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ISSN 1514-3465

 

A percepção de autoeficácia em paratletas do atletismo

The Perception of Self-Efficacy in Parasports Athletes

La percepción de la autoeficacia en los atletas con discapacidad

 

Alisson Vinicius Ribeiro da Cruz*

viini-r@live.com

João Rodrigo Maciel Portes**

joaorodrigo@univali.br

 

*Graduado em Psicologia pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

**Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina

Docente do Programa de Mestrado Profissional em Psicologia

da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)

(Brasil)

 

Recepção: 25/07/2023 - Aceitação: 05/10/2023

1ª Revisão: 26/09/2023 - 2ª Revisão: 29/09/2023

 

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Citação sugerida: Cruz, A.V.R. da, e Portes, J.R.M. (2024). A percepção de autoeficácia em paratletas do atletismo. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(308), 68-81. https://doi.org/10.46642/efd.v28i308.7143

 

Resumo

    A autoeficácia exerce um papel fundamental no desempenho esportivo, mas ainda é pouco explorada na área do paradesporto. Esta pesquisa teve como objetivo compreender a percepção de autoeficácia em paratletas do atletismo. Foram realizadas entrevistas com 8 paratletas do atletismo com deficiência física e visual com idades entre 22 e 64 anos. Os participantes têm em média 8 anos de experiência no paradesporto. Na coleta de dados foi utilizada um questionário sociodemográfico e uma entrevista semiestruturada adaptada sobre a percepção de autoeficácia, relacionando como as fontes de experiência pessoal, aprendizagem vicária, persuasão verbal e estado fisiológico são percebidos pelos paratletas. Entre as principais contribuições do estudo realizado, estão as evidências de que as categorias de persuasão verbal e aprendizagem vicária são mais frequentes entre os desportistas e apresentaram maior similaridade de termos entre os participantes. Além disso, também foi possível constatar que o papel do treinador é fundamental para desenvolvimento da crença de autoeficácia, portanto a forma como o mesmo interage com os paratletas, seja através da orientação ou acolhimento, influencia diretamente nas autopercepções que podem ser assimiladas como positivas ou negativas pelo indivíduo. É evidente a necessidade da realização de novos estudos que fomentem estratégias adequadas para se trabalhar os níveis de autoeficácia com os paratletas.

    Unitermos: Autoeficácia. Deficiência. Paradesporto. Atletismo.

 

Abstract

    Self-efficacy plays a fundamental role in sports performance, but it is still little explored in the area of parasports. This research aimed to understand the perception of self-efficacy in athletics para-athletes. Interviews were carried out with 8 athletics para-athletes with physical and visual disabilities aged between 22 and 64 years old. Participants have an average of 8 years of experience in parasport. In data collection, a sociodemographic questionnaire and an adapted semi-structured interview on the perception of self-efficacy were used, relating how sources of personal experience, vicarious learning, verbal persuasion and physiological state are perceived by para-athletes. Among the main contributions of the study carried out is the evidence that the categories of verbal persuasion and vicarious learning are more frequent among athletes and showed greater similarity of terms between participants. Furthermore, it was also possible to verify that the role of the coach is fundamental to the development of the self-efficacy belief, therefore the way in which he interacts with the para-athletes, whether through guidance or reception, directly influences self-perceptions that can be assimilated as positive or negative. negative by the individual. There is a clear need to carry out new studies that encourage appropriate strategies to work on levels of self-efficacy with para-athletes.

    Keywords: Self-efficacy. Deficiency. Parasports. Athletics.

