Lecturas: Educación Física y Deportes | http://www.efdeportes.com

ISSN 1514-3465

 

Lutas corporais e artes marciais na 

Educação Física Escolar: transcendendo limites

Body Fights and Martial Arts in School Physical Education: Transcending Boundaries

Luchas corporales y artes marciales en la Educación Física Escolar: trascendiendo los límites

 

Álex Sousa Pereira*

alexjhowsp@hotmail.com

Marcelo Alberto de Oliveira**

marcelo.alberto@usp.br

Diego Ramires Silva Santos+

diegodeiscila@hotmail.com

Alysson dos Anjos Silva++

alysson227@gmail.com

 

*Possui graduação em Educação Física

e Mestrado em Educação

pela Universidade Federal de Lavras

Atualmente é Doutorando em Educação Física

na Unicamp, na linha Educação Física e Sociedade

Docente do Curso de Educação Física

da Universidade Estadual de Minas Gerais UEMG-Passos

**Doutorando em Educação pela Faculdade de Filosofia, Ciências

e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP)

Mestre em Ciências pela Escola de Educação Física

e Esporte da USP (EEFE-USP)

Licenciado em Educação Física

pela Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Pesquisador Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento

de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Membro do Grupo de Estudos e Pesquisa em Aspectos Socioculturais

e Pedagógicos do Esporte (GEPESPE-USP)

Professor conteudista da Faculdade Unina

Atuou como professor substituto

na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR)

e na Universidade de Tsukuba (Japão)

Cursou Desenvolvimento Internacional através do Esporte

Faixa Preta 1º Dan de Karate Shotokan

Atuou como técnico esportivo em equipes universitárias de Karatê

+Doutorando em Educação

pela Universidade Federal do Rio de Janeiro

Mestre em Artes e Sustentabilidade

pela Universidade Federal de São João del-Rei

Graduado em Educação Física

pela Universidade Federal de Lavras

++Possui graduação em Educação Física

pela Universidade Federal de Lavras

Especialização Educador Social

pela Faculdade Venda Nova do Imigrante

Mestrando no programa de pós-graduação

em Educação na Universidade Federal de Lavras

Participa do Grupo de Estudos e Pesquisa

sobre Formação Docente e Educação Física - GEFORDEF

e atualmente é Professor Centro Universitário de Lavras (UNILAVRAS)

(Brasil)

 

Recepção: 02/07/2022 - Aceitação: 16/06/2023

1ª Revisão: 22/04/2023 - 2ª Revisão: 13/06/2023

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Pereira, A.S., Oliveira, M.A. de, Santos, D.R.S., e Silva, A. dos A. (2023). Lutas/artes marciais na educação física escolar: transcendendo limites. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(303), 178-199. https://doi.org/10.46642/efd.v28i303.3594

 

Resumo

    A Educação Física é compreendida como uma prática pedagógica e científica que tematiza intencionalmente a cultura corporal de movimento que se manifesta nas práticas corporais, dentre elas, inclui-se as Lutas/Artes Marciais. Dessa forma, esse trabalho apresenta um relato de experiência sobre a tematização do conteúdo Lutas/Artes Marciais na Educação Física Escolar em três turmas do Ensino Médio de uma escola pública da cidade de Lavras (Brasil). O objetivo desta pesquisa consistiu em possibilitar aos/as jovens experimentar e fruir diferentes práticas corporais de Lutas/Artes Marciais. O Processo de ensino se inspirou na Transcendência de Limites pela experimentação, pela aprendizagem e pela criação desenvolvidas pelo autor Eleonor Kunz. Esse processo pedagógico permitiu a constituição de uma tomada de consciência por parte dos/as jovens estudantes em relação as várias perspectivas das Lutas/Artes Marciais, ou seja, no lazer, competição, defesa pessoal e outros. Esses caminhos e entrecruzamentos se passaram durante toda a experiência, permitindo aos/as jovens uma construção crítica de seus conhecimentos, a partir de problematizações do conhecimento construído historicamente das Lutas/Artes Marciais.

    Unitermos: Lutas corporais. Artes marciais. Escola. Jogo. Karatê. Educação crítica.

 

Abstract

    Physical Education is understood as a pedagogical and scientific practice that intentionally thematizes the body culture of movement that manifests itself in body practices, among them, including Fights/Martial Arts. Thus, this work presents an experience report on the thematization of the content Fights/Martial Arts in School Physical Education in three high school classes of a public school in the city of Lavras (Brazil). The objective of this research was to enable young people to experience and enjoy different bodily practices of Fighting/Martial Arts. The teaching process was inspired by the Transcendence of Limits through experimentation, learning and creation developed by author Eleonor Kunz. This methodological process allowed the creation of an awareness on the part of young students in relation to the various perspectives of Fights/Martial Arts, that is, in leisure, competition, self-defense and others. These paths and crossings took place throughout the experience, allowing young people to critically construct their knowledge, based on problematization of historically constructed knowledge of Fights/Martial Arts.

    Keywords: Body fights. Martial arts. School. Game. Karate. Critical education.

