Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Perspectiva discente sobre Educação Física em uma

escola de ensino médio do Norte do Tocantins-BR

Student Perspective on Physical Education in a High School in Northern Tocantins-BR

Perspectiva de los estudiantes sobre Educación Física en 

una escuela de nivel medio en el Norte de Tocantins-BR

 

Raíres da Costa Silva*

rairesccosta38@gmail.com

Lázaro Rocha Oliveira**

lazaro.oliveira@ufma.br

Mayrhon José Abrantes Farias+

mayrhon@mail.uft.edu.br

Adriano Lopes de Souza++

adriano.lopes@mail.uft.edu.br

 

*Graduada em Licenciatura em Educação Física

pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)

**Professor Titular na Universidade Federal do Maranhão (UFMA)

Mestre em Pedagogia do Movimento pela Universidade de São Paulo (USP)

+Professor Titular na Universidade Federal do Norte do Tocantins (UFNT)

Doutor em Educação Física pela Universidade de Brasília (UNB)

++Professor Titular na UFNT

Doutor em Educação Física

pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

(Brasil)

 

Recepção: 08/05/2023 - Aceitação: 29/07/2023

1ª Revisão: 01/07/2023 - 2ª Revisão: 27/07/2023

 

Level A conformance,
            W3C WAI Web Content Accessibility Guidelines 2.0
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0

 

Creative Commons

Este trabalho está sob uma licença Creative Commons

Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0)

https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Silva, R. da C., Oliveira, L.R., Farias, M.J.A., e Souza, A.L. de (2023). Perspectiva discente sobre a Educação Física em uma escola de ensino médio do Norte do Tocantins-BR. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(304), 72-84. https://doi.org/10.46642/efd.v28i304.4032

 

Resumo

    O presente estudo buscou compreender a perspectiva discente sobre a Educação Física no contexto escolar, considerando, para tanto, os seus gostos e as particularidades da disciplina em comparação com os outros componentes curriculares. A pesquisa foi estruturada por meio da abordagem qualitativa exploratória, sendo o campo de estudo uma escola estadual do Norte do Tocantins. O grupo focal foi a técnica utilizada para este estudo, o qual compreendeu a percepção de 12 estudantes do ensino médio. Os resultados apontaram que um dos diferenciais da Educação Física está relacionado ao fato destas aulas promoverem uma sensação de bem-estar e liberdade, em especial, a partir dos jogos e da prática esportiva. Em contrapartida, alguns participantes do grupo focal também apontaram que percebem a falta do acesso a conteúdos mais diversificados concernentes à cultura corporal. Com base nos resultados encontrados, conclui-se que há um subaproveitamento da Educação Física como componente curricular obrigatório no referido contexto escolar.

    Unitermos: Educação Física. Contexto escolar. Grupo focal.

 

Abstract

    The present study aimed to understand the students' perspective on Physical Education in the school context, considering their preferences and the particularities of the discipline in comparison to other curriculum components. The research was structured through an exploratory qualitative approach, the field of study being a state school in the north of Tocantins. The focus group was the technique used for this study, which comprised the perception of 12 high school students. The results indicated that one of the distinguishing features of Physical Education is related to the fact that these classes promote a sense of well-being and freedom, especially through games and sports practice. On the other hand, some participants in the focus group also pointed out that they perceive the lack of access to more diverse content related to bodily culture. Based on the results, it is concluded that there is an underutilization of Physical Education as a mandatory curriculum component in the said school context.

    Keywords: Physical Education. School context. Focus group.

 

Resumen

    El presente estudio buscó comprender la perspectiva de los estudiantes sobre la Educación Física en el contexto escolar, considerando, para eso, sus gustos y las particularidades de la disciplina en comparación con los demás componentes curriculares. La investigación se estructuró a través de un enfoque cualitativo exploratorio, siendo el campo de estudio una escuela estatal en el norte de Tocantins. El grupo focal fue la técnica utilizada para este estudio, que comprendió la percepción de 12 estudiantes de secundaria. Los resultados mostraron que uno de los diferenciales de la Educación Física está relacionado con el hecho de que estas clases promueven una sensación de bienestar y libertad, especialmente de juegos y deportes. Por otro lado, algunos participantes del grupo focal también señalaron que perciben la falta de acceso a contenidos más diversificados en torno a la cultura corporal. Con base en los resultados encontrados, se concluye que existe una subutilización de la Educación Física como componente curricular obligatorio en el referido contexto escolar.

