ISSN 1514-3465
Análise da síndrome de adaptação geral no
entendimento da carga de treino de Matveev
Analysis of the General Adaptation Syndrome in the Understanding of the Training Load of Matveev
Análisis del síndrome de adaptación general para comprender la carga de entrenamiento de Matveev
Nelson Kautzner Marques Junior
kautzner123456789junior@gmail.com
Mestre em Ciência da Motricidade Humana
pela Universidade Castelo Branco (UCB)
Pós-Graduado Lato Sensu em Treinamento Desportivo
pela Universidade Gama Filho (UGF)
Pós-Graduado Lato Sensu em Musculação e Treinamento de Força pela UGF
Pós-Graduado Lato Sensu em Fisiologia do Exercício
e Avaliação Morfofuncional pela UGF
Graduado em Educação Física pela Universidade Estácio de Sá (UNESA)
(Brasil)
Recepção: 04/05/2023 - Aceitação: 05/08/2023
1ª Revisão: 12/06/2023 - 2ª Revisão: 31/07/2023
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
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Citação sugerida
: Marques Junior, N.K. (2023). Análise da síndrome de adaptação geral no entendimento da carga de treino de Matveev. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(305), 114-129. https://doi.org/10.46642/efd.v28i305.4026
Resumo
A síndrome de adaptação geral (SAG) pode ser definida como as respostas fisiológicas do atleta por causa do estresse da carga de treino que provocam adaptações a esse estímulo, mas se essa carga continuar a ser executada pode ocasionar a fadiga. O objetivo do ensaio foi explicar o motivo que Matveev nunca usou a SAG na carga ondulada. A periodização de Matveev utiliza com mais frequência a carga ondulada para o atleta aguentar o estímulo das sessões. A SAG foi estudada por Selye, ela é composta pela reação de alarme, fase de resistência e fase de exaustão. Um dos primeiros a utilizar a SAG para entender o efeito da carga no organismo do atleta foi Prokop em 1959. Então, a partir desse momento, a SAG foi difundida na literatura do treinamento esportivo e foi atribuída a Matveev que ele usou essa teoria para explicar o efeito da ondulação da carga no atleta. Mas Matveev nunca usou a SAG para fundamentar cientificamente a carga ondulada. Matveev fez dois questionamentos sobre esse conteúdo: 1º a SAG não pode ser conteúdo teórico da sua periodização porque ela foi estudada no estresse baseada na patologia e 2º, nela não está inserido o volume e a intensidade tornando inadequado essa teoria para fundamentar a carga da sua periodização. Em conclusão, os mecanismos fisiológicos da SAG foram estudados principalmente em ratos, e não em humanos, tornando interessante dos cientistas do esporte de estudar a SAG no atleta durante a carga ondulada de Matveev.
Unitermos:
Carga ondulada. Exercício físico. Esforço físico. Fisiologia. Periodização.
Abstract
The general adaptation syndrome (GAS) can be defined as the athlete's physiological responses because the stress of the training load that cause adaptations to this stimulus, but if this load continues to be performed it can cause fatigue. The objective of the essay was to explain why Matveev never used GAS in the load undulation. Matveev's periodization uses more frequently the load undulation for the athlete to support the stimulation of the sessions. The GAS was studied by Selye, it is composed by the alarm reaction, resistance phase and exhaustion phase. An of the first to use the GAS to understand the effect of the load on the athlete's body was Prokop in 1959. Then, after that moment, GAS was widespread in sports training literature and it is attributed to Matveev that he used this theory to explain the effect of the load undulation on the athlete. However, Matveev never used the GAS to scientifically substantiate load undulation. Matveev practiced two questions about this content: 1st the GAS cannot be a theoretical content of its periodization because it was studied in stress based on the pathology and 2nd, the volume and intensity are not inserted in the GAS and this theory is inadequate to base the load of its periodization. In conclusion, the physiological mechanisms of the GAS were studied mainly in rats, and not in humans, making it interesting for sports scientists to study the GAS in the athlete during Matveev's load undulation.
Keywords
: Load undulation. Physical exercise. Physical exertion. Physiology. Periodization.
