ISSN 1514-3465
O impacto da pandemia do coronavírus no cotidiano do professor de
Educação Física. Um estudo no ensino público no Estado de Rondônia
The Impact of the Coronavirus Pandemic on the Daily Life of the Physical
Education Teacher. A Study in Public Education in the State of Rondonia
El impacto de la pandemia del coronavirus en el día a día del profesor de
Educación Física. Un estudio en la educación pública en el Estado de Rondonia
Jerson Guimarães dos Santos*
jersonguimaraes84@hotmail.com
Ingride Farias Fernandes Ribeiro da Silva**
ingridefarias@outlook.com
Manuela Havena Rosendo Lopes+
havenarosendo@gmail.com
Silvia Teixeira de Pinho++
silvia@unir.br
*Graduado em Educação Física
pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR)
**
Graduada em Psicologia pela Universidade Luterana do BrasilGraduada em Licenciatura Educação Física pela UNIR
Graduada em Bacharel Educação Física
pelo Centro Universitário São Lucas
Residente em curso da Residência Multiprofissional
em Saúde da Família pelo Ministério da Saúde
+Graduada em Educação Física pela UNIR
Mestranda em Psicologia na UNIR
++
Doutora em Pedagogia do Movimento Humano pela EEFE-USPMestre em Educação Física
Especialista em Pesquisa em Educação Física
Graduada em Licenciatura Plena em Educação Física pela ESEF-UFPEL
Atualmente é docente da UNIR
Chefe do Departamento de Educação Física - DEF/UNIR e membro do NDE
Coordenadora no Projeto de Residência Pedagógica
(Brasil)
Recepção: 23/08/2022 - Aceitação: 31/03/2023
1ª Revisão: 20/02/2023 - 2ª Revisão: 27/03/2023
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
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Citação sugerida
: Santos, J.G. dos, Silva, I.F.F.R. da, Lopes, M.H.R., e Pinho, S.T. de (2023). O impacto da pandemia do coronavírus no cotidiano do professor de Educação Física. Um estudo no ensino público no Estado de Rondônia. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(299), 16-27. https://doi.org/10.46642/efd.v28i299.3650
Resumo
O professor possui papel importante no processo de ensino aprendizagem de todo ser humano, marca gerações e contribui para formação de cidadãos aptos para conviver em sociedade. Com a recente pandemia de coronavírus, foi utilizado como medida protetiva o distanciamento social, o que é inferido ter causado diversos prejuízos para a saúde dos professores e de seus alunos, essas medidas foram adotadas com o intuito de amenizar o contágio da doença, no entanto, afetaram a maneira dos professores ministrarem suas aulas e na interação de suas relações sociais. O presente estudo objetivou analisar o impacto da pandemia no cotidiano do professor de Educação Física do ensino público em Rondônia e as mudanças ocorridas nas relações sociais deste, bem como descrever sua percepção sobre sua saúde psicológica e mapear seu nível de prática de atividade física. Para isso, foi realizada uma pesquisa qualitativa descritiva, com 38 professores com idades entre 18 a 70 anos e utilizou-se como instrumento de coleta de dados um questionário semiestruturado. Os resultados evidenciam que: I - as relações “professor x aluno” e “professor x vida familiar/pessoal” foram as mais afetadas; II – a maioria dos professores tiveram sua saúde psicológica abalada negativamente; III – os professores diminuíram seus níveis de prática de atividade física durante a pandemia. Conclui-se que a pandemia do coronavírus causou inúmeros impactos no cotidiano e nas relações sociais dos professores.
Palavras chaves:
Coronavírus. Pandemia. Professor de Educação Física. Relações sociais.
Abstract
The teacher has a vital role in the teaching-learning process of every human being, marks generations and contributes to the formation of citizens able to live in society. With the recent coronavirus pandemic, social distancing was used as a protective measure, which is inferred to have caused several damages to the health of teachers and their students, these measures were adopted to mitigate the contagion of the disease, however, they affected the way teachers teach their classes and the interaction of their social relationships. The present study aimed to analyze the impact of the pandemic on the daily life of Physical Education teacher of public education in Rondonia and the changes that have occurred in their social relationships, as well as to describe their perception of their psychological health and map their level of physical activity. For this, descriptive qualitative research was conducted with 38 teachers aged between 18 and 70 years and a semi-structured questionnaire was used as a data collection instrument. The results show that: I - the “teacher x student” and “teacher x family/personal life” relationships were the most affected; II – most teachers had their psychological health negatively affected; III - teachers reduced their levels of physical activity during the pandemic. It is concluded that the coronavirus pandemic caused numerous impacts on teachers' daily lives and social relationships.
