Judô em Porto Alegre (décadas de 1950 e 1960): itinerários da prática na cidade

Judo in Porto Alegre (1950s and 1960s): practice itineraries in the city

Judo en Porto Alegre (décadas de 1950 y 1960): itinerarios de la práctica en la ciudad

 

Walter Reyes Boehl*

walter.boehl@ufrgs.br

Janice Zarpellon Mazo**

janice.mazo@ufrgs.br

 

*Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Ciências do Movimento Humano (PPGCMH) 

da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) 

Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Licenciado e Bacharel em Educação Física (ESEFID/UFRGS). 

Bacharel em Comunicação Social, habilitação Jornalismo, 

pela Faculdade de Comunicação Social (Famecos)

Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)

**Professora associada da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança (ESEFID) 

da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). 

Doutorado em Ciências do Desporto pela Universidade do Porto (UP). 

Mestrado em Ciência do Movimento Humano pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM)
(Brasil)

 

Recepção: 15/07/2018 - Aceitação: 28/02/2019

1ª Revisão: 10/02/2019 - 2ª Revisão: 24/02/2019

 

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

 

Resumo

    Esta pesquisa tem como escopo investigar como se organizou a prática do judô em Porto Alegre, entre as décadas de 1950 e 1960. Para tal, o referencial teórico-metodológico de viés sociocultural baseou-se na análise de documentos e na revisão bibliográfica. Os resultados apontaram que os primeiros indícios da prática institucionalizada do judô em Porto Alegre é datada da década de 1950, período em que o japonês Takeo Yano migrou para a cidade de Porto Alegre a fim de ministrar aulas no dojô instalado no terraço do Hotel Majestic. Em seguida, por questões financeiras, o dojô de Takeo Yano mudou para o “Sport Clube Ruy Barbosa”. Após, com o afastamento de Takeo Yano, a direção do judô no “Sport Clube Ruy Barbosa”, foi assumida por Januário Dias que, posteriormente, passa o comando para Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, o Loanzi. Na década seguinte, anos 1960, chegou a Porto Alegre Teruo Obata, o qual foi ensinar judô no “Sport Clube Ruy Barbosa”. Na época, também, vieram a Porto Alegre o japonês Naoshige Ushijima e o nissei Ricardo Shunji Hinata, para ensinar judô. De tal modo, incrementou-se a prática do judô no período em suas distintas vertentes. No final da década de 1960, em 1969, após um impasse entre lideranças do judô em Porto Alegre, ocorre a fundação de duas entidades: Federação Gaúcha de Judô e Federação Rio-Grandense de Judô. Esse fato, também sugere que havia divergências no entendimento sobre a especificidade da prática de luta.

    Unitermos: Judô. Artes marciais. Lutas. Federação. História do esporte.

 

Abstract

    This research aims to investigate how the practice of judo was organized in Porto Alegre between the 1950s and 1960s. To this end, the theoretical-methodological reference of sociocultural bias was based on the analysis of documents and the bibliographic review. The results showed that the first signs of the institutionalized practice of judo in Porto Alegre date from the 1950s, when Japanese Takeo Yano migrated to the city of Porto Alegre to teach classes in the dojo installed on the terrace of the Hotel Majestic. Then, for financial reasons, the doo of Takeo Yano changed to "Sport Club Ruy Barbosa". Later, with the departure of Takeo Yano, the direction of the judo in "Sport Club Ruy Barbosa", was assumed by Januário Dias that, later, the command to Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, the Loanzi. In the following decade, 1960s, Teruo Obata arrived in Porto Alegre, which taught judo in the "Sport Club Ruy Barbosa". At the time, also came to Porto Alegre the Japanese Naoshige Ushijima and the nissei Ricardo Shunji Hinata, to teach judo. In this way, the practice of judo was increased in the period in its different aspects. In the late 1960s, in 1969, after an impasse between judo leaders in Porto Alegre, two entities were founded: the Federação Gaúcha de Judô and the Federação Rio-Grandense de Judô. This fact also suggests that there were divergences in the understanding of the specificity of fighting practice.

