ISSN 1514-3465
Microbiota intestinal e autismo. Uma revisão integrativa de literatura
Intestinal Microbiota and Autism. An Integrative Review of the Literature
Microbiota intestinal y autismo. Una revisión integradora de la literatura
Flavio Marques Damasceno
*flaviomarques10@yahoo.com.br
Gyselle Maria Lima Ferreira
**gyselle_160@hotmail.com
Jaime Conrado Aragão Neto
**flaviomarques10@yahoo.com.br
Fablícia Martins de Sousa
***fabli.ed.fisica@gmail.com
Iranir Ferreira da Silva
+antoniodasilvagomes@yahoo.com.br
Isabelle de Sousa Silva
++isabellefisio@gmail.com
Liduina Joyce Prado Linhares
++liduinafisio@gmail.com
*Fisioterapeuta, Mestre em ciências da saúde
Centro Universitário INTA (UNINTA)
**Nutricionista, Especialista em Urgência e emergência
Centro Universitário INTA (UNINTA)
***Educadora Física. Especialista em Saúde da Família
Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA)
+Assistente social, Especialista em Saúde da Família
Centro Universitário INTA (UNINTA)
++Fisioterapeuta, Especialista em Saúde da Família
Centro Universitário INTA (UNINTA)
(Brasil)
Recepção: 07/11/2023 - Aceitação: 07/07/2023
1ª Revisão: 23/05/2023 - 2ª Revisão: 30/06/2023
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Damasceno, FM, Ferreira, GML, Neto, JGA, Sousa, FM, Silva, IF, Silva, IS, e Linhares, LJP (2023). Microbiota intestinal e autismo. Uma revisão integrativa de literatura. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(304), 192-204. https://doi.org/10.46642/efd.v28i304.3737
Resumo
O Transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por déficit de comunicação e interação social bem como de comportamentos repetitivos e anomalias sensoriais. A existência de uma alteração da microbiota intestinal é capaz de exercer influência no trato gastrointestinal de indivíduos com TEA. Assim surge o questionamento: qual o papel da microbiota intestinal nas desordens do TEA? Este estudo objetiva realizar uma revisão na literatura sobre a influência da microbiota intestinal no TEA. Quanto a metodologia trata-se de um estudo de revisão integrativa de literatura de caráter descritivo, realizada de junho a setembro de 2022, na Biblioteca Virtual de Saúde - BVS, MEDLINE via Pubmed, SciELO e LILACS, utilizando como palavras-chave “Transtorno do Espectro Autista", "microbiota intestinal" e "nutrição”, analisando artigos dos últimos 10 anos, em português, inglês e espanhol. Após o levantamento, encontrou-se 105 trabalhos, e com a filtragem criteriosa foram selecionados 11 artigos. A análise demonstrou que pacientes com TEA evoluem para algum grau de inflamação intestinal e dependendo da gravidade, sendo que alterações na microbiota intestinal apresenta-se diretamente relacionados a sintomas como inchaço abdominal, constipação e deficiência de dissacaridase. Na realidade o padrão alimentar seletivo comum do TEA proporciona alterações na microbiota assim como a deficiência de vitaminas e minerais importantes que contribuem também para a ocorrência dessa desordem. Conclui-se que o estudo apresenta a influência da microbiota intestinal no TEA, podendo servir como base para investigações futuras.
Unitermos:
Transtorno do Espectro Autista. Microbiota intestinal. Nutrição.
Abstract
Autism Spectrum Disorder (ASD) is characterized by deficits in communication and social interaction, as well as repetitive behaviors and sensory anomalies. The existence of a change in the intestinal microbiota is capable of influencing the gastrointestinal tract of individuals with ASD. Thus, the question arises: what is the role of the intestinal microbiota in ASD disorders? This study aims to review the literature on the influence of the intestinal microbiota on ASD. As for the methodology, this is an integrative literature review study of a descriptive nature, carried out from June to September 2022, in the Virtual Health Library - BVS, MEDLINE via Pubmed, SciELO and LILACS, using as keywords "Disorder of Autistic Spectrum", "intestinal microbiota" and "nutrition", analyzing articles from the last 10 years, in Portuguese, English and Spanish. After the survey, 105 works were found, and with careful filtering, 11 articles were selected. The analysis showed that patients with ASD evolve to some degree of intestinal inflammation and depending on the severity, changes in the intestinal microbiota are directly related to symptoms such as abdominal swelling, constipation and disaccharidase deficiency. In fact, the common selective eating pattern of ASD causes alterations in the microbiota as well as the deficiency of important vitamins and minerals that also contribute to the occurrence of this disorder. It is concluded that the study presents the influence of the intestinal microbiota on ASD, which can serve as a basis for future investigations.