    Palabras clave: Educación Física. Contexto escolar. Grupo focal.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)


 

Introdução 

 

    A Educação Física, desde seu início aos dias atuais, passou por muitas transformações e influências no Brasil, as quais podem ser retratadas, conforme Ferreira, e Sampaio (2013), a partir de cinco tendências principais, quais sejam: Higienista (até a década de 1930); Militarista (entre as décadas de 1930 e 1945); Pedagogicista (entre as décadas de 1945 e 1964); Competitivista (entre as décadas de 1964 e 1985); e Popular (entre a década de 1985 até a atualidade).

 

    Com efeito, no que tange às diferentes transformações pelas quais a Educação Física passou, vale pontuar que ela foi se tornar obrigatória na Educação Básica somente com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996) e, a posteriori, com a Lei nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003, que tornou ainda mais explícita a sua obrigatoriedade no contexto escolar (Brasil, 2003), objetivando promover, através da diversidade de práticas corporais, o desenvolvimento de aspectos físicos, psicológicos, sociais e emocionais. (Betti, 2009)

 

    Não obstante, em que pese a obrigatoriedade legal estabelecida pelos documentos educacionais, observa-se que a Educação Física parece não gozar do mesmo prestígio e valorização de outros componentes curriculares no contexto escolar, como Matemática e Português, por exemplo, o que se evidencia a partir do tempo destinado para cada um deles na organização escolar. Assim, diferentemente dos referidos componentes, a Educação Física vem lidando historicamente com a necessidade de uma maior legitimação, reconhecimento e valorização por parte de diferentes sujeitos escolares, incluindo docentes e discentes. (Bracht, 1997; Daolio, 2004; Darido, e Rangel, 2011; Furtado, e Borges, 2020; Martiny, Theil, Maciel, e Neto, 2021)

 

    Conforme advertido por Betti (1992), não raras vezes os professores de Educação Física insistem em repetir os mesmos procedimentos e conteúdos nas aulas, fazendo com que os alunos não compreendam e/ou valorizem este componente curricular como importante para o seu desenvolvimento pessoal, social e cultural.

 

    Assim, é perfeitamente possível que os alunos façam uma distinção clara entre o gosto pelas aulas de Educação Física e a importância que atribuem a tal componente curricular, sobretudo, quando comparado a outros componentes, como Matemática e Português (Betti, e Liz, 2003). Por isso, compreende-se que a escuta dos sujeitos envolvidos diretamente no processo educativo pode trazer importantes pistas para a compreensão das nuances inerentes ao mesmo.

 

    De acordo com Freire (2011, p. 133), “o sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como inconclusão em permanente movimento na história”. Aqui, reside a importância da escuta nas pesquisas, sobretudo, porque “[...] escutar não se restringe à experiência auditiva em termos fisiológicos, tampouco à comunicação conscientemente estabelecida. Escutar consiste, antes, no exercício da atenção flutuante”. (Cruz, e Kastrup, 2023, p. 4)

 

    Na presente pesquisa, tal escuta será direcionada mais especificamente para os discentes, uma vez que estes possuem um papel central no processo educativo, por meio de suas opiniões, valores e atitudes. Segundo Darido, e Rangel (2011), os estudantes são sujeitos históricos, culturais e sociais, que trazem consigo uma bagagem de conhecimentos prévios, interesses e vivências que precisam ser considerados na dinâmica escolar e, consequentemente, nas pesquisas educacionais, buscando compreender suas expectativas e necessidades.

 

    Assim, o presente estudo emerge com o objetivo de compreender a perspectiva discente sobre a Educação Física no contexto escolar, considerando, para tanto, os seus gostos e as particularidades da Educação Física quando comparada aos outros componentes curriculares. Trata-se, portanto, de uma problemática que necessita ser investigada, intentando fomentar o debate sobre a presença da Educação Física na Educação Básica e, assim, problematizar os estereótipos e preconceitos que muitas vezes recaem sobre ela, levando-nos a (re) pensar sobre o seu papel no sistema educacional.