    Keywords: Judo. Martial arts. Fights. Federation. Sport history.

 

Resumen

    Esta investigación tiene como objetivo investigar cómo se organizó la práctica del judo en Porto Alegre, entre las décadas de 1950 y 1960. Para ello, el referencial teórico-metodológico de sesgo sociocultural se basó en el análisis de documentos y en la revisión bibliográfica. Los resultados apuntaron que los primeros indicios de la práctica institucionalizada del judo en Porto Alegre datan de la década de 1950, período en que el japonés Takeo Yano migró a la ciudad de Porto Alegre para dictar clases en el dojo instalado en la terraza del Hotel Majestic. A continuación, por cuestiones económicas, el dojo de Takeo Yano cambió para el "Sport Club Ruy Barbosa". Después, con el alejamiento de Takeo Yano, la dirección del judo en el "Sport Club Ruy Barbosa", fue asumida por Januário Dias que, posteriormente, pasa el mando a Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, el Loanzi. En la década siguiente, años 1960, llegó a Porto Alegre Teruo Obata, el cual fue a enseñar judo en el "Sport Club Ruy Barbosa". En la época, también vinieron a Porto Alegre para enseñar judo el japonés Naoshige Ushijima y el nissei Ricardo Shunji Hinata. De tal modo, se incrementó la práctica del judo en el período en sus distintas modalidades. A finales de la década de 1960, en 1969, tras un impasse entre los líderes del judo en Porto Alegre, se produce la fundación de dos entidades: la Federação Gaúcha de Judo y la Federação Rio-Grandense de Judo. Este hecho, también sugiere que había divergencias en el entendimiento sobre la especificidad de la práctica de lucha.

    Palabras clave: Judo. Artes marciales. Luchas. Federación. Historia del deporte.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 250, Mar. (2019)


 

Introdução

 

    O judô está entre os esportes mais praticados no Brasil (Lopes et al., 2012). A massificação dessa prática, dentre distintos fatores, está associada às vitorias de seus atletas em eventos internacionais. No entanto, para que o judô atingisse um patamar de destaque no cenário esportivo nacional, o processo da sua introdução e desenvolvimento no Brasil foi árduo e marcado por controvérsias nos diferentes estados brasileiros.

 

    O estado do Rio Grande do Sul, no tempo presente é reconhecido pela formação de atletas e, principalmente, pelos títulos conquistados em eventos nacionais e internacionais. Os judocas João Derly de Oliveira Nunes Júnior e Mayra Aguiar da Silva são os únicos brasileiros bicampeões mundiais seniores. João Derly, também, detém uma medalha de ouro em mundial júnior e Mayra possui duas medalhas olímpicas e outras três em campeonatos mundiais. Além disso, cabe mencionar que a judoca Maria Portela obteve medalha de ouro em evento mundial militar.

 

    Tais evidências atuais remetem a indagação sobre como era a prática do judô no Rio Grande do Sul em tempos passados. Para tanto, se faz necessário percorrer a literatura sobre o assunto e buscar fontes documentais que permitam garimpar vestígios do passado dessa prática esportiva. Por conseguinte, o presente estudo tem como objetivo reconstituir o processo histórico de desenvolvimento do judô em Porto Alegre, no período compreendido entre as décadas de 1950 e 1960. Para tal, realizamos uma investigação de cunho histórico-documental (Triviños, 1987), utilizando fontes impressas e fontes orais, as quais foram produzidas por meio de entrevistas com mestres que vivenciaram o período histórico demarcado para fins da presente pesquisa. Após a coleta de informações, fez-se a análise documental, por meio do cruzamento das informações colhidas (Bacellar, 2005). Os resultados de tal procedimento são apresentados nos tópicos que seguem.

