Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Memórias de uma ex-atleta de handebol feminino. Zezé e sua 

trajetória na ascensão e declínio do esporte em São Gonçalo, RJ

The Memory of a Former Female Handball Athlete. Zezé and his

Trajectory in the Rise and Decline of the Sport in São Gonçalo, RJ

Memorias de una ex jugadora de balonmano femenino. Zezé y su

trayectoria en el ascenso y decadencia del deporte en São Gonçalo, RJ

 

Carlos Henrique de Vasconcellos Ribeiro*

c.henriqueribeiro@gmail.com

Ayres de Moraes Corrêa Neto**

ayres.netobr@gmail.com

Edson Farret da Costa Junior***

edson.junior@ifrj.edu.br

Thiago Moraes Perera de Azeredo****

thiagonr13@gmail.com

Erik Giuseppe Barbosa Pereira+

egiuseppe@eefd.ufrj.br

Emerson da Mota Saint'Clair++

emersonsaintclair@gmail.com

João Domingos Bezerra Mandarino+++

joaodbm@hotmail.com

 

*Doutor em Educação Física

Docente do Mestrado em Gestão do Trabalho (Universidade Santa Úrsula)

Pesquisador do Instituto para o Desenvolvimento do Esporte e da Cultura/IDEC

**Licenciado e Bacharelado em Educação Física

na Universidade Salgado de Oliveira/Rio de Janeiro

*** Mestre em Educação Física

Docente da Universidade Salgado de Oliveira

e Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ)

Membro do grupo de pesquisa (GPEEsC/UERJ).

****Mestre em Ciências do Desporto - UTAD/Portugal

Pós-graduado em Handebol - Unifil/Londrina-PR

+Doutor em Ciências do Exercício e do Esporte da UERJ

Professor Associado da UFRJ, atuando na Graduação

e no Programa de Pós-Graduação

em Educação Física (PPGEF) da EEFD/UFRJ.

++Doutor em Ciências do Exercício e do Esporte pela UERJ

Docente e pesquisador pelo Instituto Federal

de Educação, Ciência Tecnologia Fluminense/RJ

+++Mestre em Educação Física - Ciência da Atividade Física

Gestor de Projetos Esportivos

Proprietário da IRJ Sports e WM Empreendimentos Esportivos

(Brasil)

 

Recepção: 25/07/2023 - Aceitação: 05/10/2023

1ª Revisão: 08/09/2023 - 2ª Revisão: 29/09/2023

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Ribeiro, CHV, Neto, AMC, Costa Junior, EF, Azeredo, TMP, Pereira, EGB, Saint'Clair, EM, e Mandarino, JDB (2023). Memórias de uma ex-atleta de handebol feminino. Zezé e sua trajetória na ascensão e declínio do esporte em São Gonçalo, RJ. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(306), 19-38. https://doi.org/10.46642/efd.v28i306.7144

 

Resumo

    A trajetória de Maria José Salles, a Zezé, como atleta se mistura com a história do handebol feminino na cidade de São Gonçalo a partir da década de 1980. Foram 27 anos como atleta pelo Clube Mauá, entidade esportiva sediada na cidade pertencente à região metropolitana do Rio de Janeiro, além de 17 anos de seleção brasileira e diversos títulos conquistados, entre eles o título Pan-Americano de 1999, conquista que levou o handebol feminino brasileiro aos jogos olímpicos pela primeira vez na história no ano de 2000.O objetivo deste estudo é investigar o processo de profissionalização, permanência e aposentadoria do handebol a partir da fala de uma ex-jogadora de alto rendimento dessa modalidade no Brasil. Foi realizada uma entrevista sistematizada pela metodologia da história oral. Após a transcrição da entrevista e análise, se verificou a constituição de três categorias que emergiram de seu discurso, a saber: a) inserção e profissionalização esportiva; b) a aposentadoria do esporte e os caminhos após se tornar uma ex-atleta; e c) o saudosismo dos áureos tempos do handebol na cidade de São Gonçalo. Como conclusão se identifica a necessidade de se criar estratégias de políticas públicas aliadas à iniciativa privada para que o handebol nessa cidade e nesse estado volte a ajudar a se desenvolver profissionalmente.

    Unitermos: Handebol feminino. Oralidade. Zezé. Cidade de São Gonçalo.

 

Abstract

    The trajectory of Maria José Salles, to Zezé, as an athlete blends with the history of women's handball in the city of São Gonçalo from the 1980s.They were 27 years as an athlete for Clube Mauá, a sports entity based in the city belonging to the metropolitan region of Rio de Janeiro, in addition to 17 years of Brazilian national team and several titles won, including the 1999 Pan American title, an achievement that led Brazilian women's handball to the Olympic Games for the first time in history in 2000. The main concern of this study is to investigate the process of professionalization, permanence, and retirement of handball from the speech of a former high-performance player of this modality in Brazil. It was conducted a systematized interview using the oral history methodology. After the transcription of the interview and analysis, It was verified the constitution of three categories that emerged from his discourse, namely: a) sports insertion and professionalization; b) the retirement of the sport and the paths after becoming a former athlete; c) the longing of the heyday of handball in the city of São Gonçalo. As a conclusion, it is identified the need to create strategies of public policies allied to the private initiative so that handball in this city and in this state can once again help to develop professionally.

    Keywords: Women's handball. Orality. Zezé. City of São Gonçalo.

