ISSN 1514-3465
O naturismo: diálogos sobre corpo, natureza e cultura
The Naturism: Dialogues about Body, Nature and Culture
Naturismo: diálogos sobre cuerpo, naturaleza y cultura
Nadiel Cavalcante de Sousa
*nadielduvale@gmail.com
Felipe Rafael Cavalcante Targino
**rafael.filipe85@gmail.com
Eloyse Emmanuelle Rocha Braz Benjamim
***eloysebraz@gmail.com
*Mestre em Educação Física na área de concentração
Movimento Humano, Cultura e Educação, na linha de pesquisa
Estudos sócio-Filosóficos sobre o Corpo e o Movimento Humano
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Possui Especialização em Planejamento e Gestão Escolar
pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
Possui Graduação em Educação Física - Bacharelado
pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Licenciatura em Educação Física
pela Ação Educacional Claretiana (Claretiano - Centro Universitário)
Atuou como docente na Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP)
**Atualmente faz graduação em Educação Física
na Faculdade São Francisco da Paraíba (FASP)
***Possui graduação em Educação Física pela UFRN
Mestre em Educação Física pela UFRN
Atualmente é profissional de educação física
CAPs Infantil (Secretaria Municipal de Saúde)
Professora de Educação Física do Governo do Estado do Rio Grande do Norte
Especialista em Psicomotricidade Clínica e Escolar pela UFRN
e Fisiologia do Exercício e Prescrição do exercício pela UGF
(Brasil)
Recepção: 20/01/2023 - Aceitação: 05/10/2023
1ª Revisão: 20/07/2023 - 2ª Revisão: 29/09/2023
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Sousa, N.C. de, Targino, F.R.C., e Benjamim, E.M.R.B. (2023). O naturismo: diálogos sobre corpo, natureza e cultura. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(306), 139-152. https://doi.org/10.46642/efd.v28i306.3847
Resumo
O objetivo deste artigo é apresentar diálogos entre corpo, natureza e cultura na condição do Ser naturista e a contribuição desses conceitos para ampliação do conhecimento sobre o corpo na Educação Física. Os objetivos propostos atendem-se por meio dos dados obtidos numa análise de discurso. A análise foi construída sobre experiências de pessoas que praticam o Naturismo em praias, as quais responderam a um questionário estruturado de perguntas abertas. Pelos discursos encontrados nos questionários, observa-se que a experiência com o Naturismo foi algo significante, o que demonstra estar atrelada a cultura dos indivíduos. Considera-se que, portanto, a partir dessa experiência, as pessoas passaram a reconhecer os seus corpos inerentes à natureza que os cerca. Na Educação Física esses conceitos podem contribuir para a abertura de outros olhares, ao transformar as experiências vividas em novas possibilidades para extrapolar a cultura e a natureza que nos cerca e que nos leva a construção do conhecimento de forma ampla e significativa.
Unitermos:
Corpo. Cultura. Natureza. Naturismo. Educação Física.
Abstract
The objective of this article is to present dialogues between body, nature, and culture in the condition of being a naturist and the contribution of these concepts to the expansion of knowledge about the body in Physical Education. The proposed objectives are met through the data obtained in discourse analysis. The analysis was built from the experiences of people who practice naturism on beaches, who answered a structured questionnaire with open questions. From the speeches found in the questionnaires, it is observed that the experience with Naturism was something significant, which demonstrates that it is linked to the culture of the individuals. It is considered, therefore, that from this experience people began to recognize their bodies as inherent in the nature that surrounds them. In Physical Education these concepts can contribute to the opening of other perspectives, by transforming lived experiences into new possibilities to extrapolate the culture and nature that surrounds us and that leads us to the construction of knowledge in a broad and meaningful way.
Keywords
: Body. Culture. Nature. Naturism. Physical Education.