 

Resumen

    La autoeficacia juega un papel fundamental en el rendimiento deportivo, pero aún está poco explorada en el área de los paradeportes. Esta investigación tuvo como objetivo comprender la percepción de autoeficacia en atletas con discapacidad. Se realizaron entrevistas a 8 paratletas de atletismo con discapacidad física y visual con edades comprendidas entre 22 y 64 años. Los participantes tienen un promedio de 8 años de experiencia en paradeporte. En la recolección de datos se utilizó un cuestionario sociodemográfico y una entrevista semiestructurada adaptada sobre la percepción de autoeficacia, relacionando cómo los paratletas perciben las fuentes de experiencia personal, aprendizaje indirecto, persuasión verbal y estado fisiológico. Entre los principales aportes del estudio realizado se encuentra la evidencia de que las categorías de persuasión verbal y aprendizaje vicario son más frecuentes entre los deportistas y mostraron mayor similitud de términos entre los participantes. Además, también se pudo comprobar que el papel del entrenador es fundamental para el desarrollo de la creencia de autoeficacia, por lo que la forma en que interactúa con los paratletas, ya sea a través de orientación o recepción, influye directamente en las autopercepciones. que puede ser asimilable como positivo o negativo por el individuo. Existe una clara necesidad de realizar nuevos estudios que fomenten estrategias adecuadas para trabajar los niveles de autoeficacia con los paradeportistas.

    Palabras clave: Autoeficacia. Discapacidad. Paradeporte. Atletismo.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)


 

Introdução 

 

    Segundo o censo 2010, a população brasileira é composta por 24% de pessoas que possuem deficiência, isso equivale a aproximadamente 46 milhões de pessoas (IBGE, 2010). Atualmente entende-se que as pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. (Brasil, 2015)

 

    A atividade física tem o objetivo de promover tanto o bem estar psicológico quanto nas capacidades físicas do ser humano, promovendo a inclusão social, bem-estar, diminuição da ansiedade e depressão nas pessoas com deficiência (Palma, Patias, e Feck, 2020) e, tanto a atividade física quanto esportiva tem essa capacidade de melhoria de bem estar físico e psicológico. (Freire et al., 2019)

 

    No que tange o esporte adaptado de alto rendimento existem características que o tornam seletivo, oferecendo oportunidade a um número reduzido de participantes, mas os seus benefícios ainda têm sido mais frequentes do que possíveis efeitos negativos, visto que, o paradesporto carrega a representação social da ideia da superação do atleta contra as limitações impostas pela própria lesão. (Brazuna, e Castro, 2001)

 

    Dentre as diversas modalidades no paradesporto, destaca-se o atletismo, sendo esse dividido em classes esportivas de acordo com a funcionalidade na prática esportiva (deficiência física, visual ou intelectual), estando separadas por categorias de campo (lançamento de disco, dardo e peso), pista (salto em distância, altura, triplo e corridas) e rua (maratona e meia maratona), além da divisão por gênero masculino e feminino. As classes dos competidores são feitas em grupos relacionados ao grau de deficiência constatado por sua classificação. (Comitê Paralímpico Brasileiro, 2023)

 

    O desempenho dos atletas em períodos pré-competitivos pode ser negativo devido aos níveis de ansiedade ao qual se encontram, entretanto, para outros atletas essa ansiedade é percebida como uma fonte de excitação a seu favor (Santos et al., 2019). Dentre as percepções que auxiliam do atleta de esporte adaptado no construto de suas capacidades, encontra-se a crença de autoeficácia. Definido por Albert Bandura como a crença que um indivíduo tem sobre sua capacidade de organizar e executar determinadas funções para atingir o resultado determinado (Bandura, 1997). Este conceito está diretamente relacionado ao desempenho esportivo, visto que, atletas que acreditam serem capazes de organizar e executar as atividades relacionadas à modalidade que pratica, tendem a apresentar maior interesse pela modalidade e objetivos estabelecidos com maior nível de dificuldade, e, também, conseguem recuperar a autoconfiança de forma mais rápida após um fracasso. (Pajares, e Olaz, 2008)

 

    A autoeficácia é um processo cognitivo que advém de quatro fatores, correspondendo as experiências pessoais, em que, os resultados passados são deduzidos pela pessoa para a formulação de crenças que envolvem seu desempenho e habilidade para a tarefa. A Aprendizagem vicária, que engloba a observação de outras pessoas praticando tarefas semelhantes, persuasão verbal, que diz respeito à julgamentos verbais positivos e negativos sobre as qualificações do indivíduo na execução da atividade e, também, o estado fisiológico, compreendendo as emoções e reações orgânicas do corpo. (Bandura, 1986)