 

Metodologia 

 

    O presente estudo caracteriza-se pela natureza qualitativa e caráter exploratório, cuja finalidade perpassa por familiarizar o pesquisador com a temática a ser analisada, desenvolvendo, esclarecendo e modificando conceitos e ideias. Segundo Gil (2008), a pesquisa exploratória ocorre quando existe pouco conhecimento científico sobre determinado assunto. Este fato proporciona ao pesquisador um primeiro contato com o tema, através dos conceitos preliminares que ele precisa ter para conseguir dar continuidade à sua investigação.

 

    A abordagem qualitativa, por sua vez, está pautada no compartilhamento de informações entre o pesquisador e o grupo pesquisado, buscando-se extrair informações por meio da interação entre ambos, com o intuito de compreender os significados extraídos das ações geradas pelos indivíduos em uma determinada realidade contextual. (Chizzotti, 2008)

 

    A pesquisa foi realizada em uma escola estadual situada no Norte do Tocantins, ofertando turmas de 1º, 2º e 3º ano do Ensino Médio para estudantes de até 20 anos, de classe social predominantemente baixa. Para tanto, foi definido como público-alvo os discentes do 1º ano do ensino médio. A escolha por essa turma justifica-se pela experiência prévia da pesquisadora vivenciada durante o período de Estágio Supervisionado da IES com a referida turma. Na ocasião, emergiu o questionamento sobre o entendimento dos respectivos alunos a respeito do papel da Educação Física no contexto escolar.

 

    O público-alvo trata-se, mais especificamente, de 18 alunos (de um universo de 25), dos quais 11 são do sexo feminino e 07 do sexo masculino, com faixa etária entre 14 e 18 anos de idade. Foram incluídos no estudo os discentes que se disponibilizaram a participar da pesquisa e que devolveram o Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) assinado pelos pais ou responsáveis ou, ainda, por eles próprios, como no caso dos alunos que já haviam alcançado a maioridade. Portanto, aqueles que não o entregaram devidamente assinado foram excluídos da pesquisa.

 

    Como técnica de coleta de dados, optou-se pelo grupo focal, o qual caracteriza-se pela formação de um grupo de pessoas para discutir determinado tema proposto pelo pesquisador, com objetivo de proporcionar o ponto de vista dos sujeitos participantes, por meio do processo interativo. (Gatti, 2005)

 

    No processo de formação do grupo focal, procedeu-se com uma divisão aleatória dos sujeitos em dois grupos de seis pessoas, visando uma melhor interação e participação de todos. Com base na proposta de Gatti (2005), optou-se por trabalhar com um roteiro temático previamente elaborado como instrumento de coleta de dados, na tentativa de estimular a conversação, possibilitando aos alunos a livre exposição de suas ideias e a exploração, inclusive de novos elementos que surgissem durante a discussão. Nessa perspectiva, o roteiro criado basicamente girava em torno de dois tópicos de conversação: 1) Gostos e particularidades (o que mais gostam de fazer nas aulas, o que diferencia a Educação Física das outras disciplinas); 2) Relação professor e aluno (interação com o professor, relação dessa interação com o aprendizado e com a valorização da disciplina).

 

    Para fins analíticos, foi mobilizada a análise de dados referente ao grupo focal (Gatti, 2005), iniciando-se com a descrição das falas dos sujeitos, seguido pelo agrupamento das suas opiniões, a partir do processo de classificação ou codificação do material e, por fim, organização por unidade para se fazer as análises, no intuito de extrair os sentidos e significados dos relatos provenientes da interação grupal.

    

    Por fim, ressalta-se que esta pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos (CEP) da Universidade Federal do Tocantins, tendo sido aprovada com o seguinte número de parecer: 3.786.609. Além disso, em atendimento aos preceitos éticos, também foram atribuídos nomes fictícios aos referidos sujeitos, garantindo-lhes o devido anonimato.

