempre animadas pelo espírito lúdico e na interação com seus pares, explorar e vivenciar um amplo repertório de movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo, para descobrir variados modos de ocupação e uso do espaço com o corpo (tais como sentar com apoio, rastejar, engatinhar, escorregar, caminhar apoiando-se em berços, mesas e cordas, saltar, escalar, equilibrar-se, correr, dar cambalhotas, alongar-se etc.). (Brasil, 2018, p. 41)

    No âmbito dos Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento, compreendidos como aprendizagens essenciais que situam “[...] tanto comportamentos, habilidades e conhecimentos quanto vivências que promovem aprendizagem e desenvolvimento nos diversos campos de experiências, sempre tomando as interações e a brincadeira como eixos estruturantes” (Brasil, 2018, p. 43), a BNCC preconiza objetivos organizados a partir de três grupos, considerando a faixa etária das crianças: Bebês (zero a 1 ano e 6 meses); Crianças bem Pequenas (1 ano e 7 meses a 3 anos e 11 meses); e Crianças Pequenas (4 anos a 5 anos e 11 meses). Ponderando que este trabalho foi realizado com uma turma de Jardim I, ou seja, com Crianças Pequenas (4 anos), apresentam-se os objetivos de aprendizagem que pautaram o planejamento e a ação pedagógica de acordo, também, com o Campo de Experiência ora mencionado: “Objetivos de Aprendizagem e Desenvolvimento” para o Campo de Experiência “Corpo, gestos e movimentos”:

    Criar com o corpo formas diversificadas de expressão de sentimentos, sensações e emoções, tanto nas situações do cotidiano quanto em brincadeiras, dança, teatro, música. Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em brincadeiras e jogos, escuta e reconto de histórias, atividades artísticas, entre outras possibilidades. Criar movimentos, gestos, olhares e mímicas em brincadeiras, jogos e atividades artísticas como dança, teatro e música. Adotar hábitos de autocuidado relacionados à higiene, alimentação, conforto e aparência. Coordenar suas habilidades manuais no atendimento adequado a seus interesses e necessidades em situações diversas. (Brasil, 2018, p. 47)

    Todo esse conjunto de campos e orientações curriculares, articulados à concepção de Educação Física e seu acervo de conhecimento, pautaram, do ponto de vista curricular e metodológico, o trabalho pedagógico desenvolvido com a turma de Jardim I da Escola em questão. Para finalizar esse primeiro momento do relato de experiência, resta expor, de modo geral, a base que representa o arcabouço teórico de sustentação do trabalho pedagógico, situando a periodização do desenvolvimento das crianças do Jardim I e o ciclo de escolarização, o brincar como atividade principal da criança e, por fim, a organização em temas como forma pedagógica para o trato com a Educação Física na Educação Infantil.

 

    O trabalho pedagógico com a turma do Jardim I esteve alicerçado na teoria Histórico-Cultural do desenvolvimento humano de acordo com os preceitos de Lev Vygotski (2002). Preconizo a referida teoria, pois supera por incorporação as formas biológicas e naturalizantes do desenvolvimento humano, uma vez que esse ocorre nas condições e relações históricas e culturais particulares em que os sujeitos, em seu coletivo social, entram em contato. Sob essa perspectiva, o desenvolvimento psíquico dos alunos do Jardim I, tipicamente com 4 anos de idade, situava-se no âmbito da periodização na época característica da infância e do período denominado de pré-escolar, conforme explicação de Pasqualini (2013).

 

    Do ponto de vista dos Ciclos de Escolarização, como grau de apreensão do conhecimento pela criança, os alunos situavam-se no primeiro ciclo, isto é, na etapa da “Organização da identidade dos dados da realidade”, suscitando a necessidade de, por meio da experiência sensível, conhecer e organizar os dados da realidade, formar sistemas e encontrar relação entre as coisas e os fatos do seu contexto (Coletivo de Autores, 2012). Tematizar as formas da Cultura Corporal, nessa perspectiva, significava possibilitar aos alunos que reconhecem a si mesmos e as próprias possibilidades de ação, reconhecessem os instrumentos, materiais e objetos de suas atividades e pudessem compreender as relações sociais com seus colegas, professores e família, identificado como laço cultural.