Resumen
El objetivo de este artículo es presentar diálogos entre cuerpo, naturaleza y cultura en la condición del Ser naturista y el aporte de estos conceptos a la ampliación del conocimiento sobre el cuerpo en la Educación Física. Los objetivos propuestos se abordan a través de datos obtenidos en un análisis del discurso. El análisis se construyó a partir de las experiencias de personas que practican el Naturismo en las playas, quienes respondieron a un cuestionario estructurado con preguntas abiertas. De los discursos encontrados en los cuestionarios, se observa que la experiencia con el Naturismo fue algo significativo, lo que demuestra que está vinculado a la cultura de los individuos. Se considera que, por tanto, a partir de esta experiencia, las personas comenzaron a reconocer sus cuerpos como inherentes a la naturaleza que los rodea. En Educación Física, estos conceptos pueden contribuir a abrir otras perspectivas, al transformar las experiencias vividas en nuevas posibilidades para extrapolar la cultura y la naturaleza que nos rodea y que nos lleve a la construcción de conocimientos de manera amplia y significativa.
Palabras clave:
Cuerpo. Cultura. Naturaleza. Naturismo. Educación Física.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 306, Nov. (2023)
Introdução
Apesar de termos nascidos em terras indígenas trazendo em nosso habitual muitos costumes desses povos, o ritual de viver despido não nos foi ensinado. Ora, sabemos que a prática do uso de roupas só foi influenciada devido aos modos advindos dos “exploradores” da corte portuguesa. Ao nosso pensar, naquele período, o vestir hierarquizava as classes sociais, se bem-vestidos pertenciam à elite, contrário a isso, estavam os indígenas, os marginalizados. Embora, nos dias de hoje essa tendência de classificação seja tão acentuada, ainda existem tribos que vivenciam e propagam a cultura do Naturismo. Dessa forma, afirmamos que a relação do homem com a sua nudez é ambígua, dependendo fluentemente dos aspectos morais, sociais, históricos e culturais.
A luz desse pensamento, Mendes, e Nóbrega (2004, p. 129), declaram que “nosso corpo possui historicidade tanto na estrutura orgânica quanto nas interações com a cultura em que vamos convivendo [...]”, essa condição permite que nossos comportamentos adquiram novos significados. Em relação ao Naturismo, esta ideia nos faz refletir que a cultura se constitui num elemento fundamental na determinação de uma sociedade em relação à nudez. Portanto, é ela que vai estabelecer os limites da tolerância e permissão, das situações e dos modos que um indivíduo se relaciona com a questão. (Rojo, 2002)
O formato que o corpo vai tomando a partir da sua história e de suas condições culturais só é permitido devido ao fato dele está situado na Natureza. Em Merleau-Ponty (2000) a Natureza é apresentada como algo enigmático, um objeto que não é inteiramente objeto; ela não está inteiramente diante de nós, é o nosso solo, não aquilo que está diante, mas o que nos sustenta. Nesse sentido, o autor teoriza a recusa da condição substancial do corpo e o apresenta como quiasma na Natureza.
Essa ideia do entrelaçamento do ser humano no ‘ciclo natural da vida’ é uma das características mais presentes no imaginário naturista e tem relação específica com o conceito de natureza que orienta a percepção dos praticantes. De acordo com os preceitos do Naturismo, a civilização teria sido responsável por ‘afastar’ o ser humano da natureza, gerando a sensação de vazio e distância característica dos contextos urbanos. (Rojo, 2002)
Na perspectiva do Naturismo, a concepção de natureza está na origem de todas as coisas, atuando como o princípio instaurador da vida e do mundo. A natureza é compreendida como o princípio geral que governa as relações do universo (e dos seres humanos com o universo), dando sentido à ideia de uma origem comum. A noção de natureza está na base do princípio de integração e do reencontro do ser humano consigo mesmo.
A luz dessas reflexões, esta produção científica justifica-se por abordar temas poucos debatidos na literatura cientifica como corpo, cultura e natureza, contribuindo para que tais sejam mais bem compreendidos. Esse estudo justifica-se por apresentar o Naturismo enquanto condição de existência e com uma prática para adquirir novos conhecimentos. Por fim, com esse estudo iremos contribuir para que o corpo não seja visto pela Educação Física apenas como algo não instrumental e repetitivo, mas como um instrumento dotado de experiência, capaz de sofrer mudanças e de influenciar no mundo.
