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ISSN 1514-3465

 

A promoção do ciclismo urbano como medida 

de prevenção para comportamentos sedentários

The Promotion of Urban Cycling as a Prevention Measure for Sedentary Behaviors

El fomento del ciclismo urbano como medida preventiva del sedentarismo

 

Dartel Ferrari de Lima*

dartelferrari07@gmail.com

Lohran Anguera Lima**

lohranangueralima@gmail.com

Daniel dos Santos+

ddanisilverio@hotmail.com

Dayane Cristina de Souza++

daynycs@gmail.com

 

*Graduado em Fisioterapia

Doutorado em Medicina Preventiva

pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

Mestrado em Engenharia Biomédica

pela Universidade Tecnológica Federal do Paraná

Residência Fisioterapêutica Neurofuncional

e Ortopédica Traumatofuncional (COFFITO). Quiropraxista

Especialista Lato Sensu em Biologia do Esporte e Preparação Física

Membro do Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos: CEP-Unioeste

Avaliador do Sistema BASis (MEC/INEP). Tutor EaD

Professor Permanente do Programa de Pós-Graduação

em Educação em Ciências e Educação Matemática (PPGECEM)

na Universidade Estadual do Oeste do Paraná

**Médico formado pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná

Ortopedista, traumatologista e cirurgião de coluna

pela Santa Casa de São Paulo (Pavilhão Fernandinho Simonsen)

Integrou a equipe médica do campeonato mundial de surfe (WSL)

no Rio de Janeiro (2012 e 2013)

+Professor de Educação Física

Mestrando do Programa de Pós-Graduação

em Educação em Ciências e Educação Matemática - PPGECEM

Unioeste - campus de Cascavel, PR

++Possui graduação em Educação Física, licenciatura e bacharelado

Especialização em Educação Especial / Educação Inclusiva

pela Universidade Gama Filho

Especialização em Fisiologia do Esporte: Treinamento e Performance

Especialização em Exercício e Treinamento Esportivo para Grupos Especiais

ambas ministradas pelo Instituto Passo 1 de Ensino

Mestrado e doutorado em atividade física e saúde

pela Universidade Estadual de Maringá

(Brasil)

 

Recepção: 04/03/2023 - Aceitação: 11/04/2023

1ª Revisão: 27/03/2023 - 2ª Revisão: 04/04/2023

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Lima, D. de, Lima, L.A., Santos, D. dos, e Souza, D.C. de (2023). A promoção do ciclismo urbano como medida de prevenção para comportamentos sedentários. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(299), 137-154. https://doi.org/10.46642/efd.v28i299.3896

 

Resumo

    A Organização Mundial da Saúde recomenda às pessoas com mais de cinco anos, uma quantidade mínima de atividade física semanal para obter efeitos substanciais à saúde. No Brasil, o ciclismo, com as suas diferentes finalidades, é a quarta modalidade de atividade física mais praticada por adultos, atrás da caminhada, musculação/ginástica e futebol. O ciclismo foi a modalidade que apresentou, na última década, a maior taxa crescente de novos praticantes. Enquanto se observa o aumento do protagonismo do ciclismo nos processos de mobilidade urbana, não se nota incremento do diálogo amplo e claro com as populações, para potencializar o uso de bicicletas como ferramenta segura, eficiente e confortável de promoção da atividade física e de saúde. Nesse sentido, esse ensaio acadêmico propõe apresentar a utilidade de algumas ações que interferem na decisão das pessoas usarem ou não a bicicleta, seja como meio de mobilidade, de lazer ou de transporte. Pretende-se com esta temática, alavancar ações de planejadores da mobilidade urbana na direção do desenvolvimento de programas que oportunizem as pessoas usarem bicicletas, para serem mais ativas fisicamente e alcançarem qualidade de vida.

    Unitermos: Educação em saúde. Mobilidade sustentável. Saúde ambiental. Saúde pública. Transporte ativo.

