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ISSN 1514-3465

 

Perspectivas éticas no ambiente escolar a luz do pensamento docente

Ethical Perspectives in the School Environment Based on Teaching Thinking

Perspectivas éticas en el ámbito escolar a la luz del pensamiento docente

 

Carlos Rey Perez

reyperez@uol.com.br

 

Graduado em Educação Física

pela Universidade de Santo Amaro

Mestre em Educação Física

pela Escola de Educação Física e Esporte (USP)

Doutor em Ciências pela Escola de Educação Física e Esporte (USP)

Membro da Academia Olímpica Brasileira

Membro do Grupo de Estudos Olímpicos (GEO) na FE-USP

Professor de Educação Física e Diretor de escola efetivo

do Governo do Estado de São Paulo

(Brasil)

 

Recepção: 29/01/2023 - Aceitação: 15/06/2023

1ª Revisão: 11/03/2023 - 2ª Revisão: 12/06/2023

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Perez, C.R. (2023). Perspectivas éticas no ambiente escolar a luz do pensamento docente. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(302), 17-31. https://doi.org/10.46642/efd.v28i302.3850

 

Resumo

    Na sociedade atual vivemos uma crise de valores em que a solidariedade, a justiça e ia igualdade estão em constante conflito entre as pessoas. A escola é uma instituição que privilegia uma educação integral com o exercício do respeito e da tolerância para lidar com as diferenças e a individualidade. O objetivo deste trabalho foi conhecer o entendimento dos docentes sobre a importância na construção de valores éticos no ambiente escolar. Foi recorrente nas narrativas a preocupação com o bem-estar das crianças, assim como, a participação da família nessa construção. Educar nos valores éticos é praticar os elementos que constituem uma sociedade democrática e inclusiva em que o cuidar de si mesmo e do outro e a resolução de problemas e conflitos se traduzem no ideal humano.

    Unitermos: Valores. Ética. Escola. Docentes. Família.

 

Abstract

    In today's society we are experiencing a crisis of values in which solidarity, justice and equality are in constant conflict between people. The school is an institution that privileges an integral education with the exercise of respect and tolerance to deal with differences and individuality. The objective of this work was to know the understanding of teachers about the importance of building ethical values in the school environment. The concern with the children's well-being was recurrent in the narratives, as well as the family's participation in this construction. Educating in ethical values is to practice the elements that constitute a democratic and inclusive society in which caring for oneself and others and solving problems and conflicts translate into the human ideal.

    Keywords: Values. Ethic. School. Teachers. Family.

 

Resumen

    En la sociedad actual estamos viviendo una crisis de valores en la que la solidaridad, la justicia y la igualdad están en constante conflicto entre las personas. La escuela es una institución que privilegia una educación integral con el ejercicio del respeto y la tolerancia para el trato con las diferencias y la individualidad. El objetivo de este trabajo fue conocer la comprensión de los docentes sobre la importancia de la construcción de valores éticos en el ámbito escolar. La preocupación por el bienestar de los niños fue recurrente en las narrativas, así como la participación de la familia en esa construcción. Educar en valores éticos es practicar los elementos que constituyen una sociedad democrática e incluyente en la que el cuidado de uno mismo y de los demás y la solución de problemas y conflictos se traduzcan en el ideal humano.

    Palabras clave: Valores. Ética. Escuela. Docentes. Familia.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 302, Jul. (2023)


 

Introdução 

 

    A moralidade começa em casa. É o título de um dos capítulos do livro ‘O mal-estar da pós-modernidade’ de Zygmunt Bauman (1999), que diz respeito ao encontro de uma moral primordial, um encontro entre dois (o Eu e o Outro), na qual o Eu deve assumir uma responsabilidade pelo Outro, pelo próximo.

 

    A apresentação dessa afirmação a um grupo de docentes pode causar uma série de dúvidas e abrir um leque de caminhos a serem trilhados. A discussão pode caminhar em como as famílias tratam a questão em suas casas e em quais valores educam suas crianças. Em um primeiro momento parece ser uma conclusão assertiva, visto que, a família é o primeiro alicerce para uma formação ética. Segundo Piaget (1994) a família propicia os primeiros valores, como a afetividade, o respeito e a responsabilidade, sendo essencial para a vida social, contribuindo para o desenvolvimento dos sentimentos da criança.