Keywords:
Coronavirus. Pandemic. Physical Education teacher. Social relationships.
Resumen
El docente juega un papel importante en el proceso de enseñanza-aprendizaje de todo ser humano, marca generaciones y contribuye a la formación de ciudadanos capaces de vivir en sociedad. Con la reciente pandemia de coronavirus, se utilizó el distanciamiento social como medida de protección; lo que se infiere es que provocó daños a la salud de los docentes y sus alumnos, afectó la forma en que los docentes imparten sus clases y la interacción de sus relaciones sociales. El presente estudio tuvo como objetivo analizar el impacto de la pandemia en el día a día de los profesores de Educación Física de las escuelas públicas de Rondonia y los cambios ocurridos en sus relaciones sociales, así como describir su percepción sobre su salud psicológica y mapear su nivel de práctica de actividad física. Para ello, se realizó una investigación cualitativa descriptiva, con 38 docentes con edades comprendidas entre 18 y 70 años y se utilizó como instrumento de recolección de datos un cuestionario semiestructurado. Los resultados muestran que: I - las relaciones “profesor x alumno” y “profesor x familia/vida personal” fueron las más afectadas; II – la salud psicológica de la mayoría de los docentes fue afectada negativamente; III – los docentes redujeron sus niveles de actividad física durante la pandemia. Se concluye que la pandemia del coronavirus provocó numerosos impactos en la vida cotidiana y las relaciones sociales de los docentes.
Palabras clave
: Coronavirus. Pandemia. Profesor de Educación Física. Relaciones sociales.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 299, Abr. (2023)
Introdução
O professor é parte integrante e essencial no processo de desenvolvimento educacional do ser humano, que ocorre desde a tenra idade e perdurará ao longo da vida (Correia, 2016). Auxilia ainda na formação das gerações futuras, contribuindo para um horizonte mais evoluído (Libâneo, 1999). Como ser humano, o professor possui aspectos emocionais, sociais e físicos inerentes a sua essência, os quais são determinados fundamentalmente pela sua relação como indivíduo consigo e com o outro. Relações que se dão no âmbito pessoal, familiar, social, profissional, entre outras, cujas interações determinam como será a qualidade de vida desse indivíduo. (Fischer et al., 2009)
Cotrin (1996, p. 238) diz que, “o homem é um ser social, que necessita de se relacionar com seus semelhantes”, assim as relações interpessoais são de suma importância para o desenvolvimento e amadurecimento do indivíduo como pessoa e ser constituinte de uma sociedade.
Portanto, o relacionar é fator determinante na saúde física, emocional e psicológica do professor e dos indivíduos inseridos no ambiente escolar, pois a Organização Mundial da Saúde (OMS) (1948) preceitua que “a Saúde é o estado de mais completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a ausência da enfermidade”.
A manifestação da doença infecciosa coronavírus teve potencial para trazer prejuízo para a saúde do professor e de toda comunidade escolar, pois as medidas protetivas contra o contágio desta doença afetaram a interação dos professores com seus colegas de profissão, alunos, família, amigos e etc. Em 2020, segundo Baptista (2021), com a disseminação do coronavírus, foi desencadeada uma pandemia mundial, gerando a necessidade de adoção de medidas públicas de prevenção e controle da doença, dentre as quais o isolamento e o distanciamento social. (Lima et al., 2022)
O isolamento social é uma das medidas mais eficazes de contenção ao contágio e da transmissão do coronavírus segundo a OMS, a qual impactou na rotina das escolas e no cotidiano dos professores e alunos de modo imensurável. (Brasil, 2020a)
Ressalta-se que em 2020 foi publicada a Lei Federal nº 13.979, com medidas para enfrentamento da pandemia (Brasil, 2020a) e foram publicadas pelo Ministério da Educação (Brasil, 2020b), normas educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública, culminando no fechamento das escolas. As aulas adquiriram o modelo de Ensino Remoto Emergencial (ERE), modalidade de ensino que pressupõe o distanciamento social, adotada de forma temporária durante o enfrentamento da pandemia.
Os professores tiveram que ser afastados das práticas presenciais devido às normas governamentais que afetaram o mundo todo. O professor de Educação Física, em especial, teve muitas dificuldades nesse processo de transição do ensino presencial para ERE, uma vez que a disciplina de Educação Física é realizada em suma de forma prática.