 

Abstract

    A minimum amount of weekly physical activity is advised by the World Health Organization in able to produce significant effects on people's health. Aside from running, weightlifting, and soccer, cycling ranks as the fourth most popular form of physical activity in Brazil. However, during the past decade, the number of cyclists has increased at the highest rate. At the same time as cycling's prominence in urban mobility processes is growing, there hasn't been much progress in advancing the use of bicycles as a more secure, effective, and comfortable physical activity promotion tool among the public. This academic project aims to show the value of some actions that influence people's decisions about whether to use bicycles for transportation or leisure activities, as well as to advance urban planners' and mobility experts' efforts toward the creation of programs that encourage people to ride their bicycles in order to be physically more active, have better health, and live longer.

    Keywords: Health education. Sustainable mobility. Environmental health. Public health. Active transport.

 

Resumen

    La Organización Mundial de la Salud recomienda que las personas mayores de cinco años realicen una cantidad mínima de actividad física semanal para obtener efectos sustanciales en la salud. En Brasil, el ciclismo, con sus diferentes propósitos, es la cuarta forma de actividad física más practicada por los adultos, después de la caminata, la musculación/gimnasia y el fútbol. El ciclismo fue la modalidad que presentó, en la última década, la mayor tasa de crecimiento de nuevos practicantes. Si bien se incrementa el papel de la bicicleta en los procesos de movilidad urbana, no se incrementa el diálogo amplio y claro con las poblaciones para potenciar el uso de la bicicleta como una herramienta segura, eficiente y cómoda para promover la actividad física y la salud. En ese sentido, este ensayo académico se propone presentar la utilidad de algunas acciones que interfieren en la decisión de las personas de utilizar o no la bicicleta, ya sea como medio de movilidad, ocio o transporte. El objetivo de este tema es aprovechar las acciones de los planificadores de movilidad urbana para el desarrollo de programas que permitan a las personas el uso de la bicicleta, ser más activas físicamente y lograr calidad de vida.

    Palabras clave: Educación para la salud. Movilidad sostenible. Salud Ambiental. Salud pública. Transporte activo.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 299, Abr. (2023)


 

Introdução 

 

    Quatro a cinco milhões de mortes precoces poderiam ser evitadas a cada ano se a população global fosse fisicamente mais ativa (WHO, 2020). A inatividade física é entendida como restrição de atividade física (AF) decorrente de um estilo de vida sedentário, enquanto atividade física é toda atividade que requer movimentos cujo gasto de energia é superior àqueles verificados em repouso (Lima et al., 2014). As taxas globais de inatividade física crescem e afetam principalmente as mulheres, as pessoas com mais idade, com menor escolaridade, com menos recursos financeiros e, com alguma categoria de deficiência, seja física, ou sensorial, ou cognitiva, ou combinada. Estimativas globais evidenciam que, cerca de 30% dos adultos (Guthold et al., 2018) e 80% dos jovens (Guthold et al., 2020) não atendem às recomendações mínimas de AF preconizadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Também, não há apontamentos de melhora dessa condição na última década. (WHO, 2020)

 

    Parecem fortes as evidências de que a adoção de hábitos saudáveis de vida, incluindo a abstinência do tabagismo, o consumo abusivo de bebidas que contem álcool, a alimentação e o peso corporal equilibrado e, praticar AF regular, são alguns dos fatores protetores de mortes precoces decorrentes de doenças crônicas não transmissíveis. (Lima et al., 2017a)

 

    A OMS, no ano de 2020, renovou as suas recomendações de AF para a promoção da saúde das pessoas. As diretrizes foram projetadas para todas as populações e grupos etários a partir de cinco anos de idade. Agora, crianças e adolescentes (5-17 anos) devem alcançar a média de 60 minutos por dia de AF, com atividade predominantemente aeróbia de intensidade moderada a vigorosa, realizadas ao longo de pelo menos três dias da semana; adultos (18-64 anos) devem alcançar pelo menos 300 minutos de atividade aeróbia de moderada intensidade, ou 150 minutos de atividade aeróbia de vigorosa intensidade, ou a combinação equivalente de ambas, ao longo da semana, combinando exercícios resistidos de moderada intensidade ou maior, envolvendo os principais grupos musculares, pelo menos em dois dias da semana. Adultos de maior idade (65 anos ou mais) devem seguir as mesmas recomendações dos adultos, adicionando à AF semanal, atividades que enfatizem o equilíbrio corporal, para aumentar a capacidade funcional e prevenir quedas com fraturas (WHO, 2020).