Visto o modo como à temática desse estudo foi delineada, pretendemos, como objetivo, apresentar diálogos entre corpo, natureza e cultura na condição do Ser naturista e a contribuição desses conceitos para ampliação do conhecimento sobre o corpo na Educação Física. Do ponto de vista metodológico, atenderemos os objetivos propostos por meio dos dados obtidos numa análise de discurso. A referida análise foi construída sobre experiências de homens (8) e mulheres (12), com idades entre 18 e 50 anos, selecionadas de modo intencional, praticantes do Naturismo em praias de João Pessoa, PB. Tais participantes responderam um questionário estruturado de perguntas abertas, as quais foram elaboradas de acordo com o escopo da investigação do estudo.
A partir das respostas encontradas nos questionários foram construídas categorias que nos oportunizaram estruturar o texto e discorrer sobre as questões mais pertinentes. Para a análise, adotamos o método proposto por Bardin (2011, p. 37) que “é um conjunto de técnicas de análises das comunicações” e “não se trata de um instrumento, mas de um leque de apetrechos; ou, com maior rigor, será um único instrumento, mas marcado por uma grande disparidade de formas e adaptável a um campo de aplicação muito vasto: as comunicações”.
Diante da perspectiva, a pesquisa estruturou-se em dois momentos: primeiro, apontaremos reflexões sobre o corpo e o Naturismo, subdividiremos essa parte em duas ocasiões: uma focará diálogos entre o corpo naturista e a cultura, e a outra sobre o corpo naturista e a natureza. Por fim, discutiremos sobre a importância desses conceitos para a construção do conhecimento na Educação Física.
Corpo, cultura e naturismo
A maneira de vermos a nudez na sociedade é determinada pela cultura. Os limites da tolerância, a permissividade, as situações e os modos como os indivíduos se relacionam com essa questão é também estabelecido pela cultura. Tratada como uma questão de Estado, religiosa, ideológica, o ato de mostrar-se despido, ou ver alguém despido, ainda hoje, na sociedade contemporânea, se constitui um tabu. Contudo, existem situações especificas das quais a nudez não causa nenhum prejuízo moral, tais como, exames médicos, fazer sexo, atividades artísticas, etc.
Diante do contexto, afirmamos que a cultura é quem determina, de fato, a relação da sociedade com a nudez. É ela quem vai definir os limites do que é apropriado ou não, os modos, a permissividade em certas situações e a maneira que o indivíduo se relaciona com a questão. Nesse caso, as roupas mudam de configuração, ou seja, de simples adornos ou proteção (cobertas) passam a instrumentos da própria moral, civilidade.
Para tanto, as roupas também podem ser vistas como uma barreira que nos separa da natureza e limita nossa percepção corporal dos elementos naturais. Por isso, algumas práticas, como o Naturismo, buscam valorizar a conexão direta entre o corpo e a natureza, sem as barreiras impostas por tais adornos. (Breunig, Campelo, e De Souza Mendes, 2021)
A partir dos pensamentos expostos,relacionamos o receio de despir nas praias de naturismo nas análises realizadas nos discursos de alguns entrevistados da referente pesquisa. Tal questão foi muito evidente nos discursos, evidenciando que os entrevistados não se sentiam confortáveis por estarem nu sou por serem vistos por outras pessoas, também nuas. Um desses relatos nos chamou a atenção, quando o entrevistado(a) 01, ao ir à praia de nudismo, relatou sentir-se “muito tensa, preocupada e envergonhada” de estar sendo vista por outras pessoas também com seus corpos nus, fazendo com que a sensação de liberdade e do contato com a natureza que ela almejava antes de ir conhecer à praia naturista não acontecesse. De contramão ao apresentado pelo entrevistado(a) 01, Herold Junior et al. (2021) relatam que o movimento naturista em si pode ser visto como uma busca pela liberdade em relação às normas sociais e culturais que restringem a nudez e o contato com a natureza.