Percebe-se que o cotidiano do professor e de toda a sociedade escolar foi modificado. Essa nova realidade trouxe inúmeros desafios e dificuldades para as relações inseridas no ambiente escolar. Entende-se que o cotidiano do professor de Educação Física é totalmente diferente do que ocorreu durante o ERE, afetando as relações sociais abruptamente.
O fechamento das escolas e a transição das aulas para o modo de ensino remoto ampliou os desafios para os professores, especialmente para os profissionais de Educação Física, pois o currículo obrigatório desta disciplina é composto pela teoria e a prática de atividades coletivas, que necessitam de interação social. Os professores foram permeados de muitos desafios, por exemplo: como manter a motivação dos alunos nas aulas sem a principal metodologia de ensino? Como proporcionar aulas práticas, através das tecnologias digitais de comunicação e informação? (TDICs). (Baptista, 2021)
Dentre os pontos negativos na relação professor-aluno, afirmam Figuerôa, e Justechechen (2022, p. 09) que “a dificuldade de reproduzir, no ensino remoto, as relações sociais desenvolvidas durante atividades coletivas presenciais” foi a maior delas. E, as interações que ocorriam na escola, passaram a ser desempenhadas de modo totalmente virtual. Os professores que se reuniam diariamente na chegada, nos intervalos e na saída, para trocar experiências, debater dificuldades e obter sugestões, durante a pandemia se restringiram ao contato virtual esporádico.
A gestão escolar perdeu as riquezas das interações presenciais, pois o corpo escolar estava ausente do ambiente escolar físico. Os alunos e os professores estavam em espaços separados, em ambientes alheios ao escolar, que transcende o simples binômio professor-aluno. Antes, se estende ao universo que permeia a vida de praticamente todos seres humanos com sons, cheiros, cores, lembranças e evocações. O pó do giz, as sirenes e campainhas ecoando pelos corredores, o riso alegre na sala dos professores, a agitação de crianças e jovens em cada classe, enfim, a vivência escolar universal.
A literatura revela que, os entraves vivenciados por professores durante a pandemia, em decorrência do ERE, transpassam a esfera do uso e domínio das tecnologias digitais, passando por dificuldades pedagógicas de transformação e transmissão dos conhecimentos/conteúdos, em atividades que motivem os alunos a participar, para manter os processos de ensino- aprendizado (Baptista, 2021; Flores, e Lima, 2021). Percebeu-se a baixa adesão dos estudantes às atividades propostas no ambiente virtual. O ERE da Educação Física, apesar de trazer imensas dificuldades, demonstra potencial para sustentar uma relação positiva, para promover saúde e estimular um estilo de vida mais ativo quando não é possível realizar atividades coletivas. (Figuerôa, e Justechechen, 2022; Mayer, Palú, e Schutz, 2020)
A saúde psicológica diz respeito à forma como se pensa, sente, avalia-se as situações, e a forma como se relacionam com os outros em tomadas de decisões. Quando tem-se uma boa saúde psicológica, o indivíduo se sente confiante e capaz de lidar com a vida e com as outras pessoas.
Assim, o presente estudo objetivou analisar o impacto da pandemia no cotidiano do professor de Educação Física do ensino público em Rondônia e as mudanças ocorridas nas relações sociais deste, bem como descrever sua percepção sobre sua saúde psicológica e mapear seu nível de prática de atividade física.
Método
O presente estudo é de natureza qualitativa e abordagem descritiva, pois descreve as características de determinada população ou fenômeno, buscando estabelecer relação entre as variáveis (Gil, 2002). Faz parte do projeto de pesquisa "Educação Física: perspectivas e práticas", sendo aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) sob o parecer número 4.630.177 (CAAE 41462720.0.0000.5300).
A população do estudo foi composta por professores de Educação Física das instituições de ensino fundamental e médio, de ensino público no Estado de Rondônia. Compuseram a amostra 38 professores adultos de 18 a 70 anos de idade de ambos os sexos professores de Educação Física das escolas da Secretaria Estadual de Educação (SEDUC) e da Secretaria Municipal de Educação (SEMED), que aceitaram participar desta pesquisa, realizada em junho de 2022.
A pesquisa utilizou um questionário semiestruturado com 11 perguntas que foi respondido individualmente pelos professores, visando conhecer o perfil dos professores entrevistados e analisar o impacto da pandemia no âmbito profissional e pessoal do professor de Educação Física.