 

Prática de lutas em Porto Alegre: jiu-jítsu e judô

 

    Os primeiros indícios da prática do judô no Brasil são datados do começo do século XX, a partir do ano de 1908, quando chegaram ao país pelo porto de Santos no estado de São Paulo, imigrantes japoneses que vieram trabalhar nas lavouras de café do norte do estado do Paraná e de São Paulo (Virgílio, 2002; Nunes, 2011). No caso do Rio Grande do Sul, essa prática de luta foi apresentada na década seguinte, quando dois emissários do Instituto Kodokan de Jigoro Kano, Mitsuyo Maeda1 e Soishiro Satake2, que viajavam pelo mundo demonstrando suas técnicas de lutas e desafiando lutadores locais de diferentes modalidades, chegaram a Porto Alegre, em 14 de novembro de 1914. Maeda e Satake estavam acompanhados dos japoneses Laku e Shimisu, que encontraram, respectivamente, no Peru e na Argentina, durante suas viagens por países da América do Sul (Nunes, 2011; 2013). Após curta temporada em Porto Alegre seguiram viagem passando pelas cidades do Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador (Bahia), Recife (Pernambuco), São Luís (Maranhão), Belém do Pará (Pará) e, no mês de dezembro de 1915 foram para Manaus, capital do estado do Amazonas. Em Manaus, dois dias após a chegada, em 20 de dezembro de 2015, os quatro lutadores japoneses realizaram uma exibição de lutas no teatro Politeama, a qual foi intermediada pelo empresário Otávio Pires Júnior (Virgílio, 2002; Nunes, Kossmann, Schames, 2005).

 

    Na época, as exibições de lutas apresentavam elementos técnicos e golpes, que mais tarde seriam identificados com práticas esportivizadas como, por exemplo, jiu-jítsu e judô. Franchini e Dorneles (2005) asseguram que, normalmente, os vocábulos jiu-jítsu e judô eram tidos como a mesma coisa, ou seja, esses termos eram usados indistintamente, no início do século XX. Essa constatação pode auxiliar a compreender algumas questões com relação às identidades das práticas de lutas nos primórdios no Rio Grande do Sul como, por exemplo, distinguir que se praticava era judô do Instituto Kodokan ou jiu-jítsu ensinado por Conde Koma.

 

    Após as já mencionadas exibições de lutas ocorridas na primeira década do século XX em Porto Alegre, evidenciou-se uma lacuna na década de 1920. De acordo com autores (Maduro, 1999; Nunes, Kossmann e Schames, 2005; Vargas Neto, 2014), na década de 1930, especificamente no ano de 1935 ocorreram demonstrações de luta realizadas pelo paraibano Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, conhecido pelo apelido de Loanzi ou Professor Loanzi, durante as festividades do Centenário da Revolução Farroupilha (1835-1935), em Porto Alegre, na capital do Rio Grande do Sul. Não foram localizados documentos registrando que a referida demonstração de luta foi de judô ou que Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, o Loanzi, tenha aprendido esta prática de luta, todavia, é apontado como precursor do judô no Rio Grande do Sul.

 

    Matéria apócrifa da extinta revista especializada em judô no Brasil registra que o paraibano Aluísio Nogueira Bandeira de Mello, conhecido como Loanzi, oriundo da cidade de Brejo da Areia (Paraíba), chegou a Porto Alegre no ano de 1938, após uma extensa temporada de lutas nos ringues (Judô No Brasil, 1965). Todavia, segundo Bazacas (2013), Loanzi desembarcou em Porto Alegre no ano de 1953, para ministrar aulas de luta-livre no Esporte Clube Cruzeiro3. De acordo com a matéria da revista (Judô No Brasil, 1965), naquela época sabia-se alguma coisa sobre jiu-jítsu com base nos ensinamentos do Conde Koma transmitidos para seus alunos, dentre eles, Loanzi e Carlos Gracie4. Em entrevista, o professor Luiz Escandiel5 afirmou que Loanzi, foi aluno de Conde Koma e praticava jiu-jítsu. Isso vem ao encontro da declaração do presidente da Federação Gaúcha de Judô (FGJ), Ricardo Rodrigues Gastón (2002), o qual assegurou que a modalidade praticada por Loanzi era o jiu-jítsu e, portanto, não poderia ser considerado professor de judô.