Ao retratar o sentimento de vergonha do entrevistado(a) 01, refletimos que a cultura do adorno ainda é muito forte na sociedade, pois notou-se que o entrevistado(a) 01 não se sentiu confortável por estar despida, deixando de estar conectada com a liberdade proporcionada pelo naturismo. É possível que esse sentimento tenha sido destacado pelo entrevistado(a) devido as poucas experiências do nu em público. Diante dessa perspectiva, o corpo é visto na concepção reduzida de um objeto que precisa ser ocultado e disfarçado para lhe conferir uma aprovação social. Tal problemática é reforçada pela sociedade que impõe um modelo de corpo definido pelos meios de comunicação social, enfatizado também pelo discurso da saúde. Portanto, percebe-se que exigência estética, normas legais, morais e religiosas regulam a exposição e as situações nas quais é aceitável mostrar-se nu, ou ver alguém sem roupa. (Silva, 2009)
O discurso do entrevistado(a) 01 deixou evidente que o naturismo não lhe proporcionou uma vivência positiva, pois ela ficou muito tensa e preocupada em mostrar o seu corpo despido, deixando de vivenciar uma diversidade de sensações corpóreas. Um estudo realizado por Silva (2014) explica que as mulheres sentem vergonha de despirem-se nas praias de naturismo, quando comparado aos homens. Segundo o autor, as mulheres sentem-se envergonhadas da nudez devido ao processo educativo que as obrigam a cobrirem seus corpos com o uso de vestimentas. Acrescentando, o autor relata que o constrangimento da nudez em praias naturistas ocorre mais em pessoas do sexo feminino devido à exigência social do corpo perfeito, sem gorduras, estrias e celulites.
Diante do exposto acima, passamos a refletir o quão é importante cuidar do nosso corpo, porém, abrimos um parêntese para lembrar que não podemos deixar de viver nossas experiências no mundo e na natureza devido a um padrão corporal exigido pela sociedade. Em vista disso, é necessário destacar que o corpo é aquele que intermédia as relações das experiências entre o homem, a natureza e a cultura, contribuindo para a materialização de um vasto repertório de habilidades e conhecimentos. Em seus diversos estudos filosóficos, Merleau-Ponty aborda o entrelaçamento do corpo, com o mundo, a natureza e a cultura, afirmando-o como algo incompleto, que está aberto para as novas experiências. Portanto, à medida que o homem se relaciona com a natureza, a cultura e o mundo, vai se constituindo como um novo sujeito, com novas percepções, aprendizados e entendimentos dos fenômenos que estão ao nosso redor. (Merleau-Ponty, 2011)
Em consonância com nosso pensamento, um estudo produzido por Andrieu, e Nóbrega (2016, p. 55 e 56) destacou que aquele que pratica o naturismo pode adquirir uma ecologia corporal. Segundo os autores, essa prática objetiva-se em edificar novos parâmetros para refletir a relação entre corpo, natureza e sociedade. Em pormenores, a ecologia corporal proporciona aos sujeitos naturistas uma responsabilidade que interliga a consciência corporal por meio de reflexões sobre os atos que fazemos no mundo e as consequências advindas. A ecologia corporal permite que passemos mais a observar o “nosso estilo de vida, nossos modos de produção e consumação”.
Continuando com a análise da nossa pesquisa, observamos que a maioria das pessoas entrevistadas não tinha o Naturismo como hábito, mas foi quase por unanimidade que todas relataram o sentimento de liberdade que sentiram ao vivenciar tal momento. O entrevistado(a) 02 relatou em seu discurso que o Naturismo “Foi uma experiência maravilhosa, senti meu corpo livre” e complementou dizendo que: “Percebi que meu corpo era igual ao de qualquer um que ali estava. As pessoas não reparavam em nada e não intimidavam ninguém, foi quando percebi que todos agiam naturalmente e que ninguém era diferente de ninguém”. Outro entrevistado(a) 03 abordou em seu discurso que inicialmente sentiu uma “sensação de vergonha”, mas com o passar do tempo, na praia de naturismo, habituou-se ao estilo de vida naturista, a qual a sensação de vergonha “deixou de existir e ficou uma coisa normal”.