 

    Para esta análise, comportamento sedentário acompanha o entendimento do Ministério da Saúde Brasileiro, onde:

    [...] o comportamento sedentário envolve atividades realizadas quando se está acordado sentado, reclinado ou deitado e gastando pouca energia. Essas atividades geralmente são realizadas em frente a telas de computador, televisão, celulares e tablets, mas também incluem o tempo sentado para se deslocar de um lugar a outro utilizando carro, ônibus ou metrô, e para realizar trabalhos manuais, jogar cartas ou jogos de mesa. (Brasil, 2021)

    A prática do ciclismo se apresenta como uma modalidade de AF de lazer e, de transporte ativo, que apoia as pessoas alcançarem a meta de AF semanal recomendada pela OMS. No Brasil, o ciclismo ocupa a quarta posição entre as atividades mais praticadas por adultos (≥18 anos), somente atrás da caminhada, musculação/ginástica e futebol (Lima, 2014), apresentando a maior taxa de crescimento de praticantes, quando comparado com as outras modalidades de AF. Estudo conduzido por Lima e colaboradores verificaram a tendência temporal das principais modalidades de AF na cidade de Curitiba, no período de 2006 a 2014: no período, enquanto a taxa de ciclistas aumentou 32%, a prática de caminhada aumentou 21%, a ginástica e a musculação se mantiveram estáveis e, a prática do futebol apresentou decaimento, com redução de 47%do número de praticantes. (Lima et al., 2017b).

 

    A taxa crescente de ciclistas evidencia o maior interesse das pessoas pela bicicleta. Não é apenas por as bicicletas serem eficientes em termos de ocupação de espaço, econômicas como meio de transporte e ecológicas como transporte não poluidor, mas também, porque o seu uso é promotor de saúde, bem-estar e qualidade de vida. (Balko et al., 2022)

 

    Destacadamente, com o decreto emergência global em saúde pública devido à COVID-19, as academias de ginástica, os clubes poliesportivos e os parques públicos suspenderam as suas atividades ao público para promover o afastamento social. Nessa condição restritiva, o ciclismo assumiu uma das poucas formas acessíveis e não ameaçadoras de se exercitar, auxiliando estabelecer as bases para o bem-estar psicofísico das pessoas, enquanto em processo de afastamento social.

 

    Enquanto se observa o aumento do protagonismo do ciclismo nos processos de mobilidade urbana, não se nota análise dialógica ampla e clara com as populações para potencializar o uso de bicicletas como ferramenta segura, eficiente e confortável de promoção da AF. De regra, o público está longe de ser organizado para expressar as suas necessidades, requerendo gerenciamento de programas que necessitam do poder público, ações sociais sistêmicas para a sua organização.

 

    Nesse sentido, esse ensaio acadêmico propõe apresentar a utilidade de algumas ações que interferem na decisão das pessoas usarem ou não a bicicleta como meio de mobilidade para atividade de lazer ou de transporte. Isso oportuniza alavancar ações de mobilidade urbana,por parte dos planejadores, para agirem no desenvolvimento de programas que favoreçam as populações serem fisicamente mais ativas, na perspectiva de promover a saúde e a qualidade de vida das pessoas.

 

A pedagogia social fortalecendo o ciclismo 

 

    A pedagogia social é caracterizada por orientações e medidas pedagógicas com o objetivo de assegurarem a integração social das pessoas, com olhar especial àquelas em condições de maior vulnerabilidade e, cuja finalidade é desenvolver enfrentamentos às emergências sociais e educacionais (ou em consequências delas), que emanam para a tomada de atitude, fornecendo suporte de vida aos indivíduos e grupos que carecem de recursos para lidar com sua realidade cotidiana de modo independente. (Diez et al., 2021)

 

    Quando se apregoa a pedagogia social para a prática do ciclismo, com finalidade diversa, faz-se necessário conhecer os acontecimentos atrelados a essa prática, para ajudar os ciclistas a desenvolverem significados do uso da bicicleta no cotidiano. Aprender a andar de bicicleta, por exemplo, não leva o processo de aprendizagem de habilidades motoras e de controle da bicicleta a ser um fator decisório de permanecer ciclista ao longo da vida. Além disso, a sensação de conseguir andar de bicicleta pode ter diversos e diferentes significados.

