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ISSN 1514-3465

 

Conceito de tensegridade na transferência de energia 

da unidade músculo tendínea. Revisão de literatura

Concept of Tensegrity in Energy Transfer in the Muscle-Tendon Unit. Literature Review

Concepto de tensegridad en la transferencia de energía 

desde la unidad músculo-tendinosa. Revisión de literatura

 

Nícolas Lourenço de Oliveira*

nicolaslourencode@gmail.com

Beatriz Magalhães Pereira**

beatriz.pereira@uemg.br

 

*Graduado em Educação Física Bacharel e Licenciatura e Biologia

Pós-graduado em Cinesiologia, Biomecânica e Treinamento Físico

Atualmente cursa o 8° período de Fisioterapia

Atua como professor de treinamento físico

*Professora do Departamento de Ciências do Movimento Humano

da Universidade do Estado de Minas Gerais (UFMG) - Unidade Ibirité

Doutora em Ciências do Esporte pela Escola de Educação Física, Fisioterapia

e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais

Mestra em Ciências do Esporte pela UFMG

Especializada em Fisioterapia Esportiva e em Fisioterapia aplicada à Terapia Manual

e Bacharelado em Educação Física e em Fisioterapia

pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

(Brasil)

 

Recepção: 03/02/2022 - Aceitação: 31/08/2023

1ª Revisão: 24/08/2023 - 2ª Revisão: 28/08/2023

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Oliveira, N.L. de, e Pereira, B.M. (2024). Conceito de tensegridade na transferência de energia da unidade músculo tendínea. Revisão de literatura. Lecturas: Educación Física y Deportes, 28(309), 198-210. https://doi.org/10.46642/efd.v28i309.3378

 

Resumo

    A tensegridade é uma propriedade presente nos sistemas estruturais e pode ser compreendida através do estudo das forças que atuam sob uma determinada estrutura. O entendimento sobre a transmissão da força que se dissipa pelo corpo até a unidade músculo tendínea (UMT) é importante para os profissionais da saúde e esporte, especialmente para os que atuam na avaliação, treinamento, prevenção e recuperação do movimento humano. Assim, o objetivo deste estudo foi investigar como o conceito de tensegridade se aplica na análise da transmissão de força mecânica na unidade músculo tendínea durante o movimento humano. Foi realizada uma revisão de literatura sistematizada utilizando descritores (Tensegridade e Energia elástica) nas línguas Portuguesa, Inglesa e Espanhola, em 4 bases de dados (Google Acadêmico, PUBMED, Scielo e Lilacs), e selecionados 10 estudos. Baseado nos achados dos estudos selecionados, foi possível verificar que o corpo humano funciona baseado nos princípios da tensegridade, e a tensão é transmitida principalmente pelas fáscias corporais. A participação da tensão passiva, assim como a capacidade de armazenamento de energia elástica e transferência de energia cinética, permite que o movimento seja realizado com menor custo metabólico, tal como ocorre no ciclo de alongamento e encurtamento durante movimentos cíclicos como correr, saltar e caminhar.

    Unitermos: Biotensegridade. Ciclo de alongamento e encurtamento. Tensegridade.

 

Abstract

    Tensegrity is a property present in structural systems and can be understood through the study of the forces that act on a given structure. The understanding about the transmission of force that dissipates through the body to the muscle tendon unit (UMT) is important for health and sports professionals, especially for those who work with evaluation, training, prevention and recovery of human movement. Thus, the aim of this study was to investigate how the concept of tensegrity is applied in the mechanical force transmission analysis in the muscle-tendon unit during human movement. A systematized literature review was carried out using descriptors (Tensegrity and Elastic Energy) in Portuguese, English and Spanish, in 4 databases (Google Academic, PUBMED, Scielo and Lilacs), and 10 studies were selected. Based on the findings of the selected studies, it was possible to verify that the human body works based on the principles of tensegrity, and the tension is transmitted mainly by the body fascia. The participation of passive tension, as well as the ability to store elastic energy and transfer kinetic energy, allows the movement to be performed with lower metabolic cost, such as occurs in the cycle of stretching and shortening during cyclic movements such as running, jumping and walking.