 

Resultados e discussão 

 

Gostos e particularidades 

 

    O diálogo foi iniciado acerca das particularidades da Educação Física no contexto escolar, cujos participantes do grupo focal abordaram aquilo que mais gostavam de fazer nas nestas aulas, com destaque para o gosto pelos esportes e pelos jogos e brincadeiras. Observa-se que a maior parte dos alunos fez menção direta ao Voleibol e ao Futsal, seja pela identificação e afinidade com as referidas modalidades esportivas e/ou porque são os conteúdos que costumam ter acesso nas aulas práticas, tal como ilustrado na seguinte fala:

    “Aqui só tem duas coisas nas aulas: só Futsal ou Vôlei” (José, 16 anos).

    Assim, pode-se articular que apesar de gostarem de praticá-los, eles reconhecem a falta de conteúdos mais diversificados, o que, por sua vez, poderia vir a desencadear um desinteresse para participarem das referidas aulas, tal como foi identificado, por exemplo, no estudo realizado por Mariano, Miranda, e Metzner (2017) com estudantes do ensino médio.

 

    Por conseguinte, os alunos abordaram as características que diferenciavam a Educação Física de outros componentes curriculares. Nesse ponto, eles apresentaram respostas ligadas às vivências práticas e a sensação de bem-estar que o espaço destinado para as atividades da Educação Física propõe, tal como é possível identificar nas seguintes narrativas:

    “As outras disciplinas a gente têm que estar pensando, aí no calor é ruim. E a Educação Física melhora mais, porque estamos lá fora no vento” (Juca, 16 anos).

 

    “Porque tira a gente da sala e leva para a quadra” (José, 16 anos).

 

    “Aulas que é lá fora, a gente se sente melhor. E outra: acho bem mais fácil aprender na prática do que na teoria” (Nando, 16 anos).

    Ora, conforme a fala dos referidos discentes, constata-se que o diferencial da Educação Física é o momento prático que ela propõe, pois, através desse momento, eles se sentem mais motivados para aprender do que estariam dentro da sala de aula, tal como ocorre mais comumente nas aulas de outros componentes curriculares. Com efeito, Souza, e Tavares (2019) realizaram um estudo de caráter semelhante, cujos resultados corroboram os dados encontrados no presente estudo, uma vez que os alunos investigados também apresentaram respostas que incluem as vivências práticas nas aulas de Educação Física como uma das suas particularidades em relação aos outros componentes curriculares, em especial, por ocorrerem em um espaço marcado por uma maior liberdade.

 

    A partir dessas colocações, alguns alunos também apontaram para outra particularidade da Educação Física: o fato de ela não exigir muitas demandas de conteúdos teóricos. Nesse sentido, eles foram questionados se consideram a Educação Física importante. Sobre este aspecto, eles apresentram respostas relacionadas, sobretudo, à promoção da saúde, conforme ilustrado nos seguintes relatos:

    “Ela é importante porque combate o sedentarismo” (Flor, 16 anos).

 

    “Sua importância é que ela combate e previne muitas doenças” (Sam, 16 anos).

    Desta forma, observa-se que os alunos consideram a Educação Física como sendo importante para ajudar a prevenir doenças através dos exercícios físicos e/ou atividade físicas, que eles realizam nas aulas. De fato, a relação da Educação Física com a saúde por meio das atividades escolares é apontada por diferentes autores como algo socialmente relevante. (Nahas, 1995; Guedes, 1999; Ferreira, 2001)

 

    O estudo realizado por Silva, Martins, e Silva (2013), por exemplo, objetivou levantar algumas abordagens da Educação Física escolar voltadas para a promoção da saúde, cujos resultados apontaram que tais abordagens se apresentam como uma alternativa na elaboração de planos de curso para o referido componente curricular, a partir de um caráter educativo e não mais recreativo ou medicamentoso.

 

    No que tange o presente estudo, é válido acrescentar que os participantes do grupo focal destacaram que a Educação Física também contribui, por exemplo, com outros componentes curriculares, uma vez que as suas atividades os estimulam a aprender e a valorizar a saúde de forma holística:

    “Estimular a gente a aprender as outras matérias como, por exemplo, quando estamos fazendo exercício. Aí quando vamos para a próxima matéria, estamos relaxados. Aí a gente aprende (Léo 15 anos).

 

    “A Educação Física contribui na saúde mental, física e social da gente” (Nando, 16 anos).