Resumen
El síndrome de adaptación general (SAG) se puede definir como las respuestas fisiológicas del deportista debido al estrés de la carga de entrenamiento que provocan adaptaciones a este estímulo, pero si se continúa realizando esta carga puede provocar fatiga. El objetivo del ensayo fue explicar por qué Matveev nunca utilizó SAG en cargas onduladas. La periodización de Matveev utiliza con mayor frecuencia la carga de ondas para que el deportista aguante la estimulación de las sesiones. El SAG fue estudiado por Selye, está compuesto por la reacción de alarma, la fase de resistencia y la fase de agotamiento. Uno de los primeros en utilizar el SAG para comprender el efecto de la carga en el cuerpo del atleta fue Prokop en 1959. Luego, a partir de ese momento, el SAG se generalizó en la literatura sobre entrenamiento deportivo y se atribuyó a Matveev, quien utilizó esta teoría para explicar el efecto de la ondulación de la carga sobre el deportista. Pero Matveev nunca utilizó SAG para fundamentar científicamente la carga ondulada. Matveev hizo dos preguntas sobre este contenido: 1º, el SAG no puede ser un contenido teórico de su periodización porque fue estudiado en estrés con base en la patología y 2º, el volumen y la intensidad no están insertados en él, por lo que esta teoría es inadecuada para fundamentar la carga de su periodización. En conclusión, los mecanismos fisiológicos del SAG se estudiaron principalmente en ratas, y no en humanos, por lo que para los científicos del deporte resulta interesante estudiar el SAG en el atleta durante la carga de ondas de Matveev.
Palabras clave
: Carga ondulada. Ejercicio físico. Esfuerzo físico. Fisiología. Periodización.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 305, Oct. (2023)
Introdução
Após a Revolução Russa de 1917, foi estabelecido que a periodização era linha de pesquisa nas universidades da Rússia Soviética e depois na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (a URSS foi formada em 1922) (Marques Junior, 2022a; Oliveira, 2008). Nos anos 50 e 60, a carga de treino dos microciclos passou a ser muito pesquisada pelos cientistas do esporte da URSS e nos países da escola socialista do treinamento esportivo (Marques Junior, 2023a; Zakharov, 1992). Esses acontecimentos influenciaram Lev Pavilovch Matveev em estruturar uma periodização e a elaborar a carga de treino da sua concepção porque nesse período ele estudou em Moscou, na Rússia, vindo cursar educação física de 1946 a 1950, fez o mestrado de 1950 a 1955, defendeu sua tese de doutorado em 1964 (Bokan, 2010; Vinogradov, 2021) e desenvolveu os ciclos de treino (o microciclo e o mesociclo) nos anos 60 e 70. (Krüger, 2016; Stone et al., 2021)
Em 1977, Matveev definiu carga de treino como o esforço do atleta causado pela execução de exercícios de treino que possuem uma dificuldade para o praticante vencer durante a prática da tarefa (Matveev, 1991). Essa carga de treino que é aplicada no atleta durante os microciclos visa que ele atinja o pico da forma esportiva. A forma esportiva é o estado ótimo de preparação do atleta onde ele pode atingir os mais altos resultados esportivos, geralmente os competidores melhoram 1,5 a 2% as suas marcas quando alcançam o pico da forma esportiva (Matveev, 1996). A carga de treino dos microciclos e dos outros ciclos de treino (mesociclo e períodos do macrociclo) costumam ser estruturadas de maneira ondulada (Matveev, 1995). A ondulação das cargas permite em um ciclo de treino com algumas sessões (do microciclo) direcionar para os atletas cargas de desenvolvimento (melhora da preparação física, técnica e tática através do microciclo choque e/ou do microciclo ordinário), cargas estabilizadoras e cargas de recuperação (Matveev, 1991). Logo, na prescrição da carga ondulada ocorre um estímulo de treino e de recuperação do esportista.
