O impacto da mastectomia na sexualidade da mulher

The impact of mastectomy on women's sexuality

El impacto de la masectomía en la sexualidad de la mujer

 

Nayara Souza Rodrigues*

nayara.sr@hotmail.com

Mara Rúbia de Camargo Alves Orsini*

mararubia.mr@gmail.com

Ivan Wallan Tertuliano**

ivanwallan@gmail.com

Daniel Bartholomeu***

d_bartholomeu@yahoo.com.br

Afonso Antonio Machado****

afonsoa@gmail.com

José Maria Montiel*****

montieljm@hotmail.com

 

*UFG – Goiânia

**UNASP, São Paulo

***UNISAL, Americana

****UNESP – Rio Claro

*****UNIFIEO – Osasco

(Brasil)

 

Recepção: 11/12/2017 - Aceitação: 16/07/2018

1ª Revisão: 12/07/2018 - 2ª Revisão: 13/07/2018

 

Resumo

    A literatura tem demonstrado que o câncer de mama comumente causa grande impacto na vida das pessoas. Tais impactos refletem significativamente nas concepções da feminilidade e sexualidade dessas pacientes. Este estudo teve como objetivo descrever o impacto da mastectomia na sexualidade da mulher. Cabe mencionar que as alterações no corpo feminino acarretam transformações que requererão que a mulher desenvolva novos modos de expressar sua sexualidade. É possível denominar esta nova fase de processo de readequação da sexualidade. Esta readequação de significados e resignificados serão mecanismos importantes para evitar comorbidades no quadro clínico da paciente. As discussões e considerações apontam que à sexualidade da mulher mastectomizada deve ser foco de atenção da equipe medica e psicológica, sendo de fundamental importância o acompanhamento deste aspecto, pois tende a facilitar a interação e integração da mulher. Ainda, no sentido de atribuir novos significados e entender o próprio corpo e sua identidade feminina a partir dos procedimentos adotados que lhe conferem a manutenção de suas inter-relações.

    Unitermos: Sexualidade. Equipe multiprofissional. Interação social. Psicologia. Mastectomia.

 

Abstract

    The literature has demonstrated that breast cancer commonly causes great impact on people's lives. These impacts significantly reflect the views of femininity and sexuality of these patients. This study aimed to describe the impact of mastectomy on women's sexuality. It is worth mentioning that the changes in the female body entail changes that require the woman to develop new ways to express their sexuality. You can call this new phase of sexuality restructuring process. This readjustment of meanings and resignified will be important mechanisms to prevent comorbidity in the clinical picture of the patient. The discussions and considerations show that sexuality in women with mastectomies should be the focus of attention of the medical and psychological staff, which is paramount in the monitoring of this aspect, it tends to facilitate the interaction and integration of women. Still, to assign new meanings and understand the very body and feminine identity from the procedures adopted to give it to maintain their interrelations.

    Keywords: Sexuality. Multidisciplinary team. Social interaction. Psychology. Mastectomy.

 

Resumen

    La literatura ha demostrado que el cáncer de mama comúnmente causa un gran impacto en la vida de las personas. Tales impactos se reflejan significativamente en las concepciones de la feminidad y sexualidad de esas pacientes. Este estudio tuvo como objetivo describir el impacto de la mastectomía en la sexualidad de la mujer. Cabe mencionar que las alteraciones en el cuerpo femenino acarrean transformaciones que requerirán que la mujer desarrolle nuevos modos de expresar su sexualidad. Es posible denominar esta nueva fase de proceso de readecuación de la sexualidad. Esta reajustarían de significados y resignificados serán mecanismos importantes para evitar comorbilidades en el cuadro clínico de la paciente. Las discusiones y consideraciones apuntan que a la sexualidad de la mujer mastectomizada debe ser foco de atención del equipo médico y psicológico, siendo de fundamental importancia el acompañamiento en este aspecto, pues tiende a facilitar la interacción e integración de la mujer, en el sentido de atribuir nuevos significados y entender el propio cuerpo y su identidad femenina a partir de los procedimientos adoptados que le confieren el mantenimiento de sus interrelaciones.

