ISSN 1514-3465
O vídeo educativo na promoção de
competências pedagógicas em Educação Física
The Educational Video in the Promotion of Pedagogical Skills in Physical Education
El video educativo en la promoción de habilidades pedagógicas en Educación Física
Rui Neves
rneves@ua.pt
Professor Auxiliar
Departamento de Educação e Psicologia. Universidade de Aveiro
Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de Formadores
Campus de Santiago
(Portugal)
Recepção: 30/03/2023 - Aceitação: 05/05/2023
1ª Revisão: 01/05/2023 - 2ª Revisão: 05/05/2023
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Neves, R. (2023). O vídeo educativo na promoção de competências pedagógicas em Educação Física. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(300), 18-32. https://doi.org/10.46642/efd.v28i300.3935
Resumo
A Formação Inicial de Professores deve preocupar-se em diversificar as abordagens de desenvolvimento de competências de intervenção pedagógica, considerando as particularidades de cada área do currículo. A área de Educação Física (EF) estruturando-se em função do domínio de ações, movimentos e suas coordenações pode beneficiar da utilização do vídeo como um suporte aos processos de ensino/aprendizagem dos alunos na escola do 1º Ciclo do Ensino Básico. Através de um questionário online 11 estudantes em formação na Universidade de Aveiro foram questionados, com o objetivo de conhecer as suas perceções sobre a produção de um vídeo educativo desenvolvido no módulo de EF de uma unidade curricular da área da Didática. Os estudantes identificaram objetivos de natureza muito específica para os seus vídeos, enquanto as suas dificuldades e dilemas estiveram centradas na escolha dos conteúdos a abordar e das estratégias didáticas a utilizar. Como conteúdos específicos do módulo mais mobilizados foram identificadas as competências das aprendizagens essenciais de EF e as tarefas didáticas. O vídeo educativo destacou-se como um instrumento de formação específica na área de EF, ao condicionar não só o domínio como a reflexão individual e em grupo sobre a intervenção pedagógica na área.
Unitermos
: Educação Física. Vídeo. Competências.
Abstract
Initial Teacher Training should be concerned with diversifying the approaches to developing pedagogical intervention skills, considering the particularities of each area of the curriculum. The area of Physical Education (PE) being structured according to the domain of actions, movements and coordination, can benefit from the use of video as a support to the teaching/learning processes of students in the elementary school. Through an online questionnaire, 11 students in training at the University of Aveiro were asked, with the aim of knowing their perceptions about the production of an educational video developed in the PE module of a curricular unit in the area of Didactics. The students identified very specific objectives for their videos, while their difficulties and dilemmas were centered on choosing the contents to be addressed and the didactic strategies to be used. As specific contents of the most mobilized module, the essential PE learning skills and didactic tasks were identified. The educational video stood out as a specific training instrument in the field of PE, by conditioning not only mastery but also individual and group reflection on the pedagogical intervention in the field.
Keywords
: Physical Education. Video. Competences.
Resumen
La Formación Inicial Docente debe preocuparse por diversificar los enfoques para desarrollar habilidades de intervención pedagógica, considerando las particularidades de cada área del currículo. El área de Educación Física (EF) al estar estructurada según el dominio de acciones, movimientos y su coordinación, puede beneficiarse del uso del video como apoyo a los procesos de enseñanza/aprendizaje de los estudiantes del 1º Ciclo de Educación Básica. A través de un cuestionario en línea, se interrogó a 11 estudiantes en formación de la Universidad de Aveiro, con el objetivo de conocer sus percepciones sobre la producción de un video educativo desarrollado en el módulo de EF de una unidad curricular del área de Didáctica. Los estudiantes identificaron objetivos muy específicos para sus videos, mientras que sus dificultades y dilemas se centraron en elegir los contenidos a abordar y las estrategias didácticas a utilizar. Como contenidos específicos más movilizadores del módulo, se identificaron las habilidades esenciales para el aprendizaje de la EF y las tareas didácticas. El vídeo educativo se destacó como instrumento de formación específico en el campo de la EF, al condicionar no sólo el dominio sino también la reflexión individual y grupal sobre la intervención pedagógica en el campo.