 

Resumen

    Se considera la Educación Física como una práctica pedagógica y científica que tematiza intencionalmente la cultura corporal del movimiento que se manifiesta en prácticas corporales, entre ellas a las Luchas/Artes Marciales. Así, este trabajo presenta un relato de experiencia sobre la tematización del contenido Lucha/Artes Marciales en la Educación Física escolar en tres clases de bachillerato de una escuela pública de la ciudad de Lavras (Brasil). El objetivo de esta investigación fue permitir a los jóvenes experimentar y disfrutar diferentes prácticas corporales de Lucha/Artes Marciales. El proceso de enseñanza se inspiró en la Trascendencia de los Límites a través de la experimentación, el aprendizaje y la creación desarrollados por el autor Eleonor Kunz. Este proceso pedagógico permitió la creación de una conciencia por parte de los jóvenes estudiantes en relación a las diversas perspectivas de las Luchas/Artes Marciales, es decir, en el ocio, la competencia, la defensa personal y otros. Estos caminos y cruces se dieron a lo largo de la experiencia, permitiendo a los jóvenes construir críticamente su saber, a partir de la problematización de saberes históricamente construidos sobre Luchas/Artes Marciales.

    Palabras clave: Luchas corporales. Artes marciales. Escuela. Juego. Karate. Educación critica.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 303, Ago. (2023)


 

Introdução 

 

    A Educação Física é entendida como uma disciplina que trata do conhecimento da cultura corporal de movimento, os esportes, as danças, as ginásticas, as lutas1/artes marciais2, os jogos, as práticas corporais de aventura, entre outras temáticas que se relacionam com a cultura corporal de movimento e com o contexto histórico-social das crianças e jovens estudantes. Para que esses sujeitos da escola tenham um desenvolvimento integral e adequado, é necessário que eles/as tenham oportunidades durante a vida escolar para que possam conhecer e aprimorar suas habilidades e capacidades como um todo. Para tanto, devem ter a oportunidade de vivenciar práticas corporais, tais como: esportes, jogos, lutas/artes marciais, ginásticas, atividades rítmicas e expressivas, conhecimentos sobre o corpo, práticas corporais de aventura de uma forma contextualizada e transformada para suas próprias culturas juvenis e infantis (Ministério da Educação, 2017). Nesta esteira, entendendo aqui o esporte como um fenômeno complexo e polissêmico. (Marques, 2015)

 

    Compreende-se assim, de acordo com Tahara, e Darido (2014), que existe a necessidade do professor de Educação Física diversificar suas aulas, além de repensar constantemente sua prática pedagógica, “torna-se premente que haja uma compreensão das amplas manifestações da cultura corporal de movimento a serem vivenciadas e discutidas com os alunos” (p. 57).

 

Imagem 1. O ensino das artes marciais na escola 

está ligado à história de várias nações e culturas

Imagem 1. O ensino das artes marciais na escola está ligado à história de várias nações e culturas

Fonte: Imagem criada como Bing (#Efdeportes)

 

    Os professores precisam ser capazes de adquirir conhecimentos e habilidades especializadas (Furuta et al., 2022). Assim, isso pode estimular professores e alunos a entender a estrutura global dessas práticas de forma atrativa, segura e eficiente, bem como desenvolver um cidadão crítico, autônomo e protagonista (Avelar-Rosa, e Figueiredo, 2015; Borges et al., 2021; Cisne et al., 2022; Lima et al., 2022; Lopes, e Oliveira, 2019; Oliveira, e Santos, 2017; Souza, 2021). Além disso, o corpo humano apresenta inúmeras possibilidades de diálogo, na medida em que o movimento humano agrega ciência e poesia, tradição e frescor, técnica e expressão, o que nos posiciona no mundo como seres expressivos. (Zimmermann, 2021)

 

    As crianças e jovens não podem ser privados de vivenciar práticas corporais. No entanto, em uma quantidade considerável de escolas/estilos, os professores de Educação Física não trabalham com suas crianças e jovens um conteúdo que esteve e está constantemente presente na bagagem cultural de diferentes civilizações no decorrer dos séculos, as Lutas/Artes Marciais (Pereira, 2018). Nesta esteira, reconhece-se que essas práticas “estão grávidas de relevância social e são dotadas de pertinência como objetos da cultura escolar” (Correia, 2015, p. 343). Ademais, elas funcionam como ferramenta para o desenvolvimento motor, cognitivo e socioafetivo em seus praticantes. (Da Silva et al., 2017)

 

    Compreende-se que é de suma importância que as crianças e jovens possam conhecer e vivenciar essas manifestações da cultura corporal de movimento (Coletivo de Autores, 1992). Para além disso, sugere-se que o professor explore e tematize as manifestações corporais com vistas a qualificar sua didática, organizando sua prática. A tematização encaminha todos os agentes para uma profunda compreensão da realidade e desenvolve a capacidade crítica. (Nunes, 2013)

 

    Este universo pode dar a oportunidade de colocar em exame os determinismos e as naturalizações historicamente situadas, dado que no campo das lutas/artes marciais pode-se encontrar conectadas a história de nações e culturas diversas (Pereira et al., 2020), manifestações antropológicas complexas datadas em tempos imemoriais da aventura humana (Correia, 2016). Além disso, possibilita conhecer os momentos sombrios da história das lutas/artes marciais. Neste pensamento, com uma leitura crítica e reflexiva sobre esse universo marcial, discursos que têm bem menos correspondência com a vivência prática poderão ser problematizados, descontruídos e resignificados para uma formação mais humana e responsável. (Barreira et al., 2023)