    Nesse sentido, é válido destacar que a disciplina de Educação Física é uma área do conhecimento que trabalha com o corpo e a cultura corporal do movimento, com potencial para desenvolver no aluno as habilidades motoras, cognitivas e afetivas, as quais são essenciais para a vida, bem como melhorar a autoestima e desenvolver socialização, enfim, aspectos relacionados à sua formação integral. (Martínez, e Rivero, 2019; Ochoa-Gutiérrez, e Aldas-Arcos, 2022)

 

    Ademais, estudos recentes apontam, ainda, que as práticas corporais vivenciadas na Educação Física escolar podem contribuir com a prevenção do sedentarismo, do sobrepeso, da obesidade, do diabetes e de outras patologias. Além disso, é capaz de auxiliar na diminuição de maus hábitos, como o tabagismo, consumo de álcool e uso de drogas. (Rodríguez et al. 2020; Torres et al., 2020)

 

Relação professor e aluno no processo de ensino e aprendizagem 

 

    Este tópico objetivou apresentar a relação professor e aluno no âmbito escolar nas perspectivas dos discentes. Ora, tal escolha justifica-se em virtude da compreensão de que a relação professor e aluno é muito relevante nos processos de ensino e de aprendizagem reverberando, de alguma maneira, a perspectiva discente acerca do papel da Educação Física no contexto escolar.

 

    Nóvoa (1992), por exemplo, aborda vários aspectos da relação professor-aluno, incluindo a importância da formação dos professores para a construção de relações pedagógicas mais efetivas e a influência das relações interpessoais na aprendizagem. Assim, os alunos foram questionados sobre como é a relação deles com o respectivo professor de Educação Física, cujos dados indicaram uma resposta positiva, em virtude do trato pedagógico adequado, ajudando-os a compreender os conteúdos, conforme pode-se verificar nas seguintes falas:

    “É boa! Explica de uma forma que dá para entender” (Jane, 15 anos).

 

    “É boa, do jeito que ele faz, dá para compreender as coisas” (Sam, 15 anos).

 

    “Ele conversa com a gente, explica bem” (Flor, 16 anos).

    Diante disso, observa-se que os alunos consideram uma relação boa com professor, por ele apresentar bons argumentos e boas explicações. Tal dado é corroborado pelo estudo de Medina (2015), cuja autora identificou que a comunicação entre aluno e professor é essencial para o processo formativo e, por isso, deve ser constantemente estimulada como forma de enriquecer as habilidades sociais dos alunos e facilitar a aprendizagem.

    

    Porém, é oportuno destacar que, em princípio, eles não explicitaram um sentimento de afetividade pelo professor, talvez por sentirem envergonhados ou por não saberem expressá-lo. Com base nestas colocações, os alunos foram questionados se gostariam que o professor mudasse ou acrescentasse alguma coisa nesse processo. A este respeito, os dois grupos focais demonstraram uma certa contradição, uma vez que os participantes de um deles apontaram que estavam satisfeitos com a sua relação com o professor e que não acrescentariam nada para melhorar, enquanto os participantes de outro grupo, por sua vez, pontuaram algumas lacunas na aprendizagem dos conteúdos, conforme ilustrado nos relatos abaixo:

    “Sim, queria um professor que não desse só a pratica, mas a teoria também, em sala de aula” (Nando, 16 anos).

 

    “Porque nós, alunos, não sabemos regras e nem fundamento, e nem quando surgiu nenhum dos esportes” (Mari, 15 anos).

    Assim, percebe-se que um grupo de alunos não está satisfeito com a relação que mantêm com o professor, pois segundo tais sujeitos, o professor precisaria melhorar na organização didática, contemplando mais aulas teóricas. Os discentes não mencionaram o porquê de o professor optar por ministrar exclusivamente a parte prática dos conteúdos, talvez, pelo fato da boa parte dos alunos gostarem mais e/ou pela sua própria afinidade com as atividades práticas.

