ISSN 1514-3465
A inclusão social de deficientes físicos e mentais nas
aulas de Educação Física. As ideias de professores da área
Social Inclusion of Physically and Mentally Disabled People in
Physical Education Classes. The Ideas of Teachers in the Area
La inclusión social de las personas con discapacidad física y psíquica
en las clases de Educación Física. Las ideas de profesores del área
Silvano Ferreira de Araújo*
saraujo@live.com
Wanessa Pucciariello Ramos**
prwanessa@hotmail.com
João Lucas Pinheiro Piel***
lucaspvilhalba@hotmail.com
*Doutor em Educação
pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Mestre em Educação (UFGD)
Graduado em Educação Física (UFGD)
Professor das Faculdades Magsul
**Mestra em Educação pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB)
Graduada em Pedagogia pelas Faculdades Magsul
Graduada em Educação Física pelo Centro Universitário Monte Serrat
Professora das Faculdades Magsul e da Rede Pública de Ensino de Ponta Porã-MS
***Graduado em Educação Física pelas Faculdades Magsul
(Brasil)
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Araújo, S.F. de, Ramos, W.P., e Piel, J.L.P. (2023). A inclusão social de deficientes físicos e mentais nas aulas de Educação Física. As ideias de professores da área. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(305), 19-32. https://doi.org/10.46642/efd.v28i305.7045
Resumo
A Educação Física é componente curricular que muito contribui para a formação dos alunos. Por meio dos seus conteúdos, faz com que os indivíduos tenham atitudes e sejam motivados a práticas saudáveis por meio do estímulo da percepção corporal, levando-os a adquirirem uma visão positiva sobre a cultura corporal do movimento. As aulas de Educação Física proporcionam elementos para que os alunos adquiram hábitos de vida mais saudáveis, além de apresentarem possibilidades de atividades para que crianças e jovens possam escolher, de forma autônoma, aquelas que mais gostam e melhor se adequem às suas possibilidades físicas. O objetivo deste trabalho é compreender como professores de escolas da Rede Pública e da Rede Privada do município de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, vivenciam a inclusão social de deficientes físicos e mentais nas aulas de Educação Física. A abordagem da pesquisa foi de caráter qualitativo, de natureza descritiva. Ao todo, participaram da pesquisa três professores do sexo masculino. Como instrumento de coleta de dados aplicou-se um questionário contendo cinco questões dissertativas. Os resultados demonstraram que os professores receberam uma formação mínima para trabalhar com alunos com deficiências físicas e mentais, mas que ainda assim lhes permitem adotar metodologias didáticas com vistas à sua inclusão, bem como promover melhoria na socialização desses indivíduos.
Unitermos
: Educação inclusiva. Educação Física. Deficiência física e mental.
Abstract
Physical Education is a curricular component that greatly contributes to the formation of students. Through its contents, it causes individuals to have attitudes and be motivated to healthy practices by stimulating body perception, leading them to acquire a positive view of the movement's body culture. Physical Education classes provide elements for students to acquire healthier lifestyle habits, in addition to presenting possibilities for activities so that children and young people can choose, autonomously, those that they like best and best suit their physical possibilities. The objective of this work is to understand how teachers from public and private schools in the municipality of Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, experience the social inclusion of physically and mentally disabled people in Physical Education classes. The research approach was qualitative, descriptive in nature. In all, three male teachers participated in the research. As a data collection instrument, a questionnaire containing five essay questions was applied. The results showed that the teachers received a minimum training to work with students with physical and mental disabilities, but that still allow them to adopt didactic methodologies with a view to their inclusion, as well as to promote improvement in the socialization of these individuals.
Keywords:
Inclusive education. Physical Education. Physical and mental disability.