    Keywords: Biotensegrity. Stretch shortening cycle. Tensegrity.

 

Resumen

    La tensegridad es una propiedad presente en los sistemas estructurales y puede entenderse a través del estudio de las fuerzas que actúan sobre una estructura determinada. Comprender la transmisión de la fuerza que se disipa a través del cuerpo hasta la unidad músculo-tendinosa (MTU) es importante para los profesionales de la salud y el deporte, especialmente para quienes trabajan en la evaluación, entrenamiento, prevención y recuperación del movimiento humano. Así, el objetivo de este estudio fue investigar cómo se aplica el concepto de tensegridad al análisis de la transmisión de fuerzas mecánicas en la unidad músculo-tendinosa durante el movimiento humano. Se realizó una revisión sistemática de la literatura utilizando descriptores (Tensegridad y Energía elástica) en portugués, inglés y español, en 4 bases de datos (Google Scholar, PUBMED, Scielo y Lilacs), y se seleccionaron 10 estudios. A partir de los hallazgos de los estudios seleccionados, se pudo comprobar que el cuerpo humano funciona con base en los principios de tensegridad, y la tensión se transmite principalmente por la fascia corporal. La participación de la tensión pasiva, así como la capacidad de almacenar energía elástica y transferir energía cinética, permite realizar el movimiento con menor costo metabólico, como ocurre en el ciclo de estiramientos y acortamientos durante movimientos cíclicos como correr, saltar y caminar.

    Palabras clave: Biotensegridad. Ciclo de estiramiento y acortamiento. Tensegridad.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 309, Feb. (2024)


 

Introdução 

 

    No campo da mecânica, a tensegridade é uma propriedade dos objetos, cujos componentes utilizam das forças de tração e compressão de forma combinada, proporcionando assim estabilidade e resistência, garantindo sua integridade global. No campo da biologia, a aplicação dos princípios da tensegridade às estruturas biológicas é denominada biotensegridade, e está relacionada ao equilíbrio entre a tensão elástica dos tecidos biológicos e a integridade plástica de sua estrutura (Bordoni, e Myers, 2020). A estrutura biológica humana é capaz de se movimentar por meio da tensão ativa que advém das pontes de ligamentos dos miofilamentos da miosina com a actina que, durante as ações concêntricas, encurtam o ventre muscular, aproximando desta maneira as inserções proximal e distal dos músculos. Assim, o movimento humano advém especialmente de forças internas fora do eixo articular, gerando deslocamentos angulares dos segmentos, porém também pode ser promovido por meio da ação de forças externas ao corpo. No entanto, há uma organização hierárquica mantida pelo equilíbrio entre as forças internas e externas com a distribuição das tensões com um baixo custo energético. (Amadio, 2000)

 

    O entendimento sobre a transmissão da força que se dissipa pelo corpo até a unidade músculo tendínea (UMT) é importante para os profissionais da saúde e esporte, especialmente aqueles que atuam na avaliação, treinamento, prevenção e recuperação do movimento humano. Tais profissionais utilizam de análises cinemáticas e cinéticas para entender como as forças internas e externas atuam sob os segmentos corporais e se relacionam, gerando assim forças resultantes que modularão a rigidez articular e influenciarão na percepção do movimento. (Marinho et al., 2017)

 

    Um exemplo prático de aplicação da tensegridade sobre o corpo humano pode ser verificado em indivíduos que apresentem alteração da postura do joelho como o geno recurvato (hiperextensão do joelho). Segundo Cardoso (2013), uma maior rigidez muscular ativa do músculo do quadríceps femoral, promove certo grau de encurtamento deste grupo muscular. Em contrapartida, a musculatura antagonista (musculatura posterior da coxa) permanece sob tensão de estiramento, provocando desta maneira um desequilíbrio da integridade tensional da articulação do joelho, forçando-a posteriormente em hiperextensão. Ao avaliarmos a distribuição de tensão ao longo da UMT, é possível perceber que as tensões de compressão e tensão sob a musculatura agonista e antagonista, respectivamente, também influenciam na interação entre os miofilamentos de actina e miosina, influenciando assim na capacidade dos músculos de gerar força. (Cardoso, 2013)

 

    Outro exemplo prático da tensegridade, pode ser verificado no trabalho de Meyers (2010), que propôs o conceito de trilhos anatômicos. Meridianos miofasciais foram descritos para representam a forma como os músculos e a rede fascial interagem ao longo de todo o corpo, contribuindo para a estabilidade de movimento e compensação postural. Desta forma, terapeutas manuais e de movimento, como fisioterapeutas ou massoterapeutas, podem utilizar este conceito para avaliação de padrões estruturais e de movimento que possam influenciar negativamente no movimento humano.