    Palabras clave: Sexualidad. Equipo multiprofesional. Interacción social. Psicología. Mastectomía.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 242, Jul. (2018)


 

Introdução

 

    A mastectomia radical foi descrita, em 1889, por Willian Halsted como sendo uma abordagem cirúrgica que causava grande alteração na região mamária e axilar. A Escola de Halsted baseava-se no “princípio científico” de que uma grande mutilação levava a cura do câncer e, consequentemente, a uma maior sobrevida da paciente. Este procedimento ‘mastectomia’ foi utilizado como procedimento padrão por aproximadamente 80 anos e, devido à sequela local e ao frequente edema na região do braço que provocava, as mulheres não portadoras da doença evitavam até mesmo falar sobre ela (Souza, 2007). Quando as técnicas cirúrgicas conservadoras começaram a ser realizadas, elas se tornaram mais frequentes, enquanto a mastectomia teve seu uso diminuído, porém sem deixar contudo de existir. Com tais cirurgias conservadoras da mama, a mutilação local foi reduzida e as sequelas do tratamento cirúrgico ficaram menores, colaborando assim para uma melhora no prognóstico das pacientes.

 

    Atualmente a mastectomia é utilizada no tratamento do câncer de algumas mulheres, sendo sua indicação no planejamento terapêutico de determinadas pacientes dependendo da análise de múltiplos fatores, dentre estes, localização, tamanho do tumor, o estadiamento clínico (extensão da área atingida e a gravidade da doença), a idade da paciente, a forma como a paciente poderá lidar com a mama afetada (Duarte & Andrade, 2003). Neste contexto, quando indicada, a mastectomia colabora significativamente para aumento da sobrevida da paciente e para sua possibilidade de cura. Assim, como as demais medidas terapêuticas, colateralmente aos benefícios que produz, a mastectomia tende a causar forte impacto nas pacientes. Vale destacar que o corpo humano representa algo muito mais abrangente do que um simples organismo em funcionamento. Ele possui significados sociais e psicológicos que influenciam na forma como o sujeito lida consigo mesmo e com os outros (Souza, 2007). Dessa forma, ao fazer a retirada da mama, a mastectomia tende a comprometer a integridade do corpo da mulher, podendo atingir os sentimentos e as fantasias que são relacionados ao órgão.

 

    Diante do exposto, o presente estudo justifica-se pelo fato de contribuir com a área da Psicologia, ajudando-a a compreender e, com isso, aprimorar suas estratégias de acolhimento da mulher mastectomizada, oferendo a essa mulher, condições de enfrentamento a essa nova situação que, por muitas vezes, coloca a pessoa em uma situação de fragilidade, visto a modificação do corpo pode acarretar distúrbios da imagem corporal e, consequentemente, a mudança das percepções de sexualidade.

 

    Dessa forma, o presente estudo tem como objetivo descrever o impacto da mastectomia na sexualidade da mulher. Para isso, o presente estudo caracteriza-se como um estudo de natureza qualitativa (Severino, 2007), de análise documental, tecendo um material adequado para compreensão do impacto da mastectomia na sexualidade da mulher.

 

Aspectos culturais dos seios

 

    Seguindo tais apontamentos, os seios, para mulher, têm uma simbologia específica nas mais diferentes culturas. Em virtude da função que desempenham, por exemplo, na amamentação, as mamas simbolizam maternidade e fertilidade. Também, vinculadas à identidade da mulher, elas também representam feminilidade. Além disso, associadas à sexualidade, as mamas simbolizam sensualidade, intimidade e prazer, se configurando desta maneira como um objeto de inspiração e desejo.

 

    Desde a antiguidade até os tempos modernos, as mamas sempre receberam destaque nas pinturas, esculturas e outras obras de arte, aparecendo relacionadas tanto ao erotismo quanto a força e magia. Nesse último caso, as mamas inspiraram lendas e narrativas religiosas acerca de mulheres que romperam com o padrão dominante de determinada época (INCA-COC, 2013). Em meados de 1960 os seios foram símbolo da emancipação feminina. Na luta pela igualdade de direitos e por uma maior liberdade sobre o próprio corpo, muitas mulheres expunham seus seios como forma de protesto e reivindicação por transformações políticas e sociais.