Palabras clave
: Educación Física. Video. Habilidades.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 300, May. (2023)
Introdução
A natureza da Formação Inicial de Professores (FIP) carece de uma constante busca de desenvolvimento de estratégias e abordagens de formação que não se compadecem com modelos repetitivos ou práticas inalteradas. Em articulação com o definido por Shulman (1987) relativamente à natureza multidimensional do conhecimento profissional dos professores, caracterizado a partir do conhecimento prático e que se desenvolve em sete dimensões: conhecimento do conteúdo, conhecimento do curriculum, conhecimento pedagógico geral, conhecimento pedagógico do conteúdo, conhecimento dos contextos, conhecimento do aprendente e suas características e conhecimento dos objetivos, fins e valores. Para Poleto et al. (2020, p. 550) os estudantes em formação “ao criarem um jogo, planejarem uma aula, elaborarem um vídeo, ministrarem uma aula ou resolverem uma situação-problema, têm de ser capazes de articular diferentes saberes e habilidades, organizando seus aprendizados de maneira prática, semelhante às situações cotidianas de atuação profissional”, o que releva da necessidade de não desfocar a FIP da futura prática profissional. Por outro lado, a acessibilidade e o uso quotidiano, de tecnologias na vida dos futuros professores, desafiam-nos a integrá-las nas práticas e a tentar rentabilizar as suas melhores caraterísticas no âmbito da formação didática. Vários estudos de metanálise mostraram que a tecnologia pode melhorar os processos de aprendizagem (Schmid et al., 2014), pelo que os professores devem saber tirar partido disso.
A Educação Física e o Vídeo Educativo
Sendo a Educação Física (EF) uma área em que a execução de movimentos tem um papel fundamental, o vídeo pode constituir-se como um fator de promoção de aprendizagens e de consolidação de competências pedagógicas. O’Loughlin et al. (2013) enfatizam que as tecnologias podem apoiar o ensino, a aprendizagem e a avaliação em EF, em que o vídeo digital pode aumentar a motivação, o feedback e o desempenho na aprendizagem de habilidades na EF nos primeiros anos. O conhecimento específico na área de EF que, potencialmente, permitirá aos professores do 1º Ciclo do Ensino Básico (1º CEB), desenvolver competências de intervenção pedagógica, não se limitam à natureza das experiências formativas realizadas no âmbito da sua formação inicial (Neves, 2007). As metodologias ativas, definidas por Moran (2019) como um conjunto de estratégias de ensino focadas na participação efetiva dos estudantes nos processos de ensino e aprendizagem, postulam que a aprendizagem seja ativa, de uma forma versátil e interligada, fazendo sentido na realidade do estudante. Durante o desenvolvimento de competências de intervenção pedagógica nesta área, em termos didáticos importa refletir acerca de como a utilização do vídeo amplia as possibilidades de desconstruir abordagens das aprendizagens específicas na área de EF, tanto no apoio às decisões do professor e seus dilemas, como no suporte da qualidade das aprendizagens dos alunos da escola do 1º CEB.
A Formação de Professores e o Vídeo Educativo
Gaudin, e Chaliès (2015) definiram dois objetivos principais para a utilização do vídeo na formação de professores: i) aprender como refletir acerca das situações de ensino/aprendizagem e ii) aprender o que fazer nas situações com a turma. A produção de um vídeo educativo, enquanto meio admissível e útil na formação de potenciais futuros professores do 1º CEB, incorpora, portanto,características positivas. Por um lado, a granularidade do conteúdo de uma certa área (no caso EF), que deve ser segmentado, facilitando a assimilação de conhecimentos e permitindo flexibilidade de execução e, por outro, a interatividade, uma vez que promove a interação cooperativa entre os estudantes na produção do vídeo. Como salienta Snelson (2018, p. 294) “Quando os alunos criam vídeos, envolvem-se na autoria digital tornando-se criadores ativos, em vez de consumidores passivos de média digital”, dentro do que se postula como uma educação de qualidade. Importa salientar que a flexibilidade interpretativa e a incerteza inerente a um processo de produção de um vídeo implicam muitas questões, desafios e possibilidades (Okopnyi et al., 2020) que, partindo das experiências pessoais e das competências dos estudantes, poderão ser fatores de promoção de capacidade de adaptação à