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ISSN 1514-3465

 

Atividade física de lazer e fatores sociodemográficos

no Brasil. Dados do VIGITEL de 2018 a 2020

Physical Activity Practice and Sociodemographic

Factors in Brazil. VIGITEL Data from 2018 to 2020

Actividad física recreativa y factores sociodemográficos 

en Brasil. Datos de VIGITEL de 2018 a 2020

 

Eduardo Gauze Alexandrino*

eduardogauze@hotmail.com

Alexsander Henrique Brandão e Silva**

alexsander.ofice@hotmail.com

Leonardo Cesar da Silva***

leo-cesar@outlook.com

Débora Aline Grasel***

engdeboragrasel@gmail.com

Roberta Araújo Fonseca***

robsaraujof@gmail.com

Sérgio Pires da Silva***

sergiopires@furg.br

Evandro Heberle Cemin***

evandrocemin@gmail.com

Elizabet Saes-Silva++

betssaes@gmail.com

Samuel de Carvalho Dumith+++

scdumith@yahoo.com.br

 

*Doutorando do Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Saúde (PPGCS-FURG)

**Estudante de Medicina – Universidade Federal do Rio Grande – FAMED-FURG

Membro do Grupo de Pesquisa em Atividade Física e Saúde Pública – GPASP FURG

***Estudante de Medicina. Faculdade de Medicina

da Universidade Federal do Rio Grande – FAMED-FURG

+Docente da Faculdade Anhanguera do Rio Grande

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde

Universidade Federal do Rio Grande – PPGCS-FURG

Membro do Grupo de Pesquisa em Atividade Física

e Saúde Pública – GPASP FURG.

++Docente do Programa de Pós-Graduação

em Ciências da Saúde (PPGCS-FURG)

e da Faculdade de Medicina (FAMED-FURG)

Universidade Federal do Rio Grande

Líder do Grupo de Pesquisa em Atividade Física

e Saúde Pública – GPASP FURG

(Brasil)

 

Recepção: 15/05/2023 - Aceitação: 21/07/2023

1ª Revisão: 30/06/2023 - 2ª Revisão: 17/07/2023

 

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Citação sugerida: Alexandrino, EG, Silva, AHB, Silva, LC, Grasel, DA, Fonseca, RA, Silva, SP, Cemin, EH, Saes-Silva, E., e Dumith, SC (2023). Atividade física de lazer e fatores sociodemográficos no Brasil. Dados do VIGITEL de 2018 a 2020. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(304), 85-102. https://doi.org/10.46642/efd.v28i304.4046

 

Resumo

    Obter conhecimento social sobre as dinâmicas da prática de atividade física no lazer (AFL) é essencial na identificação de aspectos críticos à elaboração de políticas públicas inclusivas. Esse estudo transversal de base populacional teve como objetivo investigar a diferença da prática de atividade física de lazer e sua associação com as variáveis sociodemográficos nas capitais brasileiras e no Distrito Federal. Utilizou-se os dados do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) entre os anos de 2018 e 2020. Foi utilizado o teste qui-quadrado de Pearson e a regressão de Poisson com Intervalo de Confiança de 95%. No período, um total de 131.915 adultos foram incluídos nas análises, sendo a maioria do sexo feminino, tinham idade entre 18 e 39 anos, eram pretos ou pardos, tinham entre 8 e 11 anos de estudo, maioria solteiros, moravam em residências com 5 ou mais moradores e residiam na região sudeste do país. A AFL foi estatisticamente menor em 2020, no Sudeste, entre as mulheres e solteiros. A AFL diminuiu com a faixa etária e em razão ao número de moradores. As maiores prevalências foram entre as pessoas com mais anos de estudo e observou-se redução absoluta independente da escolaridade. Sugere-se políticas de promoção da saúde locais e estaduais a curto e médio prazo que visem diminuir os efeitos das desigualdades socioeconômicas e das medidas de distanciamento social de 2020 devido a pandemia por COVID-19.

    Unitermos: Atividade física de lazer. Indicadores de desigualdade em saúde. Fatores socioeconômicos. COVID-19.

 

Abstract

    Obtaining social knowledge about the dynamics of the practice of leisure-time physical activity (LPA) is essential in identifying critical aspects for the elaboration of inclusive public policies. This population-based cross-sectional study aimed to investigate the difference in the practice of leisure-time physical activity and its association with sociodemographic variables in Brazilian capitals and the Federal District. Data from the Surveillance System of Risk and Protective Factors for Chronic Diseases by Telephone Survey (VIGITEL) between the years 2018 to 2020 were used. Pearson's chi-square test and Poisson regression with confidence intervals were used. of 95%. During the period, a total of 131,915 adults were included in the analyses, most of whom were female, aged between 18 and 39 years old, black or brown, with between 8 and 11 years of study, mostly single, living in homes with 5 or more residents and resided in the southeast region of the country. The AFL was statistically lower in 2020 in the Southeast among women and singles. The AFL decreased with the age group and with the number of residents. The highest prevalences were among people with more years of study and an absolute reduction was observed regardless of education. Local and state health promotion policies are suggested in the short and medium term that aim to reduce the effects of socioeconomic inequalities and the social distancing measures of 2020 due to the COVID-19 pandemic.