 

    Desta maneira, em virtude desse simbolismo as pacientes submetidas à cirurgia apresentam significativas dificuldades em enfrentar a perda do órgão. Cabe destacar que a alteração física da mama representa mais que uma transformação funcional, trata-se de uma alteração também sociocultural e psicológica, pois está permeada de simbolismos e significados que interferem na dinâmica da mulher com seu corpo (Simeão et al., 2013).

 

    Ainda, a retirada do seio tende a provocar fortes repercussões emocionais na mulher. A nova configuração corporal pode despertar sentimentos de vergonha e inadequação, além de uma série de medos que irão interferir diretamente na relação que as pacientes estabelecem consigo mesmas, com os outros e com sua sexualidade. Para além do aspecto genital vinculado ao ato sexual, a sexualidade humana envolve afeto, desejo, autoimagem, sensualidade, sensação de bem-estar, aceitação pessoal e percepção da própria identidade, desse modo, essas dimensões também serão afetadas pela cirurgia (Almeida, 2006).

 

    Estudos realizados com mulheres mastectomizadas, demonstram em seus resultados diversos comprometimentos em tais pacientes, como sentimentos de menos valia, depressão, entre outros, enfrentadas após a cirurgia (Duarte & Andrade, 2003; Fernandes et al., 2017; Moura, Silva, Oliveira, & Moura, 2010; Rodrigues et al., 2016, 2017; Santos, Dias, Lacerda, Barreto, & Santos, 2008). Ainda, os estudos apresentaram, também, que lidar com o próprio corpo sem uma das mamas (ou mesmo sem as duas) tende a trazer grande sofrimento à mulher (Rodrigues et al., 2016, 2017), e desperta sentimentos de estranheza, de modo que algumas pacientes evitavam olhar-se no espelho ou observar o próprio corpo na hora do banho.

 

    De modo amplo a mutilação da mama abala a noção de feminilidade, e muitas mulheres passam a temer não serem mais atraentes sexualmente em virtude da desfiguração sofrida na estética do órgão. Desse modo, a vivência de sentimentos depressivos após a cirurgia parece ser uma resposta emocional bastante comum nas pacientes, devido ao impacto que a alteração física e suas consequências provocam na concepção do eu dessas mulheres (Almeida, 2006).

 

    O olhar do outro sobre o corpo mutilado é de grande preocupação para as pacientes. A resistência pessoal em aceitar a perda da mama costuma ser estendida as pessoas com as quais a mulher se relaciona, levando-a a imaginar que o outro pode apresentar dificuldades em aceitá-la sem o órgão, assim como ela parece já fazer consigo mesma (Duarte & Andrade, 2003; Moura et al., 2010). Na concepção de tais mulheres, o olhar das pessoas revela o repúdio, a curiosidade, o estranhamento ou mesmo o desconhecimento em relação ao corpo mutilado da mulher, e isso é bastante desconfortável para as pacientes.

 

    O olhar que vem ‘de fora’ evidencia o estigma sentido por se estar com câncer e denuncia na paciente mastectomizada que ela agora se diferencia das demais mulheres. Tendo de enfrentar o fato de estar com o corpo dilacerado, as pacientes são obrigadas então, a conviver com a insatisfação em relação à própria imagem, bem como com fragilidade de sua identidade (Scorsolini-Comin, Santos & Souza, 2009).

 

    Nesse contexto, as mulheres sentem grande desconforto naquelas situações em que seus corpos ficam descobertos para outras pessoas, de modo que algumas mudaram a forma de se vestir como alternativa para enfrentar a vergonha sentida. Passaram a selecionar melhor suas roupas, evitando modelos decotados, bem como aqueles que evidenciavam a forma corporal (Duarte & Andrade, 2003; Talhaferro, Lemos & Oliveira, 2007).