Resumen
La Educación Física es un componente curricular que contribuye en gran medida a la formación de los estudiantes. A través de su contenido, incentiva a las personas a tener actitudes y motivarse hacia prácticas saludables estimulando la percepción corporal, llevándolos a adquirir una visión positiva de la cultura corporal del movimiento. Las clases de Educación Física brindan elementos para que los estudiantes adquieran hábitos de vida más saludables, además de presentar posibilidades de actividades para que niños y jóvenes elijan, de forma independiente, las que más les gusten y se adapten a sus capacidades físicas. El objetivo de este trabajo es comprender cómo docentes de escuelas públicas y privadas del municipio de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, viven la inclusión social de personas con discapacidad física y mental en las clases de Educación Física. El enfoque de la investigación fue cualitativo, de carácter descriptivo. En total, tres profesores varones participaron en la investigación. Como instrumento de recolección de datos se aplicó un cuestionario que contiene cinco preguntas de desarrollo. Los resultados demostraron que los docentes recibieron una formación mínima para trabajar con estudiantes con discapacidad física y mental, pero aún así les permitió adoptar metodologías de enseñanza con miras a su inclusión, además de promover mejoras en la socialización de estos individuos.
Palabras clave:
Educación inclusiva. Educación Física. Discapacidad física y mental.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 305, Oct. (2023)
Introdução
O processo de ensino e aprendizagem, de modo geral, apresenta uma variedade de possibilidades de erros e acertos por parte dos alunos e dos professores. A educação é um processo contínuo, assim como a Educação Especial e inclusiva (Koscheck, 2019), e por ser um processo, não é estático e não possui uma fórmula para resolver todos os problemas apresentados, como também nem sempre é capaz de abarcar todas as suas possibilidades.
Este trabalho teve como objetivo compreender como professores de escolas da Rede Pública e da Rede Privada do município de Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, vivenciam a inclusão social de deficientes físicos e mentais nas aulas de Educação Física. Os dados apresentados foram coletados por meio de um questionário aplicado a três professores do componente curricular em questão.
Para uma aproximação a esse objetivo, o artigo foi dividido em três seções, além desta Introdução e das Conclusões. Na primeira, é apresentada uma discussão acerca de como a inclusão foi interpretada ao longo da história no Brasil, bem como a compreensão dos seus significados na existência humana. Em seguida, é explicitada a metodologia adotada na pesquisa. Por fim, são discutidos os resultados por meio da análise das respostas dos professores respondentes à luz da produção bibliográfica perscrutada.
Concepções pedagógicas do Ensino de Educação Física
A Educação Física, como atividade educativa, tem sido amplamente discutida no âmbito das concepções pedagógicas. Procurando atender as necessidades históricas das transformações sociais, a disciplina acompanha tais mudanças e se torna cada vez mais importante para atender as demandas político-pedagógicas.
Após a década de 1970, a influência de médicos higienistas passou a ser rechaçada junto ao militarismo e à Pedagogia Tradicional e Tecnicista. Surgem, então, as Tendências denominadas de Psicomotora, Construtivista e Desenvolvimentista, focadas na psicologia crítica e sociopolítica, além de outras que transitam no meio acadêmico e profissional, como a sociológica-sistêmica e a antropológica-cultural. Essas correntes ampliaram os campos de reflexão para a área, aproximando-a das ciências humanas ao articular as múltiplas dimensões do ser humano. (Brasil, 2001)
A partir da década de 1990 emergem várias outras abordagens pedagógicas (Darido, 2001), as quais apresentam diferentes formas de conceber a Educação Física, mas não deixando de compreendê-la como uma disciplina que trata da cultura corporal, com temas, jogos, ginástica, esporte, dança, capoeira e demais atividades relacionadas aos problemas sociais e políticos vivenciados pelos alunos. O cenário é marcado pela crítica às características das concepções anteriores, propondo novas abordagens teórico-metodológicas, as quais se apoiam em um modelo de ensino que objetiva a superação das contradições e das injustiças sociais. Desse modo, a Educação Física crítica passa a se engajar nas transformações sociais, econômicas e políticas para que efetivem mecanismos de superação das desigualdades sociais.