 

    Desse modo, uma das tarefas do educador social é desenvolver as habilidades do indivíduo com base na interação da bicicleta com o cotidiano, seja como meio de transporte, ou prática recreativa, ou outra finalidade. Estar presente no processo de escolhas, a maior possibilidade da pessoa ser ou permanecer um ciclista. (Faller et al., 2016)

 

    O domínio do pedalar uma bicicleta é importante para o indivíduo se perceber como agente protagonista nas cenas do cotidiano e perceber o significado de ser ciclista. As mudanças de comportamento e os diálogos sociais importam para criar as condições para isso acontecer. Esse domínio significa ao indivíduo ou ao seu grupo, receber influências no trabalho de mobilização social para fortalecer a sua posição na sociedade. Para conseguir isso, parece imprescindível não sobrecarregar os ciclistas com mais responsabilidades, mas sim, adequar os meios para oportunizar os ciclistas atingirem seus objetivos com prazer e segurança. (Zander et al., 2013)

 

    Não se pode deixar de notar as estratificações de classes sociais refletidas nas finalidades do uso da bicicleta. Enquanto as classes de maior poder econômico tendem a utilizar as bicicletas com finalidades de lazer, para o desporto ou para manter e/ou ampliar os níveis de AF, as pessoas de menor condições econômicas, frequentemente utilizam a bicicleta como meio de transporte para o trabalho, economizando recursos que serão destinados para atender outras necessidades cotidianas. Desse modo, destaca-se a importância de organizar e planejar as rotas e vias de locomoção urbana e estratégias lúdicas e criativas de infraestrutura para as vias de deslocamento. Se a bicicleta atende mais de um objetivo, parece coerente pensar em estratégias de ampliação de uso que não seja única. (Wagner et al., 2001)

 

    O uso crescente da bicicleta por pessoas de maior poder aquisitivo, possibilita ampliar a percepção da bicicleta como uma protagonista dos espaços públicos. Talvez isso não seja novidade para todos, principalmente os residentes em países que já superaram questões básicas de utilidades das bicicletas e onde a cultura da bicicleta desfruta de prestígio social. No entanto, em países emergentes como o Brasil, desde a introdução do automóvel até recentemente, a bicicleta foi vista como um modal marginal de transporte. Agora, com a difusão ampliada do uso da bicicleta, as contingências de sua importância, ascendeu um novo olhar à produção de espaços e identidades sociais que governam o movimento das pessoas. (Silva et al., 2021)

 

    Outro aspecto de destaque na percepção da pedagogia social, se refere às diferenças atitudinais consoante aos praticantes, em relação ao sexo masculino e feminino. Embora as mulheres sejam menos engajadas em AF no tempo livre, quando comparadas aos homens, o percentual de mulheres ciclistas dobrou no período de 2006 a 2014, enquanto as taxas de frequência de homens se manteve constante no mesmo período(Lima et al., 2017b). Parece haver, nessa particularidade, uma relação diretamente proporcional entre o aumento da mobilidade física da mulheres, com a capacidade de mobilidade social. (Kell, 2014)

 

    A bicicleta, em outras palavras, confirma a presença ampliada da mulher na esfera pública, expandindo as opções de mobilidade. Uma peculiaridade a ser realçada no uso da bicicleta, é o reiterado vínculo de igualdade entre os sexos. As estruturas de vantagem e desvantagem distribuídas de forma desigual entre os sexos não são isentas de poder; arrastam consigo propriedades de estabelecer posição social e de identidade. O uso da bicicleta tem mostrado que as estruturas funcionais funcionam melhor quando igualmente compartilhadas. (Carey, e Vitek, 2020)