 

    Por fim, considerando o brincar como atividade principal da criança, ou seja, como atividade que supre a necessidade de ação, suscitando saltos qualitativos em seu desenvolvimento (apropriação de signos e da cultura), a etapa da infância pré-escolar e do primeiro ciclo de escolarização possui como atividade guia os jogos/brincadeiras de papéis/faz de conta. De acordo com Ana Carolina Marsiglia, sua pertinência consiste em:

    A brincadeira de papéis no contexto da educação escolar deve estar a serviço da apropriação da cultura e do desenvolvimento psíquico, cabendo ao professor não só ampliar o conhecimento de mundo da criança de modo que forneça matéria-prima para o faz de conta, mas enriquecer a atividade lúdica e promover sua complexificação. (Marsiglia, 2013 p. 91)

    É nesse quadro teórico que se destaca a forma pedagógica de temas para a organização do conhecimento da Educação Física articulado aos objetivos e diretrizes da Educação Infantil. De acordo com Carolina Nascimento, e Luiz Dantas (2009, p. 155), o trabalho com temas como forma pedagógica para organizar a atividade principal da criança, no caso da turma de Jardim I: o brincar de faz de conta ou as brincadeiras de papéis, “[...] significa assumir que ele organiza a realidade em meios singulares ou a reconstitui em meios singulares (na forma de jogo), para que as crianças possam dela se apropriar”. Na Educação Física da Educação Infantil o trabalho com temas:

    [...] não equivale a uma “tematização” da aula. Ele não significa o acréscimo de um contexto às habilidades motoras que se queira trabalhar (arremesso, chute, cambalhota), mas significa a organização de uma realidade relacionada à cultura corporal, organização essa que permita à criança tomar parte/se apropriar dessa realidade. Trata-se do estudo teórico e prático de uma atividade social real (como o circo, os jogos olímpicos, a vida do índio...), que serão apropriados pela criança em forma de jogo. (Nascimento, e Dantas, 2009, p. 155)

Relato – Aula de Educação Física na Educação Infantil 

 

    Mediante a todo o arcabouço teórico, metodológico e curricular, apresentado e descrito na sessão anterior, foi desenvolvido o trabalho pedagógico da Educação Física na Educação Infantil, especificamente na turma do Jardim I de uma Escola da rede municipal de ensino da região noroeste do estado do Rio Grande do Sul. Com base na forma pedagógica de temas, os conteúdos da Educação Física foram articulados com as necessidades e objetivos da Educação Infantil a partir dos seguintes temas: Circo; Brincadeiras e Jogos da Cultura Popular e Jogos dos Povos Tradicionais; Danças e Esportes.

 

    A título de exemplificação, como recorte, apresentam-se alguns momentos de uma aula desenvolvida com a referida turma. Na ocasião, o tema foi o “Circo” e, a partir dos jogos de papéis e brincadeiras de faz de conta, articularam-se as formas da Cultura Corporal (brincadeiras e jogos) com os Campos de Experiência (corpo, gestos e movimentos) e os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento (brincar e explorar). Observa-se, na sequência, a descrição da aula desenvolvida na escola e encaminhada aos alunos que estavam em regime remoto, realizada com o auxílio da família:

• Aula 3 – 22 de março de 2021

• Direitos de Aprendizagem: Brincar e Explorar;

• Campos de Experiência: Corpo, Gesto e Movimentos;

• Unidade Temática da Educação Física: Brincadeiras e Jogos;

• Tema: Circo;