 

    Nunes (2011) averiguou, por meio de entrevistas com mestres de judô, que Loanzi não ensinava técnicas de arremesso, característica do judô, todavia era lutador de jiu-jítsu. Afirma Nunes et al. (2005) que, inicialmente,Loanzi, ensinava jiu-jítsu e, posteriormente, judô. Conforme os autores (2005), Teruo Obata, quando chegou, no prédio da academia do “Sport Club Ruy Barbosa”, onde funcionava o Dojô de Loanzi, para ministrar as aulas que fora contratado, observou que acima da porta de entrada da escola estava a inscrição jiu-jítsu. De tal modo, considera-se que Loanzi foi um dos precursores do judô no Rio Grande do Sul, mas o nome de outro pioneiro não pode ser esquecido: Takeo Yano.

 

A prática do judô em Porto Alegre: primeiros vestígios

 

    O início do judô em Porto Alegre, provavelmente, tenha iniciado, na década de 1950, por meio dos ensinamentos do imigrante japonês Takeo Yano. Segundo Bazacas (2013), o recém-chegado faixa preta 3º Dan6, tinha à época 42 anos de idade e era campeão de judô de uma província localizada ao sul do Japão. Antes de aportar no Rio Grande do Sul, “o japonês”, como Takeo Yano era popularmente conhecido, havia desembarcado no Brasil para trabalhar na agricultura no interior paulista. Como não tinha interesse em trabalhar nos cafezais, se mudou para a capital de São Paulo, onde passou a ensinar lutas. Além do dinheiro que ganhava com as aulas, também conseguia melhorar os seus proventos através de apresentações de catch7 (Bazacas, 2013).

 

    De acordo com Bazacas (2013), a chegada do japonês Takeo Yano a Porto Alegre foi por meio de Carlos Mateus, grande entusiasta e patrocinador de eventos de lutas, do filho do dono do Café Mateus. A ideia em trazer Takeo Yano para a cidade ocorreu após Carlos Mateus assistir uma exibição de lutadores de catch em Porto Alegre e ficar impressionado com o desempenho do japonês. Em seguida decidiu, através de cotas entre seus amigos, trazer o japonês para o Rio Grande do Sul para ensinar judô.

 

    De acordo com Bazacas (2013), com a chegada de Takeo Yano se fazia necessário encontrar um local para ele ensinar a prática. Da amizade que mantinha com o gerente do Hotel Majestic8, Carlos Mateus conseguiu o terraço do hotel para montar o dojô9. A cobertura do piso do terraço não era a mais adequada e sem dinheiro para a compra e transporte dos tatames, foi feito um piso de serragem, coberto por lonas.

 

    Com alto custo da manutenção do dojô no Hotel Majestic, em meados de 1951, os integrantes do dojô buscaram uma solução mais barata (Bazacas, 2013). Propuseram ao presidente do “Sport Club Ruy Barbosa”10, o Delegado Cavali, que Takeo Yano ministraria aulas de graça para os sócios do clube, em contrapartida, teriam à sua disposição para o seu uso o espaço sem pagar aluguel. O número de praticantes de judô no “Sport Club Ruy Barbosa” foi aumentando (Maduro, 1999) e, em 1953, dois anos depois de instalarem-se na nova sede, foram graduados obtendo faixa preta, os primeiros gaúchos: Daly Arnaldo Volkmann, Irineu Pantaleão Bazacas, Iwao Sugo, Januário Dias Rezende, Jorge André Prates Aveline, Theodoro Saibro Mascarenhas (Bazacas, 2013).