diversidade que carateriza hoje o trabalho docente. Deve ser destacado que os aspetos metodológicos utilizados nos processos educativos e formativos são mecanismos importantes para uma formação crítico-reflexiva. É a partir dessa compreensão que percebem-se as metodologias ativas como um processo didático que poderá contribuir para um futuro professor reflexivo e ecológico. Para Brouwer (2011) a aplicação do uso do vídeo pode servir para: i) desenvolver uma ideia concreta da profissão de professor, visualizando vídeos sobre o trabalho de professores experientes, ii) avaliar competências de ensino e iii) a formação. Por outro lado, a centralidade que a FIP assume como um dos principais momentos do percurso profissional do professor do 1º CEB, onde a busca da coerência conceptual lhe permita clarificar não apenas o domínio das habilidades técnicas de ensino da área de EF, mas a visão globalizante em que cada área curricular cumpre finalidades educativas próprias, mas também a forte interligação entre si (DEP, 2004). Como Nóvoa (2017), a FIP deve inserir-se no contexto organizacional da profissão, favorecendo um processo de construção da identidade profissional. Para a sua operacionalização valoriza-se a necessidade de a FIP estar focada na aprendizagem e assumir instrumentos e critérios avaliativos que envolvam os estudantes (Poleto et al., 2020). Estudos desenvolvidos na FIP têm evidenciado que formadores e estudantes entendem que o vídeo educativo pode ser considerado um recurso capaz de favorecer a aprendizagem, desde que planeado e ligado ao processo ensino/aprendizagem, permitindo aos estudantes desenvolver o pensamento crítico e a capacidade de ouvir e dialogar com opiniões diferentes sobre um mesmo assunto (Castro et al., 2019). Brame et al. (2016) sugerem que os vídeos educativos mais eficazes, devem conter alguns componentes de carga cognitiva: i) reforçar a vinculação e que promovam aprendizagem; ii) manter os vídeos breves e focados no objetivo de aprendizagem; iii) usar elementos visuais e de áudio para reforçar a comunicação complementar; iv) usar sinalização para destacar ideias e/ou conceitos relevantes; v) usar um estilo de conversação e entusiasmo; vi) usar os vídeos num contexto de aprendizagem com ligação a questões orientadoras e de tarefas autônomas. Numa lógica de aprofundamento da ideia de que qualquer aprendizagem é vista como uma produção social de significado na relação entre as experiências situadas do indivíduo e os seus contextos institucionais (Quennerstedt et al., 2014). Neste sentido, é pertinente conhecer as perceções de estudantes em FIP sobre a produção de um vídeo educativo desenvolvido no módulo de EF numa unidade curricular da área da Didática, com objetivos de utilização na sua futura prática pedagógica.
Metodologia
O presente estudo, de natureza exploratória e qualitativa, caraterizou-se pela análise das perceções dos estudantes sobre o processo de produção de um vídeo educativo desenvolvido a partir da utilização dos seus smartphones, numa unidade curricular. Constituíram-se como seus objetivos:
Conhecer os processos de produção de um vídeo educativo;
Identificar as ferramentas de software utilizadas;
Analisar os objetivos que os estudantes atribuíam aos seus vídeos educativos;
Caraterizar os problemas e dificuldades identificadas na produção do vídeo educativo;
Conhecer a perceção acerca do potencial formativo da produção do vídeo educativo.
Neste estudo participaram 11 estudantes do 1º ano do Mestrado em Ensino de Educação Pré-Escolar e 1º CEB a frequentar o módulo de EF da unidade curricular de Didática das Expressões Artísticas e Motoras no 2º semestre do ano letivo 2021/2022 na Universidade de Aveiro. Tinham idades compreendidas entre 22 e 31 anos, com uma média de 23 anos. Previamente à participação no estudo, todos os participantes assinaram a declaração de consentimento livre e informado.
No âmbito da resposta ao questionário individual, referia-se no guião da unidade curricular (VV.AA., 2022, p. 9) que:
"a) Produção de um vídeo educativo (máximo 5 minutos) sobre a apresentação, demonstração e acompanhamento da aprendizagem de 1 (uma) competência do programa de EF do 1º CEB, com suporte de fundamentação das decisões pedagógicas (guião de produção). De preferência com crianças deste escalão etário (coeficiente 5)
Tarefa de grupo - Vídeo curto com objetivo de suporte à aprendizagem de uma competência do programa de EF do 1º CEB".