Em 1936, o endocrinologista austríaco Hans Selye publicou o seu primeiro artigo sobre o estresse na revista científica Nature, vindo mensurar as respostas fisiológicas dos ratos proveniente do estímulo nocivo do exercício excessivo no músculo, do uso de drogas, da exposição ao frio e de outras situações de estresse, sendo detectado nos ratos três estágios do estresse (Selye, 1936). Nesse experimento de Selye (1936), o 1º estágio se manifestou nos ratos no tempo de 6 a 48 horas depois do estímulo nocivo (exercício excessivo do músculo, drogas, frio, etc.), sendo chamada esse estágio de reação de alarme geral. Depois de 48 horas do estímulo nocivo nos ratos, ocorreu o 2º estágio em que os animais começaram se adaptar ao estresse quando foram tratados com pequenas doses de drogas, acontecendo uma resistência do organismo dos ratos contra o estímulo nocivo. Os ratos que continuaram nessa condição de estresse por 1 a 3 meses diminuíram a sua resistência contra o estímulo nocivo, esse enfraquecimento dos animais ocasionaram óbito dos bichos que continuaram no experimento, sendo o 3º estágio, denominado de fase de exaustão. Esse cientista publicou outros trabalhos científicos sobre o estresse no final dos anos 30 (Selye, 1937; 1938a), mas somente em 1938 ele chamou esse mecanismo fisiológico de resposta ao estímulo nocivo de síndrome de adaptação geral (SAG), tendo três fases que são compostas pela 1ª a reação de alarme, a 2ª a fase de resistência e a 3ª a fase de exaustão (Masson. e Selye, 1938; Selye, 1938b). O nome da SAG conseguiu ser difundido na literatura científica somente em 1950, momento que Selye escreveu uma monografia sobre o estresse (Szabo et al., 2017). A maioria dos estudos desse cientista sobre a SAG foram em animais, geralmente em ratos. (Bértola, 2010)
Lev Matveev estruturou a maior parte dos conteúdos da sua periodização tradicional nos anos 50, nessa época a fisiologia, a bioquímica e a biomecânica estavam em formação e proporcionavam pouco embasamento científico para Matveev elaborar uma periodização (Verkhoshanski, 2001). Apesar desse problema científico dos anos 50, o conteúdo da fisiologia da SAG foi utilizado por Matveev para embasar cientificamente a carga ondulada de treino da periodização desse pesquisador (Hornsby et al., 2020; Short, 2023). A SAG ajuda explicar o efeito agudo do estresse da carga ondulada no atleta e mostra se esse estímulo for submetido por um período no esportista desencadeia adaptações crônicas que podem ocasionar a supercompensação, sendo o pico da forma esportiva (Costa, 2022). Portanto, a SAG é importante para o treinador entender como a carga ondulada pode levar o atleta ao pico da forma esportiva.
A literatura do treinamento esportivo afirma que Matveev usou a SAG para explicar como o organismo do atleta se comporta durante e após o estímulo da carga ondulada de treino do microciclo (Dantas, 1995; Forteza, 2001; Marques Junior, 2023a). Em 1965, no livro de Matveev que era oriundo da sua tese de doutorado defendida em 1964 e que foi traduzido para o espanhol em 1977, esse cientista russo no tempo da URSS criticou o uso da SAG para informar sobre as manifestações fisiológicas do esportista por causa do estresse da carga ondulada de treino, para Matveev a SAG era deficiente porque não estava inserido o volume e a intensidade nesse conteúdo (Matveev, 1977). Então, Matveev nunca usou a SAG na carga ondulada de treino da sua periodização.
Quais foram os equívocos dos pesquisadores do treinamento esportivo em afirmar que Matveev usou a SAG para fundamentar cientificamente a carga ondulada de treino?
As referências sobre a carga ondulada de treino de Matveev não possuem essa informação (Marques Junior, 2022b; Mukhopadhyay, 2022; Stone et al., 2021). Assim sendo, o objetivo do ensaio foi explicar o motivo que Matveev nunca usou a SAG na carga ondulada.
Método
A revisão narrativa sobre o não uso da SAG por Matveev na carga ondulada foi escrita embasada em artigo e livros científicos que foram selecionados em janeiro de 2023. A coleta dos artigos foram realizadas no Google Acadêmico, no ResearchGate, no Scielo, no Dialnet, na Redalyc, no Medline, no Ebsco, no DOAJ e no PubMed. Nessas bases de dados eletrônicas foram consultadas usando as palavras chaves em inglês general adaptation syndrome, periodization, load undulation e português Lev Matveev, síndrome de adaptação geral, periodização e carga ondulada. Os artigos e livros selecionados foram os que tiveram os conteúdos das palavras chaves.
