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ISSN 1514-3465

 

Mímica para a Educação Física escolar: um relato de experiência

Mime to the School Physical Education: An Experience Report

Mímica para la Educación Física escolar: relato de una experiencia

 

Camila Monteiro de Oliveira*

camilaoliveiramont@gmail.com

Zelton Cordeiro Adelino**

zeltoncordeiro@hotmail.com

Tadeu João Ribeiro Baptista***

tadeujrbaptista@yahoo.com.br

 

*Graduanda de Educação Física (Licenciatura)

na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

**Graduando de Educação Física (Licenciatura)

na Universidade Federal do Rio Grande do Norte

***Pós-Doutor em Educação

na linha de filosofia e história da Educação (UNICAMP)

Doutorado em Educação (UFG)

Mestre em Educação Brasileira (UFG)

Licenciatura Plena em Educação Física – ESEFEGO.

Docente nos cursos de Educação Física

e nos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Educação Física

na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

(Brasil)

 

Recepção: 27/07/2023 - Aceitação: 11/11/2023

1ª Revisão: 29/09/2023 - 2ª Revisão: 08/11/2023

 

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Citação sugerida: Oliveira, C.M. de, Adelino, Z.C., e Baptista, T.J.R. (2024). Mímica para a educação física escolar: um relato de experiência. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(308), 116-127. https://doi.org/10.46642/efd.v28i308.7150

 

Resumo

    O objetivo deste trabalho é relatar uma experiência de graduandos de licenciatura em Educação Física ao ministrarem uma aula tematizando a mímica a fim de propor aos estudantes a experimentação do próprio corpo em contextos diferentes, bem como a reflexão a respeito da sociedade em que vivem, a partir da abordagem Crítico Superadora. Espera-se contribuir para uma maior exploração da mímica na Educação Física escolar, ao apresentá-la como uma forma de expressão corporal capaz de estimular a criatividade, a consciência e o repertório corporal, desnaturalizar os movimentos e compreendê-los culturalmente, refletindo sobre a cultura corporal, o corpo e as potencialidades como ser histórico. Trata-se de um relato de experiência de caráter descritivo e abordagem qualitativa. Os alunos participantes da aula a consideraram de grande valor, visto que puderam se expressar de forma lúdica e cooperativa. Além de relatarem que a mímica é uma ferramenta interessante para as aulas de educação física por suas possibilidades de movimento, criticidade, criatividade e viabilidade de recursos materiais.

    Unitermos: Educação Física. Escola. Mímica. Expressão corporal.

 

Abstract

    The objective of this work is to report an experience of undergraduate students in Physical Education when teaching a class focusing on mime in order to encourage students to experiment with their own bodies in different contexts, as well as reflect on the society in which they live, from the Critical Overcoming approach. It is expected to contribute to a greater exploration of mimicry in School Physical Education, by presenting it as a form of bodily expression capable of stimulating creativity, consciousness and bodily repertoire, denaturalizing movements and understanding them culturally, reflecting on the body culture, the body and its potential as a historical being. This is an experience report with a descriptive nature and a qualitative approach. The students participating in the class considered it of great value, as they were able to express themselves in a playful and cooperative way. In addition to reporting that mime is an interesting tool for physical education classes due to its possibilities of movement, criticality, creativity and viability of material resources.

    Keywords: Physical Education. School. Mimicry. Body language.

 

Resumen

    El objetivo de este trabajo es relatar una experiencia de estudiantes de licenciatura en Educación Física al impartir una clase centrada en el mimo con el fin de incentivar a los estudiantes a experimentar con su propio cuerpo en diferentes contextos, así como reflexionar sobre la sociedad en la que viven. desde el enfoque de Superación Crítica. Se espera contribuir a una mayor exploración del mimo en la Educación Física escolar, presentándolo como una forma de expresión corporal capaz de estimular la creatividad, la conciencia y el repertorio corporal, desnaturalizando los movimientos y comprendiéndolos culturalmente, reflexionando sobre la cultura corporal, el cuerpo. y su potencial como ser histórico. Se trata de un relato de experiencia con carácter descriptivo y enfoque cualitativo. Los alumnos que participaron en la clase la consideraron de gran valor, ya que pudieron expresarse de forma lúdica y cooperativa. Además de informar que el mimo es una herramienta interesante para las clases de Educación Física por sus posibilidades de movimiento, criticidad, creatividad y viabilidad de los recursos materiales.