 

    No âmbito do gerenciamento de programas sociopedagógicos de incentivo à prática do ciclismo como meio de manter as pessoas fisicamente ativas, está distante de ser sistematicamente organizado. A ideia de gerenciamento de programa de sucesso necessita de ações sociais sistêmicas. O tratamento ao ciclismo no ambiente escolar, por exemplo, como prática de movimento corporal dos alunos, também não está pedagogicamente firmado no sentido de ser capaz de promover efeitos substanciais à saúde das pessoas, cabendo ainda, a necessidade de interdisciplinar as informações. (Hahn et al., 2021)

 

O ciclismo ensinado na escola e a mobilidade urbana sustentável 

 

    No curso da educação escolar, é um desafio despertar a capacidade de o educador conectar a teoria com a realidade social dos educandos e, conciliar as perspectivas sociais e humanísticas em atividades práticas, levando o conhecimento a se adaptar conforme as emergências sociais, culturais e educacionais que a sociedade cria. Dispender muitas horas do dia em atividades sedentárias, é uma condição de vida moderna socialmente aceita, mas que arrasta consequências indesejáveis: a prática insuficiente de atividade física. (Van Cauwenberg et al., 2018)

 

    Na infância e na adolescência, a disciplina de educação física escolar se opõe à inatividade física, propiciando atividades física para incentivar a participação dos alunos em esportes organizados e brincadeiras ativas dentro e fora do ambiente escolar. Portanto, a adesão às aulas de educação física é um importante passo para o sucesso ao enfrentamento à hipoatividade física. (Lima et al., 2019)

 

    No Brasil, faltam estudos populacionais confiáveis sobre a dimensão da não participação de alunos nas aulas de educação física. As informações disponíveis são de amostras locais ou regionais, com pouca possibilidade de serem projetadas com confiável ao território nacional. Estudo realizado no ano de 2015, conduzido por Santos et al. (2019) envolveu 1.471 escolas do estado de Rondônia, sendo que 43,6% dos alunos não participavam de aulas de educação física escolar. Outro estudo com o mesmo objetivo, realizado no estado de Santa Catarina, envolveu 6.000 escolares e mostrou 48,6% deles ausentes das aulas de educação física (Silva et al., 2019). Os participantes daquela pesquisa se movimentavam pouco, consumiam muito tempo de tela, dormiam e acordavam tarde e arrastavam algumas adversidades associadas à hipoatividade, como o sobrepeso e a obesidade. (Priego-Quesada et al., 2019)

 

    A possibilidade de mudar esse cenário de fuga dos alunos às aulas de educação física não parece ter solução simples e resolutiva a curto prazo. Essa condição adversa, que envolve um número significativo de alunos, poderia ser mitigado, em parte, com interações multidisciplinares e interdisciplinares de incentivo ao uso de bicicleta.

 

    Para as cidades, principalmente as de grande porte, o aumento do uso de bicicletas pela população poupa o congestionamento do trânsito por excesso de veículos. Os engarrafamentos e transtornos de trânsito são ruins para a mobilidade urbana e abre aos ciclistas, a possibilidade de aliviar esse cenário. Desse modo, parece importante criar eixos de complementaridade de rotas recreativas para o tráfego lento; redes que conectam as concentrações residenciais; o alinhamento com outros sistemas de transporte para permitir a transferência de um modal de transporte para outro. Essas estratégias podem definir o bom equilíbrio entre o espaço e a mobilidade para o ciclista. (Jahre et al., 2019)

 

    Para acompanhar essa tendência, é necessário pensar na infraestrutura das cidades e de seus entornos, pois o deslocamento seguro de ciclistas exige malha viária planejada para as bicicletas. Algumas iniciativas vão ao encontro dessa proposta, no entanto, nem sempre o planejamento parece ser adequado. As Figuras de 1 a 4 ilustram a desconexão do gerenciador de mobilidade urbana e as reais necessidades de segurança, conforto e eficiência dos ciclistas.