Keywords:
Autistic Spectrum Disorder. Intestinal microbiota. Nutrition.
Resumen
El Trastorno del Espectro Autista (TEA) se caracteriza por deficiencias en la comunicación y la interacción social, así como conductas repetitivas y anomalías sensoriales. La existencia de cambios en la microbiota intestinal puede influir en el tracto gastrointestinal de personas con TEA. Surge entonces la pregunta: ¿cuál es el papel de la microbiota intestinal en los trastornos del TEA? Este estudio tiene como objetivo revisar la literatura sobre la influencia de la microbiota intestinal en los TEA. Se trata de un estudio integrador de revisión bibliográfica de carácter descriptivo, realizado de junio a septiembre de 2022, en la Biblioteca Virtual en Salud - BVS, MEDLINE vía Pubmed, SciELO y LILACS, utilizando las palabras clave “Trastorno del Espectro Autista", "microbiota intestinal" y "nutrición", analizando artículos de los últimos 10 años, en portugués, inglés y español. Después de la búsqueda, se encontraron 105 trabajos y, con un filtrado cuidadoso, se seleccionaron 11 artículos. El análisis mostró que los pacientes con TEA evolucionan hacia algún grado de inflamación intestinal y, dependiendo de la gravedad, los cambios en la microbiota intestinal están directamente relacionados con síntomas como hinchazón abdominal, estreñimiento y deficiencia de disacaridasa. De hecho, el patrón alimentario selectivo común de las personas con TEA provoca alteraciones en la microbiota así como la deficiencia de importantes vitaminas y minerales que también contribuyen a la aparición de este trastorno. Se concluye que el estudio presenta la influencia de la microbiota intestinal en los TEA, lo que puede servir de base para futuras investigaciones.
Palabras clave
: Trastorno del Espectro Autista. Microbiota intestinal. Nutrición.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)
Introdução
O transtorno do espectro autista (TEA) é caracterizado por ser uma síndrome de etiologia indeterminada, mas que apresenta manifestações clínicas e fenotípicas que levam a alterações importantes como déficit de comunicação e interação social bem como de comportamentos repetitivos e anomalias sensoriais. (Carvalho, 2012)
Na maioria dos casos de TEA o indivíduo apresenta dificuldades adaptativas antes da faixa etária dos três anos. As principais causas para a ocorrência de TEA ainda não são bem identificadas, entretanto, sabe-se que a maioria dos casos afeta crianças do sexo masculino e independe de outros aspectos como etnia ou região. Devido a sua grande variabilidade de sintomas, alguns estudos descrevem o autismo com uma origem hereditária. Um achado genético importante está na associação do transtorno autista com as variantes de DNA que ocorrem espontaneamente na linhagem parental durante a meiose. (An, e Claudianos, 2016)
De acordo com Mayer (2011), as interações entre o trato gastrointestinal e o cérebro têm sido estudadas por psiquiatras, médicos e psicólogos. Somente a partir do século XIX com a descrição mais precisa do sistema entérico foi que essa relação do trato gastrointestinal com o sistema nervoso passou a ter maior interesse pelos pesquisadores. Na realidade o sistema entérico é considerado o terceiro ramo do sistema nervoso autônomo, com seus neurotransmissores e moléculas de sinalização que envolve modulações bilaterais entre os sistemas endócrino e imunológico sendo considerado o eixo intestino-cérebro.
Finegold (2012) ressalta que no TEA além das condições genéticas comuns, existem também os fatores ambientais e nutricionais que também merecem atenção especial nesses casos. Na realidade as crianças TEA possuem a deficiência de determinados aminoácidos como a tirosina e o triptofano, por exemplo, sendo que estes atuam como importantes neurotransmissores entre os tecidos. Por isso a falta de alguns aminoácidos pode indicar restrição alimentar de alguns produtos, mas também existe uma alteração da microbiota intestinal exerce influência.