 

Resumen

    La trayectoria como deportista de Maria José Salles, conocida como Zezé, se mezcla con la historia del balonmano femenino en la ciudad de São Gonçalo a partir de la década de 1980. Durante 27 años fue jugadora en el Clube Mauá, organización deportiva con sede en el ciudad perteneciente a la región metropolitana de Río de Janeiro, además de 17 años de la selección brasileña y varios títulos conquistados, entre ellos el título Panamericano de 1999, logro que llevó al balonmano femenino brasileño a los Juegos Olímpicos por primera vez en historia en el año 2000. El objetivo de este estudio es investigar el proceso de profesionalización, permanencia y retiro del balonmano a partir del discurso de una ex jugadora de alto rendimiento de este deporte en Brasil. Se realizó una entrevista sistematizada utilizando la metodología de la historia oral. Luego de transcribir la entrevista y el análisis, de su discurso surgieron tres categorías, a saber: a) inserción y profesionalización deportiva; b) retiro del deporte y el camino después de convertirse en ex deportista; y c) nostalgia por los tiempos dorados del balonmano en la ciudad de São Gonçalo. En conclusión, se identifica la necesidad de crear estrategias de políticas públicas combinadas con el sector privado en esta ciudad, para que en ese Estado pueda nuevamente desarrollarse profesionalmente el balonmano.

    Palabras clave: Balonmano femenino. Oralidad. Zezé. Ciudad de São Gonçalo.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 306, Nov. (2023)


 

Introdução 

 

    O handebol no Brasil tem sido estudado sobre a ótica das dificuldades de profissionalização, visibilidade social e permanência no esporte (Andres, e Goellner, 2018). Assim, comparações com o futebol são frequentes, demonstrando barreiras ainda maiores quando se reflete sobre as modalidades praticadas por mulheres, em que a questão salarial é apenas um dos pontos nefrálgicos nessa desequilibrada comparação. (Andres, e Goellner, 2018)

 

    Tais agruras se refletem em estudos – normalmente liderados por ex-atletas de handebol que deixaram as quadras para se graduarem nos Cursos de Educação Física espalhados pelo Brasil –, que investigam os reflexos da falta de incentivo financeiro, social e familiar para a continuidade nos treinos e participação em equipes competitivas. (Saint'Clair, 2018)

 

    Há ainda uma vertente sobre o handebol desenvolvido no ambiente escolar, em que os praticantes que se tornaram atletas tiveram os primeiros contatos nas aulas de educação física, motivo pelo qual essa modalidade é reforçada como um dos aspectos relevantes para a subárea pedagógica. (Cagliari et al., 2020)

 

    Outra característica sobre estudos no handebol é que ele segue uma trajetória escola, clube e alto rendimento (Silva, 1995; Resende, 2011; Saint'Clair, 2018; Marugán, 2019). No entanto, se observa diante das lacunas apontadas e o cenário atual da modalidade que ainda há inúmeros desafios a serem enfrentados, talvez porque o handebol não consegue cruzar as fronteiras do clube e do alto rendimento alcançando a massificação e popularidade, necessária para que um esporte se desenvolva.

O estudo se aproxima da pesquisa de Domínguez (2019) em que a história de vida do atleta de handebol se aproxima de momentos relevantes na história vitoriosa do esporte, fazendo com que as lembranças pessoais sejam também memória coletivas de uma geração de esportistas que compartilharam experiências e contingências de vida.

 

    A partir disso, se pergunta: quais são as características da profissionalização do handebol no Brasil?

 

    Essa pergunta ajuda a pensar no processo de profissionalização, permanência e aposentadoria de atletas de handebol no País.

 

    Assim, compreender a trajetória esportiva de uma ex-atleta feminina que atuou no alto rendimento – tal como a participação de forma intermitente por mais de 15 anos na seleção brasileira –, pode ser uma oportunidade de estudar um dos esportes mais tradicionais em nível de iniciação esportiva no ambiente escolar. Analisar a fala de uma ex-jogadora de alto rendimento a partir de suas escolhas, caminhos e percalços durante sua vitoriosa trajetória esportiva pode ajudar a compreender as perspectivas para a profissionalização e permanência nesse ambiente. Afinal, o handebol brasileiro tem pouco apelo midiático em comparação com outros esportes no Brasil, dando assim menos oportunidades ou patrocínios para clubes e novos jogadores. (Costa, 2021)

 

    As modalidades que se empregam nas passagens de tempo, em cada país, advogam nas ações e preferências de crianças e jovens. Desta maneira, o futebol masculino, com os seus ídolos e heróis, se constituem como esporte de preferencial nacional. Lamentavelmente no handebol há poucos ídolos, ocupando uma posição distante nas preferências e gostos de crianças e jovens, sobretudo pela falta de apelo midiático. Mesmo depois da inédita conquista da seleção brasileira feminina no campeonato mundial da categoria adulta, no ano de 2013, ainda são incipientes as iniciativas para o desenvolvimento e popularização desse esporte.

 

    Quer-se com a pesquisa estudar o desenvolvimento do handebol no País, a partir da fala de uma de suas praticantes; as trajetórias de vida que se confundem com as formações das equipes em nível escolar, clubístico e no alto rendimento, em um ambiente específico de vocabulários, práticas e experiências. Com o objetivo de analisar a trajetória de atletas que tiveram destaque nacional nesse esporte, se realizou uma entrevista de elite com a ex-atleta Maria José Salles, conhecida carinhosamente por Zezé.

 

    Zezé é uma mulher vencedora. Tal qual tantas meninas e meninos de escola pública, conheceu e começou a jogar nesse ambiente e, em poucos anos, teve a oportunidade de vestir a camisa da seleção brasileira dessa modalidade. Desde que iniciou no esporte, Zezé conquistou títulos como o Pan-Americano de 1999, conquista que habilitou o handebol feminino brasileiro a disputar uma até então inédita participação em Jogos Olímpicos, realizados em Sydney no ano de 2000.

 

    Além disso, sua trajetória esportiva está associada ao Clube Esportivo Mauá, clube da cidade de São Gonçalo pertencente à região metropolitana do Rio de Janeiro. Nascida e moradora desse município, Zezé tem ainda no currículo 10 (dez) campeonatos brasileiros, 20 (vinte) campeonatos cariocas e 4 (quatro) campeonatos sul-americanos. São mais de 40 anos de prática esportiva, iniciada na adolescência a partir das aulas de educação física, onde desde cedo se destacou entre os demais estudantes das escolas por qual passou nesse município.