    Keywords: Leisure physical activities. Health inequality indicators. Socioeconomic factors. COVID-19.

 

Resumen

    La obtención de conocimiento social sobre la dinámica de la actividad física recreativa (AFR) es fundamental para identificar aspectos críticos para desarrollar políticas públicas inclusivas. Este estudio transversal de base poblacional tuvo como objetivo investigar la diferencia entre la actividad física en el tiempo libre y su asociación con variables sociodemográficas en capitales brasileñas y el Distrito Federal. Se utilizaron datos del Sistema de Vigilancia de Factores de Riesgo y Protección de Enfermedades Crónicas por Encuesta Telefónica (VIGITEL) entre 2018 y 2020. Se utilizó la prueba chi-cuadrado de Pearson y regresión de Poisson con Intervalos de Confianza del 95%. Durante el período se incluyeron en los análisis un total de 131.915 adultos, en su mayoría del sexo femenino, con edades entre 18 y 39 años, negros o morenos, con entre 8 y 11 años de estudio, en su mayoría solteros, viviendo en viviendas con 5 ó más residentes y residían en la región sureste del país. La AFR fue estadísticamente más bajo en 2020 en el sureste entre mujeres y solteros. La AFL disminuyó con el grupo de edad y con el número de residentes. Las prevalencias más altas se dieron entre las personas con más tiempo de estudio y se observó una reducción absoluta independientemente de la educación. Se sugieren políticas locales y estatales de promoción de la salud a corto y mediano plazo que apunten a reducir los efectos de las desigualdades socioeconómicas y de las medidas de distanciamiento social del 2020 por la pandemia del COVID-19.

    Palabras clave: Actividad física recreativa. Indicadores de desigualdad en salud. Factores socioeconómicos. COVID-19.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)


 

Introdução 

 

    De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entende-se como atividade física os movimentos corporais que requerem consumo energético, como aqueles empreendidos durante tarefas domésticas, práticas laborais, deslocamentos, entre outras atividades do cotidiano. Já a Atividade Física de Lazer (AFL) é aquela realizada em momentos recreativos, como caminhadas, corridas, ginásticas e outros esportes amadores (Moore et al., 2012; Vieira et al., 2019), que remetem importantes benefícios para a saúde física, mental e social (Silva et al., 2017). Levantamentos do Sistema Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (VIGITEL) sugerem um aumento na frequência de indivíduos que relataram realizar atividade física no lazer. Por outro lado, dados de 2020 do mesmo inquérito revela que o número de adultos com a prática insuficiente de atividade física vem se mantendo estável, variando entre 49,4% em 2013 para 47,2% em 2020, o que pode ter efeitos sobre o aumento do risco cardiovascular e piora da saúde mental.

 

Imagem 1. No Brasil, quanto maior o nível socioeconômico,

mais possibilidades de praticar atividade física no lazer

Imagem 1. No Brasil, quanto maior o nível socioeconômico, mais possibilidades de praticar atividade física no lazer

Fonte: Gerador de imagens de Bing

 

    As evidências demonstram que a atividade física regular ao longo da vida pode preservar e até mesmo melhorar a saúde física, comportamental e cognitiva (Rocha et al., 2011a; Ferrer-Uris et al., 2022). Além disso, se apresenta como um dos principais fatores protetores para o desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT), como diabetes, hipertensão arterial (Ide, Martins, e Segri, 2020), depressão e ansiedade (Rocha et al., 2012) e alguns tipos de neoplasias. No entanto, o acesso e a manutenção da prática regular de AFL tem se mostrado maior entre pessoas com maiores recursos financeiros e de informação.

 

    Em contraponto aos benefícios da AFL, historicamente o sedentarismo é um fator de risco modificável na prevenção das DCNT (Fédération Internationale de Médecine Sportive, 1998), doenças que tem impacto importante na distribuição de recursos (Barreto et al., 2020). No Brasil, estima-se um custo de tratamento estimado em cerca de 3,45 bilhões de reais em 2018, sendo uma elevada carga orçamentária no Sistema Único de Saúde (SUS) (Nilson et al., 2020). Estratégias foram criadas para amenizar o impacto e orientar a população sobre esses benefícios. De acordo, com o Guia de Atividade Física Brasileiro, a prática regular promove controle do peso, diminui o risco de alguns tipos de cânceres, melhora da disposição, controle do estresse e promove a interação social e deve ser de acesso a toda a população, faixas etárias e classes sociais (Brasil, 2021).