 

    Logo, a discussão pode adentrar sobre qual o papel da escola e das famílias na educação das crianças. De outro lado, no senso comum, em que a sociedade, de um modo geral, delegou a função da educação das crianças e dos jovens para a escola. A educação no sentido da transmissão de conhecimentos, numa visão tradicional, ou na formação de pessoas para que possam ter uma leitura crítica das transformações que ocorrem na sociedade, em uma visão contemporânea. (Mendonça, 2011)

 

Imagem 1. Os valores humanos fornecem meios de 

regulação para sistemas sociais mais estáveis ​​e duradouros

Imagem 1. Os valores humanos fornecem meios de regulação para sistemas sociais mais estáveis e duradouros

Fonte: Gerador de imagens de Bing (#Efdeportes)

 

    No entanto, sobre a perspectiva da moralidade, Vinha, e Mandovani de Assis (2008) afirmam que inúmeros estudos indicam que as escolas influenciam significativamente na formação moral das crianças e jovens, de modo voluntário ou não. Dessa forma, os educadores têm uma responsabilidade sobre seus valores, ações e atitudes, da qual decorre da intencionalidade, para a formação de personalidade ética das crianças e dos jovens.

 

Intencionalidade e responsabilidade ética 

 

    A busca do ser humano é por uma condição harmoniosa e equilibrada de vida, que se dá a partir dos sentimentos e percepções das suas experiências de vida em um processo constante de objetivos e perspectivas futuras, significando uma ordenação das escolhas e ações que uma pessoa desempenha ao longo de sua trajetória e a maneira pela qual supera as dificuldades encontradas pelo caminho. (La Taille, 2002; MacIntyre, 2001)

 

    Para alcançar essa condição são necessárias ações. Essa ação, de natureza prática, é um ato intencional, consciente e voluntário, do responsável pela ação que pratica e suas consequências (Tugendhat, 1996; MacIntyre, 2001). Sendo assim, para MacIntyre (2001) essa prática requer uma intencionalidade da qual advém uma responsabilidade.

 

    Qual a motivação de escolher um caminho em detrimento de outro? Isso reside no fato de que há uma intencionalidade para essa ação. A escolha, principalmente, diz respeito aos objetivos a serem alcançados. O movimento se dá em sua direção, condição da qual proporciona um significado visível à ação, mesmo que isso represente riscos que não possam ser quantificados ou materializados. As escolhas estão atreladas a um comportamento que é controlado pela razão, que fornece um princípio para a tomada de decisão. Para justificar a escolha de uma ação faz-se necessário uma avaliação da sua razão e os conflitos que dela podem ser gerados, ou seja, pela racionalidade. Para MacIntyre (2001, p. 272): “[...] não podemos caracterizar o comportamento prescindindo das intenções, nem as intenções prescindindo dos contextos que as tornam inteligíveis [...]”.

 

    Na realização de alguma ação deve-se considerar a responsabilidade por ela e suas consequências, tendo como parâmetro determinadas regras e normas. A responsabilidade pressupõe que as pessoas têm a capacidade de conduzir suas ações por determinadas razões e por sua própria vontade. Se as ações ocorrem de forma involuntária ou acidental não existe responsabilidade, uma vez que não se pode responsabilizar a forma ou intencionalidade dessa ação ou mesmo que a pessoa não tenha conhecimento sobre ela, no momento que a ação ocorre. A responsabilidade tem relação direta ao compromisso assumido da pessoa com os objetivos, assim, assumir a responsabilidade requer a capacidade e a liberdade de fazê-lo, admitindo os riscos advindos dessa ação. Dessa forma, riscos e incertezas são consequências possíveis das ações, com isso há a necessidade de tratá-las com responsabilidade. A responsabilidade implica não apenas nas consequências individuais das escolhas, mas também nos possíveis danos coletivos causados por uma ação que não foi bem raciocinada. MacIntyre (2001, p. 281) afirma que: “Cada um de nós, ainda que sendo o protagonista do próprio drama, recita partes secundárias nos dramas dos outros, e cada drama cria vínculos com os outros”. E assim, emitindo juízos sobre esses comportamentos.

 

    Pensar nas pessoas, nas relações entre as pessoas, nos contextos sociais em que essas relações se dão, significa entender a intencionalidade (a ação voltada para o objetivo) e a responsabilidade (as consequências pessoais, sociais e morais das ações).

 

O Outro na relação com o Eu 

 

    A moralidade depende de um conjunto que valores que foram sistematicamente interiorizados pelas pessoas durante toda a vida e que somente tem sentido quando da relação do Eu com o Outro.