Segundo Melo (1994), o jogo na escola perdeu, ao longo dos anos, seu caráter pedagógico atendo-se às características de esporte de alto rendimento. O referido autor reforça a necessidade de construção da autonomia pedagógica da Educação Física, a qual, segundo ele, deve ser capaz de socializar conhecimentos e contribuir sobremaneira para que os alunos aprendam a cooperar para melhorar as relações sociais. Para que isso ocorra, os conhecimentos devem ser vistos de forma crítica, pois “os conteúdos terão significados a partir de como eles serão apresentados aos alunos, cabendo ao professor estabelecer sua prática pedagógica de forma que os alunos sejam capazes de compreender esses significados”. (Morais, e Hostins, 2019, p. 318)
Nesse sentido, ao adotar uma postura inclusiva, os professores podem trabalhar conteúdos diversificados para o ensino/aprendizagem da Educação Física escolar com a possibilidade de desenvolver os conteúdos nos diversos contextos socioeconômicos em que a escola esteja inserida. Isso se deve ao fato de que no processo de busca da identidade da Educação Física, as possibilidades de metodologias de ensino se diversificaram, os profissionais estão sendo melhores preparados, pois desde a graduação já entram em contato com o tema da inclusão.
Do ponto de vista estrutural, muitas escolas já se adaptaram para receber os alunos com deficiências, porquanto “a acessibilidade física deve ser vista como um elemento essencial para legitimar a inclusão educacional, uma vez que sua função é buscar garantir os direitos de acesso todos os alunos nos mais diversos espaços que a escola possui” (Silva, Santos, Nery, e Brito, 2022, p. 19). Os debates e interpretações sobre a inclusão no ensino ajuda visualizar as possibilidades que os professores terão para compreender e adotar uma prática coerente com o seu fazer pedagógico no contexto da inclusão, por isso se faz necessário que estes detenham o conhecimento das tendências, abordagens, currículo e acima de tudo, o desenvolvimento das fases da criança. (Araújo. e Barros, 2019)
A inclusão escolar tem sido debatida juntamente ao conceito de integração, e só será efetivada quando for aceita por toda a comunidade escolar (Klein, e Silva, 2012). As atitudes discriminatórias são resultantes de uma complexa dinâmica da subjetividade repleta de contradições, medos, ansiedades, resistências e cisões. Martins, e Leite (2014) ressaltam que a participação da Educação Especial no ensino comum avançou quando se reconheceu o direito do aluno com deficiência estudar em ambientes com menor segregação possível.
A dificuldade da inclusão do aluno com necessidades especiais no ensino regular, está no próprio sistema de ensino, o qual tem uma visão distorcida da comunidade escolar dada pelo currículo escolar. É importante que os professores de educação tenham habilidade para acomodar os estudantes com deficiência em suas aulas. (Schliemann, Alves, e Duarte, 2020)
A razão de ser do currículo é a de explicitar o projeto, as intenções e o plano de ação. Ora, frente à imprescindibilidade do currículo como uma proposta de execução, é preciso “retomar a discussão ampla sobre os fins e objetivos educativos e, portanto, sobre a pertinência, as possibilidades e os limites de se desenhar um currículo informado pelas finalidades educativas” (Bauer, 2020). O currículo deve ser o fio condutor de uma prática refletida, ou seja, um documento orientador que, quando elaborado, leve em conta as condições reais das práticas que propõe e, assim, seja um efetivo instrumento para os docentes.
Integração e Inclusão: definição e debate
O movimento mundial por uma educação inclusiva “é uma ação política, cultural, social e pedagógica” que defende o direito de todos os alunos aprenderem e participarem juntos no mesmo espaço, sem discriminação alguma. (Brasil, 2001)
A educação especial teve seu início no século XIX, sustentada no paradigma de que a pessoa com deficiência deveria ser preparada e orientada para viver em sociedade, exigindo que a educação tivesse uma concepção de ensino que a adaptasse aos padrões sociais vigentes, formulados pelos grupos majoritários.
As instituições que trabalhavam com a educação especial tinham uma concepção de atividades de ensino e aprendizagem que considerava estratégias terapêuticas, individualizada, sequenciação de tarefas, ênfase no estímulo, preparação acurada do ambiente e treinamento das habilidades funcionais. Esta situação relacional entre pedagogia e a medicalização parece não ter mudado muito, pois ainda tenta-se melhorar o desempenho das pessoas com deficiência através de medicamentos com intuito de adequá-las aos padrões da sociedade. Diniz (2008) assinala que a ciência era entendida como “a” verdade e girava em torno do “homem” que precisava se afirmar no mundo.