 

    As Lutas/Artes Marciais podem desenvolver importantes capacidades e aspectos internos, tais como força, agilidade, flexibilidade, equilíbrio, estados de atenção, autoconfiança, ampliação da visão de mundo através dos elementos culturais próprios da prática, estética, filosofias, valores orientais e novas sensações (Ferreira et al., 2022). A percepção de novas sensações sugere uma abertura e convite - tanto para docentes quanto para discentes - à reflexividade e o aprendizado. (Zimmermann, e Andrieu, 2020)

 

    Neste pensamento, tem aumentado consideravelmente na sociedade o interesse por práticas marciais, uma vez que a oferta e demanda dessas modalidades passam por um processo de massificação (visando o consumo) e numa menor escala por um processo de democratização (promoção da prática). O surgimento de novos artigos esportivos específicos, o efeito do turismo esportivo, assim como a exposição de lutadores brasileiros de MMA (Mixed Martial Arts), ajudam nestes processos (Oliveira et al., 2021; Oliveira, e Sonoda-Nunes, 2019), aliado ao efeito do campo cinematográfico. (Ferreira et al., 2010; Rosa, e Ferraz, 2021; Santos, 2021; Silva, e Campelo, 2020)

 

    Outrossim, em estudo publicado recentemente, intitulado “Lutas nas aulas de educação física escolar: revisão sistemática”, de Jamaico et al. (2023), encontrou-se na literatura 10.500 estudos que abarcaram essas práticas no ambiente escolar. Neste contexto, após passar por uma criteriosa seleção, foram lidos 15 estudos integralmente. Observou-se a ocorrência de diversos temas, os quais foram separados da seguinte forma: “as práticas de lutas no contexto escolar; as perspectivas pedagógicas; a percepção de alunos e professores com esse conteúdo; a inserção da temática nas aulas de Educação Física; as dificuldades e impedimentos de aplicação desse conteúdo no ambiente escolar; as experiências com esse conteúdo; e estratégias de ensino para abordá-lo” (p. 1). A aplicação das lutas como conteúdo programático foi recorrente na revisão. Por fim, constatou-se que os professores ainda encontram dificuldades e limitações com relação a aplicação das Lutas/Artes Marciais na escola. (Jamaico et al., 2023)

 

    Em outro estudo recente, agora comparando conteúdo de Lutas/Arte Marciais nas aulas de Educação Física do Brasil e Espanha, de Lise, López-Gil, e Cavichiolli (2022), constatou-se que existem em ambos os países legislações robustas sobre o ensino dessas práticas marciais em aulas de Educação Física. Todavia, “algumas pesquisas apontam para o fato de que esse conteúdo raramente está presente nas aulas de Educação Física, devido a alguns fatores restritivos, tais como: falta de estrutura, incapacidade dos professores, vinculação com violência” (p. 846). Com relação a essa última questão, a violência, infelizmente isso faz parte das representações estereotipadas sobre o universo das Lutas/Artes Marciais, os quais são obstáculos a serem superados, “faz-se necessária uma imersão nas diferentes lutas. Nesse sentido, o professor tem um papel preponderante para ampliar as concepções dos alunos sobre essa prática” (Lima et al., 2022, p. 179). Reflexões são necessárias que levem em conta a complexidade que é o campo escolar para que possa-se superar desafios e trazer melhores condições para as novas gerações. (Pedro Maria, e Campos Filho, 2023)

 

    Dito isto, essa produção consiste no relato de uma experiência realizada em três turmas do segundo ano do Ensino Médio de uma escola pública de Lavras, Estado de Minas Gerais (Brasil). Realizado no segundo semestre de 2018, o objetivo do projeto consistiu em possibilitar aos/as jovens experimentar e fruir diferentes práticas corporais de Lutas/Artes Marciais, valorizando a experiência histórica e cultural dessas práticas corporais. Assim como, identificar a origem de algumas Lutas/Artes Marciais e as possibilidades de recriá-las, reconhecendo as características (instrumentos, equipamentos de proteção, indumentária, organização) e seus tipos de práticas.

 

Método 

 

    Esta pesquisa se fundamentou na metodologia de ensino na ideia de Transcendência de Limites formulada por Eleonor Kunz (1994; 1999), o que justifica o uso do termo no título deste artigo. Nesta conjuntura, compõe-se de três momentos: (i) a transcendência de limites pela experimentação; (ii) transcendência de limites pela aprendizagem; e (iii) transcendência de limites pela criação. A utilização dessa metodologia foi inspirada no trabalho do professor Cláudio Marcio Oliveira (2007), que realizou um trabalho sobre a construção histórica e cultural do Voleibol na Educação Física escolar.

 

    Antes de passar à descrição da experiência, ressalta-se que a metodologia em questão não foi utilizada como um manual para ser seguido à risca, mas sim como uma bússola para ajudar a encontrar os caminhos. Dessa forma, a metodologia foi constantemente avaliada e reelaborada em função das situações concretas que aconteciam na prática.