Diante do exposto acima, é indispensável destacar que o entrevistado(a) 02, apesar de reconhecer a liberdade promovida ao corpo pelo naturismo e pelo contato com a natureza, ainda chegou a comparar seu corpo com aqueles que estavam em sua volta. Logo, o referido entrevistado(a) só deixou de realizar tal comparação quando percebeu que os demais não o olhavam. Provavelmente, os naturistas que tiveram contato com o entrevistado(a) 02 tinham costumes de frequentar praias naturistas. Para tanto, nesse caso, tal rotina passa a ser vista como um hábito cultural, ou seja, o nu deixa de ser vivenciado como uma prática de exposição e passa a ser compreendido como um momento de exploração daquilo que está presente no mundo e na natureza.
Levando em consideração os pensamentos filosóficos de Merleau-Ponty (2011), o fato dos entrevistados(as) 02 e 03 ficarem desinibidas e se permitirem viver a liberdade proporcionada pelo naturismo, mesmo que de modo inicial tenham ficado envergonhadas, ocorre devido à possibilidade de o corpo perceber o mundo e o que está nele. Esse processo de percepção, segundo o filósofo por último citado,atua nos sensibilizando, permitindo que realizemos operações mentais, atribuindo novos significados as coisas e aos acontecimentos, até mesmo, efetuar escolhas e tomar decisões. De acordo com a reflexão de Merleau-Ponty podemos inferir que o somatório das idas as praias de naturismo, pode sensibilizar a percepção do praticante fazendo-o observar elementos presentes na natureza e dali extrair informações, sensações e sentimentos. Cada ida a esse universo, portanto, é uma oportunidade de construir novos conhecimentos e um novo mundo.
De acordo com as respostas dos questionários, identificamos um ponto que é interessante analisar nessa pesquisa, que foi a primeira forma de como os entrevistados(as) chegaram a praia de naturismo. De um modo geral, percebemos que o primeiro contato das pessoas que foram à praia naturista deu-se por curiosidade, em seguida por indicação ou devido a algum praticante da família. Respectivamente, os entrevistados 05, 06 e 07 afirmaram que foram à primeira vez a praia de naturismo por “uma opção minha”, “Ninguém me convenceu, fui apenas por curiosidade, apenas experimentei”, “Ninguém, apenas vontade própria”. A curiosidade é o fator que desafia o homem em certos momentos da vida. Ela é o desejo irreprimível de ver, saber e a busca pelo aprender. (Buzzi, 1972)
Outro ponto que deve ser evidenciado refere-se ao discurso de que alguns pesquisados relataram ter ido à praia de naturismo pela primeira vez por influência da mídia, especialmente da Internet ou da TV. O entrevistado(a) 09 relatou que conheceu pela primeira vez a praia de naturismo devido as propagandas que viu nas agências de turismo, nos blogs naturistas e nas redes sociais. Dessa forma, infere-se que a mídia, como regradora da vida em sociedade, manifesta-se utilizando seu poder de sedução para estimular e atrair a atenção da população para seus focos de interesse. Partindo disso, Andrieu, e Nóbrega (2016) apresentaram em seu estudo um panorama do naturismo no Brasil, enfatizando que após a redemocratização do país, algumas revistas foram responsáveis pela divulgação do naturismo. Os estudiosos destacaram que a democratização da prática permitiu que fossem criadas federações e associações com códigos de éticas, a fim de proporcionar lazer e uma educação ambiental.
O entrevistado(a) 10 apontou nas respostas do seu questionário que foi a primeira vez na praia de Naturismo devido a curiosidade dos seus familiares (os pais). Diante desse contexto, entendemos que os parentes mais próximos influenciam de forma considerável na vida dos seus familiares. Para Pratta, e Santos (2007), a família corresponde a um grupo social que exerce marcada influência sobre a vida das pessoas, sendo encarada como um grupo com uma organização complexa, inserido em um contexto social mais amplo com o qual mantém constante interação. Portanto, quando o indivíduo já está inserido no universo do Naturismo, ele tende a achar esse comportamento natural, comum.