Para a recolha de dados foi utilizado um questionário disponibilizado aos estudantes no Google Forms, adaptado de um já utilizado em estudo similar (Ferreira, Neves, e Moreira, no prelo) previamente validado junto de experts da área de FIP, o que permitiu alguns ajustamentos e adaptações. Na sua estrutura o questionário aplicado e, para além da caraterização dos participantes (género e idade), colocava questões sobre:
Programa de software utilizado;
Título do vídeo educativo;
Duração do vídeo educativo;
Identificação dos objetivos do vídeo educativo;
Identificação das duas maiores dúvidas/dilemas/dificuldades que surgiram durante a produção do vídeo;
Indicação de que forma a produção do vídeo educativo de EF foi formativa;
Identificação os três conteúdos específicos do módulo de EF que mais influenciaram a produção do teu vídeo educativo
Qualificação global do vídeo educativo (excelente, muito bom, suficiente, insuficiente, mau);
Outros aspetos considerados pertinentes acerca da produção do vídeo educativo.
Os dados foram sujeitos a análise de conteúdo interpretativa. (Bardin, 2009; Amado, 2009)
Resultados, apresentação e discussão
A apresentação e discussão dos resultados estrutura-se a partir dos subtópicos de conteúdo articulando-se entre si.
Programa de software utilizado
O programa de software de livre escolha pelos estudantes foi muito diverso, apesar de haver programas mais utilizados. Assim, o programa mais utilizado foi o Imovie (4 - 36,4%), seguido pelo Movavi (3 - 27,3%), do Inshot (2 - 18,2%) e Canva e Powerpoint (1 - 9.1%). Os estudantes parecem dispersar-se por programas diferenciados talvez devido ao desafio relativamente recente de produção de vídeos educativos e à busca de software que se ajuste à perceção daquilo que poderão desenvolver como produto pedagógico.
Perceção sobre os objetivos do vídeo educativo
Do conjunto dos dados se identifica que alguns dos estudantes integraram o mesmo grupo de trabalho, logo produziram o mesmo vídeo educativo. No entanto, as suas perceções acerca dos objetivos, sintetizadas no Quadro 1, foram explicitadas de forma diferente. Assim, vivências e trabalho semelhantes induziram a perceções diferentes acerca dos objetivos, em cada um dos estudantes. De uma forma geral o objetivo de cada vídeo educativo surge bastante associado à natureza de uma competência específica do Programa de Educação Física (PEF) do 1º CEB, - “Lançar e Receber o arco na vertical, com uma das mãos, evitando que toque no solo e posteriormente lançar o arco para a frente, no solo, fazendo-o voltar para trás, seguido de salto para que o arco passe entre as suas pernas” (Q1), “Demonstração e acompanhamento da aprendizagem de uma competência do programa de EF do 1º CEB”(Q4) - bem como sempre associada à melhoria, promoção numa perspetiva positiva de ganhos, de progressão e aprendizagem em situações mais específicas - Aumentar a velocidade de reação e acompanhar a progressão de aprendizagem da competência em estudo (Q6), “Explicar como se realizam as cambalhotas (à frente e atrás) e demonstrar os principais pontos de apoio, por parte do professor, para a realização da mesma.” (Q9).