 

    Ouvi-la é uma oportunidade de compreender os avanços e recuos desse esporte em nível local, estadual e nacional, e onde suas redes de relacionamento contam um pouco a história social de homens e mulheres que dedicaram uma parte de suas vidas praticando essa modalidade, tal qual no estudo de Copollilo (2020). Esse é um grupo de praticantes que compartilharam de acontecimentos, experiências e vocabulários que ajudam a formar uma mesma geração, com suas memórias – que são individuais, mas compartilhadas socialmente. (Mannheim, s/d)

 

    O inédito direito de participar de uma edição de jogos olímpicos foi um marco no handebol brasileiro. Assim, ouvir alguém que ajudou a conquistar essa façanha é um registro histórico, um respeito às gerações de esportistas e um meio de se compreender como vão se construindo as representações coletivas e percepções individuais do momento vivido nesse esporte, em uma determinada época.

 

    A ex-atleta mora e trabalha na cidade desde que iniciou sua trajetória profissional no esporte, atuando com projetos esportivos que têm a iniciação, aprendizagem e a possível detecção e seleção de talentos para o handebol como forma de inclusão social. Por vezes, se percebe que pode existir uma preocupação de cruzar as fronteiras do escolar, clube e do alto rendimento, e de maneira proposital, permanecer no cenário esportivo brasileiro.

 

    Entretanto, tornar-se treinador representa, para muitos atletas, uma possibilidade de prolongamento e continuidade no esporte. O período de transição do encerramento da carreira de um atleta é inevitável e pode se tornar difícil; portanto, continuar no ambiente esportivo pode ajudar a lidar melhor com essa fase. Posições de liderança exigem um perfil profissional altamente dedicado. (Mesquita et al., 2022)

 

    O objetivo deste estudo é investigar o processo de profissionalização, permanência e aposentadoria do handebol feminino a partir da fala de uma ex-jogadora de alto rendimento dessa modalidade no Brasil.

 

Metodologia 

 

    Esta é uma pesquisa qualitativa. Nesse tipo de investigação os participantes são escolhidos de forma intencional, ou seja, há uma prévia intenção em coletar o material com determinados sujeitos, porque se sabe que eles têm a capacidade de gerar conteúdos capazes de serem postos à luz da literatura da área (Gil, 2002; Gerhardt, e Silveira, 2009; Arias, 2020). Nesse caso, se elegeu Zezé como informante de elite dessa pesquisa, porque ela representa não apenas a si mesma quando nos concede uma entrevista, mas também se compreende que a ex-atleta é fruto das interações de seu tempo, dividindo com demais colegas de sua geração as experiências de vida neste esporte.

 

    Se elegeu o aporte teórico-metodológico da História Oral. Nesse sentido, se compreende esse referencial como fonte de pesquisa, metodologia e técnica de produção de entrevistas. (Alberti, 2003; Bosi, 2003; Barros, 2011)

 

    A utilização da técnica de entrevistas se faz a partir de um roteiro semiestruturado de perguntas, em que o entrevistado ao responder os questionamentos do entrevistador habilita novas perguntas não pensadas quando da elaboração do material. Há uma possibilidade, nesse tipo pesquisa, que durante a conversa sejam trazidas memórias pessoais que são socialmente compartilhadas que muitas das vezes os pesquisadores não teriam acesso ou conhecimento, porque fazem parte de histórias vividas de um pequeno grupo de pessoas enquanto atuavam como atletas, técnicos e dirigentes. Assim, ouvir uma ex-jogadora como Zezé é a possibilidade de registro e demarcação de um tempo, um momento de vida que foi construído socialmente, e que tem ajudado a registrar, pesquisar e deixar para as próximas gerações conteúdos que possam ser visitados para a compreensão de um tempo. (Pollak, 1992; Patai, 2010; Portelli, 2010; Smith, 2012)

 

    A entrevista foi realizada no dia dezesseis de março de 2022, no Clube Tamoio, localizado na Avenida Presidente Kennedy, número 101, no bairro Zé Garoto em São Gonçalo, Estado do Rio de Janeiro. O local escolhido para a entrevista se deve ao fato de que esse é um dos ambientes esportivos que estava, há época, sob a coordenação de Zezé.

 

    Para a coleta de dados foi utilizado um telefone celular. Transcrita em sua totalidade, dela emergiram alguns temas que colocadas à luz da literatura da área, permitiram que emergissem as categorias de análise que serão apresentadas na próxima seção.

 

Análise dos resultados 

 

    Há na carreira de atleta algumas etapas regularmente observáveis (Damo, 2005). Iniciação, permanência e aposentadoria são fases que se repetem, variando as formas em que foram apresentadas as modalidades, o tempo de carreira e o processo de escolha em parar de jogar. Assim, ao longo da transcrição, seleção e análise da entrevista realizada com Zezé, foram observados os diferentes momentos da sua carreira que estavam marcados em sua memória: da iniciação à ascensão esportiva – com a conquistas dos títulos nacionais e internacionais –, a preparação para a aposentadoria com dedicação aos estudos de ensino superior em educação física e as lembranças de colegas do ambiente do handebol em um tempo que não volta, mas que marcou uma geração de atletas que pavimentou as conquistas para a geração seguinte nessa modalidade.