 

    O Quadro 1 a seguir apresenta a sequência de aulas realizadas no projeto separado em cada turma em que o projeto foi realizado.

 

Quadro 1. Sequência de aulas

Turma A

Turma B

Turma C

Aula

Tema

Aula

Tema

Aula

Tema

1

O que são as Lutas/Artes Marciais?

1

O que são as Lutas/Artes Marciais?

1

O que são as Lutas/Artes Marciais?

2

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

2

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

2

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

3

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

3

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

3

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

4

Jiu-Jítsu

4

Judô

4

Ensino Global das Lutas/Artes Marciais

5

Jiu-Jítsu

5

Judô

5

Judô

6

Jiu-Jítsu

6

Judô

6

Judô

7

Jiu-Jítsu

7

Judô

7

Judô

8

Karate

8

Boxe

8

Judô

9

Karate

9

Boxe

9

Karate

10

Karate

10

Boxe

10

Karate

11

Karate

11

Boxe

11

Karate

12

Esgrima

12

Esgrima

12

Karate

13

Esgrima

13

Esgrima

13

Ninjutsu

14

Esgrima

14

Esgrima

14

Ninjutsu

15

Esgrima

15

Esgrima

15

Ninjutsu

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Apresentação de trabalho e discussão

16

Apresentação de trabalho e discussão

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Apresentação de trabalho e discussão

17

Apresentação de trabalho e discussão

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Apresentação de trabalho e discussão

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Apresentação de trabalho e discussão

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Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

18

Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

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Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

19

Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

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Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

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Novas Práticas Corporais de Lutas/Artes Marciais

Fonte: Elaboração própria

 

Transcendência de limites pela experimentação 

 

    A primeira etapa consistiu na experimentação de diferentes práticas corporais de Lutas/Artes Marciais. Os jovens vivenciaram as práticas de lutas de forma global, o Jiu-Jítsu, Judô, Karate3, Boxe, Esgrima e Ninjutsu, compreendendo suas dinâmicas, assim como a construção histórica e cultural dessas manifestações da cultura de forma reflexiva e crítica. A seleção dessas práticas corporais de Lutas/Artes Marciais se deram pelos seguintes quesitos: relevância social para os/as jovens, possibilidade de se praticar as modalidades fora da escola posteriormente, as possibilidades e limites estruturais da escola, equipamentos disponíveis na escola, equipamentos que o próprio professor e os jovens tivessem ou que poderiam conseguir emprestados e interesse dos jovens.

 

    Respaldando-nos em Silva et al. (2016), a prática pedagógica foi desenvolvida buscando criar situações problemas para que os jovens descobrissem o melhor caminho, explorassem diversas possibilidades e aprendessem algo a partir da experiência feita. Ainda, nos baseando nos autores, a prática pedagógica foi dividida em quatro momentos:

 

Quadro 2. Momentos da prática pedagógica

1º Exploração

(equipamento ou ação de movimento)

O professor nessa perspectiva ficou apenas como um observador dos conhecimentos prévios dos jovens.

2º Situações problemas

O professor constrói situações problemas para que os jovens possam explorar as diferentes possibilidades de movimento.

3º Direcionamento

A partir de questionamentos o professor indicou pistas para que os jovens conseguissem se auto corrigir, desenvolver técnicas mais apuradas e refletir sobre o que estão fazendo.

4º Fechamento

“Direcionamento para a prática pedagógica de tudo que foi feito pelos alunos, para que possam trabalhar com essa atividade de forma competente e segura, e estando cientes que é possível trabalhar com as [Lutas/Artes Marciais] desde que sempre busquem conhecimento sobre o assunto” (p. 75, grifo nosso).

Fonte: Adaptado de Silva et al. (2016)

 

    A autora Mariana Gomes (2008), apresenta alguns caminhos para pensar e seguir na empreitada metodológica de ensino de Lutas/Artes Marciais de forma global, em sua dissertação de mestrado, ela afirma que devido ao grande número de modalidades de lutas, seu trato em ambiente escolar deve ser categorizado para que assim parta de um todo, que é o conteúdo Lutas/Artes Marciais, para as partes, chegando às especificidades do conhecimento sistematizado e codificado. Para isso utilizam-se critérios como: objetivo de um combate; tipo de contato entre oponentes; suas ações motoras; distâncias entre os oponentes; tipo de contato entre oponentes; tipo de meta no enfrentamento. De acordo com a autora essas práticas se agrupam a partir do que elas têm em comum, como também se separam por suas diferenças.

 

    Baseada nos modelos de Jogos4 Desportivos Coletivos de Bayer, ela propõe os princípios condicionais para o tratamento das Lutas/Artes Marciais, são eles: contato proposital, fusão ataque/defesa, imprevisibilidade, oponente/alvo e regras. Dessa maneira, ela aproxima os elementos em comum entre as lutas e propõe a sua categorização pelo contato, sendo de contato contínuo, contato intermitente e contato mediado por implemento. (Scaglia, e Gomes, 2011)

 

    O Judô e Jiu-Jítsu, por exemplo, são lutas de contato contínuo com contato ininterrupto com o oponente durante o combate. Já no caso do Karate e do Boxe, que são lutas com aplicação de golpes como chutes, socos, cotoveladas, joelhadas, e que, por isso, são caracterizadas como de contato intermitente. Logo, as modalidades que se utilizam de um implemento como o Kendô e a Esgrima, necessitam de um espaço maior entre os oponentes e a realização do contato mediado pela manipulação de um implemento, enquadram-se nas lutas de contato mediado por implemento.