 

    Baseado nisso, o objetivo deste estudo foi investigar como o conceito de tensegridade se aplica na análise da transmissão de força mecânica na unidade músculo tendínea durante o movimento humano.

 

Método 

 

    O estudo classifica-se como uma revisão de escopo, realizada por meio da análise de artigos científicos e trabalhos acadêmicos das áreas da Saúde (Educação Física, Fisioterapia, Medicina e afins), da Física (Tensegridade, Termodinâmica, Cinética e Cinemática), e de outras áreas de conhecimentos correlatas (Anatomia do aparelho locomotor, Biomecânica e Cinesiologia). Os descritores “Tensegridade” e “Energia elástica” na língua portuguesa, e seus correlatos na língua inglesa (Tensegrity e Elastic energy) e espanhola (Tensegridad e Energía elástica), foram utilizados para a busca de trabalhos nas plataformas Google Acadêmico, PUBMED, Scielo e Lilacs. Foram selecionados os estudos nos quais o conceito de tensegridade estava relacionado simultaneamente ao movimento humano e à transferência de energia elástica para cinética. Foram excluídos estudos com experimentação animal ou estudos da área de robótica, engenharia mecatrônica de equipamentos e aqueles que apresentavam como objetivo principal a análise de métodos de tratamento ou terapias de recuperação de lesões. 

 

Resultados 

 

    Para a revisão de literatura foram selecionados 10 estudos, e o fluxograma de seleção dos estudos, baseado no método Prisma, está representado na Figura 1. Já no Quadro 1 estão relatados os principais achados dos estudos selecionados.

 

Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos

Figura 1. Fluxograma de seleção dos estudos

Fonte: Elaboração própria

 

Quadro 1. Principais achados dos estudos selecionados (n=10)

Estudo

Principais achados

Blottner (2019)

Autor afirma como o tecido fascial é capaz de se conectar ao músculo, tendão e ao osso, sendo uma importante estrutura que necessita de mais investigação por ser pouco explorada.

Dischiavi (2018)

Autor demonstra que a visão reducionista do movimento é falha ao analisar a ação humana com um olhar que não esteja fundamentado nas inúmeras nuances do movimento, dando um destaque para as interações existentes no movimento humano, apresentando uma compreensão através da visão holística sobre o tema.

Fraldi et al. (2019)

Utiliza análises da biomimética para um citoesqueleto a base de tensegridade, que irá sofrer tração e compressão em suas estruturas adjacentes, como na estrutura biotensíntegra humana. No entanto, os autores não trouxeram aspectos adicionais que iriam enriquecer a modelagem do citoesqueleto a base de tensegridade.

Konstantinos (2017)

Autor utiliza da estrutura base de tensegridade biológica para explicar algumas ações da liberação miofascial e, outras abordagens de técnicas e metodologias de treinamento, no entanto, afirma que os resultados de periódicos à cerca do tema deveriam possuir protocolos mais específicos.

Lucci, e Preziosi (2021)

Autores relatam que substratos sobrejacentes de células, quando estirados ciclicamente, irão se reorientar para então atingir uma posição bem definida, gerando também uma força elástica contínua.

Levin et al. (2017)

Autores apontam uma cadeia cinemática arranjada por todo o corpo que se interliga e se conecta no sistema nervoso central, sofrendo constantes adaptações imediatas que são impostas pelo ambiente, atuando em sinergia com o sistema nervoso, sendo as cadeias cinemáticas fechadas.

Pires (2019)

Concluiu que durante a fase de aumento do arco de amplitude de movimento em relação ao eixo que promove o movimento, ou contração excêntrica do músculo, existe maior acúmulo de potencial elástico, que irá potencializar a contração concêntrica.