 

    Se dividiu a fala de Zezé em três categorias, a saber: a) inserção e profissionalização esportiva; b) a aposentadoria do esporte e os caminhos após se tornar uma ex-atleta; c) o saudosismo dos áureos tempos do handebol na cidade de São Gonçalo. A última categoria nos ajuda a pensar em um ciclo de início, meio e fim, não apenas de uma jogadora, mas de uma rede de sujeitos, relacionamentos e condições financeiras que permitiram que Zezé surgisse e despontasse. Coincidentemente, os desfechos de sua carreira também estão associados pelo menor destaque que a cidade de São Gonçalo se encontra a partir dos anos de 2010, fato que ganha ainda mais relevância do ponto de vista de análise desse tempo vivido.

a.     Inserção e profissionalização esportiva

 

    Essa categoria surgiu após a análise completa da entrevista. Zezé destaca as marcas significativas quanto à relevância de sua trajetória no handebol passando pela escola, clube e alto rendimento. Se observa que a inserção no esporte escolar vai ao encontro das manifestações esportivas, cujas determinações e classificações são pontos de referências para obtenção de políticas públicas de esporte (Paes, e Amaral, 2017). Nesse sentido, a própria ex-atleta aponta para as políticas públicas de inclusão social da modalidade. De mesma maneira, o esporte educacional predispõe para uma perspectiva considerado um suporte do desenvolvimento esportivo em grande parte das políticas públicas que precisam ser estimuladas e que oferecem resultado a longo prazo.

 

    A profissionalização nesse esporte pode ser difusa. Por isso, se compreende que o termo profissionalização significa, conforme o dispositivo no art. 3º, §1º, I, da Lei 9.615/98 (Brasil, 1998), “caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática esportiva”. Em suas falas, a ex-atleta considera que no decorrer de sua trajetória a caracterização do trabalho esportivo se fez a partir das entidades educacional, sendo estimulada a participação em equipes clubísticas. É preciso contextualizar a questão de se tornar um profissional de handebol na década de 1980. Zezé provavelmente seguiu os mesmos passos de sua geração, onde ser remunerada para trabalhar no esporte ainda era cercado de incertezas e dúvidas, como até hoje também é. A diferença está no que se entendia por ser profissional naquele período. Apenas nos Jogos Olímpicos de Barcelona realizado em 1992 é que os atletas profissionais foram admitidos. Assim, era necessário escolher entre ser remunerado e competir nas principais ligas da época ou almejar fazer parte da brasileira da modalidade.

 

    Há indícios de parcerias, mas em nenhum momento, fala-se em contratos de trabalho formal. Isso indica uma incipiência no processo de profissionalização da modalidade no cenário brasileiro.

 

Figura 1. Zezé é a penúltima de pé, à direita com a camisa de número 2, Clube Mauá, década de 1980

Figura 1. Zezé é a penúltima de pé, à direita com a camisa de número 2, Clube Mauá, década de 1980

Fonte: Arquivo pessoal da Ex-Atleta

 

    De certo, a ex-atleta Zezé repete o início esportivo de milhares de estudantes que frequentam as aulas de educação física, e que acabam por se destacarem durante a formação de equipes em nível escolar. A fala de Zezé está clara que os olhares e ações estão voltados para a Europa, especialmente para a Alemanha.

 

    Rubio (2017) destaca que a partir de década de 1990, tem início o processo migratório de jogadores para atuar nos principais campeonatos nacionais na Europa. Tão logo, estabelece modificações na lógica do handebol brasileiro, uma vez que atletas buscam migrar para os países da Europa com intuito de melhorar o seu rendimento e, por vezes, permanecer no cenário esportivo brasileiro. Em suas palavras

    “Meu primeiro contato foi na escola, estudei no colégio Nova Cidade e no colégio São Gonçalo e foi através da educação física, porque eram dados vários esportes eu tinha uma irmã que praticava na escola aí me incentivei, eu participei de outros esportes antes, judô, basquete e atletismo, e minha definição pelo handebol é que aqui em São Gonçalo tinha um clube, o Mauá e até na época tinha uma parceria com a ASOEC na época que hoje é a Universo, e na época era muito mais prático e eu gostava muito, e então era perto, porque nos outros eu tinha que ir para Niterói, eu era muito nova... o problema de ter alguém para me acompanhar (...) quando eu comecei a praticar o handebol eu já tive uma proposta de cara, que era representar a seleção brasileira depois de um ano no clube, quando eu tinha 16 para 17 anos de idade para jogar a seleção adulta... naquela época, muito distante, não tinham as seleções que têm hoje, as juvenis, então eu fui direto para a seleção adulta... o que aconteceu de fazer um estágio de cara na Alemanha durante 15 dias foi muito interessante, porque o handebol de São Gonçalo já estava numa evolução muito grande, participava de campeonatos brasileiros, e a gente foi buscando, sempre colocando o foco no handebol feminino...” (Zezé, Grifo de autoria).

    Ao longo da entrevista vão emergindo sentidos sobre sua trajetória que se misturam com o esporte promovido em sua cidade de nascimento e moradia. Em sua fala, a trajetória profissional está, desde o início, atrelada à ascensão do handebol em São Gonçalo. Ela estava começando a praticá-lo em um momento em que os investimentos financeiros e a mão de obra qualificada para detecção e seleção de talentos estavam propícios para a formação de equipes.

Zezé vem de uma família humilde da região de São Gonçalo. Tal fato a faz lembrar de que foi através do handebol que ela pode, desde adolescente, conhecer diversas cidades dentro e fora do Brasil. Para a ex-atleta

    “No início, minha família sempre gostava que eu jogasse, mas aí veio a seleção, e meu pai me deu a primeira negativa, porque eu nunca tinha viajado para fora do país, seria uma viagem longa, eu ficaria 15 dias fora do país, na Alemanha, nunca tinha viajado de avião... eu tinha de 16 para 17 anos, era uma equipe adulta, aí ele deu a negativa, aí teve uma comitiva de professores na minha casa, todos os professores de São Gonçalo foram na minha casa, todos os meus treinadores, Gallo, Miguel, Carlinhos, todos... os professores, conseguiram convencer que eu poderia ser uma grande atleta de handebol que pudesse representar o país, além de poder ter um trabalho muito bom aqui em São Gonçalo, aí o pessoal o convenceu e a partir daí eu não parei mais... eu fique quase uns dois anos viajando, passei quase esse tempo no banco, viajando, porque eu era muito nova, mais aí a partir daí eu passei quase 19 anos, que eu acho que cada um que tivesse essa oportunidade...” (Zezé, Grifo de autoria)