 

    A pesquisa de Dirmarchi, e Khanjani (2019) demonstrou que a prática de esporte por pessoas com deficiência pode promover uma melhora na resiliência e na autoeficácia, assim como praticantes de basquete em cadeiras de rodas apresentam altos níveis de satisfação com a vida e de autoeficácia (Tejero-González, Vega-Marcos, Vaquero-Maestre, e Ruiz-Barquín, 2016). O estudo brasileiro realizado por Barella et al. (2022) traz como resultados que a prática de Rugby por paratletas apresenta impacto positivo em relação as crenças de autoeficácia, além de melhoras relacionadas a força e resistência, facilitando a execução dos exercícios.Mitic et al. (2020) constaram níveis de autoeficácia mais elevados em pessoas com deficiência que praticam esportes regularmente quando comparados àqueles que não praticam esportes e atletas sem deficiência.

 

    Feltz, Short, e Sullivan (2008) em sua investigação sugerem que a percepção se relaciona a alguns fatores de autoeficácia, sendo os processos cognitivos, em que a percepção do comportamento passado influencia as atitudes futuras. Os processos motivacionais, ocorrendo por meio da interação dos aspectos intrínsecos e ambientais. Processos afetivos, que são respostas emocionais frente as situações vivenciadas e processos de seleção, que ocorre quando o indivíduo avalia as possibilidades antes de tomar uma atitude, considerando o quanto é capaz de executar a atividade com sucesso.

 

    Nesse sentido, esse estudo tem como objetivo principal compreender a percepção de autoeficácia em atletas com deficiência física do atletismo, e como objetivos específicos, identificar fatores de autoeficácia percebidos pelos atletas com deficiência física e levantar o perfil sociodemográfico dos atletas com deficiência do atletismo.

 

Método 

 

    Esta pesquisa é de cunho qualitativo e exploratório, com objetivo de analisar essas pessoas através da interrogação direta (Gil, 2017), descrevendo as características das dimensões da autoeficácia e analisando por meio do discurso dos paratletas de atletismo.

 

    A pesquisa teve a participação de oito paratletas, sendo sete homens e uma mulher, que estão vinculados a Fundação Municipal de Esporte e Lazer (FMEL) de uma cidade da região do Vale do Itajaí, localizada no litoral catarinense. Como critérios de inclusão os paratletas deveriam ter mais de 18 anos de idade, vinculados à FMEL, e ser uma pessoa com deficiência física ou visual, sendo excluídos participantes que tivessem deficiência intelectual ou alguma outra que impossibilitasse a realização da entrevista, também menores de idade. Considera-se que o número de participantes da pesquisa foi suficiente para atingir o critério de saturação dos dados. (Minayo, 2017)

 

    A coleta de dados se deu por meio de um questionário sociodemográfico elaborado pelos pesquisadores, a fim de compreender o tipo de deficiência, se a lesão do participante era congênita ou adquirida, idade, sexo, nível de escolaridade, renda, tempo de participação na categoria profissional, há quanto está na equipe atual, se havia uma profissão secundária ou outra fonte de renda e também se fazem uso de algum tipo de medicação, também fora questionado há quanto tempo treinam, quantas vezes na semana e a duração dos treinos. Em seguida foi realizado uma entrevista semiestruturada, adaptado da Escala de Autoeficácia em Esportes Coletivos - EAEC que corresponde às fontes de autoeficácia no contexto esportivo, com questões envolvendo os fundamentos da teoria de autoeficácia de Bandura, experiência vicária, estado fisiológico, persuasão verbal e experiência pessoal.