 

    Nesse sentido, estudos que apresentam elementos capazes de traçar o perfil ou condição que predispõe uma pessoa a praticar mais ou menos atividades de lazer são fundamentais na construção de uma sociedade mais justa e igualitária, principalmente em momentos emergenciais, como vivenciado na pandemia por COVID-19 (Saffer et al., 2013; Talaei et al., 2013). Destacam-se alguns fatores que merecem ser analisados, como o sexo (Azevedo et al., 2007) e a relação com o papel social, o nível de escolaridade e a relação com os fatores socioeconômicos, a idade, a cor da pele, o estado civil, o arranjo familiar e as características geográficas (Malta et al., 2009; Sousa et al., 2013; Malta et al., 2015). Sobre esses fatores, um estudo realizado recentemente na população brasileira mostrou que a proporção de adultos ativos no lazer aumentou de 22,7% em 2013, para 30,1% em 2019, mas concluiu que, embora a prevalência de atividade física tenha aumentado de 2013 a 2019, ainda persistem marcadas desigualdades sociodemográficas (Mielke et al., 2021). Da mesma forma, Cruz et al. (2018) observou aumento na prevalência de prática de AFL na população adulta das capitais e no Distrito Federal entre 2006 e 2016, especialmente entre as mulheres, os adultos jovens e aqueles indivíduos com maior nível de escolaridade. Além disso, sugeriu o acompanhamento das tendências da prática de atividade física de acordo com o perfil dos grupos populacionais. Almeida et al. (2021) em estudo semelhante, apontou aumento gradual da atividade física no tempo livre entre 2011 e 2019 em ambos os sexos e em todas as faixas etárias.

 

    No mesmo sentido, em estudo realizado por Moreira et al. (2021) foi verificada prevalência de atividade física de lazer de 30,5% em 2010 e 39,0% em 2019, sendo a tendência crescente para ambos os sexos, faixas etárias e categorias de escolaridade (exceto para a categoria ≥12 anos de escolaridade, na qual foi observada estabilidade). Logo, tendo em vista a importância da prática de atividade física em todas as suas dimensões, desde 2006 o Brasil realiza a aferição deste indicador na compreensão e no enfrentamento das DCNT na população adulta por meio do VIGITEL. Esse inquérito monitora os indicadores, fatores de risco e proteção na prática de atividades físicas, sendo primordial para subsidiar políticas de promoção da saúde e prevenção de doenças no âmbito da saúde pública. Destaca-se que esses inquéritos são importantes para conhecer e acompanhar o desenvolvimento da população de um país e suas regiões (Ide, Martins, e Segri, 2020).

 

    Portanto, tendo em vista que as AFL têm papel importante na promoção e manutenção da saúde, sendo a inatividade física fator de risco modificável com impacto na qualidade de vida da população e nos gastos públicos com saúde (Barreto et al., 2020), faz-se necessário interpretar os diversos contextos e fatores que influenciam uma prática tão importante para o bem-estar das pessoas. Esses dados acrescentam-se ao estado da arte para orientar o planejamento e execução de ações equânimes e mais inclusivas, podendo ser uma das ferramentas de controle da sobrecarga da DCNT no SUS, além de dar informações aos gestores na melhor distribuição dos recursos. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo investigar a diferença da prática de atividade física de lazer e sua associação com as variáveis sociodemográficas nas capitais brasileiras e no Distrito Federal entre os anos de 2018 e 2020.

 

Método 

 

Delineamento do estudo, amostra e aspectos éticos 

 

    Estudo transversal, de base populacional. Os dados foram obtidos do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico - VIGITEL, com base nos relatórios dos anos de 2018, 2019 e 2020. O VIGITEL é um questionário que aborda por meio de 94 questões módulos com as características demográficas e socioeconômicas dos indivíduos (sexo, idade, estado civil, nível de escolaridade, raça e cor, número de pessoas residentes no domicílio, número de adultos e de linhas telefônicas); características do padrão de alimentação e de atividade física; peso e altura referidos; posse de plano de saúde ou convênio médico; entre outros.

 

    O processo amostral utilizado no VIGITEL foi do tipo probabilístico e foi constituído por sorteio de 5.000 residências com linha telefônica fixa por cidade, seguido de sorteio de um morador com idade >18 anos por domicílio até se obter o número mínimo de 2.000 entrevistas por cidade. Entre 2018 e 2020 foram completadas 131.915 entrevistas pelo VIGITEL (52.395 entrevistas em 2018, 52.443 entrevistas em 2019 e 27.077 entrevistas em 2020). A população foi composta adulta (≥18 anos de idade) residentes em domicílios situados nas 26 capitais e Distrito Federal, que possuíam, ao menos, uma linha telefônica fixa. Os dados foram acessados entre maio e junho de 2022.

 

    O inquérito do VIGITEL foi desenvolvido de modo a viabilizar a realização de entrevistas telefônicas, com o emprego de computadores, que automaticamente alimentam o banco de dados do sistema. O VIGITEL é um banco de dados público. O consentimento livre e esclarecido foi obtido oralmente no momento do contato telefônico com os entrevistados e o projeto foi aprovado pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa para Seres Humanos do Ministério da Saúde (CAAE: 65610017.1.0000.0008).