 

Figura 1. Ciclovia da via marginal da BR 163, km 275, com placa alertando acesso de veículos, 

anexado em poste de iluminação no centro da ciclovia, Marechal Cândido Rondon, 2022

Fonte: Autores (2022)

 

Figura 2. Ciclovia da via marginal da BR 163, km 276. Não se sabe se a peça agregada ao poste de

iluminação no centro da ciclovia é proteção ao ciclista ou ao poste, Marechal Cândido Rondon, 2022

Fonte: Autores (2022)

 

Figura 3. Ciclovia da via marginal da BR 163, km 276, com obstáculo no centro da pista

Fonte: Autores (2022)

 

Figura 4. Ciclovia da via marginal da BR 163, km 277, com duplo obstáculo, um poste de iluminação

ao centro e uma caixa de concreto ao lado direito do poste, Marechal Cândido Rondon, 2022

Fonte: Autores (2022)

 

    A escolha do modo de transporte é um comportamento de hábito e no momento, existem muitos obstáculos para o desenvolvimento sistemático do ciclismo. Isto significa que as pessoas tomam decisões ponderadas sobre o meio de transporte que devem escolher, fortemente influenciadas pelos hábitos cotidianos. Habituar o comportamento de troca de outros modais pela bicicleta é uma oportunidade de massificar o seu uso. (Hoare et al., 2017)

 

    Para incentivar o uso da bicicleta e tornar o uso do carro menos atraente, várias medidas parecem necessárias. O primeiro deles é aumentar o conforto, a segurança e a conveniência de ser ciclista. Também parece aconselhável distinguir grupos-alvo em situações específicas (por exemplo, deslocamento para a escola, trabalho, compras, serviços, treinamento físico, lazer, etc.) e, em seguida, abordá-los de forma particular e orientada. Há pesquisas que mostram atitudes positivas por ciclistas influenciados pelo seu entorno, assim, a atratividade estética do meio ambiente, certamente influenciará positivamente as políticas de mobilidade ativa. (Ding et al., 2016)

 

    As iniciativas não se restringem às ações governamentais. A iniciativa privada pode, por exemplo, convencer os seus funcionários a trocar o modal de transporte de carro para bicicleta, oferecendo prêmios para os funcionários se deslocarem de bicicleta ao trabalho; financiamento pela empresa para a compra de bicicleta; bicicletário coberto e seguro para estacionar a bicicleta; dispor de vestiário para ciclistas realizar a troca de roupa; garantir retorno ao lar quando as condições climáticas do tempo desfavorece o uso de bicicleta; fornecimento de equipamento de bicicleta (capacete, luzes, roupas, etc.), oficina de reparos, organizar cursos de segurança e saúde para os ciclistas, pontos de recarga para bicicletas elétricas, entre outras atitudes incentivadoras. (Nordengen et al., 2019)

 

    O papel das conexões das vias (ciclovias) necessitam ser repensadas nos planejamentos de locomoção, não só em extensão como em funcionalidade e interligada com os demais modais de transporte. Percebe-se, por exemplo, que as estradas rurais não são apenas estradas de acesso às propriedades, mas também, foram incorporadas como vias para ciclistas e, desse modo, se enfatiza a importância do convívio respeitoso dos usuários dos espaços comuns. (Gustafsson, e Archer, 2013)

 

A bicicleta elétrica encurtando distâncias 

 

    A utilização de bicicletas elétricas, também denominadas e-bike, ganha espaço entre os consumidores, fazendo as pessoas realizarem viagens mais longas e mais rápidas de bicicleta. Também, é opção interessante para as pessoas com limitação física, desde que não impeça de equilibrar-se sobre a bicicleta. Esse modelo de bicicleta cumpre uma função especial na mobilidade urbana, propiciando independência com relação aos carros e aliviando o transporte público. Portanto, as bicicletas elétricas se apresentam como alternativa às bicicletas convencionais. (Spörri et al., 2021)

 