 

    Após aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética de Pesquisa com Seres Humanos da Universidade do Vale do Itajaí (CEP/UNIVALI), (parecer nº 4.875.725) no dia 30 de julho de 2021, o pesquisador se dirigiu ao local onde acontecem os treinos e convidou pessoalmente os paratletas. A coleta de dados ocorreu em uma sala reservada no local dos treinos. Inicialmente, o pesquisador apresentou os objetivos do estudo e solicitou a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) do participante. Após esse momento, foi aplicado com cada paratleta, individualmente, o questionário sociodemográfico e o roteiro de entrevista semiestruturado. A aplicação da entrevista e do questionário levou aproximadamente 30 minutos com cada participante, gravado em áudio e posteriormente os dados foram transcritos na íntegra para a realização da análise dos dados.

 

    A análise de dados da pesquisa ocorreu por meio do modelo de análise de conteúdo de Bardin (2011). Nessa análise, usada em pesquisas qualitativas, é usada uma técnica metodológica que pode ser aplicada em diversos contextos e formas de comunicação a fim de compreender características, estruturas ou modelos que estão por trás do que foi apresentado. A análise ocorre através de três fases, sendo a primeira chamada de pré-análise, entendida como a organização ou esquematização do que será necessário no trabalho. A segunda fase, diz respeito a exploração do material, nessa fase ocorre a codificação, classificação e categorização dos dados. Sendo a última fase compreendida como tratamento dos resultados - e inferências e interpretação, se pauta na validade e significado dos resultados por parte do pesquisador. (Bardin, 2011)

 

Resultados e discussão 

 

    As principais informações sociodemográficas são apresentadas na Tabela 1. Os oito participantes da pesquisa praticavam o atletismo nas modalidades de corrida, salto em altura e arremesso. Entre os entrevistados desse estudo, seis apresentam deficiência física e dois deficiência visual. A predominância do tipo de lesão é a adquirida, tendo 5 participantes nessa condição e três de forma congênita, contrariando os dados de Resende et al. (2021), onde 83,3% dos participantes apresentam deficiência congênita e 16,7% de forma adquirida. A idade dos paratletas varia entre 22 e 64 anos de idade, com uma média de 40,7 anos (DP=16,02). O estudo de Calheiros et al. (2020), realizado com 105 atletas com deficiência, apresenta uma média de idade de atletas de 35,07 anos de idade. Entre os oito participantes, sete deles eram do sexo masculino e uma do sexo feminino. O nível de ensino dos paratletas variou entre o ensino fundamental incompleto até a graduação em nível superior. A renda familiar mensal está entre um e dez salários mínimos. Freire et al. (2019) apresentam em seu estudo sobre a percepção de qualidade de vida em atletas do atletismo e natação paralímpica, que atletas paralímpicos apresentam baixo nível socioeconômico, o que pode ser entendido também através de indicadores do IBGE (2010), onde pessoas com deficiência se declararam ter baixo nível socioeconômico. Em relação a fonte de renda metade dos participantes vivem exclusivamente com a renda relacionado ao esporte, já a outra metade responderam ter uma outra fonte de renda que não fosse o atletismo. Os achados de Calheiros et al. (2020) evidenciam que 55,2% dos participantes não exerciam atividade laboral e 47,6% se mantinham por meio de benefícios governamentais. Os paratletas entrevistados possuem um tempo de vínculo diversificado com a FMEL com tempo entre 1 mês e 14 anos de participação, contudo a média de participação em competições profissionais é de 8 anos. A média de treinos semanais dos paratletas é de 4,37 dias por semana com uma duração de aproximadamente duas horas e meia por treino. Resende, Freitas, Magalhaes, e Oliveira (2021), em sua pesquisa com 114 paratletas em 21 estados brasileiros, evidenciaram que o tempo de prática dos paratletas variou entre 1 mês e 14 anos com média de treino entre 1 à 30 horas semanais, respectivamente.