    A autorização paterna para que a jovem, ainda adolescente, pudesse viajar é apenas o início de um percurso vitorioso no esporte. Para essa fala, vale considerar o estudo sobre a trajetória esportiva e profissionalização no handebol feminino realizado por Andres, e Goellner (2018). As autoras já consideravam que um dos fatores determinantes rumo à profissionalização é a questão familiar, onde a permissão, incentivo e apoio emocional se configuram como elementos estruturantes para que o atleta possa se sentir confortável com as escolhas que precisará fazer ao longo de sua trajetória. Não menos importante, a segurança e preocupações sobre o gênero feminino é um fator a ser considerado, principalmente em um país como o Brasil, onde a violência contra a mulher também está presente no esporte. (Cavalcanti, e Caprano, 2019)

 

    A literatura empregada no futebol sobre a formação de atletas utilizada por Damo (2005) colabora para reflexão aqui. Também naquele esporte como aqui o processo de inclusão de milhares de adolescentes no processo de aprendizagem esportiva segue um caminho que visa o rendimento – com consequências negativas para a escolarização e fruição de uma vida com menos compromissos, em uma idade de descobertas e experimentações – a adolescência.

 

    Assim como Gómez-López (2017), a seleção de atletas nos chamados esportes de elite vem ocorrendo em faixas etárias cada vez mais jovens. Este é o período em que o estado de maturidade parece ser um influenciador determinante para o alcance de um bom desempenho físico em esportes coletivos.

 

    Para muitas famílias, a ascensão social pode vir pelo esporte. Mas para o atleta que vive essas experiências, há também o capital cultural que vai se adquirindo ao longo do tempo em um determinado campo de trabalho (Bourdieu, 1997). Em suas viagens e jogos ao redor do mundo, Zezé viveu momentos, conheceu lugares e pessoas que talvez não pudesse se não fosse como atleta de handebol, tal como a jogadora reconhece ao longo da entrevista.

 

    Assim, o esporte se torna profissão ainda na adolescência – onde as vitórias e conquistas lhe possibilitaram entrar para a história do handebol brasileiro, bem como desdobrar este sucesso para outros caminhos após a carreira de atleta, como será visto a seguir. É impossível, a partir desse momento, dissociar Zezé do handebol feminino brasileiro. E vice-versa.

 

b.     A aposentadoria do esporte e os caminhos após se tornar uma ex-atleta

 

    Essa categoria surgiu a partir da análise da fala da ex-atleta que relacionava sua trajetória com as possibilidades que a esperavam após se aposentar do esporte no nível do alto rendimento.

 

    Do auge de sua carreira até a aposentadoria, Zezé se dedicou por cerca de 17 anos. As lembranças de sua carreira bem-sucedida fazem parte de um histórico que está demonstrado em seu depoimento. Como está marcado em suas falas, a trajetória vitoriosa de Zezé está atrelada à seleção brasileira de handebol. Houve há época uma preocupação de conduzir a equipe feminina de handebol a sua primeira participação em Jogos Olímpicos. Os Jogos de Barcelona, em 1992, foram a primeira participação do handebol masculino brasileiro. Mas foi somente a partir da edição dos Jogos de Sydney em 2000 que o handebol brasileiro na categoria feminina passou a ter certa visibilidade no cenário esportivo mundial. (Andres, e Goellner, 2018; Saint'Clair, 2018)

 

    Na fala de Zezé

    “Eu tinha uma meta, sempre gostei de ter uma meta e nunca gostei de fazer as coisas mais ou menos então eu tinha um objetivo de representar o País, então quando eu fui convocada mesmo sendo muito jovem, meu objetivo era subir no pódio, o Brasil nunca tinha se classificado para uma Olimpíada, e durou muito, porque eu comecei a jogar handebol em 1985, nossa primeira participação olímpica foi em 2000, quinze anos para poder representar o Brasil numa Olimpíada, então é como se eu tivesse lutado durante os 17 anos incansavelmente para chegar no meu objetivo... porque é muito difícil você levar a escola, fazer uma faculdade paralelo e ser atleta, então precisa de muita colaboração dos professores, é claro que depende de cada um, mas foram muitas viagens... por mês eu viajava 15 dias... então eu chegava lá e o pessoal falava: aí turista... mas eu estudava muito mais nos intervalos dos treinos, porque eu sabia que em algum momento eu ia ser cobrada... e também sabia que ia acabar a minha fase de atleta, hoje em dia muitos atletas pensam assim, mas antigamente muitos atletas não pensavam assim... só queriam viver o handebol, e tem uma hora que ele acaba... E eu sempre pensei assim: o que eu posso fazer com o esporte depois que ele terminar, porque foi muito rápido, eu jogar handebol e tá nas competições pan-americanas, sul-americanas e campeonatos mundiais, participei de 10 campeonatos mundiais, e isso assim, e foi uma riqueza muito grande na minha vida, porque eu sei que eu não alcançaria... ah, simplesmente se eu não fosse atleta eu estou falando de conhecer e passear em países mas também de conhecer a cultura dentro do esporte, porque eu conheci a Europa, onde era o forte, sempre foi o forte dentro do handebol, e você estar entre os melhores, até chegar essa classificação que foi em 1999, que a gente venceu um Pan-Americano em Winnipeg, Canadá que foi assim marcante demais, é então, é assim é muito orgulho pra mim dizer assim, que eu estive na primeira participação olímpica do handebol feminino do nosso país... e subir no pódio, representar, sabendo que o Brasil passa por várias dificuldades, você passar, ultrapassar por tudo isso... (Zezé, Grifo de autoria).