Além da família, os amigos também possuem grande influência na vida das pessoas, visto que, o entrevistado(a) 03 disse ter conhecido o movimento naturista por intermédio de um amigo indígena. Talvez, essa influência tenha sido umas das mais esclarecedoras, quanto ao sentimento de estar nu na natureza, pois, esse hábito faz parte dos aspectos comportamentais e culturais dos nossos nativos. O entrevistado(a) declarou: “Um amigo indígena me levou, em 2001 na comunidade Gurugi no Conde/PB”.
Pelos discursos encontrados nos questionários, podemos observar que a experiência com o Naturismo foi algo significante e que está atrelada a cultura dos indivíduos, notamos que a partir dessa experiência as pessoas passaram a reconhecer os seus corpos inerentes à natureza que os cerca. É forte o fator que liga a natureza e a cultura, apesar de conceitos diferentes, eles se comunicam entre si. Reconhecemos, portanto, que corpo, natureza e cultura se interpenetram através de uma coerência recorrente. “O que é biológico no ser humano encontra-se simultaneamente infiltrado de cultura. Todo ato humano é biocultural”. (Mendes, e Nóbrega, 2009, p. 5)
O corpo naturista na natureza
Na obra A Natureza, Merleau-Ponty (2000, p. 327) apresenta uma forte crítica à ciência pelo fato dela não “estabelecer um tratamento científico da natureza, de pensar a sua verdade”. O autor também repreende a forma de como a filosofia trata a natureza colocando-a em um jogo de inconstância, sem fim entre noções de corpo e alma, natureza e humanidade. Em consonância Nóbrega (2014) diz que é preciso liberá-la desse jogo de vaivém entre uma filosofia da essência, centrada no dualismo substancialista, e uma filosofia da existência, que considera a união do corpo e da alma.
Diante do exposto, Merleau-Ponty compreende a Natureza como folha ou camada do Ser, ou seja, fazemos parte desse universo, somos cortados por ela e, por mais que sejamos desvelados por ela temos uma relação, pois a própria natureza nos condiciona ao seu próprio conhecimento, nos esclarece sobre outros seres e o mundo. Essa condição de reciprocidade só é possível devido nosso corpo está presente no meio ambiente ao qual ele denomina de unwelt. A condição do Ser no unwlet possibilita, assim, a compreensão do corpo naturista em busca da natureza.
Na definição de Naturismo estabelecida pela Federação Internacional da referente prática, percebe-se a integração do corpo de quem pratica o Naturismo junto à natureza. Assim, a Federação aponta que o Naturismo consiste em um modo de vida em harmonia com a natureza expressada pela nudez social e caracterizada pelo respeito a si mesmo e as pessoas com outras opiniões e ao meio ambiente. Ao incorporar dentro do conceito aspectos sociais e ecológicos, os naturistas procuram distinguir-se dos nudistas que em seu entender são pessoas que se desnudariam apenas por prazer individual, sem nenhum sentido filosófico.
Quanto ao contexto filosófico do Naturismo entendemos que essa prática implica em um exercício da vida em fraternidade, da reaproximação com a natureza e da busca da pureza espontânea que são algumas formas de resgatar aquilo de bom e natural que nasce conosco. O naturismo não se resume apenas ao ato de só tirar a roupa, mas também nossas armas e máscaras.
Os nossos dados revelaram que as pessoas naturistas entrevistadas percebem que a prática do Naturismo favorece o regaste do corpo ao natural e de intimidade com a natureza. Assim, respectivamente, os entrevistados(as) 02, 03, 05, 06, 07, 09 e 10 falaram que sentiram: “Integrado e em harmonia. Amado pela terra e pelo mar e ar”, “Sensação de liberdade e bem-estar”, “Livre de tudo, até de mim mesmo, retorno ao natural”, “me senti realmente em contato com a natureza”, “Senti como se meu corpo fizesse parte do ambiente. O contato com a água do mar e com o vento me fez perceber que somos parte integrante da natureza”, “Tive a sensação de liberdade onde meu corpo era livre pra ser como é”, “O sentido de ser livre, sentir tranquilo”. O estudo de Villaret (2020) aponta o naturismo como uma forma de retorno a natureza e que esse encontro do corpo com a natureza promove efeitos terapêuticos.Como também outros estudos mostram que a prática do Naturismo traz benefícios a autoimagem, causando um efeito de diminuição da ansiedade física e social. (West, 2018; 2020; 2021)
Apesar de termos a noção do quão é importante o contato do corpo com a natureza, nos discursos encontrados nos dados, vimos que alguns entrevistados(as) não aproveitaram a interação com o ambiente. Nas falas, respectivamente, dos entrevistados(as) 12, 16 e 20 percebemos a preocupação que tiveram de os outros virem seus corpos nus: “Um pouco intimidado, uma sensação parecida com vergonha”, “Bem, talvez certo desconforto, mas não de ver outros corpos nus, mas de ser visto”, “Fiquei tão preocupada com o meu corpo que não me preocupei com a presença de outros corpos nus”. O interessante de destacar em tais falas, é que os entrevistados não tiveram vergonha de ver outros corpos nus, mas de serem vistos, o que gerou muita insegurança.