 

Tabela 1. Caracterização sociodemográfica dos participantes

Paratleta

Tipo Deficiência

Tipo Lesão

Idade

Sexo

Escolaridade

Renda

P1

Física

Adquirida

60

Masculino

Ensino Médio Completo

R$ 3.577,205

P2

Física

Adquirida

29

Masculino

Superior Completo

R$ 4.500,004

P3

Física

Congênita

48

Feminino

Superior Completo

R$ 11.000,00

P4

Visual

Adquirida

64

Masculino

Fundamental incompleto

R$ 1.192,43

P5

Física

Congênita

22

Masculino

Ensino Médio Completo

R$ 1.192,43

P6

Física

Congênita

24

Masculino

Superior Incompleto

R$ 1.788,601

P7

Física

Adquirida

34

Masculino

Superior Completo

R$ 10.000,00

P8

Visual

Adquirida

45

Masculino

Ensino Fundamental Completo

R$ 3.577,20

Fonte: Os autores

 

    Quanto ao uso de medicamentos ou suplementos, a análise demonstrou que 5 participantes não fazem uso de medicamento, sendo que os demais fazem uso de vitaminas, medicamento para hipertensão ou para dor crônica. Os paratletas entrevistados dormem em média 6 horas e meia por dia. Dos oito entrevistados, dois ainda não participaram de competições devido ao cancelamento das atividades no período da pandemia e os demais já participaram de competições regionais (5 participantes), estaduais (5 participantes), nacionais (3 participantes) e internacionais (3 participantes).

 

    A análise dos dados obtidos a partir da entrevista foi estruturada em quatro categorias à priori baseadas no modelo teórico de Bandura: Persuasão verbal, aprendizagem vicária, experiência pessoal e estado fisiológico.

 

Categoria persuasão verbal 

 

    Esta categoria é formada a partir dos conceitos percebidos pelos atletas sobre a persuasão verbal em relação a sua capacidade de ouvir o treinador, orientação, autocobrança e motivação. A persuasão verbal é identificada por meio da formação de julgamentos verbais, que podem mobilizar as crenças de autoeficácia do indivíduo de forma negativa ou positiva, por meio de feedbacks emitidos por outras pessoas do seu meio social (Bandura, 1997; Pesca, Cruz, e Ávila Filho, 2010). As falas de outras pessoas ao sujeito têm como funcionalidade o encorajamento da aceitação de suas capacidades e de apoio frente a uma falha. (Machado, 2018; Feltz et al., 2008)

 

    Em relação aos participantes foi possível identificar que percepção da persuasão verbal está principalmente relacionada com o feedback fornecido pelo treinador da equipe, estando presente na maioria dos diálogos analisados nessa categoria, trazendo como aspecto característico os impactos da orientação relacionada à forma como se percebe, se motiva e se orienta. Este aspecto pode ser notado nas respostas dos participantes 3 e 4, respectivamente.

    “Quando ele vai me dar um treino, fala para mim assim, ó quero que você faça assim. Eu pergunto, como a gente tem essa deficiência, primeiro a gente, ele tem que ensinar como é e tal, .. aí ele me mostra, pega aqui ou faça assim. Aí eu vejo, aí eu pego e vou fazer o máximo como ele ensinou, aí é muito gratificante, sempre estar aprendendo algo novo” (sic).

 

    “Se você lembrar do feedback que o professor falou, das correções que ele fez, você vai melhorando o teu desempenho, então vai ficando bem melhores, então eu acho muito pertinente, acho muito importante isso assim para você, e para mim, para mim porque eu vou me corrigindo e vou tentando acertar o que eu estou errando” (sic).

    A persuasão verbal busca modificar as expectativas de eficácia pessoal, por meio da transmissão de informações que estejam dentro do limite e condizente com a realidade do atleta (Gouvêa, 2003). Através da fala dos participantes é possível perceber a relação entre suas narrativas com a literatura, onde, para que a persuasão seja efetiva, ela precisa ser de uma fonte que tenha credibilidade, prestígio e alto nível de conhecimento relacionado ao tema que está sendo tratado (Bandura, 1986). Contudo, se o paratleta apresentou seguidas falhas através de suas tentativas de execução, tem se mostrado mais difícil aumentar o nível de autoeficácia por meio da persuasão devido aos resultados negativos obtidos, podendo até mesmo diminuir o nível de eficácia motivado pelo amplo número de experiências negativas (Gouvêa, 2003). Infere-se que a crença de persuasão verbal relacionada com o alto número de resultados negativos produza um aumento do nível de autocobrança por parte dos paratletas, como exposto pelo participante 2.