    Palabras clave: Educación Física. Escuela. Mimo. Expresión corporal.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)


 

Introdução 

 

    A mímica é uma forma de expressão corporal e artística, na qual o comunicador geralmente se abstém do uso da fala, expressando pensamentos, sentimentos, ações e contando histórias com gestos. Como arte cênica, desde a Grécia Antiga haviam apresentações improvisadas com imitações da natureza, de homens e animais. Neste período aparece a Pantomima (Barreto, 2015), cujo significado pode ser compreendido como “imitador da natureza” e “aquele que imita tudo”. (Broadbent, 1901, p. 9; Pavis 2008, p. 274 apud Bastos, 2012, p. 2)

 

    Esse conceito nos remete ao processo de aprendizagem na infância, período no qual a imitação é o principal meio pelo qual a criança aprende. Nesse período, a criança se expressa majoritariamente pelo movimento (Wallon, 1975, apud Simão, 2005; de Klerk, Lamy-Yang, e Southgate, 2019). Ainda que a comunicação e a aprendizagem centradas na imitação diminuam com o surgimento da palavra, estas permanecem no cotidiano das pessoas até o final da vida, como quando fazem gestos ou expressões faciais para se comunicar.

 

Imagem 1. A mímica na Educação Física escolar pode contribuir muito para 

a expressividade, criatividade, criticidade e aumento do repertório corporal

Imagem 1. A mímica na Educação Física escolar pode contribuir muito para a expressividade, criatividade, criticidade e aumento do repertório corporal

Fonte: Gerador de imagens de Designer

 

    A mímica é muito usada em Jogos Teatrais para propiciar experiências criativas, sensibilidade e consciência corporal. Tais jogos comuns em cursos de teatro podem contribuir nos espaços escolares, como exposto por Duarte (2020) ao relatar sua experiência em ministrar oficinas para professores da rede municipal sobre contação de histórias com e no corpo em 2017 e 2018. A autora percebeu que essa vivência pode estimular os professores a “[...] experimentarem práticas pedagógicas brincantes, em que o corpo está vivo, expressivo e aberto ao jogo de ensinar e aprender” (Duarte, 2020, p. 231). Em concordância, Almeida e Martineli (2019) afirmam que, na perspectiva de Vygotski, a mímica representa a capacidade reprodutora e criadora do homem.

 

    No Brasil, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) menciona a Mímica apenas na Educação Infantil: No campo de experiência “corpo, gestos e movimentos”, sugerindo que as crianças explorem movimentos, gestos, olhares, sons e mímicas com o corpo e; no campo de experiência “traços, sons, cores e formas”, a mímica tem uma perspectiva de autoria e criação artística (Brasil, 2018). Nesse país, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI) relata que a mímica facial e gestual é uma das formas de expressão da criança, transmitindo sentimentos por meio da comunicação e sendo importante para a relação social, pautada no diálogo entre as pessoas:

    As mímicas faciais e gestos possuem um papel importante na expressão de sentimentos e em sua comunicação. É importante que a criança dessa faixa etária conheça suas próprias capacidades expressivas e aprenda progressivamente a identificar as expressões dos outros, ampliando sua comunicação. Brincar de fazer caretas ou de imitar bichos propicia a descoberta das possibilidades expressivas de si próprio e dos outros. (Brasil, 1998, p. 31)

    Entretanto, Rodríguez-Negro, e Yanci (2020) ao mensurar o nível de esforço percebido e satisfação de alunos do 1º ao 6º ano do ensino fundamental em aulas de mímica e dramatização, constataram que houve uma grande satisfação por parte dos alunos, sendo as taxas mais altas referentes aos alunos com mais idade (sexto ano). Estudos como esse e o de Duarte (2020) mostram o potencial da mímica para pessoas de outras faixas-etárias. Na Educação Física, o Coletivo de Autores (1992) menciona a mímica como integrante do acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido pela expressão corporal e, consequentemente, uma temática a ser abordada pela Educação Física escolar como estratégia para debater a materialidade corporal historicamente construída e culturalmente desenvolvida.