 

    Alguns dos judocas acima citados integraram a delegação gaúcha que disputou o 1° Campeonato Brasileiro de Judô realizado no “Tijuca Tênis Clube”, no Rio de Janeiro, em outubro de 1954. Os judocas gaúchos eram João Graf Vassaux, Teodoro Saibro Mascarenhas, Roberto Schames, Daly Arnaldo Volkmann, Teodoro Schwerin Saibro, Nilton Cardoso Souza e, como treinador, Januário Dias Rezende. No evento, obtiveram o terceiro lugar (Nunes et al., 2005). Januário Rezende Dias, alcunhado de português, no mesmo ano, após quitar as dívidas, comprou a academia de Takeo Yano, o qual se transferiu para São Paulo (Bazacas, 2013). Nunes (2013) conta outra versão: que Takeo Yano perdeu a sua academia por causa de jogatinas e devido a isso rumou para o nordeste brasileiro.

 

    Januário Dias, que tinha o dojô “Sport Club Ruy Barbosa”, transferiu o local para Loanzi, em 1956 (Bazacas, 2013) e foi constituir o departamento de judô no “Sport Club Internacional” (Bazacas, 2013). Com a troca de professor, alguns alunos deixaram o “Sport Club Ruy Barbosa”, onde Loanzi seguiu ensinando judô. Por intermédio desse, os judocas Delamar Teixeira da Silva, Osvaldo Monteiro dos Santos e Nilton Cardoso Souza, estagiaram por três meses na academia Ryuzo Ogawa, em São Paulo, em 1959. Essa academia tem sua raiz no Instituto Budokan, no Japão diferenciando-se do Instituto Kodokan do judô Kano (Maduro, 1999). De tal modo, no retorno dos judocas, uma nova vertente do judô começou a ser disseminada em Porto Alegre e, aos poucos, sucedeu-se a diferenciação do judô em relação a outras práticas de lutas. Esse processo, conta com a influência de outro japonês, Teruo Obata, que chega ao Rio Grande do Sul no começo da década de 1960.

 

A propagação da prática institucionalizada do judô em Porto Alegre

 

    O imigrante japonês Teruo Obata dirigiu-se a cidade de Porto Alegre em busca de oportunidade de trabalho, após algumas tentativas frustradas de viajar, partindo do Porto de Santos em São Paulo, à Espanha (Nunes, 2011, 2013). Desembarcou no Brasil, vindo do Japão, em 13 de agosto de 1960, com a ideia de fazer escala para chegar à Espanha, onde pretendia se tornar um toureiro. Todavia, não obteve o visto e desistiu de ir para a Europa.

 

    Com poucas perspectivas do que fazer no Brasil, aconselhou-se com Massao Shinohara, ex-colegados tempos da Universidade Takushoku em Tóquio, no Japão, a não permanecer em São Paulo (Boehl, 2010). Nessa época, o estado possuía muitos imigrantes japoneses ensinando judô (Nunes, 2011), e no estado do Rio Grande do Sul a situação era desigual (Boehl, 2010). Como Massao Shinohara residia em São Paulo há algum tempo e ensinava judô, conhecia, em parte, o mercado de trabalho. Diante das circunstâncias, Teruo Obata deixou São Paulo para desembarcar em Porto Alegre, no ano de 1960.

 

    Logo, na chegada a Porto Alegre soube de um torneio de sumô que estava sendo organizado pela colônia japonês situada no município de Ivoti. Teruo Obata se inscreveu e lutou contra os membros da conhecida Academia do “Sport Ruy Barbosa”. As suas vitórias aconteceram com tamanha facilidade que lhe rendeu o convite do Loanzi, para atuar como professor de judô na referida academia (Nunes et al., 2005). Após quatro anos trabalhando no estabelecimento de Loanzi, conforme Boehl (2010), Teruo Obata criou o “Clube Tokyo de Judô”, em 1964, localizado na Avenida Osvaldo Aranha, número 138, em frente ao prédio da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

 

    A prática do judô propagou-se de forma expressiva nos anos 1960 em Porto Alegre por meio da chegada de outros lutadores/mestres/professores. Foi o caso do sensei Naoshige Ushijima, conhecido como sensei Nao, que após desembarcar no Porto de Santos em São Paulo vindo do Japão em 18 de outubro de 1960, transferiu-se para o Rio Grande do Sul, onde ministrou aulas de judô na SOGIPA e no Colégio São Pedro (Nunes, 2011). Vale mencionar que a SOGIPA é um tradicional clube da cidade de Porto Alegre, fundado em 1867, pela iniciativa de imigrantes alemães.