    A bicicleta elétrica está equipada com um motor, geralmente montado na roda traseira. Sua grande vantagem é que roda silenciosamente e permite que o ciclista pedale facilmente em condições difíceis, como subidas íngremes e estradas rurais. A bicicleta elétrica também é opção para a locomoção urbana de distâncias maiores, permitindo o ciclista continuar o trajeto utilizando somente o sistema elétrico (passivo) sem maior esforço físico para deslocar a bicicleta. (Shaw et al., 2017)

 

    A bateria é a fonte de energia que alimenta o ciclo passivo das bicicletas elétricas. Algumas baterias mais evoluídas suportam, com carga única, movimentar a bicicleta por distâncias próximas a 100 km, à velocidade de 25 km/h. Geralmente as baterias de íons de lítio são rapidamente recarregadas, acontecendo dentro de 3 a 4 horas após conectada à fonte de recarga. A vantagem dos motores elétricos que equipam as bicicletas é a eficiência energética para gerar potência de 250 watts, permitindo percorrer muitos quilômetros a um custo relativamente baixo de dinheiro e ser ecologicamente sustentável por não emitir gases poluentes. (Bojanovic et al., 2011)

 

    As bicicletas elétricas podem atingir a velocidade de 45 km/h e, para assegurar essa velocidade, cuidados de condução e das vias por onde essas bicicletas passam devem ser adaptadas à novidade. Alguns modelos estão programados para interromper a ajuda elétrica ao atingir 25 km/h. Desse modo, é aconselhável que as vias que partilham bicicletas elétricas e convencionais tenham limites de velocidade equiparados. Em muitas situações, sem infraestrutura cicloviária adequada, acidentes podem ser danosos, tanto aos ciclistas como para as outras pessoas que dividem o mesmo ambiente. A redução geral de velocidade é desejável, principalmente em áreas urbanas. Isso representa avanço na segurança, menor taxa de acidentes e lesões menos graves quando o acidente for inevitável. (Bourne et al., 2018)

 

    O aumento da velocidade fora das áreas urbanas ainda significa que os condutores de bicicletas elétricas não podem pôr em perigo outros usuários da estrada. Isso pode significar a necessidade, também, de reduzir a velocidade em locais não urbanos, como as estradas rurais. O objetivo dessa abordagem é criar espaço compartilhado entre os diversos usuários de infraestrutura rodoviária.

 

    Habitualmente, os usuários de bicicletas elétricas são pessoas que migram do ciclismo ativo (pedal ativo) para os ciclistas passivos; não são, em sua maioria, usuários de carros ou motos, desse modo, o trânsito e o meio ambiente são beneficiados indiretamente, acontecendo quando o ciclista permite mais assentos livres nos transportes públicos, podendo ser um fator de convencimento do motorista deixar o carro na garagem e optar por esse transporte público que, hipoteticamente, estaria com assentos menos concorridos. (Bojanovic et al., 2011)

 

    Além das possibilidades de aumentar as distâncias de viagem utilizando bicicletas elétricas, o deslocamento pendular também é desejoso. O uso da bicicleta, associado à utilização de outros meios de transporte adaptados a receber a bicicleta (trem, metrô, ônibus), cria alternativa adicional para parte da viagem do ciclista, onde a bicicleta não recebe as condições de rodagem que deveria. Nessa associação, tão logo as condições de pedalar se estabeleça, o protagonismo do deslocamento retorna à bicicleta. (McVicar et al., 2022)

 

    Um dos aspectos negativos que permeia a inovação do uso de bicicleta elétrica é a opção do ciclista utilizar exclusivamente o modo passivo de locomoção, isto é, acionar o motor elétrico sem assistir o movimento, abandonando totalmente o pedalar, deixando-se conduzir passivamente. Muitos ciclistas têm no ato de pedalar, a única forma de se exercitar fisicamente. Assim, ao considerar os problemas associados à hipocinesia, o pior dos cenários é o ciclista ativo se transformar em ciclista passivo (Cooper et al., 2021). Quando isso é evitado e o ciclista assiste o deslocamento da bicicleta pedalando-a intermitentemente, o ciclista eleva o nível de AF em 8,5 vezes do que em repouso. Como referência, pedalar a bicicleta convencional eleva 10,9 vezes o nível de AF (Berntsen et al., 2017). Assim, andar de bicicleta elétrica (modo assistido) resulta em menor duração da viagem e menor esforço físico quando comparado com a bicicleta convencional e, mais ativo quando comparado com o deslocamento (passivo) com veículos.