 

    Primeiramente, segundo La Taille (2002), na formação da nossa identidade, conceituamos o ‘Eu’ como um conjunto de representações de nós mesmos, imagens que a pessoa construiu a respeito de si, não importando se corresponde de fato ao que a pessoa realmente é ou como os outros a qualificam, mas sim sobre o que julga ser.

 

    Ao mesmo tempo, La Taille (2002) comenta que é na relação com o outro que formamos um conjunto de valores que compõem nosso caráter, e por caráter entendemos que é um valor, no seu sentido quantitativo, que é atribuído aos desejos e nas relações com os outros. A condição dessa relação interpessoal permite fazer um juízo de valor sobre o outro e a partir da inferência de que algumas qualidades podem ser boas ou más e das condutas observáveis em determinada pessoa, há um julgamento de seu caráter. Portanto, a formação de uma identidade está ao realizar uma leitura valorativa dos outros, bem como de si mesmos.

 

    Dessa forma, a ‘casa’, da afirmação inicial, constitui valores decorrentes das ações observáveis dessa relação com o outro que são comparadas e analisadas com seu próprio rol de valores e, assim, capazes de definir os fins de nossas próprias ações como por exemplo a troca da violência pelo diálogo, o estabelecimento de uma relação justa e legítima com o outro, declarando que os fins não justificam os meios.

 

A importância dos valores como formador da personalidade ética 

 

    Na sociedade atual, num contexto de globalização e de velocidade da informação e da comunicação, onde pessoas e culturas interagem dentro de um amplo espectro de diversidade política, econômica, social, cultural, étnica, racial e religiosa, fazem com que as fronteiras sejam deslocadas constantemente, que leva a uma perda de referências, forçando a sociedade a buscar respostas para situações que se apresentam complexas e inusitadas, apontando para aspectos dicotômicos como previsibilidade/imprevisibilidade, continuidade/descontinuidade e universalização/fragmentação. (Hoof, 2006)

 

    Nesse contexto, a superficialidade nas relações humanas e a desumanização dos aspectos interpessoais refletem uma valorização do individualismo. Diante dessa perspectiva em que não há uma regularidade das instituições e a sociabilidade está em declínio, os valores humanos podem fornecer meios de regulação para que os sistemas sociais sejam mais estáveis e duradouros. (Hoof, 2006)

 

    Quando se trata de educação são suscitadas relações sociais entre seus atores (estudantes e docentes) e com outras instituições como a família. Dessa forma, a comunidade escolar deve estar integrada visando os melhores resultados no processo de construção de uma identidade e de valores que irão contribuir ao desenvolvimento moral das crianças e jovens.

 

    Para Libâneo (2003, p.8), a escola deve auxiliar nesse processo de constituição de valores

    [...] diante da crise de princípios e valores, resultantes da definição do mercado e da tecnologia, do pragmatismo moral ou relativismo ético, é preciso que a escola contribua para uma nova postura ético-valorativa de recolocar valores humanos fundamentais como a justiça, a solidariedade, o reconhecimento da diversidade e da diferença, o respeito à vida e aos direitos humanos básicos, como suportes de convicções democráticas.

    Como destacado anteriormente e em se tratando do contexto escolar, esse processo de constituição depende diretamente dos valores que estão implícitos nos conteúdos com os quais as crianças e jovens interagem no cotidiano escolar, bem como, da qualidade das relações interpessoais estabelecidas entre esses sujeitos e as fontes dos valores.

 

    Para Araújo (2000, p.101),

    [...] cada criança e cada adulto que frequenta uma escola possui seu próprio sistema de valores. Se os valores centrais da identidade dessas pessoas referem-se a valores não democráticos, por exemplo, suas ações dentro do contexto escolar tenderão a ser autoritárias e a não legitimar as tentativas de democratização do ambiente escolar em que atuam.

    Tanto para docentes como para estudantes, o reflexo desses valores não democráticos resulta em episódios de violência, exclusão e autoritarismo e na própria forma de organização características de escolas não democráticas e não participativas.

 

    La Taille (2001, p.18) comenta que

    Se o “clima valores” no qual os alunos são imersos colocar em primeiro plano valores como riqueza, beleza, glória, fama, etc. será grande a probabilidade de suas identidades serem construídas em torno destes valores, e não serão algumas atividades sobre ética ou direitos humanos que vão conseguir reverter este quadro, em compensação, se temas como justiça, coragem, generosidade, gratidão, e demais virtudes, fizerem parte do “clima moral” da escola, alguma chance há de se ter sucesso na construção da autonomia moral, na formação do cidadão.