 

    O objetivo dos autores em organizar as Lutas/Artes Marciais nessas três possibilidades, é para que as crianças e jovens aprendam não apenas uma modalidade específica de combate, mas todo um arsenal de possibilidades. Depois que vivenciarem o ensino global, poderão escolher uma modalidade de luta que mais as atraia, pois as habilidades aprendidas nas etapas anteriores são transferíveis. (Scaglia, e Gomes, 2011)

 

    A seguir descreve-se um pouco de como uma das práticas corporais foi desenvolvida na escola, que como outras escolas públicas, têm várias limitações de infraestrutura e equipamentos. A modalidade Karate é analisada com mais detalhes para compreensão desse processo pedagógico.

 

    Atualmente Karatê é uma das Lutas/Artes Marciais mais praticadas do planeta. Ela pode ser entendida e praticada, segundo Camilo, e Rubio (2020), de diferentes formas, uma vez que não é homogênea, estável e permanente, mas múltipla, ou seja, “produto das práticas em que está [envolvida]” (p. 1, grifo nosso). Estima-se que o número de karatekas pelo mundo esteja entre 50 a 100 milhões (Karate do Brasil, 2018). Outro fator de destaque, é com relação ao investimento feito pelo Governo Federal brasileiro entre os anos de 2005 e 2019, ou seja, um somatório de 14 milhões de reais em Bolsa Atleta destinados (Ministério da Cidadania do Brasil, 2020). Além do mais, o Karate, enquanto modalidade esportiva, estreou nos Jogos Olímpicos de 2020/21, em Tóquio (Japão) (Oliveira, 2021; Oliveira et al., 2018; Oliveira, Lopes, Sonoda-Nunes, e Figueiredo, 2019), demonstrando uma grande aproximação com os valores olímpicos. (Veloso et al., 2020)

 

    Dito isto, o Karate pode servir como um caminho e conteúdo interessante para as aulas de Educação Física escolar, tal como Ferreira et al. (2022) sugerem em seu estudo sobre Budō (Karate, Judô, etc.) e, além disso, pode servir “como um instrumento de formação e desenvolvimento de uma sociedade que engloba pessoas com ou sem deficiência” (Antunes et al., 2017, p. 114). Nesta conjuntura, também é considerado que o campo escolar está sempre se renovando, recriando e aprimorando seus conceitos, conteúdos e didáticas, por meio da disputa de poder entre seus agentes e instituições (Bourdieu, 1983), então, foi iniciada a experimentação pelas práticas corporais que envolvem o Karate.

 

    O Quadro 3 apresenta os recursos utilizados para a realização da prática de Karate.

 

Quadro 3. Recursos para realização da prática do Karate

Recursos para realização da prática de Karate

A. Equipamentos

Equipamentos de sinalização de pontos - pequenas bandeiras feitas com pedaços de cano de PVC e TNT, que foram utilizados para apontar pontos.

Equipamentos de Proteção - luvas, protetores de canela e tronco (emprestados de uma academia da cidade).

B. Infraestrutura

Quadra da escola.

C. Materiais

Além dos mencionados anteriormente, foi utilizada apenas giz e papel, pregadores de roupa e fita adesiva.

D. Financeiro

R$ 0,00

Fonte: Elaboração própria

 

Etapas da prática pedagógica 

 

    O primeiro momento foi a etapa de exploração que os jovens puderam explorar as luvas e equipamentos de proteção de diferentes formas. Eles utilizaram para acertar uns aos outros de forma controlada, alguns se posicionaram em postura de luta, com as mãos à frente do rosto e outros que já tinham uma experiência prévia corrigiram alguns detalhes dos colegas.

 

    O segundo momento se deu na constituição de situações problema para que os jovens resolvessem para construção de seus movimentos. As situações problema foram desenvolvidas através de jogos de oposição. O quadro a seguir apresenta algumas situações problema desenvolvidas em um jogo de oposição em que deve-se tentar retirar pregadores da roupa uns dos outros.

 

Quadro 4. Exemplos de situações problema

Exemplos de situações problema

O que precisamos aprender para realizar um soco eficiente?

Como podemos tirar a atenção do oponente para conseguir pegar o pregador?

Como deve ser a movimentação das pernas para alcançar a distância correta para o braço e a mão alcançarem o pregador?

Qual a melhor postura para conseguir proteger seu pregador e conseguir capturar o do oponente?

Quais as melhores estratégias para bloquear o ataque do oponente?

Quais os movimentos de ataque e defesa para conseguir capturar o pregador do colega e ao mesmo tempo proteger o seu?