• Objetivo: Identificar, fruir e apropriar dos elementos da Cultura Corporal manifestados nas formas de brincadeiras e jogos, situados no âmbito da prática social do Circo; (Re)Conhecer o tema Circo como manifestação social e histórica, ampliando seu acervo cultural e de práticas corporais; Demonstrar controle e adequação do uso de seu corpo em brincadeiras e jogos;

• Descrição (adaptada): questionamentos sobre o Circo, sobre o contato com o contexto circense; Diálogo sobre a história do Circo, sobre a organização e personagens circenses; acesso a vídeos sobre o universo do circo; Diálogo e pesquisa sobre as brincadeiras e jogos que fazem parte do universo circense;

• Instrumentalização: construção e desenvolvimento de um jogo circense: Jogo da Argola. Esse jogo consiste em um jogo de precisão, com objetivo de acertar o alvo (garrafa pet ou pinos) utilizando-se do arremesso de instrumentos (argolas). O Quadro 1 destaca a proposta de aula encaminhada aos alunos em formato remoto (somente on-line), demonstrando a ação pedagógica.

 

7) Jogos e Brincadeiras Circenses: Além do desafio de conhecermos e trabalharmos as tarefas dos personagens do Circo (nas próximas aulas iremos conhecer melhor cada personagem e sua função no Circo, realizando algumas vivências práticas), também iremos conhecer e vivenciar algumas brincadeiras e jogos realizadas no universo do Circo. Nossa primeira brincadeira será: O Jogo da Argola.
Jogo da Argola
Objetivo e regras: Lançar um número determinado de argolas (de papel, plástico ou arame) em alvos (pinos de garrafas pets) posicionados a uma determinada distância da criança. É necessário demarcar uma posição entre a criança e os alvos (cerca de 2 a 3 metros). Cada alvo/pode receber uma pontuação específica e a criança vai somando cada ponto conquistado;   Materiais: utilizam-se somente materiais recicláveis: - papel ou jornal para elaboração das argolas (5, no mínimo); - fita adesiva para finalizar a confecção da argola (pode ser usado um barbante para atar a junção das duas pontas da argola); - 3 a 5 garrafas pets (pequenas de preferência) para elaboração dos alvos. As garrafas poderão ser enfeitadas de acordo com a disponibilidade material e criatividade da criança.	Fonte das Imagens: https://images.app.goo.gl/UMj1yxaM4meXKwcw8

Fonte: Autor (2022)

 

    Elaborar o trabalho pedagógico da Educação Física na Educação Infantil na forma pedagógica de temas possibilita, por exemplo, compreender o Circo como uma prática social e artística que produz e manifesta práticas corporais e o movimento humano na forma de arte, seja por meio dos jogos e brincadeiras ou por meio das ações dos diferentes personagens circenses expressadas nas acrobacias, na mímica, nas piruetas, nos giros e saltos que correspondem aos elementos corporais da ginástica.

    [...] o circo, como parte da realidade a ser compreendida pelas crianças (compreendida pela perspectiva de vivência da atividade social como um todo e de suas ações motoras), não traz em si os significados a serem apropriados pelos educandos. Isto é, não basta executar o movimento do equilibrista, do trapezista ou do malabarista para que cada criança se aproprie do significado social desses movimentos e das relações sociais presentes em tal atividade. É preciso organizar pedagogicamente a vivência da criança sobre o circo, a fim de direcionar sua relação e compreensão das atividades da cultura corporal, o que implica uma sistematização das experiências/dos conhecimentos sobre o circo que sejam fundamentais de serem aprendidos pelas crianças. E essa é uma tarefa do professor. (Nascimento, e Dantas, 2009, p. 157)

    Por fim, apresentam-se alguns registros da atividade proposta e desenvolvida remotamente a partir do tema Circo, sobre o Jogo da Argola. Nela, há o registro do processo de construção do material, do brinquedo para realização do jogo, assim como do produto final. Tais registros eram realizados e encaminhados pelas famílias e/ou responsáveis pelos educandos. O envio era mediante Plataforma EducarWeb, conforme mencionado, em formato de vídeos e/ou fotos, de acordo com a disponibilidade de cada família. A fim de certificação, os registros estão arquivados no portal dos professores, na referida plataforma.