    Partindo do princípio de que a escola está consciente de seu papel na formação e instrução daqueles que fazem parte dela, não existe a mínima possibilidade que não se trabalhe com valores positivos. É inerente a escola sua responsabilidade de proporcionar as melhores escolhas e oportunidades de que as crianças e jovens possam interatuarem de maneira reflexiva e com a prática de valores nos quais a justiça, a integralidade e a cidadania estejam vinculadas a essa prática. (Couto, 2019; Fernandes, Ferreira, e Martins, 2023)

 

    A construção de uma personalidade ética pode ocorrer em qualquer disciplina do currículo escolar, do qual os conteúdos tradicionais estejam atrelados a valores éticos e trabalhados de forma a permitir que as crianças e jovens sejam solicitados a praticarem ações com reflexão, diálogo e prazer.

 

    Dessa forma, com foco no ambiente escolar, o objetivo desse estudo é conhecer o entendimento de educadores sobre sua própria moralidade e qual seu ponto de vista sobre a importância na construção de valores éticos no ambiente escolar.

 

Metodologia 

 

    Este estudo se apresenta como uma pesquisa descritiva e qualitativa, de modo que, descreve o comportamento de uma determinada população e analisa, de modo qualitativo, as respostas de um questionário aplicado em um grupo de docentes. Ao explorar o subjetivo e o pessoal do entrevistado em sua experiência vivida podemos ter uma visão da realidade daquela pessoa com ênfase em detalhes situacionais. (Gephart, 2018)

 

    Foi aplicado um questionário online, utilizando a ferramenta Google Forms, com perguntas semiestruturadas, abertas e objetivas a cinco professoras de uma escola pública de anos iniciais do ensino fundamental da cidade de São Paulo que se voluntariam para esse estudo. O questionário era composto por três perguntas sobre a construção de uma personalidade ética no ambiente escolar, a importância da família e sobre suas próprias ações. Antes da aplicação do questionário, as participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

 

Resultados e discussão 

 

    Os sujeitos da entrevista eram do sexo feminino sendo 4 com graduação em Pedagogia e 1 com graduação em Letras e formação em Magistério de nível médio. As docentes possuem em média 22 (DP ± 7,86) anos de trabalho pedagógico seja em instituições públicas ou privadas.

 

    Os resultados serão apresentados utilizando-se a técnica da nuvem de palavras, que consiste em uma representação gráfico-visual que visa mostrar o grau de frequência das palavras em um texto, que se apresenta em fontes de vários tamanhos indicando o que é mais relevante e menos relevante no texto analisado. A técnica da nuvem de palavras aponta para um caminho de análise, buscando similaridades em um determinado grupo de palavras ou textos (Freitas, Neves, e Gonçalves, 2018) Dessa forma, na análise do conteúdo, a partir de uma reflexão e da intuição, podemos estabelecer relações e conexões com aquela realidade. (Vilela, Ribeiro, e Batista, 2020)

 

    A Figura 1 mostra quais palavras as docentes deram maior destaque na resposta a primeira pergunta do questionário que se referia sob o ponto de vista dos valores éticos, como o docente age no cotidiano.

 

Figura 1. Nuvem de palavras que expressam o agir das docentes no seu cotidiano

Figura 1. Nuvem de palavras que expressam o agir das docentes no seu cotidiano

Fonte: O autor

 

    As docentes associaram o seu agir ético com o respeito ao próximo, representado pelos alunos, pelos pais dos alunos, pelo trabalho e colegas, no sentido de uma ética profissional. Nas palavras de uma entrevistada: “Acredito que temos que agir com respeito e empatia, [...]. É importante lembrar que cada indivíduo tem suas limitações [...]”.

 

    Respeito é um dos alicerces da vida em sociedade, seja de modo interpessoal através de relações de igualdade, bem como as regras e normas determinadas pelo poder instituído em uma relação de hierarquia. Uma atitude respeitosa consiste em não prejudicar alguém ou alguma coisa, ou seja, a marca do respeito está na preocupação com o outro e necessita uma atitude ativa e constante (Santos Lima, e Santos, 2018). Ricoeur (1991) argumenta que o respeito assume um caráter universal à medida que não estabelece que se deva respeitar o maior número de pessoas possível, mas respeitar cada pessoa em sua singularidade.