Rodríguez-Camacho, e Correa-Mesa (2020)

Para os autores não existe correlação entre os diferentes testes de flexibilidade, exceto pelo teste de sentar e levantar e elevação de perna esquerda, que possuem uma correlação negativa. O estudo apresentou como limitação um número de amostra pequeno.

Tamayo Bullon (2019)

Autor ressalta que a tensegridade possui correlação com o equilíbrio oriundo do sistema vestibular visto que as vias aferentes transmitem o impulso, que é sucedido por uma resposta motora adaptativa, ocasionando em maior equilíbrio.

Vishala (2018)

Autor demonstra próteses que exercem papéis de uma perna humana a base de biotensegridade, comparando a prótese diretamente com a transferência de energia oriunda da tração e compressão exercida na marcha humana, porém o estudo utiliza em suas análises movimentos que advém do eixo latero-lateral, não abordando os outros eixos.

Fonte: Elaboração própria

 

Discussão 

 

    Esta revisão de escopo teve como objetivo investigar como o conceito de tensegridade se aplica na análise da transmissão de força mecânica na UMT durante o movimento humano. de acordo com a literatura, o conceito de tensegridade surgiu nos anos 60, baseado nos estudos do arquiteto e engenheiro autodidata Buckmister Fuller utilizando-se da biomimética, ciência que estuda estruturas biológicas e suas funcionalidades e visa soluções sustentáveis de acordo com exemplos da natureza. A tensegridade, ou integridade tensional, é uma propriedade presente nos sistemas estruturais e pode ser compreendida através do estudo das forças que atuam sob uma determinada estrutura, que se comunicam e se apoiam formando uma estrutura de integridade tensional. Quando uma força externa é aplicada sob esta estrutura de integridade tensional, ela sofre uma deformação e a força aplicada é transmitida e distribuída igualmente entre as demais estruturas interligadas do sistema até a sua base, da mesma forma que ocorre em arcos de pontes descritas na área da engenharia. (Soares et al., 2016)

 

    Os sistemas estruturais à base de integridade tensional são compostos por dois tipos de estruturas: barras sólidas, como barras de ferro, que sofrem forças de compressão e não se articulam entre si, e cabos ou cordas pré-tensionadas, que sofrem forças de tração, e se conectam às barras sólidas. O equilíbrio deste sistema advém da distribuição das forças entre as barras comprimidas e os cabos tracionados (Rodrigues, 2014). Ao compararmos estes conceitos de corpos rígidos ao corpo biológico humano, verifica-se que o papel das barras sólidas é feito pelas estruturas ósseas, e o dos cabos ou cordas é feito por todo o tecido viscoelástico presente no corpo humano, representando assim o corpo humano como uma estrutura tensíntegra biológica. Rossetto (2009) ressalta que o tendão é o principal responsável por transmitir a força de tração gerada pelo músculo.

 

    Tal estrutura tensíntegra biológica também pode ser denominada de estrutura a base de biotensegridade. O termo Biotensegridade surgiu nos estudos de Staphen M. Levin (Levin, e Martin, 2012) que formulou a hipótese de que a estrutura tensíntegra do corpo humano advém da tensão pré-estressante antagônica que o corpo possui, gerando tração e compressão, que promovem sustentabilidade e equilíbrio para o indivíduo (Dischiavi et al., 2018; Levin, e Martin, 2012). Através do entendimento sobre a biotensegridade foi possível perceber que os ossos são estruturas que sofrem compressão contínua e são dependentes de uma tensão estrutural para se manterem no lugar. (Myers, 2020)

 

    O modelo que aplica biotensegridade à célula propõe que a mesma consegue detectar torques ou momentos de força do meio externo, e esta consegue transmitir uma informação mecânica tanto para seu meio intrínseco quanto para o extrínseco (Bordoni, Lintonbon, e Morabito, 2018). O conceito de biotensegridade irá influenciar todo o corpo a todo o momento, inclusive quando este não estiver exercendo um movimento constante de ativação eletromiográfica, tal influência advém da transmissão de força da mecânica passiva (Bordoni, e Myers, 2020). Dessa forma, a biotensegridade é verificada no corpo biológico até mesmo quando este não realiza ação motora, ou seja, todo o corpo funciona como uma estrutura de integridade tensional que transmite força e, está sob tensões pré-estressantes. Tal conceito passa a ser imprescindível para um profissional que trabalha com o movimento humano, pois a biotensegridade esclarece como cada parte do corpo humano se move com o máximo de eficiência, ou seja, com mínimo de esforço ou gasto energético. (Scarr, 2020)