 

    A recarga das baterias das bicicletas arrasta um desafio ainda sem solução. Ocorre que, ao contrário dos carros elétricos, ainda não existe um processo de carregamento universal para as bicicletas elétricas. Quase todas as marcas têm seu próprio carregador, necessitando ser parte da bagagem do ciclista. Além disso, a infraestrutura de recarga para as bicicletas ainda não é franqueada e, quando está disponível ao público, consiste simplesmente em oferecer uma tomada perto de um estacionamento, obrigando o ciclista deixar seu carregador e sua bicicleta sem vigilância conectada a um fio, geralmente solto e passível de acidente por outras ocupantes do espaço. (Sundfør, e Fyhri, 2017)

 

    A política forte de ciclismo deveria ser pensada para alcançar todos, por ações abertas para o deslocamento e bem-estar de todos. Pesquisas comparativas mostram que a bicicleta é o meio de transporte mais rápido para viagens urbanas curtas. O ciclismo é saudável, barato e sustentável para o meio ambiente. Para incentivar o ciclismo é necessário proporcionar ambientes favoráveis à bicicleta, onde as pessoas possam se locomover com segurança e conforto.

 

    A política para bicicletas trata de um conjunto coerente de medidas que aumentam o uso da bicicleta como parte da política de mobilidade da população e a iniciativa a ser perseguida para favorecer o ciclismo é entrelaçar os interesses políticos e dos usuários de forma integral. É um processo dinâmico e mutável em que novos aspectos e desafios serão constantemente acrescentados. Desse modo, a atenção ao ciclismo deveria ser, em certa medida, um processo de baixo para cima, sendo o ciclista, o melhor conhecedor da realidade de ser ciclista. (Bojanovic et al., 2011)

 

Conclusões 

 

    O número de ciclistas aumenta progressivamente por motivos diversos. Ciclistas do sexo feminino, embora sejam em menor número quando comparado aos homens, apresentam as maiores taxas de crescimento na última década, colaborando para conduzi-las em direção as metas de AF semanal, recomendadas pela OMS. Adicionalmente, a prática do ciclismo também as auxiliam a se aproximarem dos níveis de AF dos homens, no tempo livre e no transporte urbano. A consequência primeira, é o afastamento de hábitos sedentários no deslocamento e, promoção da saúde e da qualidade de vida. As ações pedagógicas sociais para fortalecer essa tendência de crescimento do ciclismo requer o desenvolvimento e enfrentamento das emergências sociais e educacionais sociais, com apelo inclusivo de indivíduos e grupos socialmente vulneráveis que carecem de recursos para lidar com as coisas cotidianas que lhes permitem irem e virem autonomamente. A criação e gestão de políticas públicas estão desafiadas a garantirem segurança e conforto dos ciclistas e o bom relacionamento de trânsito de todas as pessoas envolvidas.

 

Referências 

 

Balko, A.B., Palavissini, C.F.C., Souza, D.C. de, Lima, L.A., e Lima. D.F. de (2022). Nutritional ergogenic resources in sport lights and shadows on their use. Research, Society and Development, 11(1), e39411125056. https://doi.org/10.33448/rsd-v11i1.25056

 

Berntsen, S., Malnes, L., Langåker, A., e Bere, E. (2017). Physical activity when riding an electric assisted bicycle. Int J Behav Nutr Phys Act, 14(55), 1-7. https://doi.org/10.1186/s12966-017-0513-z

 

Bojanovic, B., Welker, J., Iglesias, K., Daucourt, C., e Gremion, G. (2011). Electric bicycles as a new active transportation modality to promote health. Med Sci Sports Exerc, 43, 2204-2210. https://doi.org/10.1249/MSS.0b013e31821cbdc8

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 299, Abr. (2023)