    As primeiras experiências em Jogos Olímpicos foram desbravadoras, e para atletas no nível técnico de Zezé foram uma oportunidade de colocar a experiência olímpica em um fato histórico esportivo, inédito até aquele momento. A partir de conquistas individuais e coletivas se traçou uma possibilidade de se vislumbrar novos patamares no campo esportivo do alto rendimento para o handebol brasileiro. Ao dizer, que “o que eu posso fazer com o esporte depois que ele terminar”, indica um desassossego ao término de suas atividades laborais como atleta de alto rendimento.

 

    Se compreende em sua fala o indício de gratidão por tudo que viveu no handebol brasileiro e de alguma maneira deveria retribuir no campo esportivo para o desenvolvimento da modalidade brasileira, especialmente em São Gonçalo e região do estado do Rio de Janeiro.

 

    Ao longo de sua trajetória a ex-atleta adquiriu capital cultural a ponto de experienciar outros campos – social, econômico – que são alimentados no imaginário desde a adolescência, como por exemplo, viajar para outros países, conhecer pessoas, conhecer a Europa, dentre outras. No entanto, sua fala é marcada pelas dificuldades de harmonizar as atividades de estudos acadêmicos e atividade laborais do handebol do alto rendimento.

 

    Proni (2002) corrobora ao afirmar que a primeira função do esporte, em resumo, pertence às suas aplicações econômicas. O campo esportivo, sobretudo do handebol, não é diferente, na sua lógica, de outros campos. Os atletas de handebol substituem sua forma de trabalho por renda (prêmios, status, visibilidade, estudos em escolas e faculdades e poder).

 

    Portanto, cada vez mais jovens atletas vêem os campos esportivos europeus como um lugar para viver do handebol de alto rendimento, dificultando, por vezes, o desenvolvimento e a manutenção de atletas nas quadras brasileiras.

 

Figura 2. Zezé jogando pela seleção brasileira de handebol com o tradicional

camisa de número 5, número que a atleta escolheu para identificá-la

Figura 2. Zezé jogando pela seleção brasileira de handebol com o tradicional camisa de número 5, número que a atleta escolheu para identificá-la

Fonte: https://claudioclacarmou20.wixsite.com/handptodos/single-post/2017/02/26/zez%C3%A9-sales-a-maior-campe%C3%A3-do-handebol-nacional

 

c.     O saudosismo dos áureos tempos do handebol na cidade de São Gonçalo

 

    O discurso saudosista de acompanha Zezé está atrelado ao tempo em que o handebol desenvolvido na cidade de São Gonçalo, especialmente no clube Mauá, quando esse clube matinha equipes competitivas nos dois naipes, especialmente no naipe feminino, com resultados robustos, conforme a fala da ex-jogadora.

 

    Os estudos de Saint'Clair (2018) sobre o handebol demonstram que uma certa estagnação desse esporte, desde os áureos tempos da conquista da participação olímpica feminina, passando pela conquista do campeonato mundial em 2013.

De certa forma, o handebol clubístico e de alto rendimento não conseguem se consolidar com robustez no cenário mundial. Isso não significa que os atores sociais que atuam no campo esportivo do handebol não busquem desenvolvê-lo diante dos obstáculos.

 

    Zezé relembrada potência do handebol de São Gonçalo, na estrutura do clube Mauá, entretanto, clarifica que há fragilidades no crescimento e no desenvolvimento da modalidade no campo esportivo na atualidade. A trajetória de vida de diversos esportistas está associada aos lugares onde nasceram ou puderam se desenvolver como atletas, fazendo com que suas lembranças também sejam lembranças de regiões e moradores de uma determinado bairro ou localidade (Bender, 2018; Talamoni, Oliveira, e Hunger (2013). Esse é o caso de Zezé.

 

Foto 3. Zezé é a última da esquerda para a direita, com a camisa número 5

Foto 3. Zezé é a última da esquerda para a direita, com a camisa número 5

Fonte: Assessoria de Comunicação da Prefeitura Municipal de São Gonçalo. Foto: Luiz de Carvalho

 

    Ainda assim o handebol vem tentando seu espaço, embora se compreenda que suas conquistas são frutos de lutas constantes de alguns técnicos, dirigentes e atletas, de forma amadora em termos de gestão, estrutura e políticas específicas para o esporte. (Uezu, 2014)

 

    Matias et al. (2015) corroboram que há encadeamentos entre o Governo Federal, as instituições esportivas e o setor privado que se deu por meio da sanção do Estatuto de Defesa do Torcedor, da criação do programa Bolsa Atleta, da criação da Timemania e com o Lei de Incentivo ao Esporte. Tais iniciativas contribuem ou deveriam contribuir para o acesso e a fixação do Brasil no cenário dos megaeventos esportivos. Não é essa a realidade em lugares como a cidade de São Gonçalo nesse início da década de 2020.

 

    Telles et al. (2016) reforçam para que uma modalidade se desenvolva e permaneça no campo esportivo de um país, é necessário o suporte das Confederações e de Federações. Ademais, se postule que as mídias tenham um papel relevante relacionado à visibilidade. Dito isto, quanto mais pessoas experienciarem o handebol, mais se estendem as oportunidades de aumento do número de praticantes, estimulando as potencialidades do surgimento de atletas, o que de certa forma favorece para o aparecimento de resultados, vitórias e conquistas, determinantes para que amplie e desenvolva a identificação com o handebol.

 

    Na fala da ex-jogadora:

    “tinham 2 pessoas muito importantes no nosso handebol de São Gonçalo que infelizmente faleceram, e precisa ter muito peito para levar qualquer esporte sem parcerias, a gente precisa de parcerias para manter o alto rendimento, nenhuma pessoa continua jogando se não tiver um apoio, eu tive a oportunidade de ter uma universidade por trás, a Universo, ela me patrocinava tanto com estudo como financeiramente, e eu tinha outras parcerias individuais quando eu era atleta, então assim, o atleta precisa de ter um retorno, que seja com a escola, que seja com a faculdade, o atleta precisa, aí, após isso, com o resultado, conseguir parcerias de ajuda de custo, para você se manter, aí sim, se dedicar da melhor forma, conseguir uma bolsa-atleta que é Federal, então tem todo o acompanhamento, um ciclo que possa ter, sem isso tudo hoje é muito difícil porque tem prefeituras, têm locais que tem investimento, e sem investimento você não consegue resultado, isso é fato. Tem uma hora que só por amor, as pessoas que elas começam a treinar, elas cansam, elas começam a ir para outros estados, outros clubes, elas cansam...” (Grifo de autoria).