Resultados
Aplicação da carga ondulada no treinamento
A periodização tradicional de Lev Pavilovch Matveev utiliza com mais frequência a carga de treino ondulada para o atleta aguentar o estímulo das sessões porque em um microciclo ocorre esforço e recuperação do esportista através da prática das sessões com carga alta ou média e carga baixa, onde acontece uma alternância entre volume e intensidade (Matveev, 1977). Essa ondulação da carga de treino é conseguida com a escolha do mesociclo que possuem determinados microciclos onde existe a carga de treino em percentual (Matveev, 1991). Por exemplo, o microciclo choque possui carga de treino predominante de 80 a 100%, o microciclo ordinário possui carga de treino predominante de 60 a 80%, o microciclo propriamente recuperativo possui carga de treino predominante de 10 a 40%. A carga de treino predominante costuma ser mais usada no microciclo que está sendo treinado e pode ser prescrito outros valores de carga em percentual para o atleta se recuperar (mais aplicado nos microciclos de desenvolvimento) ou receber algum estímulo (mais prescrito nos microciclos recuperativos) (Dantas, 1995). A classificação do percentual da carga de treino costuma ser a seguinte: 10 a 40% é baixa, 50 a 70% é média e 75 a 100% é alta. (Marques Junior, 2021)
O mesociclo básico de desenvolvimento é composto pelo microciclo choque (Ch), pelo microciclo ordinário (O) e pelo microciclo propriamente recuperativo (PR) (Matveev, 1991). A ondulação da carga de treino em percentual (%) é apresentada na Figura 1.
De uma maneira geral, Matveev (1997) informou que a ondulação da carga inicia o treinamento com maior volume e menor intensidade, vindo alterar essa dinâmica da carga conforme vai se aproximando o período competitivo. Porém, de acordo com a modalidade, essa ondulação da carga difere em relação ao volume e a intensidade (Matveev, 1995). Geralmente provas do atletismo de velocidade e força ocorre ondulação do volume e da intensidade, mas é mais comum uma maior intensidade. Enquanto que provas cíclicas de resistência de fundo do atletismo, costuma ocorrer ondulação do volume e da intensidade, mas o volume costuma ser mais elevado (Matveev, 1995). Entretanto, essa ondulação da carga onde o volume ou a intensidade costuma ser mais elevado pode estar relacionado com as necessidades do treinador (Marques Junior, 2023b). Esse ocorrido pode ser observado no exemplo a seguir de um lançador do disco soviético.
Matveev (1995) apresentou a ondulação da carga de treino de um atleta soviético do lançamento do disco e sua relação com os resultados em metros do lançamento do disco que foram expressos em percentual. Repare na Figura 2 que o volume sempre esteve maior do que a intensidade na primeira etapa ou no período preparatório de preparação geral (Matveev, 1995). No microciclo 1 ao 4 da primeira etapa ocorreu o efeito acumulado da carga de treino no lançador do disco e isso permitiu no microciclo 5 e 6 um maior desempenho do lançamento do disco, momento que foi realizada uma redução da carga de treino (do volume e da intensidade) para proporcionar um descanso ativo e manutenção do estímulo anterior de treino (do microciclo 1 ao 4). Essa estruturação, o microciclo 1 ao 4 ocasionou o efeito acumulado da carga de treino no atleta que desencadeou adaptação crônica desse treinamento no esportista (Matveev, 1977), em seguida, ocorreu uma redução da carga de treino no microciclo 5 e 6 e isso resultou no efeito do treino atrasado que é o pico da forma esportiva. (Matveev, 1991)