 

    Esses autores também destacam a mímica como um possível conteúdo a ser trabalhado juntamente com a dança na fase final do ensino fundamental (atuais 8º e 9º anos) em que as danças sejam trabalhadas com “[...] técnica e expressivamente aprimoradas e/ou mímicas, com temas que atendam às necessidades e interesses dos alunos, criados ou não por eles próprios”. (Coletivo de Autores, 1992, p. 60)

 

    Ao considerar as aulas de educação física no ensino médio, a proposta do Coletivo de Autores (1992), para o período de “Aprofundamento da sistematização do conhecimento”, manifesta que neste momento, os alunos debatam conteúdos, como a dança e a expressão corporal (nesta análise, também cabe o ensino da mímica),

    [...] que impliquem conhecimento aprofundado científico/técnico/artístico da dança e da expressão corporal em geral. (Sugere-se estimular o aperfeiçoamento dos conhecimentos/habilidades da dança para utilizá-los como meio de comunicação/informação dos interesses sócio-político-culturais da comunidade). (Coletivo de Autores, 1992, p. 60)

    Destarte, o objetivo deste trabalho é relatar uma experiência de graduandos de licenciatura em Educação Física ao ministrarem uma aula tematizando a mímica para propor aos estudantes a experimentação do próprio corpo em contextos diferentes, bem como a reflexão a respeito da sociedade em que vivem, a partir da abordagem Crítico Superadora. Espera-se contribuir para uma maior exploração da mímica na Educação Física escolar, ao apresentá-la como uma forma de expressão corporal capaz de estimular a criatividade, a consciência e o repertório corporal, desnaturalizar os movimentos e compreendê-los culturalmente, refletindo sobre a cultura corporal, o corpo e as potencialidades como ser histórico.

 

Metodologia 

 

    Um grupo de estudantes do 4º período de licenciatura em Educação Física elaborou uma aula para tematizar a mímica pela tendência crítico-superadora a fim de cumprir com uma avaliação do componente curricular Didática da Educação Física (DEF). O único critério definido pelo professor da disciplina era que a aula usasse uma abordagem metodológica específica pré-definida, neste caso: a crítico-superadora.

 

    Na introdução do livro “Metodologia do Ensino da Educação Física” (Coletivo de Autores, 1992), os autores direcionam para quem esse livro está sendo escrito: os professores de Educação Física que enfrentam os desafios da realidade escolar, como falta de materiais didáticos e desvalorização do trabalho. Assim, novamente, a mímica se mostrou pertinente, visto que não exige muitos recursos materiais e/ou infraestrutura específica para sua prática. Com o objetivo de aproximar da práxis, apesar da universidade possuir quadra, sala de lutas, entre outros espaços confortáveis para comportar a aula, o grupo escolheu fazê-la na própria sala de aula, pensando na aproximação da realidade e uma posterior aplicação na escola como sugere o Coletivo de Autores (1992). Dessa forma, foi ministrada uma aula sobre mímica utilizando a abordagem crítico superadora para uma turma de aproximadamente 35 pessoas, com faixa etária a partir de 19 anos. Este é um relato de experiência de caráter descritivo com abordagem qualitativa. (Haguete, 1997)

 

Descrição e discussão da experiência 

 

    Um grupo de cinco estudantes do 4º período de licenciatura em Educação Física elaborou uma aula tendo a mímica como conteúdo a ser ministrado como uma avaliação de DEF, em que cada grupo precisava elaborar e executar um plano de aula sobre qualquer temática com uma abordagem metodológica específica pré-definida. A proposta deste grupo foi a tendência crítico-superadora (Coletivo de Autores, 1992). Já havia estudos sobre mímica entre os autores deste texto, por isso, uma das estudantes, motivada pelo livro indicado pelo professor de DEF, sugeriu que o tema da aula fosse a mímica, um tema pouco explorado em aulas de educação física fora da educação infantil. Então, deu-se a ideia de tematizar a mímica para o Ensino Médio no plano de aula proposto.