    “Daí é o que eu vou levar pros meus próximos treinos e a próximo competição, daí eu fico pensando. “Poxa”, podia ter feito isso, eu fiz isso no meu treinamento” (sic).

    Essa narrativa também se relaciona com a teoria que diz que “a autofala negativa e os pensamentos irracionais podem também minar as crenças de autoeficácia e trazer performances subsequentes.” (Machado, 2018, p. 31). Os indivíduos que persuadidos por professores ou treinadores de forma positiva estão mais propícios a se esforçarem e de persistirem mais, pois infere-se que o treinador é quem tem a competência de diagnosticar e auxiliar no desenvolvimento de habilidade dos atletas. (Bandura, 1997)

 

Categoria aprendizagem vicária 

 

    Esta categoria é compreendida por meio da observação do atleta a outros competidores ou colegas, que o mesmo julgue ter características parecidas com as suas. envolvendo os conceitos de superação, aprender, comparação e dedicação. A aprendizagem vicária é intermediada pelo processamento da informação obtida através da observação de execução de outras pessoas, auxiliando na própria percepção de sua capacidade, visto que o ser humano aprende em grande parte por meio da observação, a partir dessa categoria são obtidas ideias de execução e guia de ações próprias (Bandura, 1986). Com isso, observar alguém realizando alguma tarefa semelhante ao que se pretende fazer, pode auxiliar para que o sujeito se sinta capaz de fazer o mesmo (Selau et al., 2019). Nessa categoria foi possível notar que os participantes se perceberam capazes de realizar seu movimento, por meio da observação aos demais paratletas, apresentando também a deficiência como um fato de incentivo, que é estimulado através da comparação das habilidades dos demais participantes com suas próprias capacidades, como visto no relato do participante 1.

    “A gente que é deficiente escuta assim ó: você não vai conseguir!.. Então a importância deles tá competindo é uma luz que te abre, .. mostrando pra gente que é importante um deficiente competir, porque todo mundo é igual. Então pra mim é importante que eu vejo os outros competir, eu quero fazer igual” (sic).

    Experiências vicárias têm papel fundamental no desenvolvimento e manutenção da autoeficácia, pois é a partir da observação, retenção e produção de ação a partir do observado, que o atleta vai avaliar, selecionar e determinar as melhores atitudes a serem tomadas (Machado, 2018). Esse conceito está atrelado a vontade do indivíduo em realizar uma determinada prática, juntamente a identificação do modelo percebido, podendo ser alguém próximo ou um símbolo, que o sujeito intérprete como tendo características físicas, sociais, de gênero semelhantes. Além disso, os participantes também trouxeram a respeito da aprendizagem obtida através da observação dos demais colegas. O participante 7 comenta:

    “Observar eles e as vezes uma situação ou uma atitude, um movimento ou uma reação que eles fazem e eu posso estar utilizando para, como modo de aprendizado também. Não é porque uma pessoa começou hoje que ela não tem algo a ensinar. Então, mesmo eu já tendo uma carreira a gente sempre acaba nessa troca aprendendo também (sic).

    Essa categoria é construída a partir da observação do desempenho de outras pessoas, e sendo posteriormente utilizados, de modo que após a observação existe a comparação entre as competências pessoais e assistidas. A observação de indivíduos efetuando ações de forma eficiente são potencializadoras da autoeficácia, assim como a observação do indivíduo falhando tende a diminuir o nível de autoeficácia. (Bandura, 1997)

 

Categoria experiência pessoal 

 

    Esta categoria pode ser definida com base nos elementos temáticos que refletem sobre a sua capacidade de realização, mau desempenho, meta e esforço. A experiência pessoal se relaciona com as experiências vividas pelo indivíduo, em que o sucesso obtido colabora para a construção de uma crença em eficácia pessoal forte. Já, falhas podem comprometer a crença, em especial se o sentimento de eficácia ainda não esteja instaurado (Bandura, 1997). A experiência pessoal condiz com o cumprimento de tarefas, onde o sucesso ou fracasso influencia diretamente na percepção de autoeficácia, baseado na interpretação das experiências vividas anteriormente pelo indivíduo. (Pesca, Cruz, e Ávila Filho, 2010)

 

    Nessa categoria, foi possível perceber através da narrativa dos participantes tanto indícios da crença de autoeficácia quanto dúvidas em relação a sua própria capacidade. Como pode ser percebido na resposta do participante 2.