Até os anos 40, Matveev não sabia os mecanismos fisiológicos do efeito do treino atrasado, mas a partir dos anos 50, Lev Matveev tomou conhecimento da supercompensação por causa dos experimentos do bioquímico russo Yakovlev (estudou a supercompensação de 1949 a 1959) (Marques Junior, 2023a; Viru, 2002). A supercompensação ocorre após alguns estímulos das sessões dos microciclos através do efeito acumulado da carga de treino, em seguida o atleta deve descansar (ativo e/ou passivo) para acontecer aumento dos substratos energéticos e resultar melhora da performance esportiva (Mukhopadhyay, 2021). Então, a partir do conhecimento de Matveev sobre essa descoberta científica, ele substituiu o termo efeito do treino atrasado, também podendo ser encontrado em algumas traduções do russo para o português de transformação atrasada, para a nomenclatura supercompensação. (Barbanti, 2010; Matveev, 1997)
Continuando a explicar a ondulação da carga do lançador de disco, na segunda etapa ou no período preparatório de preparação especial, o volume e a intensidade permaneceram iguais ao período anterior, ou seja, o volume maior do que a intensidade (Matveev, 1995). A mesma estrutura foi realizada da anterior, no microciclo 1 ao 4 ocorreu o efeito acumulado da carga de treino para ser efetuado uma redução da carga de treino no microciclo 5 e 6, momento que aconteceu o pico da forma esportiva. Esse lançador do disco atingiu 4 vezes o pico da forma esportiva, dois picos no período preparatório de preparação geral (1ª etapa) e dois picos no período preparatório de preparação especial (2ª etapa). Esse ocorrido esteve conforme é esperado na literatura, provas de velocidade com alto componente técnico, como o lançamento do disco, geralmente os atletas atingem no máximo 4 picos da forma esportiva (Marques Junior, 2022b).
Síndrome de adaptação geral e carga ondulada
A SAG pode ser definida como as respostas fisiológicas do atleta por causa do estresse da carga de treino ou da competição que provocam adaptações a esse estímulo, mas se essa carga continuar a ser executada pelo esportista por algum tempo pode desencadear na fadiga ou no sobretreinamento (Tubino, e Moreira, 2003). A SAG explica como acontece a lei da adaptação biológica, onde o agente estressor da carga ondulada de treino ocasiona adaptações fisiológicas no atleta proveniente do treinamento realizado no microciclo. (Forteza, 2001; Loenneke, 2021)
Os diversos estudos de Selye sobre o estresse estiveram concentrados na resposta fisiológica do córtex adrenal, onde ele identificou no ser vivo frente ao estímulo estresse ante uma cinética trifásica que foi composta pela reação de alarme, a fase de resistência e a fase de exaustão, sendo denominado esses três momentos diante do estresse de SAG (Slusher, e Acevedo, 2023). O córtex adrenal fica em cima de cada rim, o seu funcionamento em resposta ao estresse precisa das reações neurofisiológicas do hipotálamo e da hipófise anterior para o córtex adrenal liberar o hormônio cortisol na corrente sanguínea e permitir que o ser vivo mobilize energia para suportar a tarefa estressante (Kazakou et al., 2023). Quanto maior o estresse da carga de treino, maior é a liberação do cortisol. (Fry et al., 2000)
No lobo temporal do cérebro fica localizado o hipotálamo que atua nos humanos controlando a homeostase que permite a manutenção fisiológica do organismo frente aos agentes externos (frio, calor, etc.) (Bear et al., 2002). Quando acontece um estresse físico e/ou emocional sobre o ser humano ocorre a ativação da amígdala (a amígdala faz parte do sistema límbico que atua na elaboração das emoções e na tradução destas em sinais bioquímicos), essa resposta neural da amígdala estimula hormonalmente o hipotálamo que libera o fator liberador de corticotropina (CRH) que viaja em curta distância até a hipófise anterior que fica localizada no lobo temporal do cérebro, em aproximadamente 15 segundos a hipófise anterior secreta o hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) na corrente sanguínea que se direciona para o córtex adrenal, vindo ser liberado o cortisol na corrente sanguínea para o indivíduo suportar o estímulo estressante (Bear et al., 2002; Rocha et al., 2018). Esses são alguns mecanismos fisiológicos presentes durante a SAG, ou seja, na reação de alarme ocorre grande liberação de cortisol, na fase de resistência acontece adaptação ao estresse e os níveis de liberação do cortisol diminuem e na fase de exaustão o indivíduo entra em fadiga com valores muito elevados desse hormônio esteroide. (Powers, e Howley, 2000)
Esse conteúdo da SAG Matveev teve acesso nos anos 50 e veio utilizar para entender o efeito agudo (imediato) e crônico (a longo prazo) da carga ondulada de treino no atleta (Marques Junior, 2023a; Stone et al., 2021). Porém, um dos primeiros a utilizar a SAG para entender o efeito da carga de treino no organismo do atleta foi o russo Prokop, ele informou em 1959 que se o esportista for submetido por um certo tempo uma determinada carga de treino esse estímulo tende ocasionar adaptações crônicas no atleta e a SAG vai responder diferente da fase inicial do treinamento. (Viru, e Viru, 2003)
Então, baseado na adaptação do atleta ao estímulo da carga de treino é possível explicar como a SAG se comporta nesse esportista (Villar, 1987). Por exemplo, a SAG em um microciclo choque responde diferente no atleta conforme ele vai se adaptando a carga de treino. A reação de alarme na 1ª semana do microciclo choque a curva de cor vermelha é mais baixa do que nas outras semanas por causa do maior estresse psicofisiológico da carga ondulada de treino no atleta, mas conforme esse esportista vai se adaptando a esse estímulo da carga ondulada de treino, a curva da reação de alarme do desenho esquemático que representa a resposta do organismo do atleta ao estresse do treinamento tende apresentar uma curva menos baixa, sendo exposto na Figura 3. Conforme vai acontecendo o treinamento no microciclo choque ao longo da semana, a fase de resistência se manifesta, quanto mais elevada a curva do desenho esquemático maior é o estresse da carga ondulada de treino no atleta, mas conforme esse esportista vai se adaptando ao esforço do treino a curva tende ser menor porque o treinando sofre menos estresse da carga de treino. Por último acontece a fase de exaustão com a leitura da curva da SAG igual ao da reação de alarme, quanto mais para baixo a curva estiver maior é a fadiga do atleta no microciclo choque.
Portanto, carga ondulada de treino da periodização de Matveev está fundamentada na resposta da SAG, estando relacionada com a resposta psicofisiológica do atleta ao sofrer o estresse do estímulo do treinamento (da carga), podendo ser uma resposta aguda ou crônica do esportista, sendo útil para o treinador conseguir estruturar adequadamente a ondulação das cargas de treino. (Costa, 2022)
A reação de alarme é composta por dois momentos, a primeira é a reação de alarme de choque que se manifesta no início da temporada no período preparatório de preparação geral quando o atleta não está adaptado a carga ondulada de treino, ocorrendo alta liberação de cortisol por causa do elevado estresse do treino (Villar, 1987). Caso o esportista prossiga o treinamento, ele vai ficar um pouco adaptado a carga ondulada de treino e isso é respondido pelo organismo com uma menor liberação de cortisol, nesse momento acontece a reação de alarme de contrachoque que pode ser observada no período preparatório de preparação especial (Cunanan et al., 2018; Villar, 1987). A SAG explicada pela reação de alarme apresenta como a carga ondulada de treino se manifesta no atleta através das adaptações neurofisiológicas agudas e crônicas causadas pelos microciclos.