Das 11 perguntas totais, três delas foram voltadas a identificar e descrever as mudanças ocorridas nas relações interpessoais do professor de Educação Física e as alterações na saúde física e psicológica decorrentes da pandemia da corona vírus.
O contato inicial e o questionário foram realizados no modo on-line, através da plataforma Google Forms. Todos os professores que participaram desta pesquisa foram esclarecidos sobre a sua participação voluntária com o fornecimento de respostas escritas e de múltipla escolha. Solicitou-se a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), onde informou o anonimato completo dos dados pessoais, que o mesmo não traria prejuízos nenhum ao participante, bem como que sua saída da pesquisa pode ser a qualquer momento.
Os dados foram analisados e transcritos no programa Excel 2019, no qual foi realizada a categorização.
Resultados
No que se refere ao impacto da Pandemia e do ERE no cotidiano do professor e nas relações sociais estabelecidas em comparação ao momento anterior à pandemia (Gráfico 1), ficou evidenciado que as relações “professor x aluno” e “professor x vida familiar/pessoal” foram as mais afetadas.
As aulas de Educação Física no ERE eram realizadas de maneira diferente das aulas do ensino presencial, basicamente ocorriam por meio de plataformas on-line no qual o aluno ficava a frente do dispositivo eletrônico.
Os resultados apontaram que 19 professores se sentiram afetados (piorou) na relação “professor x aluno” e 18 na relação “professor x vida familiar/pessoal” (piorou). Na relação “professor x professor” foram 11 que disseram terem piorado as relações durante a pandemia.
Verifica-se ainda em comparação ao momento anterior à pandemia, que poucos professores apontaram melhora nas relações: 7 “professor x aluno”, 9 “professor x professor” e 9 “professor e vida pessoal/familiar”.
Também foi verificado que os professores não se sentiram afetados nas relações sociais em comparação com o período anterior a pandemia, 12 “professor x aluno”, 18 “professor x professor” e 11 “professor e vida pessoal/familiar”.
Cabe ressaltar que além das relações mais afetadas (piora) “professor x aluno” e “professor x vida familiar/pessoal”, o Gráfico 1 permite visualizar que a relação “professor x professor” foi a menos afetada pelo momento anterior a pandemia. Fato interessante, no qual infere-se que mesmo por meios digitais os professores podem ter mantido contato, ou, que esta relação social se dá de forma diferente, no qual o envolvimento do professor com seu colega de trabalho não é tão “profundo” quanto com o alunos e com a sua vida familiar.
Os professores foram investigados no que diz respeito a sua saúde psicológica após a pandemia. Dentre os participantes deste estudo (n=38) a maioria (21) relata ter sua saúde psicológica abalada pela pandemia e 17 informaram não ter sofrido abalo. As narrativas dos professores que disseram ter sido abalados foram categorizadas de acordo com o quadro abaixo (Gráfico 2).
Dos 21 participantes que disseram ter sidos abalados negativamente na sua saúde psicológica, apenas 16 comentaram sobre sua experiência e 05 não souberam/quiseram descrever. Percebe-se que dos 17 participantes que informaram “não ter sofrido abalo na saúde psicológica”, 06 fizeram comentários positivos quanto ao período de pandemia e a relação trabalho e vida pessoal. É possível inferir que estes professores conseguiram criar condições que permitiram passar por este período de uma maneira mais “tranquila”, por exemplo, não devem ter filhos pequenos que ficaram “presos” em casa (cobranças escolares), ou tem e possuem uma rede de apoio, não perderam nenhum familiar ou amigo para a doença, que são algumas questões diagnosticadas como proporcionarem abalos na saúde psicológica.
As categorias com maior frequência nos relatos dos professores que sentiram sua saúde psicológica abalada foram a: categoria 2 - “Maior tempo de trabalho - cobranças escolares” e a categoria 4 - “Perdas e adoecimento físico e mental”. Se ressaltam algumas falas da categoria 2:
“Nesse período de pandemia demandou mais tempo de planejamento e novas práticas de ensino adaptadas para o momento [...]”;
“O trabalho em Home Office foi extremamente desgastante. A cobrança pedagógica surreal [...]”;
“Excesso de trabalho [...]”.