 

Sexualidade e mastectomia

 

    Numa sociedade marcada por um padrão de beleza, por meio do qual são feitas um conjunto de exigências para que as pessoas se adequem ao modelo, há a construção de uma imagem idealizada da mulher, quando a mulher não corresponde ao ideal esperado, o olhar de estranhamento da sociedade se levanta imponente. Desse modo, ao perder a mama, além da própria paciente perceber que a integridade do seu corpo está destruída, o olhar do outro acaba por fixá-la em uma posição inferiorizada, já que lhe faltaria uma parte muito importante para que ela pudesse se sentir “mulher por inteiro”, “mulher completa”. Assim, o sentimento de “mulher imperfeita” ou “mulher pela metade” expressa uma identidade feminina bastante afetada pela mastectomia (Scorsolini-Comin et al., 2009).

 

    Ainda com tais sentimentos e sensações, a paciente terá de continuar se relacionando com a insegurança, demonstrando se intensificar ainda mais, no que diz respeito à reação das pessoas especialmente com seu companheiro(a) e a ausência do seio. Souza (2007) ressalta que a inquietação acerca das consequências da cirurgia sobre a vida sexual é uma das preocupações mais manifestas pelas pacientes. Talhaferro et al. (2007) apontam que mesmo quando o casal possui uma forte e satisfatória vida sexual antes da doença, os efeitos decorrentes do diagnóstico e do tratamento têm grandes chances de desorganizar a vida conjugal e o funcionamento sexual, devido ao estresse emocional, a dor, a fadiga, a distorção na autoimagem e a baixa autoestima que provocam.

 

    Neste sentido, os autores ainda enfatizam que a fase pós-cirúrgica é extremamente difícil, longa e limitante para o exercício da sexualidade da paciente. Destacam que a reação do parceiro frente à perda da mama da mulher, influenciará significativamente na forma como esta restabelecerá sua identidade corporal, sexual e relacional. Desse modo, o apoio e o companheirismo do parceiro são de grande importância para um ajustamento positivo da paciente após a mastectomia.

 

    Anteriormente (Duarte & Andrade, 2003) já apontavam que algumas pacientes relataram perceber uma melhora em seu comportamento, no que se refere a uma maior compreensão e afeto dos parceiros após a doença e o procedimento cirúrgico. A dimensão afetiva da sexualidade (sedução, troca de carícias, toques e cumplicidade) foi bastante valorizada por essas mulheres, de modo que elas não apresentaram queixas em relação ao prazer sentido na relação sexual após a cirurgia.

 

    Além disso, algumas pacientes não perceberam insatisfação por parte de seus companheiros sexuais e conseguiram se adaptar as mudanças com maior facilidade. Os autores ressaltam ainda que, algumas pacientes afirmaram sentir medo do companheiro não as aceitar mais após a retirada da mama, com manifestações como, sentindo-se inibidas e tentando ocultar o seio mutilado, essas mulheres manifestaram algumas alterações em seu comportamento sexual, tais como aderir ao uso de camiseta ou sutiã durante as relações sexuais, ou evitar despir-se na frente do parceiro e ser tocadas por eles.

 

    Considerando os apontamentos anteriormente mencionados e apesar da mastectomia não ser o único determinante do prejuízo sentido na vivência da sexualidade, e que outros fatores também influenciam na forma da paciente lidar com sua vida sexual, Santos et al. (2008) ressaltam que o abalo psicológico provocado pela retirada da mama é capaz de desencadear uma série de problemas de ordem sexual nas mulheres. Os autores destacam que a maioria das pacientes afirmam passar por dificuldades na vida sexual mesmo antes do câncer, para algumas as relações eram monótonas, para outras eram de pouca frequência, e em alguns casos elas não ocorriam.