 

    Ora, em alguma medida, tais dados parecem ir ao encontro do que é apontado por Darido, e Rangel (2005), na medida em que as autoras advertem que ao longo de sua história, a Educação Física tem priorizado os conteúdos numa dimensão quase que exclusivamente procedimental, em detrimento do saber sobre a cultura corporal, a partir da dimensão conceitual, na qual estão inclusos aspectos como a contextualização dos esportes, por exemplo, tal como mencionado pela discente Mari. Ressalta-se, ainda, que tal ênfase na dimensão procedimental também reverbera os estudos que abordam os conteúdos nas pesquisas sobre a Educação Física escolar. (Silva et al., 2022)

 

    Segundo Darido (2012), a prática de todo professor, ainda que de forma pouco consciente, está fundamentada em uma determinada concepção sobre o aluno, o ensino e a aprendizagem, o que, por sua vez, influencia a representação que o professor constrói sobre o seu papel, o papel do aluno, a metodologia, a função social da escola e os respectivos conteúdos a serem abordados.

 

    Nesse sentido, de forma sintomática aos relatos supracitados, pode-se articular que as aulas de Educação Física no contexto investigado podem estar priorizando no processo de ensino-aprendizagem a ação de educar o movimento e não necessariamente o educar por meio do movimento. Assim, é crucial que o aluno seja tratado como um sujeito ativo neste processo, isto é, como um “corpo-sujeito” e não como um “corpo-objeto”, considerando não apenas os aspectos físicos e técnicos dos movimentos corporais, mas também os aspectos culturais, históricos e sociais envolvidos na prática corporal. (Darido, e Rangel, 2005)

 

    Por intermédio das colocações dos participantes do grupo focal, observa-se que um dos fatores que os alunos valorizam na relação com o professor é a forma como o ensino e a aprendizagem são conduzidos por este sujeito. Tais dados nos faz recorrer às considerações de Brait et al. (2010), pois, tal como destacam os autores, a interação na relação professor e aluno perpassa sobremaneira pela capacidade do primeiro em promover a preparação, organização e o planejamento didático dos conteúdos. Nesse sentido, através da interação entre ambos, é possível tornar interessante e prazeroso o ato de aprender, deixando, assim, os alunos mais motivados, entusiasmados e satisfeitos com os métodos e com as atitudes do professor no desenvolvimento das aulas.

 

    Em um estudo recente, Carmona-Halty, Schaufeli, e Salanova (2019) investigaram a importância da relação entre professor e aluno, o capital psicológico (esperança, otimismo, resiliência e autoeficácia) e o desempenho acadêmico entre estudantes universitários. Os resultados mostraram que os efeitos positivos de boas relações entre professores e alunos no desempenho acadêmico foram parcialmente mediados pelo capital psicológico. Isso sugere que a construção de relações positivas entre professores e alunos pode aumentar os recursos psicológicos dos alunos, o que, por sua vez, pode acarretar em uma melhoria no desempenho acadêmico.

 

    Com efeito, é possível articular que essa relação entre professor e aluno tem como eixo articulador a dimensão da afetividade, a qual parece ser potencializada na Educação Física escolar, em virtude da interação engendrada através do movimento. Assim, tal como identificado no estudo de Souza, e Tavares (2021), do ponto de vista afetivo, a Educação Física se destaca em relação aos demais componentes curriculares na escola, sob justificativas que perpassam pela organização destas aulas com elementos eminentemente mais lúdicos, bem como pelo próprio espaço destinado para a sua prática, ensejando uma diversidade de emoções, tais como alegria, entusiasmo e liberdade.

 

Conclusões 

 

    Investigar sobre a presença da Educação Física no contexto escolar é deveras pertinente, uma vez que se trata de um componente curricular obrigatório na Educação Básica. Nesse sentido, a presente pesquisa buscou compreender qual a visão dos alunos do ensino médio em relação a Educação Física, incluindo os seus gostos e as características que a diferenciam dos demais componentes curriculares.

Assim, foi possível refletir sobre suas concepções, buscando entender os desafios e os dilemas da Educação Física no contexto educacional. Aqui, os alunos trouxeram a sua visão em relação aos referidos tópicos, fornecendo importantes pistas para a compreensão da sua perspectiva em relação à Educação Física no contexto escolar.