Quadro 1. Perceção dos objetivos do vídeo educativo, sua duração e título
Título |
Duração |
Objetivos |
Vídeo educativo - educação física |
3:12 |
Lançar
e Receber o arco na vertical, com uma das mãos, evitando que toque no
solo e posteriormente lançar o arco para a frente, no solo, fazendo-o
voltar para trás, seguido de salto para que o arco passe entre as suas
pernas. |
Ultrapassa
os obstáculos |
2:31 |
Planear
uma atividade da área de EF que pudesse ser utilizada tanto para
professores como para alunos. Colocar
em prática as atividades desenvolvidas. |
Ultrapassa
obstáculos |
2:31 |
Ser
um suporte ao processo de ensino-aprendizagem em EF nos primeiros anos;
e explorar uma competência do programa do 1º ciclo. |
Ultrapassa
obstáculos |
2:31 |
Demonstração
e acompanhamento da aprendizagem de uma competência do programa |
Aumentar
a velocidade de reação |
3:38 |
aumentar
a velocidade de reação e acompanhar a progressão de aprendizagem da
mesma. |
Aumentar
a competência velocidade de reação |
3:38 |
Aumentar
a competência velocidade de reação e criar uma progressão de
aprendizagem da competência em estudo. |
Aumentar
a velocidade de reação |
3:38
|
Aumentar
a velocidade de reação e acompanhar a progressão de aprendizagem da
competência em estudo. |
Vídeo
Educativo - Suporte ao processo de ensino-aprendizagem em EF nos
primeiros anos |
3:59 |
Promover
lançamentos individuais e em pares. |
Não
tinha |
2:11 |
Explicar
como se realizam as cambalhotas (à frente e atrás) e demonstrar os
principais pontos de apoio, por parte do professor, para a realização
da mesma. |
Habilidades
com bola |
3:38 |
Dar
a conhecer diferentes situações de habilidades com bola e ser um apoio
para a planificação de uma aula para o professor. |
Habilidades
com bola |
3:31 |
Servir
de apoio para uma aula planificada e demonstrar possíveis exercícios
de habilidade com a bola. |
Fonte: Autor do estudo
Como referem Brame et al. (2016) os vídeos educativos produzidos estão muito focados em competências de aprendizagem que os próprios estudantes identificam nos objetivos percecionados para tal produto pedagógico.
Perceção das dúvidas, dilemas e dificuldades
A forma como cada estudante se posicionou reflexivamente sobre a resolução de um desafio pedagógico, evidenciou as suas certezas e incertezas. Deste modo as dúvidas, dilemas e dificuldades podem contribuir para uma reflexão mais focada e específica dos conteúdos específicos que estarão na base do desenvolvimento das competências de intervenção pedagógica em EF. Estas dúvidas, dilemas e dificuldades identificadas pelos estudantes durante a produção do vídeo educativo em EF, sintetizadas no Quadro 2, centraram-se muito nas escolhas do seu conteúdo - “Escolher uma das competências a trabalhar” (Q2), “O único dilema que surgiu recaiu sobre qual a competência a escolher” (Q3), “O maior dilema foi a escolha da competência que queríamos exemplificar” (Q9) - mas também com um foco nas preocupações com a sua adequabilidade e caráter apelativo relativamente ao público-alvo - “Criar atividades interessantes e apelativas ao público-alvo, mas que desenvolvam o que pretendemos.” (Q6), “Adaptação ao público-alvo” (Q7). Mas de uma forma generalizada e de diferentes formas estas dúvidas, dilemas e dificuldades tiveram uma forte componente tanto na forma como, na dimensão mais didática, quando identificam “A forma como devia ser feito e estruturado.” (Q1), “Criar atividades interessantes e apelativas ao público-alvo, mas que desenvolvam o que pretendemos.” (Q6), “criar uma sequência de atividades da mais simples à mais complexa” (Q7), “de que forma apresentaríamos” (Q10). Em linha com o identificado por Gaudin, e Chaliès (2015) o desafio de produção de um vídeo arrastou a aprendizagem de refletir sobre as práticas e dilemas de intervenção pedagógica.
Quadro 2. Perceção de dúvidas/dilemas e dificuldades
Questionário |
Descritores |
Q1 |
A
forma como devia ser feito e estruturado. |
Q2 |
Escolher
uma das competências a trabalhar e pensar nas melhores atividades para
o bloco programático escolhido. |
Q3 |
O
único dilema que surgiu recaiu sobre qual a competência a escolher
porque, como iríamos utilizar os recursos existentes no pavilhão,
necessitaríamos de trabalhar uma competência que fosse abrangente. |
Q4 |
A
existência de poucos recursos materiais. |
Q5 |
adaptação
ao público-alvo e sequenciar as atividades. |
Q6 |
Criar
uma progressão de aprendizagem de uma mesma competência, sendo o mais
difícil, na minha opinião, partir do mais fácil. Criar atividades
interessantes e apelativas ao público-alvo, mas que desenvolvam o que
pretendemos. |
Q7 |
Adaptação
ao público-alvo e criar uma sequência de atividades da mais simples à
mais complexa. |
Q8 |
Como
desenvolver a sequência do vídeo e compreender como promover a competência
escolhida. |
Q9 |
O
maior dilema foi a escolha da competência que queríamos exemplificar e
acabamos por exemplificar as duas cambalhotas. Tivemos cuidado com os
pontos de auxílio à cambalhota, para conseguir terminar em pé, pois
sabemos que por vezes pode ser difícil. |
Q10 |
Refletir
sobre qual a habilidade que iríamos abordar e de que forma apresentaríamos. |
Q11 |
Até
que ponto deveríamos demonstrar a atividade corretamente ou se deveríamos
demonstrar a atividade como se fossemos crianças. |
Fonte: Autor do estudo
Infere-se que a resolução deste problema exigiu análise e reflexão não só sobre as caraterísticas das competências a abordar, mas em sequência das abordagens didáticas que suportam a utilização do produto pedagógico vídeo educativo.