 

    Nas narrativas das docentes não aparece explicito o respeito por si. Stout (2019), e Malti (2021) argumentam que na relação com a criança há um estreito sentimento de afeto e simpatia, na qual comete-se um equívoco, que é latente na simpatia, de fundir o si mesmo ao outro. Contudo, é na prática do respeito que se conserva a alteridade das pessoas (Rossatto, 2016). Dessa forma, é na convivência com o outro que há a construção do respeito por si, sem o qual, dificilmente será alcançado o respeito aos outros.

 

    O Relatório Delors et al. (1996) confirma que ‘aprender a conviver’ está na essência do processo de aprendizagem e, portanto, a escola pode contribuir para o desenvolvimento do respeito pelas outras pessoas, suas culturas e seus valores, resolvendo pacificamente os conflitos. A formação de um sujeito moral ocorre no despertar da criança para a moralidade, através do diálogo e da convivência. (Goergen, 2007; Valente, Lourenço, e Németh, 2020; Bomfim, e Tognetta, 2022)

 

    Formar sujeitos morais não significa, pelo menos não significa apenas, transmitir esse ou aquele valor, exigir esse ou aquele comportamento, mas contribuir para tornar o indivíduo um sujeito crítico, político e reflexivo. Compete ao professor despertar nos seus alunos o desejo de ser um sujeito moral. Esse é fundamentalmente um processo dialógico, argumentativo e de convencimento.

 

    A seguir, na Figura 2, está a representação das respostas a pergunta sobre a importância da construção de valores éticos na escola.

 

Figura 2. Nuvem de palavras que expressam a importância da escola na construção de valores éticos

Figura 2. Nuvem de palavras que expressam a importância da escola na construção de valores éticos

Fonte: O autor

 

    A formação de um cidadão a partir dos valores éticos em um ambiente prazeroso e de convivência com a participação da família, formam o conceito com que as docentes entrevistadas expressaram a promoção dos valores éticos na escola. Para uma delas: “A construção de valores éticos promove um ambiente saudável, onde a convivência torna-se prazerosa e respeitosa. Em um ambiente escolar ela deve ser promovida, não apenas, entre escola e alunos, mas com a participação de toda a comunidade escolar”.

 

    A construção de valores decorre do desenvolvimento pela aprendizagem, colocando a escola como protagonista, porque os valores não são inatos ou pertencentes a traços biológicos de personalidade (La Taille, 2009; Araújo, Arantes, e Pinheiro, 2020). Dessa forma, a moralidade precisa ser construída pelas pessoas através de relações de cooperação e de vivências de interação com o meio cultural e social. A pessoa tem um papel ativo na construção de valores, um caminho de interação em duas vias, da pessoa com o meio e o meio sobre ele. (Vinha, e Tognetta, 2009; Vinha, Nunes, e Moro, 2019)

 

    Educar para a cidadania evoca prover as pessoas de instrumentos visando sua plena realização com uma participação motivada e competente, em que interesses pessoais e sociais estão em simbiose (Machado, 1997; Estellés, e Fischman, 2021). Assim, na perspectiva da formação de crianças, com sua bagagem cultural e social, é necessário ações que visem o desenvolvimento de competências para lidar com os fatos do cotidiano, como a diversidade e o conflito de ideias.

 

    A participação da família e sua importância como primeiro agente na construção de valores éticos foi a terceira pergunta do questionário (Figura 3).

 

Figura 3. Nuvem de palavras que expressam a importância da família na construção de valores éticos

Figura 3. Nuvem de palavras que expressam a importância da família na construção de valores éticos

Fonte: O autor

 

    Nas narrativas, as docentes concordam que é na família que as crianças têm o primeiro convívio com uma forma organizada de sociedade, que cabe a escola complementar essa formação vinda de ‘casa’ para a formação de um cidadão integro e comprometido com os valores éticos.

 

    É no contexto familiar que ocorre a primeira forma de socialização, na qual exerce uma enorme influência sobre as atitudes das crianças e dos adolescentes (Piaget, 1994). Para uma das entrevistadas: “A família é a primeira escola. O primeiro lugar de convívio”.