Diante do exposto acima, Merleau-Ponty (2000) explica que as condutas humanas são frutos das condições comportamentais, pois, além de sermos corpos, somos humanos, individuais e vivemos em condições diferenciadas. O autor enaltece e afirma o corpo como um lugar do comportamento, e que este não desce sobre o organismo, mas insurge das condições embrionárias, da diferenciação, do unwelt. Para Nóbrega (2014, p. 1186), “o modelo de ser não está no organismo, mas alhures, nas relações com o unwelt para os seres vivos e com o mundo da história e da cultura para os humanos”.
Outro ponto que desprendeu nossa atenção nos discursos analisados foi o fato dos entrevistados(as) relatarem a respeito da natureza a partir dos elementos que a compõe, como: mar, água, vento e estrelas. Esses elementos simbólicos da natureza possuem diversos significados e representações na vida dos naturistas entrevistados(as). Para Nóbrega (2014), o modo de como percebemos as coisas só é possível devido às afecções do corpo que nos abre um campo aberto de significações, fazendo nos notar elementos ao qual estamos acostumados de modo diferente. Merleau-Ponty (2000), diz que é necessário que compreendamos a estesiologia, o simbolismo, pois por meio desse logos estético é possível a compreensão de uma linguagem a qual entenderemos melhor o conhecimento sensível do mundo.
Postas as discussões acima, notamos a existência de um entrelaçamento entre corpo, cultura e natureza, porém,é visível que novos estudos sejam realizados sobre tais fenômenos, uma vez que ainda são marginalizados pela ciência. Para tanto, precisamos compreendê-los melhor, pois estamos rodeados por uma natureza e vivemos com outros corpos sociais e culturais. Em fim, somos corpos e estamos submersos num mundo que é constituído por uma natureza, vivendo a todo o momento sob o fenômeno da cultura.
Ao investigarmos o entrelaçamento do corpo com a cultura e a natureza, percebemos uma estreita relação desses fenômenos com a Educação Física, já que essa última é configurada também pelos conceitos discorridos nesse estudo. Nessa condição, temos por obrigação de apontarmos algumas notas que demonstrem tal entrelaçamento e suas contribuições para a amplificação dos conhecimentos na Educação Física.
Conclusões
O conceito biológico de corpo o evidencia como uma constituição de ossos e carne, como um instrumento mecânico, fisiológico e anatômico. Os filósofos Descartes e Platão sustentavam a ideia dualista do corpo enfatizando o como algo material. Por sua vez, Merleau-Ponty o nota como algo em sentido maior, apontando-o como mediador da relação entre o homem e o mundo. Para o último autor, o corpo é quem materializa a subjetividade humana, transformando em fenômenos observáveis os sentimentos, emoções, pensamentos, desejos. É através dele que nos mostramos aos outros, como também os outros se mostram. (Merleau-Ponty, 2011)
Não podemos negar a importância do sistema nervoso para o funcionamento do corpo, pois nossos movimentos, reações, sentimentos e sentidos são produzidos devido à interação dos elementos sensores e efetores. Assim, o organismo tem a relação com o meio e o sistema nervoso gera correlações que dão origem ao comportamento. De tal forma, o corpo vive em um eterno processo de organização,assim como pensa Merleau-Ponty (2011) que o corpo não realiza o mesmo movimento mais de uma vez. Mendes, e Nóbrega (2004) explicam que isso acontece por meio de microprocessos, tornando impossível que percebamos as mudanças ocorrentes em nossos corpos. Segundo as autoras por último citadas, essa dinâmica da transformação acontece graças à unidade entre humanidade e animalidade, corpo e mente, razão e emoção, natureza e cultura.