 

Variáveis estudadas 

 

    A variável dependente deste estudo foi a Atividade Física no Tempo Livre ou Lazer (AFL). Esse desfecho foi explorado a partir das questões: “Nos últimos três meses, o(a) Sr.(a) praticou algum tipo de exercício físico ou esporte?”(Sim/Não), “Qual o tipo principal de exercício físico ou esporte que o(a) Sr.(a) praticou?” (Caminhada ao ar livre / caminhada em esteira / corrida (cooper)/ corrida em esteira/ musculação/ ginástica aeróbica (spinning, step, jump) / hidroginástica / ginástica em geral (alongamento, pilates, ioga) / natação /artes marciais e luta (jiu-jitsu, karatê, judô, boxe, muaythai, capoeira) / bicicleta (inclui ergométrica) / futebol / futsal / basquetebol / voleibol / futevôlei / tênis / dança (balé, dança de salão, dança do ventre)”, “O(a) Sr.(a) pratica o exercício pelo menos uma vez por semana?” (Sim/ Não), “Quantos dias por semana o(a) Sr.(a) costuma praticar exercício físico ou esporte?” (1-2 / 3-4 / 5-6 / todos os dias) e “No dia que o(a) Sr.(a) pratica exercício ou esporte, quanto tempo dura esta atividade?” (Menos de 10 minutos / entre 10 e 19 minutos / entre 20 e 29 minutos / entre 30 e 39 minutos / entre 40 e 49 minutos / entre 50 e 59 minutos / 60 minutos ou mais). A partir das respostas, foi considerado adequado a prática de AFL equivalente a um mínimo de 150 minutos semanais de atividade de intensidade moderada ou equivalente (75 minutos de atividade vigorosa). Essas variáveis foram agrupadas em dois grupos: 1) Ativo AFL; 2) Inativo AFL.

 

    As variáveis independentes foram: sexo (feminino/masculino), faixa etária (18-39, 40-59, 60 ou mais anos), cor da pele (branca, amarela, parda, preta e indígena), escolaridade (0 a 8, 9 a 11, ou mais de 12 anos de estudo), estado civil (solteiro, casado, em união estável, viúvo, divorciado ou separado), número de moradores em casa (sozinho, 2, 3, 4, 5 ou mais moradores) e região do Brasil (norte, nordeste, centro-oeste, sudeste e sul).

 

Análise estatística 

 

    A análise de dados foi realizada através do pacote estatístico Stata® versão 14.0, utilizando-se o “peso rake”, que considera os pesos amostrais no VIGITEL. No primeiro momento, foram calculadas as prevalências do desfecho “Atividade Física no Lazer” (AFL) de acordo com as variáveis independentes em cada ano (2018, 2019 e 2020) por meio do teste Qui-quadrado de Pearson. Foi apresentada também a diferença absoluta das prevalências da AFL no período de três anos para cada variável independente. Após, foi realizado o modelo de análise bruta e ajustada da Regressão de Poisson com ajuste robusto para variância do período e o Intervalo de Confiança de 95% (IC95%) e valor p. Foi adotado um nível de significância de 5% (p≤0,05).

 

Resultados 

 

    Um total de 131.915 participaram deste estudo. Destes, a maioria era do sexo feminino (54%), tinham entre 18 e 39 anos (47,5%), eram pretos ou pardos (50,4%), tinham entre 9 e 11 anos de estudo (38,5%), eram solteiros (42,2%), moravam em residências com 5 ou mais moradores (26,9%) e residiam em capitais da região sudeste (44,6%). Na Tabela 1 observa-se a prevalência de AFL de acordo com características sociodemográficas. A prevalência de AFL foi maior entre os homens em 2019 (46,7%), porém, o maior percentual de diferença absoluta foi entre as mulheres (queda de -1,3%) entre 2018 e 2020. Os mais jovens (18-39 anos) praticaram mais AFL nos 3 períodos avaliados e também foram os que apresentaram maior queda da AFL (-3,3%), por outro lado, os mais velhos (40-59 anos e 60 ou mais) tiveram aumento da AFL (+1,3% e +0,1%, respectivamente). Quanto à cor da pele, a maior prevalência de AFL foi entre as pessoas autodeclaradas brancas (40,6% em 2019). Ainda, houve redução de 3,1% da AFL entre pessoas pretas e pardas. Nos três períodos avaliados, pessoas com 12 ou mais anos de estudo tiveram maior prevalência de AFL e nas três categorias (0-8 anos; 9-11 anos; 12 ou mais anos) de escolaridade avaliada houve redução da prática (-1,0%; -2,4%; - 1,9%, respectivamente). Os solteiros realizaram mais AFL (maior em 2019 com 45,5%). No entanto, os casados e viúvos foram os que tiveram aumento da AFL entre 2018 e 2020 (+1,2% e +1,3%, respectivamente). As maiores prevalências de AFL foram observadas em casas com mais moradores, no entanto, a maior redução absoluta AFL entre 2018 e 2020 foi entre os participantes que moravam com 5 ou mais pessoas (-2,3%). As maiores prevalências de AFL foram observadas na região centro-oeste (43,4% em 2018 e 2020) e as menores na região sudeste (33,6% em 2018 e 32% em 2020). No entanto, a região norte apresentou diminuição de -7,1% na prevalência de AFL, entre todas as regiões do Brasil.