 

Fonte: Autor (2022), a partir de registros disponibilizados por uma família

 

Conclusões 

 

    Ao apresentar e descrever um recorte da proposta de trabalho elaborada para o ensino da Educação Física na Educação Infantil, em uma turma de Jardim I, de uma Escola pública municipal da região noroeste do estado do Rio grande do Sul,este relato representa uma possibilidade (e uma realidade) concreta de intervenção didática a partir da forma pedagógica de temas.

 

    É oportuno o destaque acerca das circunstâncias pelas quais o trabalho pedagógico foi produzido, em contexto pandêmico, de isolamento social, e com condições pedagógicas e didáticas restritas por ocasião da lógica de organização e funcionamento das escolas no referido período.Entretanto, não se perdem de vista as contribuições da apropriação das formas corporais da Educação Física para as crianças da Educação Infantil, pois, conforme argumentam Nascimento et al. (2016), a intervenção educativa e pedagógica dessa área de conhecimento visa o desenvolvimento das funções que estão em formação no processo de aprendizagem das crianças.

 

    Do ponto de vista metodológico, em síntese,o trabalho com temas como organização pedagógica da prática social atribui um sentido mais amplo à atividade social da criança, traçando relações entre o todo-universal (práticas ou atividades sociais) e o singular (elementos da Cultura Corporal) por meio do particular (jogos de papéis e brincadeira de faz de conta), contribuindo, por conseguinte, para o processo de desenvolvimento histórico-cultural da criança, uma vez que se apropria das formas corporais situadas no âmbito da cultura.

 

Notas 

1. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm.

2. https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/30037356/do1-2013-04-05-lei-n-12-796-de-4-de-abril-de-2013-30037348

3. Por trabalho pedagógico entende-se, a partir de Ferreira (2017, 2018), o trabalho dos professores que, em interação com os estudantes, mediados pela linguagem, objetiva a produção de conhecimento em aula. Produção que é apropriação. No plano da Educação Física escolar, o trabalho pedagógico produz a corporeidade dos educandos na apropriação dos elementos da Cultura Corporal (Scapin, e Ferreira, 2022).

4. As informações e orientações sobre cada elemento delineado à Educação Infantil poderão ser encontradas de forma mais detalhada em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf.

5. Neste texto, quando aparece “Escola”, com a letra inicial em maiúsculo, se refere à instituição aonde foi realizado o trabalho pedagógico aqui descrito/relatado. Preserva-se o anonimato.

6. “Preâmbulos” é o que antecede o ocorrido, o fato. Parte preliminar (Cegalla, 2005).

7. É oportuno, inclusive, o destaque acerca do Atendimento Educacional Especializado (AEE), sendo escola-referência no município, contando com um coletivo multidisciplinar de profissionais da educação.

8. À título de informe, a referida organização e distribuição das turmas/alunos era mantida por todas as turmas da escola, não sendo exclusividade do Jardim I.

9. Em casos específicos, em que as famílias não possuíam acesso à rede de internet ou de suporte tecnológico, as atividades eram encaminhadas e recebidas em formato físico (atividades impressas). Após o recebimento das devolutivas, o registro era realizado na plataforma pelo professor(a).

10. Pormenores sobre cada Campo de Experiência pode ser encontrado em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf

Referências 

 

Borré, L.M., e Reverdito, R.S. (2020). Educação física na educação infantil: estratégias metodológicas para a qualidade da prática pedagógica. Rev. Fac. Educ. (Univ. do Estado de Mato Grosso), 33(1), 95-118. https://periodicos2.unemat.br/index.php/ppgedu/article/view/4787/3672

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)