Papel formativo da produção do vídeo
A forma como cada um dos estudantes percecionou aquilo que foi a realização desta tarefa teve um papel formativo (Quadro 3) em termos didáticos, pois recuperou uma lógica de desconstrução nas decisões e no papel que se pensou poder ter este produto pedagógico. Como referem Poleto et al. (2020, p. 542)
.“a necessidade de a formação de professores assumir práticas avaliativas que auxiliem a aprendizagem; busquem compreender os sentidos atribuídos pelos alunos às suas práticas; considerem a especificidade da disciplina; sirvam de exemplo aos alunos para futura reprodução no ambiente escolar; possibilitem a participação ativa dos discentes na escolha dos instrumentos, dos critérios e no processo de julgamento de valor e tomada de decisão”
Quando um estudante diz “Percebemos que este suporte não é só para alunos, mas para nós também, ajuda-nos a entender melhor os objetivos pretendidos” (Q1) ao nível do seu público-alvo, o reconhecimento de como o papel de produtor deste vídeo, arrastou outras dimensões. As atitudes de alternância de papéis (professor, alunos) exige uma desconstrução dos conteúdos específicos baseada numa constante reflexão e modelação do produto vídeo educativo, enquanto mantêm um olhar sobre a necessidade de “Adaptação das Aprendizagens Essenciais à prática” (Q6). De uma forma geral o desafio de produção do vídeo educativo em EF exigiu “a entender melhor os objetivos pretendidos.” (Q1), bem como colocar “os conhecimentos adquiridos ao longo das aulas em prática” (Q2). De uma forma mais elaborada esse papel formativo “Fez-me ter de pensar numa forma criativa, mas ao mesmo tempo percetível” (Q8), o que traduz uma visão de flexibilidade e de pensamento crítico nas decisões didáticas em causa, que numa lógica de formação (Brouwer, 2011) se enquadra como respostas à diferença e à diversidade. (Okopnyi et al. 2020)
Quadro 3. Perceção do papel formativo da produção
Questionário |
Descritores |
Q1 |
Percebemos que este suporte não é só para
alunos, mas para nós também, ajuda-nos a entender melhor os objetivos
pretendidos. |
Q2 |
Coloquei os conhecimentos
adquiridos ao longo das aulas em prática, o que me permitiu estar no
papel de professora e, posteriormente no de aluna. |
Q3 |
Após a realização do
mesmo, tivemos a oportunidade de refletir sobre possíveis alterações/melhorias
a fazer, por isso, considero ter sido formativa. |
Q4 |
Foi formativa, no sentido
de termos a oportunidade de planear uma atividade, previamente pensada e
estruturada. |
Q5 |
Contribuiu para, através
do desenvolvimento de uma mesma competência, diversificar as tarefas. |
Q6 |
Adaptação das
Aprendizagens Essenciais à prática. |
Q7 |
Permitiu colocar em prática
o que está presente nas Aprendizagens Essenciais. |
Q8 |
Fez-me ter de pensar numa
forma criativa, mas ao mesmo tempo percetível, de criar um vídeo que
fosse apelativo para ser utilizado por adultos, mas também por crianças. |
Q9 |
Foi formativa no sentido
de nos colocar no papel do professor, pois demonstramos ou tentamos
demonstrar, da melhor forma, a realização do exercício para que os
alunos possam perceber visualmente como se realiza. É sem dúvida uma
ferramenta útil no futuro, pois recorrer ao vídeo para exemplificar
alguma coisa é uma mais-valia para o aluno, que pode rever, tentar e
aprender, através de um recurso intemporal. |
Q10 |
Foi formativa no sentido
em que nos fez refletir e pesquisar as habilidades a trabalhar com o público-alvo
em questão. |
Q11 |
Obrigou-nos a rever e