 

    Os objetivos para esta aula foram: Ao final da aula os alunos deveriam experimentar as práticas corporais da mímica, sua expressividade e diferentes formas de vivência em sala de aula, por meio de brincadeiras e jogos que utilizam os princípios sociais, bem como perceber a expressividade dos sentimentos humanos; compreender os espaços físicos e estimular o imaginário dos alunos, trabalhando o relacionamento consigo e com a turma, além de expressar corporalmente como compreendem os aspectos da organização social em que estão inseridos. A aula iniciou com uma conversa sobre o tema e sua proposta, após isso, os demais momentos foram organizados da seguinte forma: Preparação do corpo com jogos; mímica (prática principal) e discussão final.

 

    A preparação do corpo foi composta por duas atividades, a primeira é denominada de “Corrida Lenta” e a segunda de “Estátua” (Boal, 2019; Spolin, 2010; 2012). Na Corrida Lenta, o objetivo é realizar os movimentos de corrida o mais lento possível, dessa forma, o último a chegar, vence. Os alunos se dispuseram em uma fileira e ao sinal de largada, todos deveriam iniciar a corrida. Não é permitido ficar imóvel nem se movimentar para trás. Esse jogo estimula o controle corporal, a reflexão a respeito de movimentos culturalmente estabelecidos na execução de certa tarefa, propondo a aprendizagem a partir de uma visão incorporada da cognição, visto que “[...] A visão incorporada da cognição é fundamentada em experiências sensoriais e motoras1” (Engel et al., 2013; Mahonand Hickok, 2016 apud Macedonia, 2019, p. 2, tradução livre dos autores), a fim de confrontar o dilema dicotômico entre corpo versus mente ainda presente nas escolas, conforme apontado por Macedonia (2019).

 

    Depois, fez-se a brincadeira da Estátua para que os alunos pudessem explorar o próprio corpo e a capacidade de cessar o movimento de forma repentina. Nessa brincadeira se colocou uma música de fundo para que os alunos dançassem conforme quisessem e parassem rapidamente ao cessar da melodia. Ela foi dividida em cinco “rodadas”, a primeira foi livre, então os alunos poderiam parar em qualquer posição. Na segunda, eles deveriam parar mantendo um dos pés sem contato com o chão. Na terceira, uma das mãos tinha que estar acima da cabeça. Na quarta, fazer uma expressão de tristeza enquanto um pé ficava sem contato com o chão e uma mão acima da cabeça. Na quinta, repete as condições da quarta, mas com uma expressão de felicidade. Mesmo as “rodadas” mais diretivas, nas quais se propunha alguma especificidade no movimento ou posição para os alunos executarem, eles poderiam fazer de acordo com sua compreensão do que foi solicitado, sem o uso de demonstração e imitação. Como esperado, houveram variações na forma de realizar os movimentos e posições.

 

    Considerando os corpos preparados para a fase principal, foi iniciada a mímica propriamente dita, com quatro momentos. No primeiro, os participantes formaram duplas para a ‘Brincadeira do Espelho’, em que um participante deveria realizar uma mímica sobre determinado tema/contexto, o outro aluno, por sua vez, imitaria como a representação de um espelho (Boal, 2019; Spolin, 2010). Os temas abordados foram: processo industrial, pobreza, riqueza, esporte e prática corporal livre. A dinâmica buscou fazer os estudantes refletirem sobre os elementos e aspectos simbólicos dessas temáticas e buscarem em seu repertório corporal formas de expressá-los, abrindo espaço para que os alunos exponham para si e os outros a história gravada em seus corpos. (Megías, 2020)

 

    O autor complementa ao dizer que tais perspectivas globais “permitem buscar propostas, dinâmicas e expressões do movimento humano que se aprofundem nos significados dos sentidos, percepções, sensações cinestésicas, etc.2”. (Megías, 2020, p. 645, tradução livre dos autores). O autor ainda relata que considera que “todo ele, o sujeito —sua corporeidade—, não está sujeita a modos e experiências que ocorrem externamente ou que respondem a correntes, concepções e até dinâmicas esportivas impostas ou promovidas pela sociedade de consumo neoliberal, ou pelas últimas tendências educacionais3”. (Megías, 2020, p. 645, tradução livre dos autores)

 

    No segundo momento, foi realizada a ‘Brincadeira do Manequim’. Aqui um aluno foi escolhido para ser o caçador e ficar de costas para a turma com os olhos fechados (Spolin, 2010). O restante do grupo determinou um indivíduo para ser o manequim, que possui a função de realizar movimentos sem ser percebido pelo caçador. Todos os outros participantes devem imitá-lo discretamente e o objetivo do caçador é descobrir quem é o manequim original em até três tentativas. Ao caçador, é requerida a capacidade de observação, o manequim deve ser estratégico e criativo e o resto da turma precisa de agilidade para incorporar em si o mais rápido possível um movimento que inicia no outro.