 

    A família pode educar para a convivência em grupos primários, aqueles unidos por laços de afeto mútuo ou parentesco, mas, em um primeiro momento, foi incapaz de fazê-lo para a convivência em uma sociedade ampla e diversificada, pois não oferecia um quadro de experiências adequadas as demandas atuais. Para Ortega Ruiz, e Mínguez Vallejos (2003, p. 37)

    A profunda mudança produzida na sociedade pós-industrial sociologicamente laica, incorporada aos avanços tecnológicos da informação, trouxe consigo o enfraquecimento da instituição familiar como ambiente auto-suficiente e mecanismo básico de transmissão de valores; mas significou também a recuperação de um novo discurso sobre a família, longe de todo fundamentalismo excludente, revelou sua extraordinária capacidade de adaptação a um contexto tão cambiante como o atual, permitiu a superação de preconceitos [...]. Em suma, favoreceu um retorno à consideração do papel fundamental da família no processo de construção da personalidade dos filhos e na integração das jovens gerações na sociedade.

    As crianças e os jovens carregam consigo determinados valores e contravalores que reproduzem o modo de pensar e viver da própria família e estão na base do que a criança pensa e age. Se de um lado, a família produz os anseios, valores e motivações das crianças, por outro lado, é responsável por sua estabilidade emocional durante a infância e a vida adulta. (Flaquer, 1998; Mosquera de Waidelich, 2019; Valencia, 2020)

 

    A atitude dos pais, aliadas a novas formas de convivência baseadas em um significativo aumento nas interações pessoais, permeadas por um modelo social igualitário e democrático devem ser aspectos considerados no processo de construção da personalidade ética das crianças e dos jovens e, consequentemente, influenciam no seu comportamento escolar.

 

    Dessa forma, a escola precisa modificar sua estrutura tradicional e rever sua proposta no âmbito dos valores éticos, oferecendo atividades pedagógicas para a resolução de conflitos que não exclua a família, quando o conflito na sala de aula tem sua origem sociofamiliar (Ortega Ruiz, e Mínguez Vallejos, 2003; Digiácomo, 2012; Mínguez Vallejos, 2014). Nesse contexto, a escola deve ter uma função facilitadora e orientadora na busca da informação e no uso que dela se faz, através de ações práticas que valorizem a bagagem sociocultural da criança e do jovem.

 

Conclusão 

 

    Nas narrativas das docentes entrevistadas fica claro sua preocupação com o bem-estar do aluno, em outras palavras, responsabilizar-se por ajudar, o outro, no nascimento de uma nova realidade, mais cidadã, através da qual o mundo se renova constantemente. (Arendt, 2016)

 

    O papel social da escola, como instituição, está relacionado à intencionalidade das suas práticas pedagógicas e à responsabilidade por uma organização escolar cujo objetivo é a emancipação e a liberdade. No contexto de uma educação inclusiva, a igualdade e a diferença são partes integrantes do cotidiano escolar, a diferença não representa a desigualdade em termos de condições no acesso e permanência na escola e, além disso, a meritocracia representa uma ordem inicial e uma ordenação do currículo e não um fator de exclusão.

 

    De um lado, de modo intencional, a escola deve ofertar práticas e experiências reflexivas, aos alunos, visando o desenvolvimento de seu potencial máximo, no sentido de fazer o seu melhor. No ato educativo, a intencionalidade refere-se aos objetivos e motivações referentes a um determinado fim, ou seja, a intenção que direciona sua prática dentro de um projeto pedagógico. O mérito no desenvolvimento do aluno representa o salto qualitativo daquela prática em direção a novos desafios. Não esquecendo do olhar do aluno em relação ao outro, a intencionalidade neste sentido, representa a construção de saberes na trajetória do desenvolvimento do outro, tornando a experiência mais visível e prazerosa. E ao conhecer esses saberes deve-se estar ciente das consequências das próprias ações e responsabilizar-se por elas.

 

    Por outro lado, a escola está inserida dentro de uma sociedade e precisa estar articulada com outras instituições, perfazendo uma rede de proteção à criança e ao jovem, assumindo parte da responsabilidade para a construção de uma sociedade minimamente igualitária. Atribuir responsabilidade à docência na construção desse caminho não significa que o docente está sozinho, mas que deve buscar parceiras, principalmente com a família, integrando distintos esforços para atingir um objetivo comum.

 

    O ideal das sociedades democráticas contemporâneas é a concretização da justiça social (Rawls, 2008), que garantam um máximo de liberdade com responsabilidade, garantindo a construção de um sistema moral sustentável.

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 302, Jul. (2023)