trabalhar as áreas de conteúdo de Expressão Motora do 1º CEB. |
Fonte: Autor do estudo
A reflexão acerca das possibilidades e desafios de desconstruir “conhecimento de conteúdo” (Shulman, 1987) e retirar partido das potencialidades da produção de um vídeo educativo coloca de forma evidente as questões do “conhecimento pedagógico do conteúdo” que importa dominar se pretende-se ter uma intervenção pedagógica realmente promotora de aprendizagens nos alunos em EF. De uma forma muito assertiva este desafio pode permitir que os estudantes perspectivem as questões de conteúdo específico de uma outra forma. Como é referido pela estudante Q11 esta tarefa “Obrigou-nos a rever e trabalhar as áreas de conteúdo de Expressão Motora do 1º CEB” ou mesmo quando um outro estudante refere que“Permitiu colocar em prática o que está presente nas Aprendizagens Essenciais” (Q7).Tal é revelador da natureza das decisões que o desenvolvimento de um vídeo educativo coloca, desde logo ao nível de domínio e plasticidade do conhecimento do conteúdo (DEP, 2004) e das explorações do conhecimento pedagógico do conteúdo (Shulman, 1987). As transições e articulações entre aquilo que está mais identificado como “conhecimento do conteúdo” e “conhecimento pedagógico do conteúdo” parecem ser bem presentes e motivo de análise, reflexão e decisões ponderadas a partir das caraterísticas da produção de um vídeo educativo (conteúdo, narrativa, espaço, tempo, materiais, público-alvo, etc.).
Deste ponto de vista, a identificação pelos estudantes em formação das dimensões formativas consideradas mais relevantes, deve merecer a nossa atenção. Do conjunto de respostas há uma clara identificação de opções didáticas - “Ser clara e ter níveis de dificuldade para ser o mais inclusivo possível” (Q1); “Planear uma sequência de atividades apelativas e estratégias de ensino” (Q7) - evidenciando atitudes e valores de envolvimento de todos os alunos e de preocupação com o caráter de mobilização e empenhamento dos alunos. Há um claro foco naquilo que consideram ser mais importante - os alunos - e o seu processo de aprendizagem e desenvolvimento.
Conteúdos específicos mobilizados para a produção do vídeo
A forma como foram percecionadas as alusões a conteúdos marcadamente específicos (Quadro 4) pode dar maior consistência à relação entre a análise do “conhecimento do conteúdo” e “conhecimento pedagógico do conteúdo” (Shulman, 1987), através das referências a terminologia, atividades, intenções subjacentes a decisões de caráter didático. Nas respostas dos estudantes há uma clara associação com questões didáticas - “planeamento das atividades motoras e da educação física” (Q1); “planeamento da atividade” (Q3); “Intervenção pedagógica, modelo organizativo da atividade e o planeamento” (Q4) - em que decisões prévias à intervenção pedagógica têm de estar decididas e modeladas em função do contexto de prática de EF.
Um outro grupo de estudantes faz uma forte associação a questões do programa de EF, através da identificação dos seus blocos programáticos - “Jogos, perícias e manipulações, e deslocamentos e equilíbrios” (Q10; Q11), das competências a desenvolver - "Em percursos que integrem várias habilidades: Transpor obstáculos sucessivos, em corrida, colocados a distâncias irregulares, sem acentuadas mudanças de velocidades" (Q2) - ou até das referências a capacidades motoras que nos programas surgem em termos de objetivos e/ou suporte de competências motoras - “Controlo de postura, velocidade de reação simples e complexa de execução de ações motoras básicas e de deslocamento” (Q5).