 

    Após a doença, algumas mulheres mencionaram que o padrão existente não foi alterado, outras, no entanto, notaram uma diminuição da procura do parceiro por sexo, ou perceberam que o sexo simplesmente parou de acontecer. Ainda ressaltam que apenas uma paciente do estudo mencionou que suas relações sexuais passaram a ser permeadas por mais carinho após a ocorrência da doença, e que outra afirmou que a única mudança percebida em suas relações sexuais foi uma maior dificuldade para se excitar. Os autores mencionam que o aspecto genital da sexualidade sofreu, de fato, grande impacto da retirada da mama, fazendo com que a maioria das mulheres enfrentasse algum problema em sua vida sexual após o câncer, seja pela presença de dor durante as relações sexuais, pelas dificuldades em se excitar e atingir o orgasmo, ou devido à nova configuração corporal imposta pela cirurgia.

 

    Em continuidade, é destacado que em virtude da mutilação provocada pela mastectomia e de suas repercussões sobre a vida da paciente, a cirurgia de reconstrução mamária parece ser a fase mais reconfortante do doloroso processo de tratamento. A análise de cada caso determinará qual técnica será empregada pela equipe médica, sendo possível realizar a reconstrução mamária por meio de implante de silicone ou a partir de retalhos dos músculos abdominal ou grande dorsal. Este procedimento pode ser realizado logo após a cirurgia (imediata) ou posteriormente (reconstrução tardia), sendo sua indicação dependente de vários fatores, tais como peso, altura, idade e estado de saúde da mulher (Almeida, 2006; Duarte & Andrade, 2003).

 

    Segundo Almeida (2006), as pacientes submetidas à reconstrução imediata demonstram apresentar-se menos deprimidas e sofrerem menor impacto em sua feminilidade e atratividade sexual, quando comparadas às de reconstrução tardia, as quais revelam grande nível de sofrimento psíquico e de rebaixamento da autoestima. Desse modo, a intervenção imediata proporciona maior vantagem para as mulheres no que se refere a um melhor resultado estético. Todavia, apesar de ser garantida por lei no Brasil desde abril de 2013, a realização da reconstrução mamária imediata deve obedecer a critérios que resguardam a segurança a vida da paciente (INCA-COC, 2013). De todo modo, independente se feita logo após a mastectomia ou em um momento posterior, a reconstrução da mama deve ser entendida como uma importante técnica para a reabilitação estética da mulher mastectomizada.

 

    A restauração anatômica e funcional do órgão torna o processo menos traumático e atende as muitas necessidades da paciente, sendo capaz de lhe proporcionar maior suporte emocional e de resgatar sua autoimagem. Como resposta a satisfação com a própria aparência, as mulheres submetidas à cirurgia reparadora da mama tendem a expressar atitudes mais positivas em relação ao corpo e a se sentirem mais ajustadas (Simeão et al., 2013). Dessa forma, a reconstrução mamária colabora para a melhora da qualidade de vida da paciente, pois recupera e/ou fortalece a identidade feminina, a autoimagem, a sensualidade, o erotismo e o relacionamento sexual.

 

    Em conseguinte, é possível observar que algumas mulheres têm de enfrentar o fato de estarem sem a mama e consequentemente, os medos decorrentes da ausência da mesma, e mesmo aquelas pacientes que passam pela mastectomia com a consciência de que farão a reconstrução imediata manifestam alguma preocupação em se imaginar sem o seio. Assim, tanto as mulheres submetidas à reconstrução mamária tardia quanto as de reconstrução imediata, de modo geral, costumam vivenciar os referidos problemas em relação à perda do órgão. Isso se deve ao fato da mulher construir sua imagem corporal ao longo de toda a vida e a mastectomia desconstrói essa imagem de modo rápido e agressivo, demandando tempo para a paciente assimilar e incorporar sua nova condição (Silva & Barbosa, 2011).

 

    Vale ressaltar que é um processo de reconstrução da autoimagem, e não apenas dela, mas também do significado dado ao próprio seio e da concepção pessoal acerca do que é ser mulher e do papel social a isso atribuído. Devido ao intenso investimento simbólico que a mama recebe, a mulher experimenta um forte sentimento de perda ao tê-la retirada pela cirurgia (Patrão & Leal, 2004). Ao fazer uma separação entre a mulher e seu seio, objeto este ao qual a paciente é intimamente ligada, a cirurgia provoca um abalo emocional na mulher que demandará paciência para ser “aliviado”.