 

    Ainda, nos anos 1960, ministrou aulas de judô em Porto Alegre o nissei11, filho de imigrantes japoneses, nascido em São Paulo, Ricardo Shunhi Hinata. Segundo Nunes (2011), ele tinha formação em judô na academia do sensei Kurachi, localizada na cidade de Santos, São Paulo e viveu anos no Rio de Janeiro, antes de vir residir no Rio Grande do Sul e tornar o primeiro professor do departamento de judô da Sogipa. Conforme Matias Azevedo (2016), Shunji Hinata foi um dos judocas com o melhor nível técnico de judô que pode conviver. Foi aluno do sensei Hinata no “Sport Club Ruy Barbosa”, onde costumava realizar aula extra de randori12 com o sensei, cujas lembranças são marcadas pelas muitas quedas como forma de aprendizado.

 

    Até então o judô era um esporte, com departamento próprio,inserido na estrutura da Federação Rio-Grandense de Pugilismo (FRGP) (Maduro, 1999). Naquela época, o judô gaúcho tinha suas próprias demandas administrativo-financeiras e, portanto, deveria desligar-se da FRGP, de acordo com entrevista do ex-presidente da FGJ, Carlos Matias Pauli de Azevedo (2016). De acordo com Azevedo (2016), foi iniciado um movimento para que o judô se desligasse da FRGP, dirigida no período por Moacyr Lauro Dornelles, vulgo Tarzan Mirim, e organizasse a sua própria unidade federativa; contudo, houve conflito de interesses entre lideranças do judô.

 

O estabelecimento de uma federação de Judô

 

    A criação da Federação Gaúcha de Judô fora carregada de controvérsias. No ano de 1969, as principais lideranças do judô no Rio Grande do Sul mobilizaram-se para o para que o judô tivesse sua entidade própria. No entanto, conforme a legislação esportiva vigente,o Decreto-Lei nº 3.199 de 1941, para tal era necessária a autorização do presidente da FRGP. O presidente discordava da separação e para que o processo fosse facilitado, aqueles que defendiam a criação da nova entidade apoiaram a candidatura de Loanzi à presidência da FRGP, ponderando que as resistências seriam sobrepujadas (Maduro, 1999). No entanto, houve conflito de interesses entre as lideranças do judô e se constituíram dois grupos gerando um impasse: um grupo foi liderado por Ricardo Rodrigues Gastón e o outro por Loanzi. De tal modo, foram criadas duas entidades para o judô: a Federação Gaúcha de Judô (FGJ), tendo como presidente Ricardo Rodrigues Gastón, e a Federação Rio-Grandense de Judô (FRGJ), sendo Loanzi o presidente. Esse impasse foi solucionado um ano depois, em 1970, com o desígnio pela FGJ.

 

    Consta que a Federação Gaúcha de Judô (FGJ), foi fundada no dia 11 de março de 1969, após assembleia geral realizada na sede do Círculo Social Israelita, contando com a participação dos seguintes representantes de entidades esportivas: Clube Israelita, Judô Clube Portoalegrense, Clube Gondoleiros, Vila América, Judô Clube Metropolitano e do convidado especial vereador Cleon Guatimozim (Maduro, 1999; Nunes et al., 2005). Inicialmente a presidência da FGJ foi destinada a Ricardo Rodrigues Gastón e a vice-presidência a Zilmar Medeiros de Albuquerque. Por questões diversas, essa composição diretiva não fora aceita pelo presidente da FRGP, Loanzi, e a nova entidade precisava desse aval. (Azevedo, 2016).