Embora ainda sejam necessários estudos mais específicos, a microbiota intestinal possui relação direta e deve ser levados em consideração no tratamento do TEA, logo é comum que um transtorno de comportamento que pode ser agravado por problemas gastrintestinais e cognitivos. As intervenções com o uso de probióticos têm levado a melhora do comportamento e comunicação desses pacientes, assim como de sintomas gastrointestinais. Os probióticos apresentam efeitos positivos uma vez que estes influenciam diretamente nas condições neuropsicológicas relacionados às alterações de humor, ansiedade, ciclotimia e até mesmo de algumas condições de depressivas. (Louis, 2014)
Diante dos questionamentos anteriores e tendo em vista que os estudos têm demonstrado essa relação intestino-cérebro e sua interferência no comportamento de crianças com TEA, podendo intensificar os distúrbios comportamentais, se faz necessário uma revisão na literatura para conhecer mais sobre o assunto. Acredita-se que a microbiota intestinal possa modular o sistema imunológico favorecendo uma melhora do quadro comportamental em crianças portadoras do TEA.
Com base nos pressupostos apresentados acima, surgiram inquietações que levaram a elaborar a seguinte questão norteadora: qual o papel da microbiota intestinal nas desordens do TEA? O objetivo do presente estudo é realizar uma revisão integrativa na literatura cientifica sobre a influência da microbiota intestinal no TEA.
Metodologia
O presente trabalho trata-se de um estudo do tipo revisão integrativa de literatura com caráter descritivo. De acordo com Fogliatto (2007) este tipo de estudo reúne fonte de diferentes origens a fim elaborar ideias que possam construir de maneira diferente uma nova forma ou teoria de apresentação de um assunto comum, ou que já é conhecido.
Toda a pesquisa foi realizada no período entre os meses de junho a setembro de 2022 sendo realizado um levantamento teórico de informações nas principais bases de dados de publicações. A busca pela bibliografia ocorreu nas bases de dados da Biblioteca Virtual de Saúde (BVS) e suas bases indexadas como a Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS). O levantamento de dados teve início a partir de uma pergunta norteadora e em seguida a utilização de palavras-chave Transtorno do Espectro Autista, microbiota intestinal e nutrição.
Quanto aos critérios de inclusão optou-se por artigos científicos publicados nos últimos 10 anos e que estivessem disponíveis no formato gratuito em alguma das bases de dados citadas anteriormente. Não houve restrição quanto ao idioma utilizado nas publicações podendo ser incorporado pesquisas disponíveis em português, inglês e espanhol.
Foram excluídos os demais trabalhos como teses e dissertações bem como os artigos repetidos e fora da temática pesquisada. As referências de artigos incluídos na presente revisão foram consultadas a fim de identificar outros estudos potencialmente elegíveis.
Os trabalhos encontrados foram submetidos aos critérios de avaliação, os quais incluíram o ano de publicação, título, resumo e qualidade do texto integral. Nesta fase todos os artigos que claramente não atendiam aos critérios foram excluídos. Os artigos selecionados foram analisados a partir da leitura do texto completo e os artigos elegíveis foram então identificados.
Resultados
Após o levantamento de dados, foi encontrado inicialmente um total de 105 trabalhos, destes apenas 89 estavam disponíveis no formato completo e 80 eram artigos científicos. Após a análise mais criteriosa dos trabalhos, foi selecionado um total de onze artigos que compõem o corpo desta pesquisa.
Para melhor entendimento dos dados analisados nos trabalhos, foi elaborado um quadro organizacional conforme o título dos trabalhos, autores, metodologia e amostragem, revista e ano de publicação.