    Os tempos de conquistas do handebol na cidade de São Gonçalo são marcados por um período vitorioso, que possibilitaram outras gerações a seguirem as passadas e os arremessos de Zezé ou pelo menos experienciar o handebol escolar e clubístico e, em certa medida, o alto rendimento. Se compreende que há desafios permanentes no campo esportivo amador e profissional, seja por escassez de capital econômico, seja por falta de condições educativas, culturais e sociais, dificultando por ora a ascensão do handebol no estado do Rio de Janeiro e demais entes federativos brasileiros.

Conclusões 

 

    O objetivo da pesquisa foi investigar o processo de profissionalização, permanência e aposentadoria do handebol feminino a partir da fala de uma ex-jogadora de alto rendimento dessa modalidade no Brasil. A trajetória de Zezé está marcada por alguns momentos que apresentam quais os significados de se tornar um profissional nesse esporte no período que Zezé se tornou, bem como quais eram os caminhos que uma atleta percorria, desde sua descoberta nas quadras escolares até alcança a seleção brasileira da modalidade

 

    Da ascensão com a seleção brasileira à aposentadoria, foram anos de dedicação a treinos, formação de equipes e viagens, nacionais e internacionais. Como se percebe ao longo do material apresentado foram bons momentos, fato que a possibilitou continuar ainda hoje trabalhando com a modalidade, mas agora em outra função. Fundadora de uma equipe que mantém seu nome e número de equipe, traz para si o papel de continuar trabalhando para formar cidadãos e, quem sabe, encontrar talentos esportivos.

 

    No Brasil, a taxa de participação das mulheres é bem menor do que a dos homens no comando de times esportivos, principalmente de handebol. As muitas razões para essa diferença de gênero podem ser agrupadas como práticas, pessoais, sociais e culturais. Uma lista de barreiras também pode conter ideias para autoridades esportivas de alto escalão do Brasil implementarem para encorajar e permitir que mulheres e meninas treinem times esportivos. (Mesquita et al., 2022)

 

    O handebol é um esporte ainda em desenvolvimento no Brasil. Precisa de incentivo econômico advindo das políticas públicas para existir. Seus atletas – mesmo que atuam em equipes adultas –, ainda dependem na maioria das vezes, de hospedagem, alimentação e oferta gratuita de estudos no ensino superior. Por isso, a trajetória de Zezé repete a história de centenas de jovens que se dedicam a esse esporte: um início escolar, uma trajetória vitoriosa que passa pela seleção brasileira e a possibilidade de conseguir o diploma universitário através de uma instituição de ensino superior que é parceira das ações do clube a qual tem contrato.

 

    A profissionalização, permanência no esporte e aposentadoria de Zezé segue uma regularidade, marcando um período temporal de tantas outras e outros atletas de sua geração. Apesar disso, são as especificidades e histórias de vida que estão marcadas em suas memórias. Essas fazem sentido apenas para ela, trazendo uma linha regular entre começo, meio e desdobramentos para o depois das quadras.

 

    Por fim, se pede licença a ex-atleta Zezé para parafrasear o poema de Carlos Drummond de Andrade, “José” (Andrade, 1942)2:

Zezé

E agora, Zezé?

O jogo acabou,

Os refletores da quadra se apagaram,

A bola dormiu,

O povo foi embora,

O cansaço chegou,

E agora, Zezé?

E agora, você?

Você que tem nome,

que ajuda jovens handebolistas,

você que faz poemas nas quadras esportivas,

que ama o handebol,

e agora Zezé?

[...]

Com a bola na mão,

Quer abrir portas para outras gerações,

Não existem portas,

Quer as mídias por perto,

Mas as mídias estão desfocadas,

Quer morrer no esporte,

Mas não há quadras,

Quer ir para os Jogos Olímpicos,

Jogos Olímpicos não há mais.

Ou ainda há?

[...]

E agora Zezé?

Notas 

  1. Endereço da matéria está disponível em: http://www.saogoncalo.rj.gov.br/sao-goncalo-retoma-tradicional-torneio-de-handebol-da-cidade

  2. Adaptação livre do Poema “José” de Carlos Drumond de Andrade publicado em Poesias (1942). Rio de Janeiro: J. Olympio.

Referências 

 

Alberti, V. (2003). O fascínio do vivido, ou o que atrai na história oral. CPDOC.

 

Andres, S., e Goellner, S. (2018). Trajetórias esportivas de jogadoras de handebol e suas narrativas sobre o ser profissional da modalidade. Movimento, 24(2), 527-538. https://doi.org/10.22456/1982-8918.79795

 

Arias, G. (2020). Diversidad, cultura y desarrollo personal desde una perspectiva histórico–cultural, En Convocados por la diversidad (pp. 8-14). Editorial Pueblo y Educación.

 

Barros, José D’Assunção (2011). Memória e História: uma discussão conceitual. Tempos Históricos, 15(1), 371-343. https://doi.org/10.36449/rth.v15i1.5710

 

Bender, N. (2018). A ginástica artística no Rio Grande do Sul: a trajetória esportiva da atleta Adrian Gomes [Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano. Escola de Educação Física, Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. http://hdl.handle.net/10183/184617

 

Bosi, E. (2003). O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. Ateliê Editorial.

 

Bourdieu, P. (1997). Capital cultural, escuela y espacio social Editorial Siglo XXI.