Diante o exposto acima, refletimos que as práticas de Educação Física promovem ao corpo uma dinamicidade de movimentos que aos poucos vão se modificando, tornando o praticante mais ciente do seu corpo, do que ele tem e das suas possibilidades. Nesse sentido, o sujeito que pratica a Educação Física vai adquirindo o que chamamos de consciência corporal, com um vasto repertório cultural de movimentos.
Nas discussões apontadas nesse estudo, foi visto as diversas formas como o corpo, a cultura e natureza se dialogam. Tal entrelaçamento germinou na Educação Física um termo chamado corpo estesiológico. Nóbrega (2014, p.1193) aponta que a estesiologia corporal acontece devido à carne de o corpo ser feita do mesmo estofo do mundo, portanto, é cortada pela historicidade, pelas afecções, pela experiência vivida. Inferimos, assim, que tanto na Educação Física quanto no Naturismo, os nossos corpos são submersos no mundo das experiências. Diante dessas vivências, nossos corpos vão conter um maior repertório de sensações e emoções, oferecendo-nos uma melhor compreensão dos significados do que está em nossa volta. Isso também melhora nossa desenvoltura motora, facilitando a expressão dos nossos gestos e movimentos, o que, consequentemente, melhora nosso processo comunicativo.
A possibilidade da compreensão da linguagem sensível por meio dos gestos faz com que os indivíduos atribuam sentidos as diversas ações que são produzidas pelo corpo. É preciso que a Educação Física não se prenda apenas ao corpo em seu contexto biológico, mas como um elemento de experiências, que se transforma dia a dia. Tal atitude pode contribuir para que novos estudos sejam realizados e que os termos estesiologia, ecologia corporal, corporeidade e da cultura de movimento sejam mais bem compreendidos. Este modo de pensar a Educação Física, oportunizará, no cunho pedagógico, aulas com sentidos para o fomento de um corpo disciplinado pela natureza e cultura, um corpo formado por uma educação e para uma educação formadora de cidadão com conhecimentos.
Em
consonância com o nosso pensamento, Carbinatto, Nayana
Ribeiro, e Patricio (2023) chamam atenção
para que a Educação Física não seja mais empreendida como um campo do
conhecimento focado em contextos simplistas e mecânicos do movimento. Os
autores alertam que este é um caminho sem volta, pois ao se apropriar dessa
Educação Física errônea, negligenciaremos características importantes e
intrínsecas do homem, como o movimento do corpo, o que pode nos privar, por
exemplo, da liberdade e da criatividade. Portanto, de acordo com a proposição
dos últimos autores, percebe-se que o naturismo é uma prática que possibilita
o corpo vivenciar um combo de experiências no mundo, o que vai consolidar com a
compreensão de quem nós somos, quais nossos potenciais, o que,
consequentemente, vai colaborar com o nosso entendimento de mundo e a produção
do conhecimento.
Referências
Andrieu, B., e Nóbrega, T. P. de (2016). O Naturismo como ecologia do corpo: um exemplo vivido na praia de Tambaba, Paraíba, Brasil. Licere, 19(4), 34-59. https://doi.org/10.35699/1981-3171.2016.1352
Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Edições 70.
Breunig, F.F., Campelo, C.B., e de Souza Mendes, M.I.B. (2021). Ser corpo com a natureza, ser natureza com o corpo. Revista Latinoamericana de Estudios sobre Cuerpos, Emociones y Sociedad, (36), 92-94. http://www.relaces.com.ar/index.php/relaces/article/view/474
Buzzi, A.R. (1972). Introdução ao Pensar: O Ser, o Conhecimento, a Linguagem. Editora Vozes.
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 306, Nov. (2023)