 

    Mesmo com a reconstrução do seio, comumente a perda do seio faz a paciente entrar em um processo de luto pelo órgão, o qual é entendido como um conjunto de reações frente à perda de um objeto (Ramos & Lustosa, 2009). A vivência do luto requer tempo e certo desgaste emocional para que a paciente consiga elaborar a ruptura feita, e então adaptar-se a mudança. Passar por essa fase é importante para que a dor psíquica tenha possibilidade de ser “descarregada” e o transcorrer do processo acontecer de forma mais saudável, ou menos agressivo (Silva & Barbosa, 2011).

 

Conclusões

 

    Seguindo os objetivos deste estudo, que foi descrever o impacto da mastectomia na sexualidade da mulher, foi apontado que por meio da experiência do “luto” a mulher consegue digerir pouco a pouco a ruptura sofrida, e a partir disso começar a aceitar-se em sua nova imagem corporal. E não se trata simplesmente do luto pelo órgão em si, mas um luto de todas as fantasias, ideias e formas de se relacionar com o mundo e consigo mesma partir desse órgão.

 

    A vivência do luto é uma fase muito intensa, na qual muitos conflitos e dificuldades são experimentados pela paciente, porém trata-se de um importante passo a ser dado na direção de reconhecer-se sem a mama. Defrontando-se com a realidade de estar sem o seio, a paciente precisa reelaborar suas formas de lidar com o próprio corpo, reavaliando suas potencialidades em relacionar-se consigo mesma e com os outros, e especialmente no que diz respeito ao seu parceiro sexual.

 

    As alterações no corpo feminino acarretam transformações que requererão que a mulher desenvolva novos modos de expressar sua sexualidade. Trata-se de um processo de readequação da sexualidade a um novo referencial de corpo, ou seja, o corpo mutilado (Duarte & Andrade, 2003). A perda da mama requererá que a paciente descubra seu potencial de reconstrução e adaptação a situações que provocam aniquilamento e destruição.

 

    Ainda a de se considerar que a mastectomia desafia a mulher a continuar reconhecendo-se como tal ainda que sob uma nova condição corporal, impulsionando-a a descobrir um novo estilo de se posicionar diante do mundo e de se revelar a ele através de sua sexualidade (Scorsolini-Comin et al., 2009). Além disso, é comum que no início a mulher associe sua nova imagem corporal a aspectos mórbidos. Outro aspecto se refere a vivência de cada etapa desse processo, que dependerá do ritmo e dos recursos psicológicos que cada paciente dispõe, de modo que os ajustamentos saudáveis, a partir da nova condição, dependem muito da dinâmica de cada mulher.

 

    Em relação ao processo de reconstrução, especialmente de significados e resignificados, este é um mecanismo importante para evitar comorbidades e pioras no quadro clínico da paciente, além de ser fundamental para o restabelecimento do equilíbrio psíquico e para a adaptação ao novo estado (corporal). Todavia, ele pode ocorrer em meio a grande sofrimento emocional, ou mesmo deixar de acontecer, caso as mulheres não recebam um suporte adequado. Sabe-se que algumas pessoas dispõem de recursos psicológicos que lhes possibilitam realizar esse processo independente da ajuda de um profissional, por exemplo, no entanto, mesmo essas que possuem bons recursos emocionais precisam de um acompanhamento para conseguir chegar à aceitação com maior segurança e evitar comprometimentos posteriores.

 

    A guisa de considerações, trabalhar as questões referentes à sexualidade da mulher mastectomizada é de fundamental importância para que a ressignificação e aceitação da nova condição aconteça. E ressignificar aqui se trata justamente de atribuir novos significados a mama e a experiência vivida, trata-se de a paciente passar a entender o próprio corpo e sua identidade feminina para além do sentido que o seio lhe dá, buscando identificar outros elementos que lhe conferem a identidade de mulher e suas inter-relações.

 

Referências

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 242, Jul. (2018)