Fonte: Elaboração própria

 

    No Quadro 4, compreende-se que esses são alguns exemplos de situações problema que foram criados a partir de um dos jogos que foi realizado, partindo dessas primeiras situações, outras surgiram, dependia das experiências que os jovens já tinham e dos objetivos de cada jogo e cada aula.

 

    O terceiro momento de direcionamento também se iniciou a partir de situações problema, mas o objetivo aqui é direcionar o aprendizado para a construção de técnicas já desenvolvidas culturalmente no universo do Karate. Dessa forma, se buscam criar situações para que os jovens conseguissem desenvolver certos gestos característico do Karate, estilo Shotokan, como: os socos, os chutes, as esquivas, os bloqueios e outros.No geral, os jovens tiveram dificuldade em conseguir fazer as técnicas, dessa forma, utilizam-se vídeos tutoriais do YouTube - os vídeos utilizados são didáticos e ajudaram os jovens na construção dos movimentos.

 

    O quarto momento foi o fechamento do conteúdo, onde foi relembrado tudo o que foi desenvolvido e construído. As dificuldades que tiveram em realizar os jogos de oposição, os movimentos bem definidos das técnicas e das formas (Kata). Se retomam também o desenvolvimento das habilidades básicas as quais conseguiram desenvolver durante as aulas. Assim como a compreensão da possibilidade de praticar o Karate em sua cidade, os locais possíveis e os grupos que poderiam apoiar seu início de prática.

 

Transcendência de limites pela aprendizagem 

 

    Segundo Oliveira (2007), a transcendência de limites pela aprendizagem caracteriza-se como um momento de maior problematização, desse modo, é desenvolvida uma discussão com os/as jovens acerca das temáticas vivenciadas na etapa de experimentação. Concorda-se com Kunz (1994), quando afirma que esta forma de transcender limites caracteriza-se “pela imagem, pelo esquematismo, pela apresentação verbal de situações de movimento e jogo e que o aluno deverá acompanhar, executar e propor soluções” (p. 117). Logo, uma vez realizada a experimentação de diferentes práticas corporais de Lutas/Artes Marciais, é indispensável o questionamiento onde se aproximam e se distanciam, assim como compreendê-las como práticas corporais construídas e desenvolvidas no mundo, sendo transformadas e influenciadas por diversas sociedades. “Entendemos que todo corpo que se movimenta expressa desejos, sentidos, significados únicos para quem os realiza e que também se relacionam com o mundo da cultura”. (Silva, e Nóbrega, 2019, p. 149)

 

    Dessa forma, baseados no trabalho de Oliveira (2007), é alcançada a transcendência de limites pela aprendizagem através do levantamento de questões geradoras junto aos/as jovens, levando-os a uma atividade de pesquisa, apresentação de trabalho e discussões. Para isso, as turmas são separadas em grupos e se utiliza uma ficha para orientar a pesquisa; cada grupo ficou responsável por uma Luta/Arte Marcial. Apresenta-se aqui a ficha de orientação produzida.

 

Quadro 5. Ficha de orientação do trabalho de pesquisa

Quadro 5. Ficha de orientação do trabalho de pesquisa

Fonte: Elaboração própria

 

    Ao se pesquisar a construção histórica e cultural das Lutas/Artes Marciais foi possível problematizar que sentidos/significados foram e são conferidos à prática da modalidade em diversos contextos e momentos - de uma maneira pedagógica - identificando as demandas atendidas e confrontando-as com a possibilidade dos/as jovens praticarem em seus contextos de vida.

    Essa compreensão nos coloca frente ao entendimento de que a reflexão pode criar novos significados a partir da experiência vivida, fazendo-os reorganizarem novas estruturas para lançar-se novamente ao mundo. Nesse contexto fenomenológico, a educação não se reduz ao conhecimento da cultura, da ciência, das técnicas. Educação é também uma busca de si mesmo. (Silva, e Nóbrega, 2019, p. 154)

    Isto posto, os resultados obtidos por cada grupo foram apresentados e debatidos em duas aulas reservadas para esse fim. Entre os principais temas discutidos no debate, encontram-se: os objetivos das Lutas/Artes Marciais quando desenvolvidas e as transformações desses objetivos através do tempo; as dificuldades de se praticar certas Lutas/Artes Marciais na região, como a Esgrima; mas também, a facilidade de praticar outras Lutas/Artes Marciais, pois algumas, como o Karate, não necessitam de equipamentos complexos; as transformações das regras de competição, das dinâmicas internas e a criação de novas formas de se competir em certas Lutas/Artes Marciais, como o Jiu-Jítsu; a sensação de arrebatamento, tensão e alegria de praticar as modalidades que são diferentes entre si, fazendo com que certas pessoas gostem de praticar umas em relação a outras, dependendo de quais enfrentamentos tem que ocorrer para a prática; a influência da TV e do mercado na construção das Lutas/Artes Marciais. A influência na motivação de alunos a partir das Lutas/Artes Marciais - sendo elas jogos de lutas, jogos de oposição ou similar - contribui para a assimilação de movimentos simbólicos particulares deste campo de conhecimento. (Oliveira, e Santos, 2017)

 