No Brasil, um dos marcos históricos mais significativos foi a criação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), inscrita sob a Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961 (Brasil, 1996), em atendimento aos movimentos de pais e pessoas com deficiência que deveriam ser enquadradas no ensino regular quando possível, denominando os “excepcionais”, além de subsidiar instituições que se dedicavam ao atendimento educacional de pessoas com deficiência.
No debate desde esse período há alguns termos remanescentes que ainda não foram superados, os quais giram em torno de duas terminologias “integração” e “inclusão”. Para Diniz (2008), a integração tem por base o princípio de normalização que foi construída num momento histórico, anos de 1960, em que se discutia a segregação, a exclusão social de vários segmentos sociais e categorias de pessoas e se referia à integração das pessoas nas diversas formas atividades humanas, tendo estas ou não uma incapacidade ou dificuldade para fazê-lo. Formulado a partir de interesses político-econômicos e de críticas ao paradigma da institucionalização, começam a surgir novas práticas para o atendimento à pessoa com deficiência. A prática institucionalizada mostrava ser um modelo fracassado dando início ao movimento pela desinstitucionalização. (Diniz, 2008, p. 24)
Para Werneck (1997), inclusão é o termo utilizado por quem defende o sistema caleidoscópio de inserção, no qual não há diversificação no atendimento, isto é, a criança fará parte da turma do ensino regular e a escola deve encontrar respostas educativas para as necessidades específicas de cada aluno, quaisquer que sejam elas.
Por sua vez, Diniz (2008) afirma que a opção de inserir a pessoa com deficiência, pautada no vocábulo “inclusão”, defende a radicalização da inserção escolar, pleiteando que essa seja completa e sistemática, questionando as políticas e a organização da educação especial e regular, sobretudo o conceito de integração.
A Integração difere da Inclusão no sentido de pregar um discurso meritocrático baseado no Modelo Médico da Deficiência, embora ambos visassem à não-exclusão do deficiente. Já a inclusão baseada no modelo social busca melhores condições para que as pessoas sejam respeitadas e aceitas, pelo fato de serem vistas com igual valor existencial. (Diniz, 2008, p. 27)
O conceito de integração passou a ser criticado após a Conferência de Salamanca em 1994, em que se discutiu as condições em que os alunos “especiais” precisavam criar para se adaptarem à escola. Esse foi um marco histórico significativo na formulação e difusão da filosofia e dos princípios da educação inclusiva. A inclusão é incompatível com a integração, devido ao modo de inserção radical, completo e sistemático. (Mantoan, 2003)
O documento criado em Salamanca fundamenta-se no princípio da diversidade humana, caracterizado a partir do pressuposto de que todas as pessoas são portadoras de direitos e, portanto, devem-se propiciar os meios para que possam ter acesso aos recursos disponíveis na sociedade. De acordo com Sassaki (2003), a partir desse momento começa a surgir um novo paradigma, o “Paradigma de Suporte”. Essa nova visão defende que haja a garantia de igualdade de acesso aos recursos da comunidade às pessoas com deficiência, assim como acontece aos não deficientes, sem sofrer quaisquer modificações nos campos sociais, educacionais, econômico, físico e instrumental.
O movimento de educação inclusiva surgiu nos anos de 1990, nos Estados Unidos da América, em um contexto de reformulação da educação geral e especial. Esse movimento foi discutido a partir de duas correntes de pensamento com propostas diferentes sobre a forma de educar as pessoas com deficiência: inclusão total versus educação inclusiva. A primeira defendia a colocação de todos os estudantes, independentemente do grau e do tipo de incapacidade em uma classe comum e em uma escola próxima a sua casa, procurando eliminar o modelo de atendimento e apoio ao ensino especial; e a segunda corrente defendia que os alunos frequentassem escolas comuns, porém, com serviços de suportes ou até mesmo com ambientes diferenciados (salas de recursos, escolas especiais). (Mendes, 2006)
A diferença que se pode estabelecer entre a integração e a inclusão é que a última prevê intervenções no processo de desenvolvimento potencial do sujeito com necessidades especiais e no processo de reajuste na realidade física, educacional, material, humano, social, legal, entre outras.