 

    Com base na perspectiva dos participantes do grupo focal, observa-se que um dos diferenciais da Educação Física está relacionado ao fato destas aulas promoverem uma sensação de bem-estar e liberdade, visto que elas costumam ocorrer fora da sala de aula, bem como por ela não exigir uma demanda tão elevada de conteúdos e estudos em comparação com outros componentes curriculares, embora eles reconheçam as suas contribuições e benefícios para a saúde de forma holística.

 

    No contexto investigado, o gosto dos alunos em relação às atividades desenvolvidas nas aulas de Educação Física apresenta-se como outro fator importante a ser destacado, em especial, a partir dos jogos e da prática esportiva. Em contrapartida, também se observou que alguns participantes do grupo focal se ressentem da falta do acesso a outros conteúdos concernentes à cultura corporal, de tal modo que a relação estabelecida com o respectivo professor é reflexo da forma como o mesmo conduz as atividades de ensino e aprendizagem.

 

    Por fim, pode-se concluir que dar voz aos alunos é uma ação indispensável para a compreensão de como a Educação Física tem se estabelecido no contexto educacional, cujos resultados encontrados apontam para um subaproveitamento deste componente curricular no referido contexto, sobretudo, em virtude da ausência de conteúdos mais diversificados nas aulas. Afinal, o papel da Educação Física não envolve tão somente a experimentação de diferentes formas de movimentar o corpo, mas, também envolve a compreensão das implicações sociais, culturais e políticas das práticas corporais de forma contextualizada, contribuindo, destarte, para a formação de cidadãos críticos e conscientes do papel da cultura corporal em suas vidas e na sociedade como um todo.

 

Referências 

 

Bracht, V. (1997). Educação Física e aprendizagem social (2ª ed.). Editora Magister.

 

Brasil (1996). Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência de la República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm

 

Brasil (2003). Lei Nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003. Altera a redação do art. 26, § 3º e do art. 92 da Lei Nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, que “estabelece as diretrizes e bases da educação nacional”, e dá outras providências. Presidência de la República. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.793.htm

 

Betti, I.C.R. (1992). O prazer em aulas de educação física escolar: a perspectiva discente. [Tese, Mestrado. Universidade Estadual de Campinas].

 

Betti, M. (2009). Educação física escolar: ensino e pesquisa-ação. Editora da Unijuí.

 

Betti, M., e Liz, M.T. (2003). Educação Física escolar: a perspectiva de alunas do ensino fundamental. Motriz, 9(3), 135-142. http://www1.rc.unesp.br/ib/efisica/motriz/09n3/08MBetti.pdf

 

Brait, L.F.R., Coimbra, R.S., Cunha, S.S. da, Silveira, C.M., e Silveira, M.A. (2010). Relação professor/aluno no processo de ensino e aprendizagem. Revista Eletrônica do Curso de Pedagogia do Campus Jatai, 8(1), 1-17. https://doi.org/10.5216/rir.v6i1.40868

 

Carmona-Halty, M., Schaufeli, W.B., e Salanova, M. (2019). Good relationships, good performance: The mediating role of psychological capital - A three-wave study among students. Journal of Happiness Studies, 20(3), 915-931. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.00306

 

Chizzotti, A. (2008). Pesquisa qualitativa em ciências humanas e sociais (2ª ed.). Editora Vozes.

 

Cruz, C.B., e Kastrup, V. (2023). Dimensões da escuta na formação de pesquisadores: observações a partir da ecologia da atenção. Psicol. Pesqui, 17, 1-21. https://doi.org/10.34019/1982-1247.2023.v17.35718

 

Daolio, J. (2004). A história das práticas corporais. Papirus Editora.

 

Darido, S.C. (2012). Educação Física na Escola: conteúdos, duas dimensões e significados. In: S.C. Darido, e E.M. Maitino (Eds.), Pedagogia cidadã: cadernos de formação: Educação Física (pp. 51-75). UNESP.

 

Darido, S.C., e Rangel, I.C.A. (2005). Educação física na escola. Editora Guanabara Koogan.

 

Darido, S.C., e Rangel, I.C.A. (2011). Educação física na escola: Implicações para a prática pedagógica. Editora Guanabara Koogan.