Quadro 1. Distribuição dos artigos que formam o corpo da pesquisa segundo título
do trabalho, autor, metodologia e principais resultados, revista e ano de publicação
|
Titulo |
Autores |
Metodologia |
Resultados |
Revista
e ano de Publicação |
1 |
Disbiose
intestinal e a citotoxicidade da bactéria desulfovibrio sp. nos
sintomas do transtorno do espectro autista |
Watanabe
et al. |
Estudo
descritivo. |
Existe
uma relação dos sintomas do autismo com a alteração da microbiota
gastrointestinal e essa hipótese é apoiada por estudos que pode
conduzir a uma melhor classificação do autismo. |
Revista
Saúde & Ciência 2018 |
2 |
Relato
de experiência: intervenção multiprofissional sobre seletividade
alimentar no transtorno do espectro autista. |
Magagnin
et al. |
Trata-se
de um estudo descritivo relatando a experiência. |
As
atividades foram direcionadas a apresentação dos alimentos a partir de
práticas pedagógicas com uso de músicas atividades lúdicas, logo a
boa alimentação garante o restabelecimento da microbiota intestinal no
caso das crianças com TEA. |
Revista
multidisciplinar 2019 |
3 |
Perfil
nutricional de crianças portadoras do transtorno do espectro autista. |
Caetano
et al. |
Abordagem
de natureza exploratória e transversal. |
Das
crianças avaliadas (38,5%) apresentaram sobrepeso, destas (23,1%)
obesidade. Identificou-se inadequação no consumo de vitaminas e
minerais importantes para metabolismo celular e consequentemente
desequilíbrio da microbiota intestinal. |
Revista
Brasileira de Promoção da Saúde 2018 |
4 |
Autismo:
aspectos nutrológicos das dietas e possível etiologia. |
Ardele
et al. |
Estudo
do tipo descritivo qualitativo. |
Foi
verificado que a os sintomas gastrointestinais identificados nas crianças
com TEA estão diretamente associados com alterações da microbiota
intestinal, sobretudo pelos baixos níveis de bifidobactérias e mais
elevados de lactobacilos. |
Revista
internacional de nutrologia 2018 |
5 |
The
microbiota-gut-brain axis and its potential therapeutic role in autism
spectrum disorder. |
Li.
Q.; Zhou, J. |
Estudo
com abordagem descritiva. |
Os
disturbios gastrointestinais presentes em individuos com TEA estão
constatemente associados a deficiência na microbiota intestestinal que
leva o individou a desemvolver maiores infecções. |
Revista
Neuroscience 2016 |
6 |
Microbiome
Disturbances and Autism Spectrum Disorders. |
Rosenfeld,
C.S. |
Trabalho
de campo. |
O
estudo identificou que existem vários mecanismos pelos quais a
microbiota impactam o individuo com TEA. Alguns desses métodos envolvem
o controle exigente dos sistemas hormonais e epigenéticos que
consequentemente promovem alterações gastrointestinais. |
Revista
Drug metabolism and disposition 2015 |
7 |
The
Perturbance of Microbiome and Gut-Brain Axis in Autism Spectrum
Disorders. |
Fowlie
et al. |
Estudo
exploratório. |
Foi
encontrado uma associação entre os individuos com TEA e a microbiota
intestinal. O supercrecimento de agentes microbianos como bacterias,
candida e firmicutes estão associados ao aumento dos disturbios
gastrointestinais nesse grupo de pessoas. |
Revista
internacional Molecular Sciences 2018 |
8 |
Autism
Spectrum Disorders and the Gut Microbiota. |
Fattorusso
et al. |
Trabalho
descritivo. |
A
disbiose intestinal presente no individuo com TEA contribue para o
estado inflamatório sistêmico e a ocorrencia de comorbidades
gastrointestinais. |
Revista
nutrientes 2019 |
9 |
Gut
microbiota in autism and mood disorders. |
Mangiola
et al. |
Estudo
descritivo qualitativo. |
O
estudo identificou que alterações da microbiota intestinal
apresenta-se frequentemente em indivíduos com TEA. A
aplicação de moduladores terapêuticos de microbiota intestinal para
tem sido uma alternativa viavel para o tratamento dos disturbios
relacionados ao TGI. |
Revista
World Gastroenterol 2016 |
10 |
Microbiota
gastrointestinal aeróbica en niños con trastorno del espectro autista.