 

Tabela 1. Prevalência de atividade física de lazer de acordo com características 

da população brasileira no período entre 2018 a 2020 (n=131.915)

Variáveis

N (%)

2018

2019

2020

Diferença Absoluta

Sexo

Masculino

60.659 (46,0)

45,4

46,7

44,2

-1,2

Feminino

71.256 (54,0)

31,8

32,4

30,5

-1,3

Idade (em anos)

18-39

62.715 (47,5)

45,7

47,0

42,4

-3,3

40-59

44.884 (34,0)

32,9

34,7

34,2

1,3

60 ou mais

24.316 (18,5)

27,5

26,6

27,6

0,1

Cor da pele

Branca

54.349 (41,6)

38,0

40,6

38,4

0,4

Preta e parda

65.935 (50,4)

39,2

39,0

36,1

-3,1

Amarela e indígena

10.458 (8,0)

32,7

31,5

32,5

-0,2

Escolaridade (em anos)

0 a 8

37.994 (28,8)

24,6

25,8

23,6

-1,0

9 a 11

50.743 (38,5)

40,4

39,5

38,0

-2,4

12 ou mais

43.178 (32,7)

48,1

50,0

46,2

-1,9

Estado Civil

Solteiro

55.651 (42,2)

44,9

45,5

41,7

-3,2

Casado

46.722 (35,5)

33,8

35,4

35,0

1,2

União estável

14.953 (11,5)

33,8

34,2

30,6

-3,2

Viúvo

6.213 (4,7)

22,7

23,6

24,0

1,3

Separado ou divorciado

8.011 (6,1)

37,6

35,1

34,5

-3,1

Moradores na casa

Sozinho

4.183 (3,2)

34,0

35,7

34,9

0,9

2

22.576 (17,1)

35,0

35,4

33,6

-1,4

3

34.778 (26,4)

38,6

39,7

37,8

-0,8

4

34.789 (26,4)

39,7

40,6

38,8

-0,9

5 ou mais

35.589 (26,9)

38,4

39,3

36,1

-2,3

Regiões

Norte

13,667 (10,4)

42,4

40,7

35,3

-7,1

Nordeste

33,284 (25,2)

41,2

40,4

41,6

0,4

Centro-oeste

15,497 (11,8)

43,4

43,5

43,4

0,0

Sudeste

58,877 (44,6)

33,6

36,4

32,0

-1,6

Sul

10,590 (8,0)

39,8

40,3

40,9

1,1

Fonte: Dados de pesquisa

 

    Na análise ajustada (Tabela 2), verificou-se que a probabilidade de praticar atividade no lazer foi menor entre as mulheres (RP=0,70; IC95% 0,67-0,74; p<0,001), entre os mais velhos (RP=0,93; IC95% 0,92-0,95; p<0,001), entre as pessoas não solteiras (RP=0,96; IC95% 0,93-0,99; p=0,03), na região sudeste do Brasil e no ano de 2020 (RP=0,96; IC95% 0,92-0,99; p=0,041). Observou-se também que a probabilidade de praticar AFL foi menor naqueles que moravam com um número maior de pessoas na residência (RP=0,98; IC95% 0,97-0,99; p=0,001). Por outro lado, tanto na análise bruta quanto na ajustada, os participantes com escolaridade entre 9-11 anos (RP=1,59; IC95% 1,35-1,50; p<0,001) e com mais de 12 anos de estudo (RP=1,75; IC95% 1,64-1,86; p<0,001) tiveram maior probabilidade de praticar AFL em comparação aos que tinham entre 0 e 8 anos de estudo. Os dados mostraram que não houve diferença na probabilidade de praticar AFL com a cor da pele (p=0,064).

 

Tabela 2. Análise do modelo de Regressão de Poisson para fatores associados 

à atividade física em brasileiros no período entre 2018 a 2020 (n= 131.915)

Variáveis Independentes

Análise Bruta

Análise Ajustada*

Medida de Efeito RP

IC 95%

Valor p

Medida de Efeito RP

IC 95%

Valor p

Sexo Feminino

0,70

0,66-0,73

<0,001

0,70

0,67-0,74

<0,001

Faixa etária

0,88

0,87-0,89

<0,001

0,93

0,92-0,95

<0,001

Cor da pele Preta ou parda

0,98

0,95-1,00

0,031

0,97

0,95-1,00

0,064

Cor da pele amarela ou indígena

0,83

0,76-0,90

<0,001

0,96

0,90-1,03

0,238

Escolaridade entre 9 a 11 anos

1,59

1,48-1,71

<0,001

1,42

1,35-1,50

<0,001

Escolaridade acima 12 anos

1,95

1,81-2,09

<0,001

1,75

1,64-1,86

<0,001

Estado civil Não solteiro

0,76

0,72-0,79

<0,001

0,96

0,93-0,99

0,003

Domicílios com mais moradores

1,01

1,00-1,02

0,035

0,98

0,97-0,99

0,001

Ano 2020

0,97

0,93-1,00

0,128

0,96

0,92-0,99

0,041

Região Norte

1,16

1,02-1,31

0,023

1,14

1,01-1,30

0,041

Região Nordeste

1,21

1,07-1,36

0,002

1,21

1,08-1,37

0,002

Região Centro-oeste

1,28

1,11-1,47

0,001

1,22

1,08-1,38

0,002

Região Sul

1,19

1,03-1,37

0,022

1,14

1,00-1,29

0,048

*Ajustado para cluster 27 cidades; RP: razão de prevalência; IC95%: Intervalo de Confiança de 95%. Fonte: Dados de pesquisa