 

Ferreira, H.S., e Sampaio, J.J.C. (2013). Tendências e abordagens pedagógicas da Educação Física escolar e suas interfaces com a saúde. Lecturas: Educación Física y Deportes, 18(182). https://www.efdeportes.com/efd182/tendencias-pedagogicas-da-educacao-fisica-escolar.htm

 

Ferreira, M.S. (2001). Aptidão física e saúde na educação física escolar: ampliando o enfoque. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 22(2), 41-54. http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/411

 

Freire, P. (2011). Pedagogia da autonomia. Editorial Paz e Terra.

 

Furtado, R., e Borges, C.N. (2020). Educação Física escolar: legitimidade e escolarização. Revista Humanidades e Inovação, 7(10), 24-38. https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/2356

 

Gatti, B.A. (2005). Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Editora Líber Livros.

 

Gil, A.C. (2008). Métodos e técnicas de pesquisa social (6ª ed.). Editora Atlas.

 

Guedes, D.P. (1999). Educação para a saúde mediante programas de educação física escolar. Motriz, 5(1), 10-15. https://doi.org/10.5016/6619

 

Mariano, G.S., Miranda, J.L.A., e Metzner, A.C. (2017). Fatores que levam ao desinteresse dos alunos do Ensino Médio em participar das aulas de Educação Física. Revista Educação Física Unifafibe, 5, 7-18.

 

Martínez, D.B., e Rivero, A.J.S. (2019). Educación Física y tecnología en la formación integral del estudiante. Revista Conrado, 15(69), 280-287. https://conrado.ucf.edu.cu/index.php/conrado/article/view/1070

 

Martiny, L.E., Theil, L.Z., e Maciel Neto, E. (2021). A legitimação da educação física escolar: a cultura corporal de movimento como linguagem e condição de possibilidade de conhecimento. Caderno de Educação Física e Esporte, 19(3), 241-247. https://doi.org/10.36453/cefe.2021.n3.27089

 

Medina, M.B.E. (2015). Influencia de la interacción alumno-docente en el proceso enseñanza-aprendizaje. Paakat: Revista de Tecnología y Sociedad, 8(5), 1-8. http://www.udgvirtual.udg.mx/paakat/index.php/paakat/article/view/230

 

Nahas, M.V., Mário César Pires, M.C., Waltrick, A.C. de A., e Bem, M.F.L. de (1995). Educação para atividade física e saúde. Revista Brasileira de Atividade Física e Saúde, 1(1), 57-65. https://doi.org/10.12820/rbafs.v.1n1p57-65

 

Ochoa-Gutiérrez, C.M., e Aldas-Arcos, H.G. (2022). La Educación Física como herramienta para la formación integral en estudiantes del Subnivel General Básica. Revista Arbitrada Interdisciplinaria Koinonía, 7(2), 326-350. https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=8651457

 

Silva, J. da, Backes, A.F., Alencar, A.A.C., Farias, G.O., e Nascimento, J.V. (2022). Conteúdos e suas dimensões na Educação Física escolar no Ensino Fundamental: um estudo de revisão. Movimento, 28, 1-28. https://doi.org/10.22456/1982-8918.114307

 

Silva, S., Martins, E., e Silva, F. (2013). A saúde na educação física: uma revisão sobre a prática escolar. Periódico Científico Projeção e Docência, 4(1), 29-35. https://revista.projecao.br/index.php/Projecao3/article/view/327

 

Souza, A.L., e Tavares, O. (2019). A percepção discente em relação às aprendizagens dos conteúdos atitudinais nas aulas de Educação Física escolar: um estudo de caso. Motrivivência, 31(58), 1-16. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2019e56259

 

Souza, A.L., e Tavares, O. (2021). Notas etnográficas sobre a educação em valores no contexto escolar. Motrivivência, 33(64), 1-18. https://doi.org/10.5007/2175-8042.2021.e79707

 

Torres, A.F.R., Alvear, J.C.R., Gallardo, H.I.G., Moreno, E.R.A., Alvear, A.E.P., e Vaca, V.A.C. (2020). Beneficios de la actividad física para niños y adolescentes en el contexto escolar. Revista Cubana de Medicina General Integral, 36(2). https://www.researchgate.net/publication/346938768


Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)