No que diz respeito a categoria 4 os professores destacaram que:
“Adquiri alguns quilos e apesar de não ter problemas ainda com colesterol e triglicerídeos que estão elevados, mas minha glicemia se encontra muito alta [...]”;
“Aumento de ansiedade, depressão, pânicos”;
“Tive crise de pânico, por isso estou tomando Reconter [...]”;
“As restrições por não poder estar perto dos nossos familiares, as perdas de amigos,e a ansiedade que se agravou”;
A categoria Sem materiais tecnológicos e apoio (categoria 3) foi a terceira com maior frequência, havendo relato de insegurança quanto ao manuseio de ferramentas para o ensino remoto:
“[...] e sem condições tecnológicas.”;
“[...] sem materiais apropriados e apoio necessário para as dificuldades que foram surgindo.”;
“[...] nosso despreparamento para o ensino virtual [...]”;
“[...] insegurança de não saber utilizar as redes digitais para as aulas [...];
“angústia de ver que os alunos não conseguiram entender e fazer as atividades devido a internet.”
Os relatos a seguir tratam sobre a saúde psicológica abalada negativamente pelo Isolamento de familiares e óbito (categoria 5), sendo a quarta mais expressa nas respostas:
“As restrições por não poder estar perto dos nossos familiares, as perdas de amigos,e a ansiedade que se agravou.”;
“Afetou devido o isolamento, contaminação e óbito de entes queridos [...]”.
As Múltiplas demandas (categoria 1) de trabalho (profissional e pessoal) foi citada apenas por um participante da pesquisa, este relata que “Os espaços se confundiram em muitos momentos.”.
Os relatos dos participantes que não tiveram a saúde psicológica abalada negativamente apontam uma vida corriqueira e positiva com um ambiente familiar mais presente, destacam que:
.“Não tive tempo para me afetar pois as tarefas aumentaram ao ficar em casa... muita roupa para lavar e higienizar, trabalho Home Office nos três turnos e academia diariamente com uma alimentação saudável;
“Foram tempos mais dedicados a casa e a família, em tempo integral!”;
“Rotina de vida saudável”;
“[...] até gostei, aproveitei o tempo com minha família, minha casa,minhas plantas.”
Um dos relatos expressa que a pandemia afetou a saúde psicológica dos filhos adolescentes.
Em relação à prática de atividade física durante o período da pandemia a maioria dos professores, (23) realizou menos atividade física, 8 realizaram mais atividade física e 7 realizaram atividade física igual ao período anterior à pandemia.
Discussão
A suspensão das aulas presenciais nas escolas e a migração para o ERE, em decorrência da pandemia do coronavírus, alterou a rotina escolar, transferindo as salas de aulas para dentro da casa dos professores e alunos, impondo o desafio de se reproduzir, no ensino remoto, as relações sociais desenvolvidas durante atividades coletivas presenciais, no entanto, o ERE foi uma saída para a situação que se apresentou de forma súbita ao Brasil e ao mundo em um momento difícil, conforme Figuerôa, e Justechechen (2022, p. 9).
Face aos achados, a presente pesquisa demonstra que a relação do professor e do aluno piorou durante a pandemia do coronavírus, infere-se que este resultado ocorreu pela mudança na forma de ministrar suas aulas, a distância da forma presencial e a falta de “calor humano”, tão presente na Educação Física.
Segundo Figuerôa, e Justechechen (2022, p. 9), a falta de interação presencial entre aluno e professor trouxe dificuldades para esta relação. Por sua vez Mayer, Palú, e Schutz (2020) enfatizam que as aulas remotas propiciaram que os professores repassem para os alunos conhecimentos teóricos da Educação Física e não a parte prática de atividades físicas. Em consonância, Lima (2020), com o intuito de investigar como os professores entendem a efetividade no processo de ensino aprendizagem e se esse processo sofreu alguma mudança ao precisarem ensinar de forma remota, encontrou resultados que demonstram que 23 professores responderam estar mais ou menos satisfeitos na relação com os alunos, 17 pouco ou nada satisfeitos na sua relação e 16 afirmaram que estão muito/muitíssimos satisfeitos com a relação com seus alunos. Assim, 40 professores acreditam que sofreram abalos, corroborando com o presente estudo.
Diante da pandemia do coronavírus, os professores se viram em uma situação que necessitou de algumas mudanças no seu cotidiano, além de algumas atualizações de seu conhecimento, assim exigindo inovação diante desse processo de ensinar de forma remota. Os professores precisaram se auxiliar quanto ao uso das tecnologias, adquirir uma versão mais tecnológica, tornando algo desafiador e confuso. (Silva, e Mendanha, 2014)
O papel do professor nesse cenário de pandemia se tornou essencial para a continuidade do ensino nas escolas. O professor precisou ser o protagonista, lidando com improvisos e até mesmo falhas, para que o espetáculo de dar aula acontecesse, sua casa se tornou o palco desse protagonismo. Foi necessário conciliar a vida pessoal/familiar diante desse cenário, onde precisaram ter seus números privados disponibilizados, seus e-mails e afins, para assim continuar ofertando um ensino de excelência e também tiveram de dividir computadores e celulares com os demais moradores da casa que também estavam em trabalho ou estudo remoto. Isto pode explicar os resultados do presente estudo no qual a maioria dos professores teve abalos na relação “familiar/pessoal”.