Estudio preliminar. |
Moreno
et al. |
Estudo
do tipo experimental prospectivo com 39 crianças portadoras de TEA. |
Foi
constatado que 79,5% dos indivíduos apresentavam algum grau de disbiose
intestinal, sendo relacionado principalmente a presença de agentes como
a klebsiella spp, streptococcus sp
e campylobacter coli. |
Revista
Gen 2015 |
11 |
Manifestaciones
gastrointestinales en niños con trastorno de espectro autista. |
Garcin
et al. |
Estudo
descritivo de abordagem qualitativa. |
Os
individuos portadores de TEA apresentam maiores riscos de complicações
nutricionais, especialmente pelas deficiências minerais e de vitaminas
que são provenientes da falta de absorção promovida pela disbiose
intestinal. |
Revista
de Medicina 2015 |
Fonte: Elaborada pelos autores
Ao realizar uma análise mais detalhada distribuição da amostra obtida (n=11), verifica-se que o ano de publicação variou entre o período de 2015 a 2019. Entretanto, ressalta-se o fato de que não foi possível encontrar trabalhos que contemplassem a temática analisada no período de 2009 a 2014, no ano de 2017, e no período de 2020 a 2022, entretanto isso não foi suficiente para promover lacunas no estudo.
Já com relação aos periódicos analisados, o destaque é dos periódicos internacionais que representam neste estudo 63.6% (n=7) da nossa amostra, sendo que destes 45,4% (n=5) disponíveis em inglês e 17,9 (n=2) estão disponíveis no idioma espanhol, enquanto os outros 25,8% (n=4) disponíveis em português. Entretanto, nenhum dos periódicos analisados apresentou mais do que uma publicação em cada.
Ao realizar o delineamento dos estudos conforme a metodologia, as pesquisas do tipo descritivas foram as que mais se destacaram com 45,4% (n=5). Já as pesquisas do tipo exploratório aparecem com 18,1% (n=2), os demais estudos tipo relato de experiência, estudo de campo, estudo experimental e estudo de descritivo apresentaram apenas uma publicação cada.
Discussões
O disposto a seguir apresenta algumas considerações sobre a interação que existe entre a microbiota intestinal e as funções do sistema nervoso no paciente com TEA. Vale ressaltar que compreender essa abordagem é de fundamental importância para que os profissionais possam identificar com maior facilidade as razões do surgimento de determinadas comorbidades junto ao indivíduo com TEA, sendo esta uma promissora área para a realização de pesquisas.
A análise na literatura pesquisada apresentou que comumente os pacientes com TEA evoluem para algum grau de inflamação do trato gastrointestinal. Moreno et al. (2015) ressaltam que essa situação é de extrema importância, logo o correto equilíbrio da parede intestinal é de grande valia para que ocorra a boa absorção dos nutrientes além de ser capaz também de bloquear o acesso de determinadas toxinas, como alguns alérgenos e bactérias que podem ser prejudiciais à saúde. Por isso as deficiências nesse sistema bem como as alterações da microbiota intestinal podem ser responsáveis por alterações no neurodesenvolvimento apresentadas no TEA.
Para Fowlie, Cohen, e Ming (2018) pelo menos 50% das crianças portadoras de TEA tendem a sofrer de pelo menos um sintoma gastrointestinal sendo os mais comuns a diarréia e episódios de constipação intestinal. Além disso, o seu estudo demonstra que gravidade dos sintomas gastrointestinais está diretamente relacionado com os sintomas do autismo. Por esses achados propõem-se que existe um potencial papel do ambiente intestinal que contribui para a patogênese do TEA.
Watanabe, Santos, Franciosi, e Campois (2018) ao realizar um estudo com indivíduos com TEA constataram que esses indivíduos apresentam uma série de alterações de ordem gastrointestinais sendo os mais comuns encontrados a diarréia crônica, moderada ou grave, refluxo esofágico, dor abdominal e excesso de gases sendo estas algumas das consequências do quadro de constipação que comumente acomete esse grupo de pessoas. Os autores destacam ainda a presença de outras anormalidades como inchaço abdominal e deficiência de dissacaridase devido às alterações da microbiota gastrointestinal que se relaciona diretamente com a gravidade da doença.
Ao realizar uma abordagem multiprofissional em crianças com TEA Magagnin et al. (2019) ressaltam que além dos achados descritos anteriormente é muito comum que os portadores de TEA apresentem maior vulnerabilidade nutricional devido à adoção de um padrão alimentar seletivo além de apresentarem maior sensibilidade sensorial que os predispõe à ingestão restrita. Ainda conforme os autores esta seria uma das razões no qual proporciona ao paciente com TEA maiores alterações da composição e função da microbiota intestinal.