 

Brasil (1998). Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre deporto e dá outras providências. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9615consol.htm#art96

 

Cagliari, M., Ginciene, G., Menezes, R., Sarruge, C., e Impolcetto, F. (2020). Produção sobre o handebol em periódicos nacionais: mapeamento e implicações para a subárea pedagógica. Motrivivência, 32(61), 01-22. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2020e65894

 

Cavalcanti, E., e Caprano, A. (2019). Experiências indesejáveis: alguns casos de assédio sexual no futebol. Movimento, 25. https://doi.org/10.22456/1982-8918.85215

 

Copollilo, M. (2020). Uma conversa com Aída dos Santos – Sua história e o seu protagonismo na criação da Educação Física na Universidade Federal Fluminense. Revista Fluminense de Educação Física, 1(1). https://periodicos.uff.br/edfisica-fluminense/article/view/47591

 

Costa, J., Montes, F., Weber, V., Borges, P., Ramos-Silva, L., e Ronque, E. (2021). Relative age effect in Brazilian handball selections. Journal of Physical Education, 32(1). https://doi.org/10.4025/jphyseduc.v32i1.3227

 

Damo, A. (2005). Do dom à profissão: uma etnografia do futebol de espetáculo a partir de formação de jogadores no Brasil e na França [Tese, Doutorado em Antropologia Social, Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social. Universidade Federal do Rio Grande do Sul]. https://doi.org/10.1590/S0104-71832008000200018

 

Marugán, B. (2019). El deporte femenino, ese gran desconocido. Actas de la Jornada "El deporte femenino, ese gran desconocido". Universidad Carlos III de Madrid. http://hdl.handle.net/10016/28386

 

Domínguez, M. (2019). El balonmano y una aproximación a la historia de vida de Marc García Diéguez. Citius, Altius, Fortius, 2(1), 61-67. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6973740

 

Drumond, A. (1942). Poesias. J. Olympio.

 

Gerhardt, T.E., e Silveira, D.T. (Orgs.) (2009). Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil - UAB - UFRGS e pelo curso de SEAD/UFRGS. Editora da UFRGS.

 

Gil, A.C. (2002). Como elaborar projetos de pesquisa. Editora Atlas.

 

Gómez-López, M., Granero-Gallegos A., Molina S., e Ríos L. (2017). Relative age effect during the selection of young handball player. Journal Physical Education Sport, 17(1), 418-423. https://doi.org/10.7752/jpes.2017.01062

 

Mannheim, K. (s/d). O problema das gerações (vol. II, pp. 115-176) [tradução: Maria da Graça Barbedo]. Sociologia do conhecimento. RES-Editora.

 

Matias, W., Ahtayde, P., Húngaro, E.M., e Mascarenhas, F. (2015). A lei de incentivo fiscal e o (não) direito ao esporte no Brasil. Movimento, 21(1), 95-110. https://www.researchgate.net/publication/324764615

 

Mesquita, B., Silva, C.A.F. da, Ghayebzadeh, S., Mataruna-Dos-Santos, L., Ribeiro, T., e Barbieri, R. (2022). Are there opportunities for women as head coaches in Brazil's national teams? The case of handball. Motriz, 28(1). https://doi.org/10.1590/S1980-657420220014021

 

Paes, V., e Amaral, S. (2017). Políticas públicas de esporte educacional em São Paulo: impactos dos jogos olímpicos de 2016. Movimento, 23(2), 715-728. http://dx.doi.org/10.22456/1982-8918.71006

 

Patai, D. (2010). História oral, feminismo e política. Letra e Voz.

 

Pollak, M. (1992). Memória e identidade social. Estudos Históricos.

 

Portelli, A. (2010). Ensaios de história oral. Letra e Voz.

 

Proni, M. (2002). Brown e a organização capitalista do esporte. In: M. Proni, e R. Lucena, (Org.), Esporte: história e sociedade. Editora Autores Associados.

 

Resende, H.G. de (2011). A prática do handebol na cultura físico-esportiva de escolares do Rio de Janeiro. Movimento, 17(4), 123-143. https://www.researchgate.net/publication/264417482

 

Rubio, K. (2017). Processos migratórios e deslocamentos: caminhos que levaram atletas de modalidades coletivas aos Jogos Olímpicos de Barcelona em 1992. Olimpianos Journal of Olympic Studies, 1(1), 53-67. http://dx.doi.org/10.30937/2526-6314.v1n1.id7

 

Saint'Clair, E. (2018). Percepções do handebol no campo esportivo brasileiro: entre conquistas e desafios [Tese de Doutorado, Programa de pós-graduação em Ciências do Exercício e do Esporte. Universidade do Estado do Rio de Janeiro]. https://www.bdtd.uerj.br:8443/handle/1/8202

 

Silva, M. (1995). Difusão e cultura do handebol no Rio de Janeiro [Dissertação de Mestrado, Programa de pós-graduação em Educação Física. Universidade Federal do Rio de Janeiro]. https://cev.org.br/biblioteca/difusao-cultura-handebol-rio-janeiro-1/

 

Smith, R. (2012). Circuitos de subjetividade: História oral, o acervo e as artes. Letra e Voz.

 

Talamoni, G., Oliveira, F., e Hunger, D. (2013). As configurações do futebol brasileiro: análise da trajetória de um treinador. Movimento, 19(1), 73- 93. https://doi.org/10.22456/1982-8918.29764

 

Telles, S., Reis, R.M., Elias, R.V., e Harris, E.R.A. (2016). A mídia impressa e o pólo aquático brasileiro: o mito de Aladar Szabo. Movimento, 22(4), 237-250. http://dx.doi.org/10.22456/1982-8918.56569

 

Uezu, R. (2014). Análise das propostas e iniciativas da Confederação Brasileira de Handebol para o aprimoramento profissional [Tese de Doutorado, Programa de pós-graduação em Ciências. Universidade de São Paulo]. https://doi.org/10.11606/T.39.2014.tde-26112014-111347


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 306, Nov. (2023)