Referente à saúde psicológica, a maioria relatou abalo gerado pela pandemia. Dentre os achados que corroboram com os dados dessa pesquisa, Silva, e Leite (2021), ao abordar as percepções dos professores brasileiros acerca de sua saúde psicológica e física diante do cenário de pandemia, constatou que 77,9% dos participantes perceberam mudanças em sua saúde psicológica durante o cenário de pandemia do coronavírus, 13,7% dos participantes não relataram mudanças e 8,4% não souberam informar. As mudanças citadas pelos participantes foram ansiedade, seguido de angústia, desmotivação, dificuldade em planejar aulas, desgaste mental, estresse, sobrecarga de atividades, irritação, depressão, insônia, exaustão e outros.
Em associação ao abalo psicológico, Cruz et al. (2020) realizaram um estudo com o objetivo de rastrear indicadores de saúde psicológica dos professores de uma instituição de prestação de serviços educacionais e constatou que as mulheres apresentam mais chances de apresentar sintomas de ansiedade e depressão que os homens, bem como os participantes de 46-56 anos e os solteiros se preocuparam mais com a pandemia, o que aumentou a chance dos participantes terem sintomas de ansiedade e depressão, assim como carga horária de trabalho semanal acima de 40 horas afetou mais a saúde psicológica.
Incrivelmente, foi contraditório que para alguns poucos professores este período foi benéfico, por conta de acreditarem terem mais tempo em casa e estarem mais próximos da família.
Em relação a frequência de atividade física, a maioria dos professores deixou de realizar na quantidade que fazia antes da pandemia. No que se refere a saúde física, Silva, e Leite (2021), identificaram que 92,6% dos participantes apresentaram alguns sintomas de dor de cabeça (54,5%), cansaço físico (64,2%), cansaço emocional (76,9%), dor nas costas, ombros, braços, pulso (69,6%), cansaço e desconforto visual 955,5%) e outros sintomas (2%).
Em suma, constata-se que os professores precisaram realizar diversas modificações em sua rotina e relações, para poder oferecer o melhor ensino aos seus alunos. Além da dificuldade em lidar com o isolamento social causado pelo coronavírus, ainda foram necessárias as adaptações ao uso de tecnologias, estratégias para manter uma boa relação com os alunos, com a família/vida pessoal e com os demais professores.
Conclusões
Pode-se concluir que a pandemia do coronavírus causou inúmeros impactos quando se refere ao ERE e na rotina dos professores, necessitando de adaptações ao novo normal, busca pela atualização das novas tecnologias, estratégias para manter uma boa relação com os alunos, além de um acompanhamento diante desse processo de ensino aprendizagem. As casas tornaram-se salas de aulas, seu número pessoal precisou ser disponibilizado para seus alunos, sua relação pessoal/familiar precisou de modificações para se adequar a essa mudança de rotina. Ademais, ainda houve a diminuição da prática de atividade física, tornando ainda mais difícil esse período de isolamento social. Os achados corroboram para evidenciar esses abalos, já que a saúde psicológica foi consideravelmente afetada, com o surgimento de ansiedade, estresse, depressão e afins, na vida pessoal/familiar foi marcada pela mudança na sua forma de dar aula, adaptar o seu lar para poder ministrar suas aulas, além da necessidade de conciliar tais áreas.
Outro fator que merece destaque é a "presencialidade"nas aulas de Educação Física, embora os meios virtuais, pareçam uma "nova" linguagem educativa, percebe-se que sua falta causa impacto negativo.
Desta forma conclui-se que: I - as relações “professor x aluno” e “professor x vida familiar/pessoal” foram as mais afetadas; II – a maioria dos professores tiveram sua saúde psicológica abalada negativamente; III – os professores diminuíram seus níveis de prática de atividade física durante a pandemia. Assim, fica evidente que pandemia do coronavírus causou inúmeros impactos no cotidiano e nas relações sociais dos professores.
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 299, Abr. (2023)