Caso o esportista continue efetuar as sessões do macrociclo, ele vai ficar mais treinado e nesse momento geralmente acontece a fase de resistência que desencadeia adaptações neurofisiológicas crônicas no atleta porque o treinando praticou alguns microciclos e mesociclos (Costa, 2022). A fase de resistência é o momento que o atleta pode atingir o pico da forma esportiva através da adaptação fisiológica da supercompensação (Buckner et al., 2020). Portanto, várias SAGs ocorrem durante um treinamento a longo prazo que resultam no incremento da performance do esportista que foi ocasionado pela supercompensação (o pico) que costuma acontecer na fase de resistência e geralmente o atleta se encontra no período competitivo (Costa, 2022; Villar, 1987). Mas para o atleta atingir o pico da forma esportiva na fase de resistência é necessário uma carga ondulada de treino mais intensa e variada (Forteza, 2001). Segundo Vasconcelos Raposo (2000), a fase de resistência pode ocorrer por volta de 3 a 6 semanas (equivale a 21 a 42 dias, 42 dias corresponde a 1 mês e 12 dias) porque algumas capacidades motoras de treino costumam evoluir nesse período. As capacidades motoras que podem evoluir durante 3 a 6 semanas são as seguintes: 15 dias a resistência aeróbia melhora, 1 mês a resistência anaeróbia aláctica e láctica são otimizadas e 9 dias a 1 mês o treino técnico e tático costuma evoluir (Marques Junior, 2020). Esse período não igual de melhora das capacidades motoras de treino é denominado por Matveev (1991) de heterocronismo da adaptação que significa não simultaneidade, ocorrem adaptações fisiológicas em um tempo não igual de cada capacidade motora treinada.
O terceiro momento da SAG é a fase de exaustão, onde o atleta foi exposto por muito tempo por uma carga ondulada de treino e esse estímulo pode ocasionar significativa fadiga ou acontecer o sobretreinamento, esse acontecimento fisiológico do esportista costuma ocorrer no período de transição da periodização tradicional de Matveev (Villar, 1987). A cinética trifásica da SAG pode ser representada conforme o período da periodização tradicional de Matveev, sendo exposto na Figura 4.
Apesar da SAG fundamentar muito bem a carga ondulada de treino da periodização tradicional de Matveev, esse conteúdo vem sofrendo muitas críticas da literatura científica (Cunanan et al., 2018; Kiely, 2018). Porém, algumas referências do treinamento esportivo informaram que Matveev nunca usou a SAG para fundamentar cientificamente a carga ondulada de treino; a ideia de usar a SAG na carga de treino foi do russo Prokop em 1959 e essas informações se difundiram de maneira inadequada determinando que Matveev usou a SAG para entender como a carga ondulada de treino atua no organismo do atleta. (Matveev, 1977; Verkhoshanski, 2012)
Em 1964, Lev Pavilovch Matveev informou que a SAG não pode ser usada como conteúdo teórico da periodização porque Selye estudou o estresse baseado na patologia (Verkhoshanski, 2012). Matveev realizou outro questionamento sobre a SAG, segundo esse cientista não foi bem justificada por Prokop usar a SAG para explicar a ondulação das cargas de treino porque observar o desenvolvimento do estado de treinamento pela SAG sem estar presente o volume e a intensidade torna-se inadequado aplicar esse conteúdo para fundamentar cientificamente a carga da periodização (Matveev, 1977). Outro dado curioso, em três livros traduzidos do russo para a língua portuguesa, Matveev (1991, 1995, 1997) não escreveu sobre a SAG para explicar a ondulação das cargas de treino da sua periodização. Logo, Lev Matveev nunca utilizou a SAG para embasar cientificamente a carga ondulada de treino.
Discussão
A SAG é uma teoria apresentada na literatura do treinamento esportivo que explica o estresse da carga ondulada de treino no atleta (Costa, 2022; Forteza, 2001). A SAG é uma teoria porque ela não foi estudada em humanos, somente em animais foram identificados esses mecanismos fisiológicos através dos experimentos de Selye (1936, 1937).
Apesar dessas limitações, a SAG permite o entendimento como a carga ondulada de treino se comporta no organismo do atleta, ou seja, conforme o nível de liberação de cortisol do esportista o praticante do treino se encontra em uma das fases da SAG (reação de alarme, fase de resistência e fase de exaustão) (Buckner et al., 2020; Fry et al., 2000). Logo, o acompanhamento da SAG pelos níveis de cortisol do atleta pode identificar como o treinamento vem sendo conduzido, com uma carga ondulada de treino forte ou fraca.