 

    Em um terceiro momento, houve a “Brincadeira de Passar Objetos Imaginários", recorrendo às denominadas “ações transitivas”, em que ocorre a manipulação de objetos imaginários (Brown et al., 2019). Todos os participantes ficaram em um círculo (Spolin, 2010) e um participante iniciava passando um objeto, ele precisava expressar corporalmente as características do objeto, como formas, tamanhos e pesos, e o receptor precisava recebê-lo de acordo com as características demonstradas e passá-la para o próximo expressando novas características. Por exemplo, ao imaginar um objeto pesado e pequeno, o aluno o pegava com os dedos ou a palma da mão e em um plano baixo, com uma expressão de cansaço e o receptor poderia se imaginar mais forte ou mais fraco, ao pegá-lo com facilidade ou deixar cair, entre outras variações possíveis sobre o objeto.

 

    Por último, os alunos vivenciaram a “Brincadeira da Fila/Minhocão” (Boal, 2019). Os alunos formaram uma fila única de forma que o primeiro da fila realizasse um determinado movimento e os demais fossem mimetizando, como uma espécie de telefone-sem-fio corporal, até que o movimento chegasse ao(à) último(a) da fila. Ao criar o movimento e os demais imitarem, o aluno se dirigia ao final da fila para que o próximo pudesse criar um novo movimento.

 

    Ao final da aula, discutiu-se as práticas, temáticas abordadas, sentimentos e percepções dos alunos durante a aula. Houve um grande envolvimento nas atividades propostas, alguns estudantes relataram que não possuíam tanto interesse pela mímica e imaginaram que a aula não seria interessante, mas se surpreenderam, pois tiveram a oportunidade de se expressar corporalmente de forma criativa e refletir sobre questões do cotidiano de forma lúdica e cooperativa na maior parte do tempo. Vale ressaltar que a ludicidade, bem como a cooperatividade, apesar de ser inerente ao ser humano em todas as fases da sua vida, tende a diminuir,sobretudo nas aulas de educação física, proporcionalmente ao aumento da faixa-etária e nível de ensino, cedendo espaço ao tecnicismo e competitividade Assim como o estímulo a criatividade costuma perder espaço para atividades mais reprodutivistas e robotizadas, apesar de ter forte relação com aspectos demandados pelos indivíduos por todos os ciclos da sua vida, como inventividade, curiosidade, originalidade, estabelecimento de associações, enfim, a capacidade de criar soluções. (Sotomayor-Díaz et al., 2023)

 

    Sobre a corrida lenta, debateu-se que os alunos faziam movimentos quase pausados elevando ao máximo o joelho, afastando os pés do chão e intercalando o movimento das pernas com os de levar o braço a frente, procurando sincronizar os movimentos. Essa atividade chamou muito a atenção dos alunos dado ao paradoxo de fazer lentamente movimentos que remetem à velocidade, invertendo até mesmo as exigências para vencer a competição, que deixou de ser velocidade e potência para se tornar controle corporal e equilíbrio. O professor de DEF mencionou o momento do livro do Coletivo de Autores (1992) que fala sobre a transformação na forma de locomoção humana de quadrúpede para bípede, evidenciando a influência da relação entre homem, natureza e cultura nos movimentos.