Ainda com relação à discussão sobre a seletividade alimentar dos indivíduos com TEA, uma pesquisa realizada por Garcin, e Rochman (2015) constataram que esse grupo de crianças possuem até 5 vezes maior risco para desenvolver um distúrbio alimentar. Ao realizar uma dieta seletiva, esses indivíduos possuem preferência pelo consumo de alimentos processados e ricos em amido como os lanches de forma geral. Essas alterações podem passar despercebidos, pois tendem a não comprometer a integridade intestinal a curto prazo. No entanto, os sujeitos se encontram em risco de complicações nutricionais e médicas a longo prazo, especialmente deficiências minerais e vitamina, além de comprometer a mineralização óssea.
Semelhante ao estudo anterior, Caetano, e Gurgel (2018) ao realizar uma pesquisa com 26 crianças portadoras de TEA, verificaram que a maioria estava alimentando-se de forma inadequada, por isso consequentemente o indivíduo apresenta-se vulnerável a ter um desequilíbrio energético sendo este um motivo especial de preocupação. Assim os autores ressaltam ainda que a ingestão de micronutriente esteja estreitamente relacionada à ingestão de energia, sendo provável que as crianças cujo consumo de energia seja menor também sofram de deficiências de vitaminas e minerais causando ainda maior desequilíbrio, tanto para a integridade da mucosa intestinal como para o desequilíbrio da microbiota.
Um estudo realizado por Ardelee Mello (2018) apresenta que alguns dos desarranjos gastrointestinais dos portadores de TEA ocorrem devido à baixa capacidade de ingerir alimentos com presença de glúten e caseína, sendo estas capazes de alterar a capacidade gastrointestinal e consequentemente promover alterações da microbiota intestinal sendo identificado níveis baixos de bifidobacterias o que corrobora com os achados do trabalho de Garcin, e Rochman (2015). Por isso os autores apresentam que os indivíduos com TEA deveriam adotar dietas sem a presença de glúten e caseína, o que representa melhora comportamental do autista bem como dos sintomas atribuídos ao trato gastrointestinal nas crianças que seguem esse tipo de dieta.
Outra razão pelo qual os indivíduos com TEA possuem alterações da microbiota intestinal se dá devido ao grande percentual de pacientes que fazem uso extensivo de antibióticos. Desta forma o uso intensivo desses medicamentos também são capazes de interromper a atividade protetora da microbiota e por esta razão promover a proliferação de bactérias anaeróbicas no intestino. Por isso a presença de agentes como a Clostridia, Bacteroidetes, e Desulfovibrio sendo esses agentes comuns na promoção de sintomas gastrointestinais comuns no paciente com TEA. (Li, e Zhou, 2016)
Com base no pressuposto de que existe uma relação direta entre o eixo da microbiota intestinal e o cérebro. O trabalho de Rosenfeld (2015), apresentam algumas medidas intervencionistas podem ser realizadas para a redução dos sintomas associados, tais como: a adoção de dietas que facilitem o crescimento das bactérias benéficas como os probióticos. Também é indicado o uso de alimentos funcionais, além disso, melhorar o consumo de água e incluir porções de fibras na alimentação dos sujeitos ajudam a melhorar o funcionamento do trato gastrointestinal. Entretanto, cada caso deve ser analisado de maneira separada para a correta indicação terapêutica.
Conclusões
Com base nos questionamentos acima podemos evidenciar que o TEA tem sido alvo de uma variedade de estudos em todo o mundo com foco em pesquisas para identificar mecanismos que possam aliviar o quadro sintomatológico. Sobre a sua relação com a microbiota intestinal, é interessante ressaltar que os mesmos devem realizar medidas dietéticas com foco em prevenir e/ou melhorar a ocorrência dos sintomas de ordem gastrointestinais no qual os indivíduos com TEA são comumente acometidos.
A partir das premissas apresentadas podemos verificar que o estudo cumpre com o objetivo proposto de apresentar a influência da microbiota intestinal no TEA, podendo esta ainda servir como base para investigações futuras.