Refira-se uma resposta que descreve de forma sintética as suas fontes de inspiração, algumas delas com conteúdo didático específico, quando indicam o facto de “Termos desenvolvido atividades com as nossas colegas nas aulas; termos visto as propostas apresentadas pelo docente; as crianças que nos poderiam ajudar a desenvolver o vídeo” (Q8). Paralelamente são feitas referências a questões que não sendo conteúdos específicos do módulo de EF influenciaram o trabalho do grupo nomeadamente quando referem “O processo de tentativa erro (o correr riscos) foi uma grande influência, bem como pensarmos na forma de como agimos, como podemos orientar as crianças e guiá-las para que se sintam seguras e se desafiem” (Q9).Se identifica aqui o referenciado por Brouwer (2011) relativamente ao papel da utilização do vídeo com caráter formativo.
Quadro 4. Três conteúdos específicos que mais influenciaram a produção do vídeo educativo
Questionário |
Descritores |
Q1 |
Atividades motoras e EF, a
criança e as atividades físicas e desportivas e o planeamento das
atividades motoras e da EF. |
Q2 |
Bloco 2 - Deslocamentos e
Equilíbrios, e escolhemos "Em percursos que integrem várias
habilidades: Transpor obstáculos sucessivos, em corrida, colocados a
distâncias irregulares, sem acentuadas mudanças de velocidades".
Optamos por escolher um percurso, dado que consideramos mais fácil de
pensar e realizar uma atividade. Também porque achamos que para os
alunos é uma forma mais atrativa de praticar EF. |
Q3 |
Diferença entre percurso
e circuito; a gestão dos recursos materiais; planeamento da atividade. |
Q4 |
Intervenção pedagógica,
modelo organizativo da atividade e o planeamento. |
Q5 |
Controlo de postura,
velocidade de reação simples e complexa de execução de ações
motoras básicas e de deslocamento. |
Q6 |
Velocidade de reação
simples e complexa, deslocamentos e equilíbrios e controlo de postura. |
Q7 |
Controlo de postura;
velocidade de reação simples e complexa de execução de ações
motoras básicas; deslocamento. |
Q8 |
Termos desenvolvido
atividades com as nossas colegas nas aulas; termos visto as propostas
apresentadas pelo docente; as crianças que nos poderiam ajudar a
desenvolver o vídeo. |
Q9 |
O processo de tentativa
erro (o correr riscos) foi uma grande influência, bem como pensarmos na
forma de como agimos, como podemos orientar as crianças e guiá-las
para que se sintam seguras e se desafiem. |
Q10 |
Jogos, perícias e
manipulações, e deslocamentos e equilíbrios. |
Q11 |
Jogos; Deslocamentos e
Equilíbrios e Perícias e Manipulação. |
Fonte: Autor do estudo
Qualificação do vídeo como produto final
Há uma perceção bastante positiva relativamente ao trabalho do vídeo produzido pelos estudantes (Tabela 1). Mais de 70% dos estudantes qualificam o seu vídeo como Excelente ou Muito Bom, o que é revelador do grau de satisfação com o produto pedagógico desenvolvido e seu potencial de apoio à aprendizagem em EF.
Tabela 1. Qualificação do vídeo educativo produzido
Qualificação |
N |
% |
Muito
Bom |
5 |
45.4 |
Excelente |
3 |
27.3 |
Bom |
3 |
27.3 |
Fonte: Autor do estudo
Conclusões
Ao longo do desenvolvimento da tarefa de desenvolvimento do vídeo educativo em EF, os estudantes identificaram os seus objetivos de forma diferenciada e caraterizaram com assertividade as dúvidas e dificuldades encontradas a diversos níveis. Foi também claro que a utilização da produção de um vídeo educativo centrado nos PEF e nas Aprendizagens Essenciais da área de EF, promoveum domínio diferente do conteúdo específico, mas também da forma como as competências a ele associado podem ser desenvolvidas, perspetivando relações acerca da intervenção pedagógica do professor do 1º CEB, relações com o espaço, os recursos materiais específicos (fixos e portáteis) e gestão do tempo durante a aprendizagem, bem como a colocação do aluno no contexto do processo de ensino/aprendizagem em EF. Em síntese, este tipo de tarefa exige uma forte articulação de competências articulando conhecimento do conteúdo e pedagógico do conteúdo que no caso da EF pode aumentar as vantagens de suporte à aprendizagem, pelas caraterísticas da área e da natureza comunicacional do vídeo.
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