 

    Um dos principais tecidos viscoelásticos presentes no corpo humano e envolvidos diretamente na biotensegridade são as fáscias. Elas são compostas por tecidos conjuntivos de revestimento que envolvem todas as estruturas corporais, como os músculos e vísceras, e têm a função de sustentação tanto em repouso quanto durante o movimento. A fáscia contínua é uma estrutura complexa que faz conexões por todo o corpo, inclusive com a unidade músculo tendínea (Blottner, 2019). Lucci, e Prezios (2021) relatam que células sobrejacentes estão interligadas por meio de conexões que levam as forças de tensão até as fáscias mais superficiais. De acordo com o conceito de trilhos miofasciais proposto por Meyers (2010), o corpo humano é constituído por um sistema de meridianos miofasciais, que representam as conexões internas do corpo entre os músculos e a rede fascial, na qual as forças de tensão aplicadas no corpo são transmitidas entre os diferentes segmentos para a manutenção do equilíbrio ou estabilidade do movimento corporal.

 

    A afirmação de que o movimento humano é dependente da tensão, foi verificada no estudo realizado por Roberts, e Azizi (2011) sobre a eficiência energética durante a corrida. Os autores apontaram sobre a eficiência do consumo de oxigênio, devido à redução do trabalho necessário para realizar o movimento e do gasto de trifosfato de adenosina, devido ao trabalho cíclico do movimento da corrida, que gera um acúmulo de potencial elástico nos tecidos viscoelásticos que é transmitido ao sistema continuamente. Durante o movimento da corrida, os tecidos viscoelásticos sofrem um estiramento inicial de forma rápida devido a aplicação da força da gravidade que direciona o indivíduo para o solo, e é acompanhando posteriormente por um encurtamento do tecido gerado pela contração muscular necessária para vencer ação da gravidade e gerar o movimento. Este conjunto de aplicação de forças de estiramento e encurtamento da unidade músculo tendínea também é conhecida como ciclo de alongamento e encurtamento (CAE). (Carvalho, 2010)

 

    A elasticidade da UMT, ou seja, a capacidade de se estender quando uma força de tensão é aplicada sobre ela, é um dos principais componentes do CAE, ocorrendo assim a transferência de energia elástica para energia cinética, que advém do potencial elástico acumulado devido ao rápido estiramento dos tecidos viscoelásticos (Borges, 2018; Carvalho, 2010; Soares et al., 2016). Para Ugrinowitsch, e Barbanti (1998) o CAE é utilizado em inúmeras atividades rotineiras que envolvem movimentos cíclicos, como correr, andar, saltar, tal fenômeno ocorre na passagem de uma ação muscular excêntrica para concêntrica, pois o estiramento gera a produção do trabalho negativo que se acumula em forma de potencial elástico e se dissipa na fase concêntrica com um menor custo metabólico.

 

    A tensegridade, sob um olhar biológico, passa então a ser tão essencial para o indivíduo em suas inúmeras nuances. Fraldi et al. (2019) relataram que um citoesqueleto foi capaz de realizar transferência de energia elástica para energia cinética, assim como no corpo humano durante o CAE. Li et al. (2020) sugerem, por exemplo, o desenvolvimento de uma mão robótica através de uma análise da biontensegridade da mão. Outros campos de estudos também se ramificam, inclusive na confecção de próteses que visam compreender o modelo de biotensegridade humana, empregando maior funcionalidade na marcha humana de indivíduos amputados. (Vishala, 2018)

 