    “Me sinto feliz, assim, me sinto bem feliz pelo meu progresso no atletismo, e por mais difícil que está sendo, pela pandemia, mas estou me sentindo bem contente pelo progresso. Como voltei agora, eu achei que não poderia estar com a pontaria tão bem fazendo os exercícios que eu fiz, mas estou bem contente com o meu resultado” (sic).

    A experiência pessoal é um indicador de habilidade, que pode ser fortalecida ou enfraquecida de acordo com o resultado obtido por intermédio do cumprimento das tarefas, influenciando diretamente sobre a crença de autoeficácia (Pesca, Cruz, e Ávila Filho, 2010). Além disso, a prática esportiva tem um papel que favorece a própria percepção de autoeficácia (Tejero-González et al., 2016). A experiência pessoal se destaca como principal fonte de autoeficácia, pois é a partir dela que o indivíduo vai se julgar capaz ou não de realizar determinada tarefa (Bandura, 1997). Essa crença também foi predominante no estudo realizado com paratletas de rugby (Barella et al., 2022). Do mesmo modo, experiências negativas podem gerar um baixo nível na crença relacionada a experiência profissional (Selau et al., 2019), como visto no seguinte depoimento do participante 4.

    “A derrota, quando você perde, é, eu não olho assim, “porque eu perdi para o meu oponente”, não, eu perdi para mim mesmo, essa é a minha visão, meu sentimento. Por que eu treinei, treinei, treinei para conquistar, mas quando eu não conquisto, então, o defeito foi em mim mesmo. Eu não venci eu mesmo” (sic).

    Consequentemente, experiências interpretadas como falhas podem ter reflexo no seu desempenho, visto que a frustração advinda do fracasso pode provocar a percepção de inabilidade (Machado, 2018). Baixos níveis de eficácia estão ligados ao fato de o indivíduo não acreditar em suas próprias capacidades para atingir o objetivo, podendo enfraquecer a crença se aspectos negativos e fracassos forem notados. Contudo, a assimilação das ações, isto é, da atividade realizada, pode fortalecer a crença de autoeficácia caso o sucesso nas atividades seja interpretado e recordado pela pessoa. (Bandura, 1997)

 

Categoria estado fisiológico 

 

    Esta categoria pode ser entendida a partir dos elementos temáticos sobre sua capacidade de satisfação, dor, repouso, cansaço e ansiedade. Elas se relacionam com a interpretação das emoções e das reações orgânicas do corpo, podendo potencializar a percepção da autoeficácia ou também a falta de capacidade do indivíduo em executar a ação devido a interpretação da situação percebida pelo atleta (Bandura, 1997; Selau et al., 2019). O desempenho dos atletas em períodos pré-competitivos pode ser negativo devido aos níveis de ansiedade ao qual se encontram, entretanto, para outros atletas essa ansiedade é percebida como uma fonte de excitação a seu favor (Santos et al., 2019) como pode ser percebido através da narrativa do participante 8.

    “Eu sei que eu sou muito ansioso, muito ansioso principalmente na semana de competição, entendeu.. eu peso muito a questão de tudo que está em torno, não só a questão dos meus treinamentos, mas, tipo, na questão por causa da montagem da planilha do treino, do treinador que acompanha no dia a dia, entendeu. Então, isso aí eu transfiro um peso muito grande para mim, porque eu não penso apenas em mim, eu penso no profissional que tá ali todo dia me apoiando e montando o treino, então eu me cobro muito se o resultado não vem” (sic).