Metodologia
Os procedimentos técnicos utilizados na pesquisa apoiaram-se no referencial teórico, considerando a sua pertinência quanto ao tema e objeto de nosso estudo, a saber, a inclusão social de deficientes físicos nas aulas de Educação Física no âmbito escolar, no Ensino Fundamental. Conforme José Filho (2006), a interpretação de uma determinada realidade só pode ser feita ao pesquisá-la, tendo, para tanto, um embasamento teórico que nos permita melhor compreendê-la e, mesmo assim, sem ter a pretensão de conhecê-la em sua totalidade. Contudo, para se chegar perto da realidade a ser conhecida, é necessário percorrer um determinado caminho metodológico com instrumentos apropriados.
Frente aos objetivos estabelecidos, a pesquisa foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa de natureza descritiva. Os materiais utilizados para a fundamentação teórica foram livros, teses, dissertações e artigos publicados em revistas especializadas.
Após o estudo do referencial teórico necessário para compreender o objeto de estudo, em diálogo com Gil (2002), concluiu-se que o questionário seria o instrumento mais adequado aos propósitos do trabalho, uma vez que, por meio dele, pode-se coletar informações bastante diversas, como opiniões, interesses, expectativas, experiências vividas, entre outras. Ademais, esse instrumento viabiliza a coleta de material para análise sem que o pesquisador esteja próximo ao respondente - no caso do questionário online -, o qual, por seu turno, pode se sentir mais confortável e seguro para responder às questões que lhe são endereçadas.
O questionário foi elaborado com cinco questões abertas no Google Forms, sendo encaminhado via Whatsapp juntamente com o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual forneceu as informações acerca da participação dos professores licenciados em Educação Física e atuantes nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio no município de Ponta Porã, cientificando-os sobre o sigilo de identidade, além de esclarecer que não havia benefícios financeiros, sendo assim, a participação dos sujeitos foi livre e espontânea.
Resultados e discussão
Para garantir o anonimato dos sujeitos da pesquisa, nesta análise, foram adotados nomes fictícios para nos referirmos a eles: “Professor 1”, “Professor 2” e “Professor 3”. Logo, para investigar os conhecimentos que os professores tinham sobre a inclusão de deficientes físicos nas aulas de Educação Física no contexto escolar, lhes foram direcionadas cinco questões.
A primeira questão foi elaborada nos seguintes termos: “Você acredita que, antes de se tornar um professor, você já tinha um olhar crítico quanto à inclusão e ao acolhimento do indivíduo deficiente físico ou psíquico no âmbito social e escolar?”
O Professor 1 respondeu:
Sim, porém, era um assunto que antes da formação do ensino superior e aprofundamento sobre o assunto se passava despercebido por vivermos em um costume geralmente de se observar apenas quando é preciso, e, geralmente, é preciso que alguém que domine o assunto nos faça abrir os olhos sobre determinada coisa. Mas, no geral, sempre soube da importância da inclusão dessas pessoas na sociedade. (Professor 1, 2022)
O Professor 2 (2022) apenas respondeu que “Sim” e não fez comentários sobre o assunto. Diferente dos professores citados anteriormente, o Professor 3 (2022) respondeu:
Não. A busca pela capacitação nos casos de Pessoa com Deficiência (PCD) deu-se a partir do ingresso no mercado de trabalho. Embora a ementa do curso viabilize a disciplina “Educação Física Inclusiva”, somente na prática com o componente (ser humano) pude sentir na pele a necessidade de buscar mais sobre [o tema]. (Professor 1, 2022)
As respostas apresentadas pelos professores corroboram a importância de programas de treinamento e de formação de professores de Educação Física adaptada contribuem para uma percepção mais favorável dos processos de inclusão de estudantes com deficiência. (Rekaa, Hanisch, e Ytterhus, 2019)
A formação dos professores no contexto da educação inclusiva surgiu devido à tendência geral de democratização global (Demchenko et al., 2021), direcionada a um olhar mais reflexivo sobre a inclusão faz com que os profissionais tenham um suporte teórico e metodológico para adequar o currículo às necessidades de cada uma das turmas com as quais têm que trabalhar. É fundamental que o professor tenha apoio institucional com políticas e investimentos que visem capacitação para atender, incluir e ensinar os alunos com necessidades específicas de apoio pedagógico. (Felipe-Rello, Garoz Puerta, e Tejero-González, 2020)
A segunda questão foi inscrita nos seguintes termos: “Antes de você atuar como professor, pôde observar alguma cena inclusiva nas aulas de Educação Física?”