 

Discussão 

 

    Este estudo transversal com dados com 131.915 participantes do VIGITEL investigou a associação entre a atividade física de lazer com variáveis sociodemográficas das 27 capitais e do Distrito Federal de 2018, 2019 e 2020. Ressalta-se que os dados de 2020 podem refletir o impacto da pandemia por COVID-19 no Brasil e são importantes para entendimento do comportamento da população brasileira. Os principais achados mostraram que, de forma geral, houve aumento discreto da AFL de acordo com algumas características da amostra (nos mais velhos; de pele branca; nos que moravam sozinhos; nos casados e viúvos; na região nordeste e sul) e redução importante das prevalências de AFL de -3,3% nos mais jovens, -3,1% entre os pretos e pardos, -2,4% com escolaridade intermediária, redução maior que 3% dos solteiros, com união estável e separados/divorciados, -2,3% nos que moram com mais 5 pessoas e -7,1% na região norte. Além disso, por meio da análise de regressão de Poisson identificou-se que as mulheres, os mais velhos, não solteiros, com mais moradores na residência e o ano de 2020 tiveram menor probabilidade de praticar atividade física no lazer, enquanto, indivíduos mais escolarizados, moradores das regiões Norte, Nordeste, Centro-oeste e Sul se mostraram ser mais ativos fisicamente (Tabela 2).

 

    No período analisado, a prevalência de AFL teve prevalência decrescente no ano de 2020 em relação aos anos de 2018 e 2019, quando a vida social -fator motivador para realização de atividades físicas- se viu restringida pelas medidas de isolamento social devido pandemia por COVID-19. Tal cenário pandêmico pode explicar a diminuição da AFL no período, que se contrapõe ao estudo de Almeida et al. (2021) que verificou uma evolução da AF no tempo livre comparando as regiões do Brasil de 2011 até 2019. No entanto, a queda na prática de AFL em 2020 pode se conectar a achados de estudos recentes os quais demonstraram que as redes de amizade e ter um parceiro desempenham um importante papel na adesão e na manutenção de atividades físicas, assim como determinar outros hábitos mais saudáveis no estilo de vida (MacDonald-Wallis et al., 2012; Montgomery et al., 2020). Neste estudo, as pessoas solteiras apresentaram diminuição da AFL. Dados semelhantes foram observados em um estudo de corte finlandês, o qual demonstrou que há uma diminuição na prática de atividades físicas entre os homens solteiros quando comparados com pessoas com parcerias conjugais (Salin et al., 2019). Nesta perspectiva, Kauret et al. (2020) ressalta que a motivação para a prática de AFL não depende única e exclusivamente do indivíduo, mas também da observação dos pares desempenhando o mesmo ato. Um estudo retrospectivo nacional de Ferrer-Uris et al. (2022) apontou um aumento de 31,2% na inatividade física em comparação ao período pré-pandêmico. Nesse sentido, infere-se que as medidas restritivas adotadas no Brasil durante o primeiro semestre de 2020, que incluíam o fechamento de serviços “não essenciais”, tais como academias e espaços desportivos pode ter atuado como barreira à prática de AFL no referido período. (Barberia et al., 2021)

 

    O entendimento da AFL e do próprio lazer pela população em geral é um fenômeno complexo. Maciel et al. (2019) em um estudo qualitativo avaliou o discurso de profissionais de Educação Física e de pessoas participantes de um programa de atividade física sobre lazer e ócio. A análise identificou que a atividade física é vista como um instrumento funcionalista (ferramenta para um fim) e não no entendimento imediato na promoção de sentimentos de autorrealização, satisfação e desenvolvimento pessoal. Outra análise qualitativa de Arraes, Pessoa, e Moura (2019) identificaram que a preocupação e a própria prática do lazer permanecem em segundo plano das prioridades entre trabalhadores terceirizados, Silva et al. (2017) em uma revisão sistemática concluiu que a relação entre atividade física de lazer e saúde, na maioria dos estudos, é compreendida como forma de minimizar ou evitar doenças e que as evidências sobre o lazer na saúde geral da população brasileira ainda são baixas.