    Outro ponto a ser destacado nessa atividade de pesquisa, a apresentação e o debate são em relação à busca que os/as jovens realizaram na cidade e região que eles/as vivem, sobre a possibilidade de vivenciarem as Lutas/Artes Marciais fora da escola. Eles/as encontraram várias locais e grupos que praticam as atividades pesquisadas e outras Lutas/Artes Marciais que não haviam sido pesquisadas, dentro da cidade e na região. Essa identificação os fez perceber que podem fazer parte desses grupos e praticar junto com eles, são modalidades que eles podem praticar para além das práticas esportivas tradicionais de clubes e academias, que de forma geral, a maioria dos jovens daquelas turmas não tem como arcar financeiramente. Encontraram em suas pesquisas: aula de Karate em vários CRAS (Centro de Referência de Assistência Social) da cidade; descobriram um projeto de extensão de Judô que era gratuito na Universidade Federal de Lavras (UFLA); vários grupos de Capoeira em projetos sociais; um grupo que praticava Boxe na Secretaria de Esporte e Lazer da cidade.

 

    Essas possibilidades abriram um leque de práticas corporais que ainda não existiam em suas realidades e que agora estavam ao seu alcance. Nesta conjuntura, através do levantamento feito pelos alunos, percebeu-se a possibilidade de novos aprendizados. Isto é, segundo Braga, Soraia, e Zimmermann (2022), possibilidades do saber, do encontro de corpos, contribuindo para o aparecimento de papéis uns diante dos outros, “capazes de produzir experiências que mobilizem os saberes incorporados” (p. 159).

 

    Se concorda com Oliveira (2007), quando afirma que as duas etapas que se apresentaram, a transcendência de limites pela experimentação e pela aprendizagem nos permitem compreender, na materialidade da prática de ensino, que as noções de história e cultura nos mostram que as Lutas/Artes Marciais não são naturais, criadas do nada, ou mesmo que estão prontas e acabadas. Dessa forma, irá “perspectivar possibilidades de ação dos sujeitos, professores e alunos, nessa história e nessa cultura” (Oliveira, 2007, p. 8). Isso é o que é discutido a seguir.

 

Transcendência de limites pela criação 

 

    Após de descrever as formas de experimentação e aprendizagem, segue para a forma criativa de transcender limites, em que “a partir das duas formas anteriores da ‘representação de um saber’, o aluno se torna capaz de ‘definida uma situação’, criar/inventar movimentos e jogos com sentido para aquela situação”. (Kunz, 1994, p. 117)

 

    Se compreende assim como Oliveira (2007), que partindo das experiências de movimento e da problematização de seus sentidos/significados, a terceira etapa consistiu na seguinte reflexão: “uma vez que uma [Luta/Arte Marcial] se dá ao longo da história, professores, alunos e alunas são também sujeitos dessa mesma história, devendo dar-lhe um prosseguimento e direção” (Oliveira, 2007, p. 10). Dessa forma, como descrito na ficha de orientação do trabalho, foi proposto que os grupos criassem uma nova Luta/Arte Marcial que fosse original, inclusiva, divertida e envolvente.

 

    Nessa experiência pedagógica, foi possível perceber a criação de novas práticas corporais. Dentre elas, foi possível verificar o “Samurais vs Ninjas”, uma prática que uniu jogo infantil “Polícia e Ladrão” com a realização de uma transformação histórica e cultural dos guerreiros japoneses. Essa nova prática corporal permitiu desenvolver reflexões sobre a função social dos Samurais, Ninjas e Ronins5 da cultura japonesa, assim, se realizaram problematizações sobre esses personagens históricos em relação ao que é apresentado pela mídia em filmes, séries, desenhos animados e jogos de vídeo games, defrontando a realidade desses personagens históricos e suas representações midiáticas (Pereira et al., 2020; Brito, e Gushiken, 2011; Faria, 2005; Ferreira, Sonoda-Nunes, e Marchi-Júnior, 2010; Oliveira et al., 2018b; Pereira, 2017). Além disso, esse jogo de luta criado pelos/as jovens foi um disparador para uma reflexão sobre o jogo “Polícia e Ladrão” e o jogo “Capitão do Mato pega Escravo” e toda bagagem cultural que atravessa a história sobre as pessoas escravizadas, o racismo, desigualdades sociais e outras temáticas que foram problematizadas.

 

    Neste âmbito, observou-se que foi importante esse tipo de experiência, tendo em vista que, de acordo com Saura (2014), é no brincar que emerge o aprender, ao mesmo tempo em que as atividades propiciaram à aquisição de conteúdos pedagógicos. Deste modo, como deflagrador do movimento, isto é, do conhecimento de si e do mundo que o saber se torna significado permanente, uma vez que “é no jogo com o outro, neste diálogo premente, na força do ancestral humano, no ‘fazer junto’ que deflagramos o verdadeiro aprendizado corporal infantil” (Saura, 2014, p. 173). Deste modo, espaços, relações e experiências com o brincar podem aproximar diferentes gerações. (Sartori et al., 2021)

 

    Também foi realizada a prática corporal “Um Rola pela Bandeira”, que os/as jovens fizeram uma releitura do jogo “Rouba Bandeira”, onde se tinha que alcançar a bandeira do outro lado do campo, entretanto, em vez de colar o colega eles faziam imobilizações com técnicas do Jiu-Jítsu. Assim como no jogo “Samurai vs Ninja”, foi possível nessa ressignificação do rouba bandeira desenvolver reflexões sobre a história dessa atividade, uma brincadeira que ao primeiro olhar parece simples, mas que pode se relacionar fortemente com as Lutas/Artes Marciais, pois dentro dela, exige-se dos brincantes a criação de estratégia para invadir e conquistar o território de seus oponentes. Essas estratégias puderam ser problematizadas e comparadas com as estratégias de conquistadores em guerras da história, onde várias formas de luta e combate eram exigidas para alcançar os objetivos.