 

    Para tanto, deveria ocorrer o convencimento de Loanzi para aceitar a nova federação. A responsabilidade de persuadi-lo ficou a cargo de Cleto Alves Mendes, conforme entrevista ao site Portal do Judô (Boehl, 2010). Foi através da proximidade de Cleto Alves Mendes com Loanzi, seu padrinho de casamento, que foi possível a homologação da fundação da FGJ, no dia quatro de setembro de 1970, após algumas tratativas, na sede do “Sport Club Ruy Barbosa”. Nessa data foi convocada uma reunião com o presidente da FRGP, Loanzi, para autorizar a criação da FGJ. Contudo, esse teria estabelecido algumas condições para que houvesse o seu consentimento. A primeira delas seria que Ricardo Rodrigues Gastón assumisse a presidência e a segunda exigência foi que Carlos Matias Pauli de Azevedo fosse o vice-presidente e diretor-técnico (Azevedo, 2013, 2016).

 

    Em relação ao primeiro presidente da FGJ, Ricardo Rodrigues Gastón, Cleto Alves Mendes ressalta que foi buscá-lo na Prefeitura de Porto Alegre para presidir a comissão. Inicialmente, Ricardo Rodrigues Gastón teria ficado receoso, pois temia sofrer retaliação por parte do então presidente porque estavam com relações rompidas. Porém, havia dado garantias que tudo estava ajustado entre eles para a reunião, que não haveria hostilidade. Então, o pleito para a escolha da primeira direção da FGJ ocorreu conforme acordado (Boehl, 2010). Inclusive, a estruturação da nova entidade contou com o auxílio de um dirigente da federação de judô do Rio de Janeiro, o qual esteve em Porto Alegre para ajudar na instalação ad entidade, segundo entrevista de Cleto Alves Mendes ao Portal do Judô.

 

    Em relação à data de fundação da FGJ, Nunes, Kossmann e Schames (2005) asseveram que a FGJ foi fundada no ano de 1969. Porém, para o ex-presidente Carlos Matias Pauli de Azevedo (Azevedo, 2016), deveria ser considerado o dia quatro de setembro de 1970 e não o dia 11 de março de 1969, como está consagrado pela entidade. A ausência da lavratura do pleito eleitoral de 1970 em ata é um dos motivos que a referida data não foi considerada como sendo a de fundação. Para Azevedo (2016), definir o dia 11 de março de 1969 como a data da fundação da FGJ está equivocado, pois nesse período, como não existiu a anuência do presidente da FRGP, Loanzi, a entidade não poderia ser criada.Essas são as duas versões da fundação da FGJ, a qual foi aceita como filiada à Confederação Brasileira de Judô (CBJ) em quatro de setembro de 1970, após excluir do estatuto o sumô e o caratê (Maduro, 1999).

 

Conclusões

 

    As fontes analisadas sugerem momentos marcantes sobre as primeiras manifestações de prática do judô em Porto Alegre: demonstrações de lutas na cidade em períodos distintos na década de 1910 e década de 1930; aulas de judô nas décadas de 1950 e 1960.Destarte, não fica notório qual modalidade de luta era exibida nas demonstrações, mas no que diz respeito as aulas há fortes evidências da prática do judô.

 

    Com respeito as aulas, a modalidade ensinada por Takeo Yano parece se aproximar mais do estilo de o judô de Jigoro Kano. Considera-se que o ensino institucionalizado do judô em Porto Alegre principia no início da década de 1950, quando Carlos Mateus baseia o ensino de seus alunos pela perspectiva difundida por Takeo Yano. Nesse caminho, o desembarque em Porto Alegre do sensei japonês Teruo Obata, a que tudo indica, parece que sofisticou o judô praticado na cidade. Ainda, o japonês Naoshige Ushijima e o nissei Ricardo Shunji Hinata quando chegam a Porto Alegre, qualificam as aulas de judô através de seus vastos conhecimentos.