 

    Assim como em outros estudos (Sousa et al., 2013; Almeida et al., 2021), nesse estudo, as mulheres apresentaram menores taxas na AFL em comparação com os homens, o que pode ser explicado por questões socioculturais, como o papel social do gênero, no qual mulheres acabam por desempenhar mais atividades físicas domiciliares ao cuidar da casa enquanto homens dedicam-se à AFL, muitas vezes relacionadas as atividades esportivas coletivas (Malta et al., 2009; Talaei et al., 2013). Ainda, quando se acrescenta o fator maternidade, os interesses concorrentes do trabalho de dupla jornada e da vida familiar delegam, infelizmente, o autocuidado pessoal das mulheres e da prática de AFL para um segundo plano (Azevedo et al., 2007; Malta et al., 2009). Desse modo, os dados do presente estudo reforçam que as estratégias devem ser planejadas, direcionadas e ofertadas às mulheres para participarem mais de práticas saudáveis e alternativas relacionadas a AFL, não somente pelo aspecto relacionado a benefícios à saúde física e mental, mas também com impacto no desenvolvimento cultural e político do Brasil quanto a igualdade de gêneros. (Brown et al., 2016)

 

    Observou-se que a diminuição da AFL acompanhou o avanço da faixa etária e pode estar relacionada com características fisiológicas e biológicas do processo de senescência do corpo humano, o qual durante o envelhecimento apresenta diminuição osteomuscular e de mobilidade, condição que pode dificultar a prática de atividades físicas (Nelson et al., 2007; Malta et al., 2009). Apesar dos benefícios de saúde física, são necessárias estratégias contínuas de incentivo e de compreensão da AFL nos idosos, visto os benefícios da ordem cognitiva e mental (Rocha et al., 2011a; Maciel et al., 2019). As evidências científicas indicam que praticar exercícios físicos é uma ferramenta apropriada para prevenir inúmeros declínios cognitivos e funcionais estreitamente ligados ao processo de envelhecimento e que as práticas de lazer estão associadas a melhores escores de qualidade de vida geral. (Vogel et al., 2009; Nilson et al., 2020)

 

    O presente estudo não encontrou associação estatisticamente significativa entre etnias/raça e a prevalência da AFL. Dados semelhantes foram verificados em um estudo transversal americano que verificou a ocorrência de disparidade entre grupos étnico-raciais na prática da AF. No entanto, os autores ressaltaram que o nível de escolaridade apresentou um papel muito mais preponderante do que a cor de pele no tempo total de prática (Saffer et al., 2013). Por outro lado, um estudo realizado em municípios do sul e do sudeste do Brasil verificou diferenças entre grupos étnicos quanto à AFL, no qual brancos apresentaram maior prevalência que os indivíduos não-brancos (Siqueira et al., 2008), sugerindo o resultado decorrente de privilégios socioeconômicos. Tal divergência entre estudos pode ser justificada pelas peculiaridades inerentes ao processo de miscigenação da sociedade brasileira. A relação significativa da análise bruta pode refletir a intensa desigualdade social presente na população do Brasil, uma vez que as populações não-brancas tendem a apresentar maiores índices de desemprego, menor grau de escolaridade e menor renda (IBGE, 2010, 2020), refletindo nos recursos e disponibilidade para a prática de AFL.

 

    Nos três anos avaliados, as maiores prevalências de AFL foram entre as pessoas com mais anos de estudo. No entanto, observou-se redução absoluta independente da escolaridade. Um achado semelhante foi encontrado no estudo realizado por Gorski (2015), onde o grupo com maior escolaridade apresentou maior nível de exercício físico no lazer. A maior prevalência de AFL entre os que possuem mais anos de estudo pode ser explicada pelos maiores rendimentos provenientes da capacitação (Sousa et al., 2013; Rocha et al., 2011b) e atendimento as demandas empregatícias, somado a própria instrução e experimentação dos benefícios da prática (Gomes et al. 2016; Maciel et al., 2019). Uma melhor instrução parece permitir acesso as instalações privadas de lazer e a moradia em bairros com taxas menores de criminalidade, estimulando a AFL em ambientes aberto como parques, praças e vias públicas (IBGE, 2013). Nesse viés, Rocha et al. (2011b) indicou que indivíduos com menor escolaridade tendem ter mais de um emprego para garantir uma melhor renda, que na prática diminuí o seu tempo e disposição para realizar AFL. Tal dado reforça os achados do presente estudo, que indica menor prevalência AFL em pessoas com menor escolaridade.

 

    A prevalência de AFL em moradias com 5 ou mais moradores apresentou uma maior diminuição absoluta, tendo sua menor prevalência no ano de 2020 e menor probabilidade de praticar AFL em participantes que residiam com mais pessoas (RP=0,98; IC=0,97-0,99; p=0,001). Uma hipótese para esses achados decorre da inadequação do espaço doméstico associado ao fechamento dos espaços formais e informais (públicos) de prática de AFL. Ter uma infraestrutura insuficiente no ambiente doméstico já foi citado em outros trabalhos como sendo uma barreira para a prática de atividade física regular (Vieira, e Silva-Junior, 2019). Até o momento, poucos estudos avaliaram como o número de moradores de uma residência pode influenciar a prática de AFL. No entanto, na pandemia, menores prevalências de AF foram entre os adultos do estado do Rio de Janeiro (região centro oeste do Brasil) que residiam com mais pessoas, sobretudo entre aqueles que possuíam filhos (Rodrigues et al., 2020). Resultados semelhantes foram observados neste estudo, onde houve aumento da prevalência de AFL até 4 moradores, diminuindo a AFL com 5 moradores ou mais. O maior comprometimento da renda com gastos extras com saúde, educação e lazer, associados à presença de crianças e/ou adolescentes (que não contribuem com o orçamento familiar), pode justificar esse achado. Faz-se necessário mais estudos de caracterização da estrutura familiar e seus impactos em comportamentos que interferem no conhecimento e adoção de hábitos mais saudáveis. (Malta et al., 2015)