 

    A “Brincadeira do Espelho” obteve relatos nos quais os alunos perceberam a semelhança nos movimentos realizados para expressar um processo industrial e o esporte, por exemplo, a padronização e repetição de ambos, podendo refletir sobre a relação histórica que esses dois fenômenos possuem com a técnica de movimentos estandardizados e, podemos dizer como pesquisadores, dos interesses do modo de produção capitalista. Para representar a pobreza, alguns estudantes simularam estar em um ponto de ônibus, assim como usaram o carro para representar a riqueza. Essas escolhas, bem como os seus significados sociais dizem muito sobre a sociedade em que vivem e como a interpretam criticamente, visto que em alguns países é comum e confortável andar de transporte público, pois o investimento nesse tipo de condução e diminuição do uso de carros podem ser enxergados como sinal de desenvolvimento, o que não é o caso do Brasil. (Pereira et al., 2021; Lawtoo, 2020).

 

    Além desses aspectos, os estudantes também precisaram se reorganizar para fazer movimentos que não eram familiares, deparando-se inclusive com novas dificuldades e potencialidades, sendo a mímica uma ferramenta “[...] favorecedora de novas visões e possibilidades de se refazer humana, corporal e psiquicamente” (Silva, Silva, e Andrade, 2014)

 

Conclusões 

 

    A mímica na Educação Física escolar pode contribuir muito para a expressividade, criatividade, criticidade e aumento do repertório corporal, bem como para a problematização de diversos assuntos cotidianos, como questões sociais e culturais. As atividades propostas nesta aula buscaram desenvolver capacidades de improvisação, representação e expressão corporal, imitação e reflexão da sociedade, podendo variar o nível de complexidade conforme a turma e objetivos da aula. Lembrando que é possível propor outras atividades de acordo com as turmas, o contexto histórico-cultural e os conteúdos que estão sendo desenvolvidos. Também seria possível propor um trabalho interdisciplinar com os demais componentes curriculares, como artes, história, português, inglês, entre outros como forma de se refletir sobre as distintas formas de linguagem, artes e desenvolvimento histórico e social.

 

    Nesta aula, o objetivo foi vivenciar a expressividade e refletir sobre questões cotidianas e sociais através da mímica, portanto, o grupo considerou que tal objetivo foi alcançado ao obter a participação dos estudantes e perceber que, ainda que com pouca familiaridade por parte de alguns alunos, todos conseguiram realizar as atividades propostas. Além disso, a discussão final também evidenciou as reflexões críticas feitas ao longo da aula, a respeito dos significados de determinados elementos da sociedade em que vivem e de si mesmos ao precisarem se reorganizar para representá-los, corroborando com a ideia da mímica ser trabalhada com criticidade e criatividade.

 

    Para construir uma sequência de aula é importante haver a conversa inicial para apresentar os objetivos da aula, contextualizar a mímica e compreender a familiaridade e interesses dos estudantes em relação à temática, para depois iniciar uma prática corporal pouco diretiva que busque contribuir para que eles se sintam mais descontraídos, ao mesmo tempo que seja minimamente contrária ao senso comum dos movimentos cotidianos, como o caso da corrida lenta. Dessa forma, além de se sentirem mais confortáveis gradativamente, os alunos também são estimulados a pensar “fora da caixa” e se movimentar mais livremente, podendo usufruir com espontaneidade e fluidez. Após esses dois momentos iniciais, a prática principal de mímica pôde ser introduzida por meio de brincadeiras individuais, em duplas e/ou grupos.Em uma próxima aula, a prática principal poderia ser uma apresentação em grupo ou individual sobre uma temática ampla, como uma música e/ou uma poesia, com possibilidade de adaptações como o uso de vendas nos olhos, música de fundo, objetos de apoio, entre outras. Ao final, é importante reservar um tempo significativo para estimular os estudantes à discussão, porquanto entendemos que este debate é fundamental para o desenvolvimento da mímica, assim como para a criticidade dos estudantes quanto às suas condições sociais, históricas e culturais.

 

Notas 

  1. No original: “The embodied view of cognition is grounded in sensory and motor experiences”.

  2. No original: “Permite buscar propuestas, dinámicas y expresiones del movimiento humano que se adentren en los significados de los sentidos, percepciones, sensaciones quinestésicas, etc.”.

  3. No original: “Todo él, el sujeto — su corporeidad—, no queda sujeto a maneras y vivencias que se dan exteriormente o que responden a corrientes, concepciones e incluso a dinámicas deportivas impuestas o promovidas por la sociedad neoliberal de consumo, o por las últimas tendencias educativas”.

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)