O Professor 1 (2022) respondeu:
Sim, já observei pessoas com TDAH [Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade] e pessoas cadeirantes. A pessoa com TDAH, fazendo atividade com o auxílio de uma profissional de apoio dentro da sala e o aluno cadeirantes sendo incluído em uma atividade de Educação Física. (Professor 1, 2022).
O Professor 2 (2022) respondeu: “Sim, durante as aulas da faculdade e cursos”. Já o Professor 3 informou: “Pouquíssimas vezes, até porque o cenário inclusivo do aluno PCD na escola regular é uma realidade da virada da década de 2010-2020”.
Tais respostas vêm ao encontro com o contexto histórico, social, cultural e educacional anteriormente explicitado. Foi necessária a consolidação de um movimento mundial, tendo por base a Declaração dos Direitos Humanos, a luta pela inclusão realizada pelos diversos movimentos que lutaram pela inclusão, a ampliação dos estudos e a colocação da inclusão nas pautas das políticas sociais e educacionais para que as demandas de pessoas com deficiências físicas e mentais pudessem ser incluídas no ambiente escolar, a fim de que aprendam na convivência com as diversidades que regem o convívio social. Como apontado por Diniz (2008), foi preciso a realização de mudanças estruturais no sentido de incluir pessoas com deficiência, retirando as discussões do âmbito exclusivo do campo médico e medicamentoso.
Na terceira questão, interrogou-se: “Você acredita que as políticas públicas vigentes estão realmente sendo efetivas no quesito de ensino aos deficientes físicos?”
O Professor 1 (2022) respondeu:
Acredito que sim, pois sempre se incentiva que profissionais que queiram atuar nessa área se especializem mais nesse quesito. Quanto mais qualificação a pessoa busca sobre o assunto, consequentemente ela faz com que seja efetiva o ensino para essas pessoas com essa necessidade especial. (Professor 1, 2022)
O Professor 2 (2022) apontou: “Nem tudo no sistema é perfeito, sempre sendo necessário fazer atualizações para corrigir as falhas” e o Professor 3 (2022), por sua vez, indicou: “As políticas públicas atendem, sim. O que não corrobora com elas são as faltas de fiscalizações e, em grande parte, o cumprimento por parte dos professores a rigor, e também a falta de material”.
A visão dos professores está focada numa avaliação do universo educacional em que vivem, por isso é preciso projetar formações voltadas para a promoção da inclusão educacional (Solís García, e Borja González, 2021). A formação de professores ainda é restrita nos currículos de formação, que apenas apresentam uma concepção geral sobre o tema. Falta muito para que as políticas públicas, não só na educação inclusiva, como também na educação de modo geral, sejam efetivadas.
Na quarta questão, interrogou-se o seguinte: “Você, como professor, pode notar alguma diferença na exigência de entrega de resultados entre o ensino particular e o ofertado pelo Estado/Município?”
O Professor 1 (2022) respondeu “Sim”, enquanto o Professor 2 (2022) pontuou:
Particularmente, não faço parte do ensino particular, sendo assim, não tenho como opinar. Porém, posso garantir que, no município, sempre são buscadas melhorias para cada aluno individualmente, independente se é um grande ou pequeno avanço, o importante é o bem-estar do indivíduo. (Professor 2, 2022)
O Professor 3 (2022) respondeu de forma assertiva: “Muito! O município trata com especificidade a necessidade do caso, uma vez que o acesso à secretaria é simplificado e resolutivo”.