    É interessante compreender que a ansiedade é um processo multidimensional dependente das capacidades psicológicas em lidar com a situação (Freire et al., 2020), principalmente no contexto esportivo a ansiedade negativa pode resultar em uma queda no desempenho motivada pela preocupação relacionada ao futuro (Santos et al., 2019) e, por meio do resultado da atividade executada podem surgir reações fisiológicas interpretadas pelo indivíduo como incapacidade (Selau et al., 2019). Contudo, a teoria demonstra, também, que a interpretação do estado fisiológico pode servir como potencializadora da percepção de autoeficácia, como pode ser percebido na seguinte fala do participante 2.

    “Não é uma dor que tem que enfraquecer, ela deve te fortalecer. Sempre que tiver uma dor, que te fortaleça, e vamos treinar. Eu sempre penso dessa forma, entendeu? Hoje já “tava” morrendo, mas eu não podia dizer, há não vou treinar, não vou pro treino. Não, mesmo com dor eu vou para lá, entende? Pronto, sai daqui, já estou sem dor” (sic).

    A dor faz parte do cotidiano dos atletas, que podem trazer como consequências a vivência constante com lesões e também a diminuição da atividade profissional representando, assim, que o aspecto fisiológico conota um impacto na crença de autoeficácia dos atletas, motivados pelos fatores situacionais (Bandura, 1986; Feltz et al., 2008) que podem tanto ser interpretados de forma potencializadora da crença de autoeficácia ou como de modo incapacitante. De acordo com Bandura (1997), situações interpretadas pelo sujeito como estressoras são percebidas como sinais de vulnerabilidade ou mau desempenho, assim como atividades que exijam força e resistência, o indivíduo elucida a fadiga, dor e sofrimento como indício de debilidade. Nesse sentido, se faz mais importante a forma como o indivíduo interpreta a situação do que a intensidade em si.

 

Conclusões 

 

    Através da pesquisa foi possível constatar que há discrepância entre os paratletas entrevistados nos níveis de idade, ensino e renda, porém observasse uma similaridade quanto as crenças de autoeficácia percebidas pelos desportistas. as categorias de autoeficácia relacionadas a persuasão verbal e aprendizagem vicária foram as que tiveram maior similaridade de termos entre os paratletas pesquisados. Denota-se que o papel do treinador é fundamental para desenvolvimento da crença de autoeficácia, portanto a forma como o mesmo interage com os paratletas, através da orientação e acolhimento influencia diretamente nas autopercepções que podem ser assimiladas como positivas ou negativas pelo indivíduo. As categorias adjacentes como a experiência pessoal e estado fisiológico também estão presentes entre os competidores. Em um paralelo entre teoria e a narrativa dos paratletas, fica evidente que o principal fator de influência sobre suas capacidades de execução é advindo das narrativas dos seus referenciais, seguido da observação dos competidores identificados como similares e avançando com a elaboração mental relacionadas aos julgamentos das suas próprias capacidades de execução da ação. O estado fisiológico, embora seja uma constante na vida do paratleta, também tem influência em como o competidor vai se perceber diante da ação. Os achados nesse estudo sugerem que as principais influências nas crenças de autoeficácia dos paratletas são obtidas de forma extrínseca, sendo mais acentuadas que as crenças intrínsecas como a experiência pessoal e estado fisiológico.

 

    As entrevistas realizadas possibilitaram analisar que percepções de autoeficácia dos atletas se relacionam com o modelo teórico de Bandura, contudo as pesquisas voltadas a atletas com deficiência são escassas, necessitando de maiores investigações. Sugere-se a realização de novas pesquisas sobre a autoeficácia no campo do paradesporto, pois podem fomentar a elaboração de estratégias, desenvolvimento de ferramentas adequadas para mensurar com maior precisão os níveis de autoeficácia em cada atleta, assim como quais as características são mais predominantes, e a partir disso, gerar resultados positivos no desempenho esportivo.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 308, Ene. (2024)