 

    Destaca-se, por derradeiro, que esse trabalho não possui ambição de esgotar o assunto e nem mesmo determinar como único os entendimentos levantados acerca do fenômeno desvelado. A nossa intenção é de apresentar uma versão constituída através de memórias de atores sociais que estiveram envolvidos nesse cenário em que pese o recorte temporal. Enfim, esse texto tratou de cunhar uma versão sobre a trajetória do judô porto-alegrense nos seus primeiros anos de vida, que pouco até então tem sido no meio acadêmico; bem como, apresentar uma variante sobre a fundação da FGJ.

 

Notas

  1. Mitsuyo Maeda nasceu no Japão e ao ser naturalizado brasileiro mudou o nome para Otávio Maeda. Foi apelidado de Conde Koma. É considerado o introdutor do jiu-jítsu no Brasil.

  2. Soishiro Satake era japonês e quando foi naturalizado brasileiro adotou o nome de Antônio Soshihiro Satake. Chegou ao Brasil juntamente com Mitsuyo Maeda.

  3. Clube fundado para promover inicialmente a prática do futebol, na data de 14 de julho de 1913, em Porto Alegre. Posteriormente, para além do futebol ofereceu outras práticas esportivas (Mazo et al., 2012).

  4. Foi aluno de Mitsuyo Maeda. É considerado o criador do sistema de arte marcial brasileira “Brazilian Jiu-Jítsu” ou “Gracie Jiu-Jítsu”.

  5. Entrevista a Miguel Noronha Flores não publicada.

  6. Grau, relativo à graduação.

  7. Estilo de luta tradicional que se desenvolveu e se popularizou no final do século XIX pelos lutadores do carnaval itinerante, que tem incorporado submission holds, ou hooks, em sua luta para aumentar sua eficácia contra os seus adversários. O catch wrestling deriva de vários estilos diferentes, o estilo inglês de wrestling de Lancashire (catch-as-catch-can), o collar-and-elbow irlandês, a luta greco-romana, os estilos do subcontinente indiano como o pehlwani, e os estilos iranianos como o varzesh-e pahlavani.

  8. Estabelecimento que foi situado na Rua dos Andradas, no Centro de Porto Alegre. Teve o seu auge nos anos 30, 40 e 50. É o prédio onde, atualmente, abriga a Casa de Cultura Mário Quintana.

  9. Local onde se ensinam e se treinam as artes marciais japonesas.

  10. Clube de futebol brasileiro, sediado em Porto Alegre. Suas cores eram brancas e verdes. Foi fundado no dia 21 de outubro de 1915.

  11. Segunda geração dos imigrantes japoneses. 

  12. Treinamento livre.

 

Referências

 

    Azevedo, C.M.P. (2013). Carlos Matias Pauli De Azevedo. Depoimento. Entrevistador: Walter Reyes Boehl. Porto Alegre, 2013. Entrevista concedida para o projeto memórias do judô do Rio Grande do Sul.

 

    Azevedo, C.M.P. (2016). Carlos Matias Pauli De Azevedo. Depoimento. Entrevistador: Walter Reyes Boehl. Porto Alegre, 2016. Entrevista concedida para Trabalho de Conclusão de Curso O desenvolvimento do judô no litoral norte do Rio Grande do Sul: da década de 1960 à década de 2010.

 

    Bacellar, C. (2005). Uso e mau uso dos arquivos. Fontes históricas. São Paulo: Contexto: 23-79.

 

    Bazacas, I. P. (2013). Relatório. Campo bom: [material não publicado]

 

    Boehl, W. R. (2010). Kodanshas do Rio Grande do Sul – sensei Teruo Obata. Disponível em: https://portaldojudors.wordpress.com/2010/08/18/kodanshas-do-rio-grande-do-sul-sensei-teruo-Teruo Obata/. Acesso em: 13 out. 2015.

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 250, Mar. (2019)