 

    Neste estudo, a região sudeste apresentou menor taxa de AFL em comparação às demais macrorregiões do Brasil no período analisado. Estudo realizado por Mielke et al. (2021) demonstrou que em 2019 a região Sudeste apresentou prevalência de 31,2% em 2019, sendo menor que os 36,4% encontrados nessa pesquisa para o mesmo ano e para a mesma região. Ambos resultados indicam que houve um aumento na prevalência de AFL quando se comparam os anos de 2013 (prevalência de 22,9%) e 2019 para a região sudeste. No entanto, houve um crescimento maior ainda na prevalência de AFL em outras macrorregiões brasileiras: Botelho et al. (2021) analisou as desigualdades na prática esportiva e de atividade física nas macrorregiões do Brasil com dados do Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 2015 e evidenciou maior prevalência (39,7%) de ativos no lazer na região sudeste em relação às outras regiões, o que não é observado nos números de 2020, evidenciando uma mudança na prática de atividade física na macrorregião.

 

    O achado supracitado pode ser explicado pelas diferentes metodologias de seleção de amostra de estudos. A prevalência de AFL é maior em centros urbanos em comparação à zona rural (Botelho et al., 2021; Rocha et al., 2012), sendo a região sudeste a com maiores índices de urbanização (IBGE, 2010), o que parece explicar a estagnação da região sudeste em relação às demais regiões brasileiras do presente estudo. Ademais, as maiores reduções da prevalência de AFL para as regiões Norte e Nordeste do Brasil podem refletir os impactos da pandemia de COVID-19 que atingiu de maneira desigual as macrorregiões do país (Bridi, 2020), afetando a renda e consequentemente, reduzindo o acesso a AFL.

 

    O ponto forte deste estudo é o poder do tamanho amostral (mais de 132 mil pessoas). Em segundo lugar, o prosseguimento anual com metodologia adequada do VIGITEL fornece elementos que possibilitam importantes oportunidades de análises quanto à AFL e fatores associados. Dentre as limitações do presente estudo, elenca-se que o modelo de corte transversal, havendo a possibilidade de a causalidade reversa impedir constatações de causa e efeito entre as variáveis. Em segundo lugar, a avaliação da prática de AFL foi realizada por meio de informação autorreferida em entrevista telefônica, o que poderia ser superestimada por ser uma prática considerada desejável e bem aceita socialmente. O inquérito VIGITEL é conduzido somente em capitais brasileiras. Logo, os resultados não podem ser extrapolados para a população do interior do país. Outro fator é a realização de inquérito somente em residências que possuam telefone fixo, embora o uso de fatores de ponderação para essas variáveis no VIGITEL busque minimizar as diferenças entre a população com e sem telefone fixo residencial.

 

Conclusão 

 

    A partir da associação entre a atividade física de lazer com variáveis sociodemográficas no Brasil entre 2018 e 2020 com dados de quase 132.000 adultos brasileiros, conclui-se que a prevalência de AFL foi significativamente menor entre as mulheres, entre os mais velhos e entre os não solteiros. Apesar de ser a região mais rica, pessoas que moravam na região sudeste tiveram menos prevalência da prática de AFL. Por outro lado, a maior redução de AFL entre 2018 e 2020 foi na região norte do Brasil. A AFL diminuiu de acordo com a faixa etária e em razão inversa ao número de moradores na residência e sem diferença significativa em relação à cor da pele. Destaca-se que em todos os anos, as maiores prevalências de AFL foram entre as pessoas com mais anos de estudo inferindo um caráter socioeconômico e de mais informação quantos aos benefícios. No entanto, um dado preocupante verificado foi a redução absoluta da prática independente da escolaridade do indivíduo.

 

    Como era esperado, devido às medidas restritivas pela pandemia de COVID-19, a prática de AFL foi menor em 2020, o que alerta para os possíveis impactos a longo prazo na prevalência da atividade física de lazer e aumento das doenças cardiovasculares e mentais. Portanto, tendo em vista os benefícios de saúde física (redução dos fatores de risco de DCNT) e dos aspectos mentais e sociais que AFL proporciona, sugere-se atenção e políticas de promoção da saúde locais e estaduais a curto e médio prazo que visem diminuir os efeitos das desigualdades socioeconômicas inerentes (anos de escolaridade, como verificado neste estudo) e ainda das medidas de distanciamento social de 2020 devido a pandemia por COVID-19.

 

Agradecimentos 

 

    EGA tem apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES).

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)