Referências
An, J.Y., e Claudianos, C. (2016). Genetic heterogeneity in autism: From single gene to a pathway perspective. Neuroscience and Biobehavioral Reviews, 68, 442-453. https://doi.org/10.1016/j.neubiorev.2016.06.013
Ardele, T.V., e Mello, E.D. (2018). Autismo: aspectos nutrológicos das dietas e possível etiologia. International Journal of Nutrology, 11(2). http://dx.doi.org/10.1055/s-0038-1670668
Caetano, M.V., e Gurgel, D. C. (2018). Perfil nutricional de crianças portadoras do transtorno do espectro autista. Rev Bras Promoç Saúde, 31(1), 1-11. https://doi.org/10.5020/18061230.2018.6714
Carvalho, J.A. (2012). Nutrição e autismo: considerações sobre a alimentação do autista. Revista Científica do ITPAC, 5(1), 1-7. https://assets.unitpac.com.br/arquivos/revista/51/1.pdf
Fattorusso, A., Genova, L., Dell’isola, G.B., Mencaroni. E., e Esposito, S. (2019). Autism Spectrum Disorders and the Gut Microbiota. Journal Nutrients, 11, 521. https://doi.org/10.3390/nu11030521
Finegold, S.M. (2012). State of the art; microbiology in health and disease. Intestinal bacterial flora in autism. Anaerobe, 17(6), 367-368. https://doi.org/10.1016/j.anaerobe.2011.03.007
Fogliatto, F. (2007). Diretrizes para elaboração do Referencial Teórico e Organização de Textos Científicos. Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Fowlie, G., Cohen, N., e Ming, X. (2018). The Perturbance of Microbiome and Gut-Brain Axis in Autism Spectrum Disorders. Journal Int. J. Mol. Sci., 19(8), 2251. https://doi.org/10.3390/ijms19082251
Garcin, P.R., e Rochman, D.G. (2015). Manifestaciones gastrointestinales en niños con trastorno de espectro autista. Revista de Ciencias Médicas, 60(4): 266-272. https://www.medigraphic.com/pdfs/abc/bc-2015/bc154f.pdf
Li, D., Wang, P., Wang, P., e Levinson, W. (2016). The gut microbiota: A treasure for human health. Biotechnol Adv, 34(7), 1210-1224. https://doi.org/10.1016/j.biotechadv.2016.08.003
Li, Q., e Zhou, J. (2016). The microbiota-gut-brain axis and its potential therapeutic role in autism spectrum disorder. Journal Neuroscience, 324, 131-139. https://doi.org/10.1016/j.neuroscience.2016.03.013
Louis, P. (2014). Does the Human Gut Microbiota Contribute to the Etiology of Autism Spectrum Disorders? Journal Digest Dis Sci, 57(8), 1987-9. https://doi.org/10.1007/s10620-012-2286-1
Magagnin, T., Zavadil, S.C., Nunes, R.G., Neves, L.E., e Rabelo, J.S. (2019). Relato de Experiência: Intervenção Multiprofissional sobre Seletividade Alimentar no Transtorno do Espectro Autista. Revista Id on Line Rev. Mult. Psic., 13(43), 114-127. http://dx.doi.org/10.14295/idonline.v13i43.1333
Mangiola, F., Ianiro, I., Franceschi, F., Fagiuoli, S., Gasbarrini, G., e Gasbarrini (2016). Gut microbiota in autism and mood disorders. Journal World Gastroenterol., 22(1), 361-368. https://doi.org/10.3748/wjg.v22.i1.361
Mayer, E.A. (2011). Gut feelings: the emerging biology of gut-brain communication. Nat Rev Neurosci, 12(8), 453-466. https://doi.org/10.1038/nrn3071
Moreno, X., Santamaria, G., Sanchez, R., Torre, B., Garces, F., Martinez, C., e Marquez, A. (2015). Microbiota gastrointestinal aeróbica em niños com trastorno del espectro autista. Estudio preliminar. Revista Gen, 69(2). http://www.genrevista.org/index.php/GEN/article/view/12
Rosenfeld, C.S. (2015). Microbiome Disturbances and Autism Spectrum Disorders. Journal Drug Metab Dispos, 43(10), 1557-1571. https://doi.org/10.1124/dmd.115.063826
Watanabe, L.J., Santos, T.S., Franciosi, A., e Campois, T.G. (2018). Disbiose intestinal e a citotoxicidade da bactéria desulfovibrio sp. nos sintomas do transtorno do espectro autista. Revista Saúde & Ciência online, 7(3), 123-133. https://doi.org/10.35572/rsc.v7i3.146
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 304, Sep. (2023)