Porém, são poucos treinadores que possuem instrumentação para detectar o nível de cortisol no esportista após o treinamento. Uma alternativa para identificar o efeito da carga ondulada de treino no atleta e estabelecer indiretamente o comportamento da SAG é com a escala de percepção subjetiva do esforço (PSE) (Muñoz et al., 2015). Por exemplo, em uma semana das sessões do microciclo os atletas informaram que fizeram uma carga ondulada de treino com esforço alto com o uso da escala de PSE com pontuação desse equipamento entre 8 a 10 (Marques Junior, 2020). Então, esse grupo de atletas se encontra na reação de alarme da SAG. Continuando a se exercitar no mesmo microciclo, na segunda semana esses atletas informaram pela escala de PSE que praticaram uma carga ondulada de treino de esforço médio com pontuação da escala entre 4 a 7, podendo ser observado uma adaptação do treinamento, ocorrendo a fase de resistência da SAG.
Apesar da SAG ser interessante para identificar o efeito da carga ondulada de treino no atleta (Mukhopadhyay, 2022; Stone et al., 2021), Matveev nunca usou a SAG nos anos 50 para fundamentar cientificamente a carga de treino da sua periodização (Matveev, 1977; Verkhoshanski, 2012); o pesquisador russo Prokop recomendou o uso da SAG na carga ondulada de treino em 1959 (Viru, e Viru, 2003). Ocorrendo um equívoco na literatura do treinamento esportivo em informar que Matveev usou a SAG para explicar o estresse da sua carga ondulada de treino no atleta.
Conclusão
Os mecanismos fisiológicos da SAG foram estudados principalmente em ratos, e não em humanos, tornando interessante dos cientistas do esporte de estudar a SAG no atleta durante a carga ondulada de Matveev. Logo, é necessário pesquisar como a SAG se comporta em cada microciclo de treino de desenvolvimento (composto pelo microciclo choque com carga predominante de 80 a 100% e pelo microciclo ordinário com carga mais usada de 60 a 80%), de cargas estabilizadoras (tendo o microciclo estabilizador com ênfase na carga de 40 a 60%) e recuperativas (composto pelo microciclo recuperativo de manutenção com carga predominante de 30 a 40% e pelo microciclo propriamente recuperativo com carga mais usada de 10 a 20%). Essa intenção de investigação merece ser efetuada no microciclo pré-competitivo (com carga próxima de 100%), no microciclo competitivo e no microciclo controle. Portanto, cada microciclo de Matveev possui um valor de carga que podem causar efeitos diferentes na cinética trifásica da SAG (1º reação de alarme, 2º fase de resistência e 3º fase de exaustão) conforme o momento de treinamento de cada mesociclo (tendo o mesociclo incorporação, o mesociclo básico de desenvolvimento, o mesociclo básico estabilizador, o mesociclo recuperativo, o mesociclo pré-competitivo e o mesociclo competitivo) e de cada período (composto pelo período preparatório, competitivo e de transição).
O estudo da SAG nos microciclos conforme a época de treino do mesociclo e do período pode ser verificado pela liberação do cortisol, pela escala de PSE, pela escala de dor muscular que é um dos sítios da fadiga e por outras respostas psicofisiológicas. Essas futuras pesquisas sobre a SAG talvez possam detectar como a SAG se comporta quando o atleta atinge o pico da forma esportiva, sendo somente evidenciado em uma alta performance na competição e nos testes de controle durante o treinamento. Porém, as investigações sobre a SAG merecem ter o complemento da neurociência, como os tipos de córtex cerebral (córtex motor, córtex somatossensorial primário, córtex parietal posterior, córtex auditivo, córtex occipital e córtex pré-frontal) se comportam de acordo com os valores da carga ondulada do microciclo (10 a 40% é uma carga baixa, 50 a 70% é uma carga média e 75 a 100% é uma carga alta).
Afinal, “o treino esportivo é um processo de direção do desenvolvimento da forma esportiva” (Matveev, 1997, p. 14). Entendendo as respostas psicofisiológicas através da SAG e dos mecanismos neurais do córtex cerebral o treinador talvez possa estruturar as cargas dos microciclos mais adequadamente e isso provavelmente ocasionará melhor rendimento competitivo acompanhado de uma maior longevidade esportiva. Em conclusão, o estudo da SAG em pesquisa de campo acompanhado da neurociência, dos tipos de córtex cerebral, tem muito a contribuir com a carga ondulada de Matveev para o entendimento do efeito desse estímulo no atleta.
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