As respostas dos professores representam a realidade da educação inclusiva que avançou muito na educação pública municipal e estadual, mas que ainda apresenta diferenças entre as redes de ensino pública e privada. Dessa forma, tanto as escolas públicas quanto as privadas devem seguir as mesmas normas gerais da educação nacional apresentadas para evitar diferenças no atendimento educacional dos alunos, independentemente de suas condições físicas, sensoriais ou intelectuais. É importante ressaltar que a Rede Privada de Ensino tem autonomia para elaborar seu projeto pedagógico, desde que siga as regulamentações nacionais; logo, ela possui liberdade para aprimorar o sistema de inclusão.
A última pergunta indicava aos professores: “Com base em sua vivência e nas perguntas respondidas acima, dê sua opinião sobre alguma lei ou metodologia de ensino que poderia ser implantada ou modificada para melhorar o ensino da disciplina de Educação Física ao de deficiente físico nas escolas.”
O Professor 1 (2022) apontou:
De acordo com a nova reforma, houve uma redução das aulas de Educação Física no Ensino Médio e em 2022 novamente houve uma nova modificação que acabou deixando a Educação Física apenas no 1º ano do Ensino Médio. Já se houve comparação dos efeitos de uma aula de Educação Física, sendo assim, penso que é um retrocesso, já que a juventude atual precisa, pois a grande maioria só pratica nas escolas e isso é mais ainda com pessoas com deficiências. Minha opinião sobre o assunto é que se deve manter o espaço conquistado pelos profissionais da área já que em nossa sociedade a prática de atividade física se torna cada vez mais indispensável. (Professor 1, 2022)
O Professor 2 (2022) relatou que “utilizando a inclusão como principal aliado para que os indivíduos ditos como ‘normais’ e os indivíduos com alguma deficiência física ou intelectual possam unir-se fazendo atividades sem que haja exclusão e nem a segregação de nenhuma parte”.
O Professor 3 (2022) assinalou que “metodologia é algo de caracterização do indivíduo cada um tem sua. As leis são bem formuladas, o problema são as práticas delas. No que se refere ao PCD há de pensar em espaços melhores elaborados com finalidades para tais”.
Os professores respondentes apontam para os novos desafios que a própria disciplina Educação Física tem que enfrentar no âmbito escolar. No que diz respeito à educação inclusiva, não tem sido diferente. Ainda que as leis busquem promover inclusão em todos os âmbitos escolares, na prática, ainda há muitas irregularidades que a dificultam para o aluno deficiente.
Conclusões
Todos os temas que envolvem a educação são considerados extremamente relevantes. No que diz respeito ao sistema de ensino e à educação inclusiva, os estudos e as pesquisas têm demonstrado que os avanços são constantes, mas o processo de efetivação das políticas públicas é um desafio.
O desenvolvimento desta pesquisa nos revelou que, na prática, as mudanças para a inclusão de pessoas com deficiências físicas e mentais ocorreram de forma lenta, passando por vários processos de interpretação e tratamentos. Foi no campo político que as conquistas foram colocadas em prática a partir da formulação de um ordenamento jurídico específico que compreende as diferentes áreas que trabalham com as deficiências. No caso da educação, a legislação está bem consolidada.
No que diz respeito à proposta da pesquisa, foi constatado, por meio das respostas ao questionário, que a formação acadêmica foi fundamental no processo de chamar a atenção para as questões relacionadas às diferentes deficiências, porém, não foram suficientes para garantir uma atuação profissional de qualidade. Os participantes apresentaram visões que evidenciam diferenças nos métodos de inclusão das escolas públicas e particulares.
Observou-se que para os professores de Educação Física, atualmente, o currículo escolar, por sua flexibilidade, propicia a adoção de metodologias de ensino que possam contemplar a todos os alunos, realizando, de fato, a inclusão dos alunos com deficiência por meios das atividades físicas colaborativas, não se restringindo apenas a práticas desportivas e competitivas.
Dessa forma, cabe aos professores de Educação Física “se posicionar politicamente e pensar a educação como ato político” (Diehl, Molina Neto, e Silva, 2019), assim, estarão contribuindo para o processo de efetivação das políticas públicas com criatividade e adoção de estratégias metodológicas adequadas.
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