 

    Segundo Gomes, e Fabiani (2022, p. 39, tradução nossa), “quando oferecemos aos alunos a possibilidade de pensar para resolver um problema em um combate, eles são estimulados a entender os motivos de fazer um determinado movimento”6. Assim como alertou Oliveira (2007), em nossa prática pedagógica a criação de novas Lutas/Artes Marciais não implica apenas na criação de novas formas de movimento, “mas também de novos sentidos atribuídos à realização do mesmo, em que outros princípios e valores buscaram nortear a ação” (p. 10).

 

Conclusões 

 

    Ao final do projeto, percebe-se que os/as jovens compreenderam e conheceram melhor o que são as Lutas/Artes Marciais, tanto como atividade de lazer, modalidade esportiva de competição e como uma construção histórica e cultural da humanidade. Para tanto, na discussão final do projeto os/as jovens relataram que vivenciar, praticar e refletir sobre as Lutas/Artes Marciais, a história dos guerreiros, as técnicas de combate e as reflexões sobre as mídias que assistiam relacionados com a temática acarretaram uma maior percepção do universo das práticas corporais de modo geral e perceberam a possibilidade de praticarem modalidades que ainda não conheciam nos espaços de lazer da cidade, principalmente o Karate, Boxe, Capoeira e o Judô, pois haviam espaços para sua prática e professores disponíveis gratuitamente na cidade.

 

    Durante todo o processo de aprendizado do projeto aconteceram diferentes atribuições de valores as práticas corporais experimentadas e problematizadas, a relação entre às dinâmicas de certas modalidades e a possibilidade de adaptá-las para própria prática; as posições sobre a questão da inclusão nessas Lutas/Artes Marciais dentro das aulas e fora delas; os diferentes diálogos e tensões em relação as Lutas/Artes Marciais e a transformação para suas necessidade; a identificação das práticas como possibilidade de lazer e diversão. As apropriações realizadas, com suas diversas maneiras de vivenciar e problematizar a prática, levaram os/as jovens a praticar diversas Lutas/Artes Marciais, mas principalmente diversas representações dessas práticas corporais. Esses caminhos e entrecruzamentos se passaram durante toda a experiência, permitindo aos/as jovens uma construção crítica de seus conhecimentos, a partir de problematizações do conhecimento construído historicamente das Lutas/Artes Marciais.

 

Notas 

  1. Conforme Pereira (2018), a palavras Lutas começou a ser utilizada como um conceito guarda-chuva para caracterizar as práticas corporais de combate como Judô, Capoeira, jogos de oposição e outros. No Brasil é utilizada a palavras Lutas nos Parâmetros Curriculares Nacionais (Ministério da Educação, 1997) e na Base Nacional Comum Curricular. (Ministério da Educação, 2023)

  2. Conforme Pereira et al. (2021), observa-se que tanto na concepção de Lutas quanto no entendimento de Artes Marciais existe certa complementaridade, seja no plano da evolução histórica, na conformação das práticas corporais, afora a evolução dos seus saberes e artefatos. Em que pesem os riscos (tradições, histórias e elementos contextuais) que existem ao aproximá-las, ainda assim, independentemente da ousadia epistemológica e de suas implicações, coaduná-las nos parece indicar um caminho interessante na tentativa de ampliar a presença de seus conhecimentos no espaço escolar, razão pela qual foi escolhido o binômio: Lutas/Artes Marciais.

  3. Foi optado usar do termo em inglês “Karate”, o mesmo utilizado pela Confederação Brasileira de Karate. (Confederação Brasileira de Karate, 2022)

  4. “Na literatura brasileira em Educação Física encontramos, via de regra, uma indistinção entre os termos 'jogar' e 'jogo'. Assumindo que tal falta de distinção é frequente e que podemos, do ponto de vista filosófico, refletir sobre as consequências conceituais desse problema”. (Campos, e Roble, 2021, p. 2)

  5. Segundo o dicionário japonês Jisho (2022), Ronin (em japonês: 浪人, isto é, = Onda, = pessoa), significa um guerreiro japonês (samurai) sem mestre (sensei) ou sem um senhor feudal (daimyo), do período feudal do Japão (1185-1868). Um samurai tornava-se sem mestre por causa da morte ou queda (perda de domínio de terras) de seu mestre, ou após a perda do favor ou privilégio de seu mestre. No uso moderno, o termo também é aplicado para descrever um graduado do Ensino Médio que ainda não foi admitido numa universidade.

  6. When we offer the students the possibility to think to solve a problem in a combat, they are stimulated to understand the reasons for doing a determined movement”.

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