    Os conceitos de tensegridade também podem ser aplicados em atividades funcionais motoras, como os exercícios ou atividades realizadas em cadeia cinemática fechada (Konstantinos, 2017). Segundo Levin et al. (2017), durante a realização de atividades em cadeia cinemática fechada, as estruturas corporais devem atuar em sinergia para que o movimento seja realizado de maneira equilibrada. Este conceito de sinergia durante movimentos realizados em cadeia cinemática fechada está em consonância com os resultados do estudo de Rodríguez-Camacho, e Correa-Mesa (2020). Estes autores investigaram a relação entre o teste de sentar e alcançar – Sit and reach e o teste de elevação da perna reta (SLR), utilizados para avaliar a flexibilidade da cadeia posterior, e encontraram uma correlação negativa significativa (p<0,05). Em ambos os testes, a musculatura posterior do joelho é estirada até o máximo de amplitude de movimento passiva suportada pelo indivíduo. Ao considerar o conceito de tensegridade, um encurtamento da cadeia posterior na coluna lombar ou região glútea pode ter efeitos diretos no funcionamento das cadeias musculares ao nível do membro inferior, e pode também envolver toda a musculatura posterior do joelho. Assim, um aumento de rigidez em qualquer um desses tecidos pode afetar outros tecidos distantes, e esta situação é confirmada pelos resultados do estudo, uma vez que os indivíduos que obtiverem maior resultado no teste de sentar e alcançar, registraram um menor grau de flexão do joelho no SLR. (Rodríguez-Camacho, e Correa-Mesa, 2020)

 

    As cadeias musculares têm a capacidade de se adaptar quando uma tensão é aplicada sobre a mesma, compensando assim uma possível cadeia com maior grau de rigidez. Um exemplo disto, é o que pode ocorrer no teste de sentar e alcançar. Durante a realização do teste, uma redução da flexibilidade dos músculos posteriores da coxa pode ser compensada com uma maior flexibilidade dos grupos musculares que se inserem na fáscia toracolombar. Tal fato também pode ser observado no teste de elevação de perna, neste caso, a compensação de redução da flexibilidade muscular é oriunda da sinergia do sistema nervoso central que se interliga com o sistema vestibular e que gera equilíbrio através da tensegridade corporal. (Levin et al., 2017; Tamayo Bullon, 2019)

 

    Segundo Dischiavi (2018), toda essa vasta gama de conhecimento que se origina da aplicação do conceito de tensegridade na transferência de energia na unidade músculo tendínea, necessita de maior acervo literário, visto que a visão reducionista utilizada nas análises de movimentos acarreta em uma compreensão que descarta o olhar biotensíntegro do corpo humano e sua capacidade de transmitir forças externas e internas atuantes em suas estruturas fisiológicas. O baixo número de estudos selecionados no presente estudo corrobora com esta indicação de Dischiavi (2018) sobre a necessidade de um número maior de investigações experimentais e teóricas sobre o entendimento da tensegridade no movimento humano.

 

Conclusão 

 

    O objetivo do presente estudo foi investigar como o conceito de tensegridade se aplica na análise da transmissão de força mecânica na unidade músculo tendínea durante o movimento humano. De acordo com os achados, foi possível perceber que o componente ativo é o responsável pelo início do movimento humano, através da geração de forças internas produzidas pela interação entre as pontes de ligamentos dos miofilamentos de miosina com a actina. A interação entre os miofilamentos é a principal responsável pela tensão ativa da unidade músculo tendínea. A tensão ativa está constantemente relacionada à tensão passiva, tensão gerada pelas estruturas passivas do corpo, como o tecido colágeno presente nas fáscias musculares e tendões. As tensões ativa e passiva geram constantemente compressão em outras estruturas rígidas do corpo como os ossos, ocasionando assim uma força resultante nas articulações, que é armazenada nos tecidos biológicos em forma de energia elástica e transmitida às estruturas adjacentes em forma de energia cinética durante o movimento humano. A participação da tensão passiva, assim como a capacidade de armazenamento de energia elástica e transferência de energia cinética permite que o movimento seja realizado com menor custo metabólico, tal como ocorre durante o ciclo de alongamento e encurtamento durante movimentos cíclicos como correr, saltar e caminhar.

 

    Devido ao número limitado de trabalhos analisados no presente estudo, sugere-se que estudos futuros utilizem outros descritores para a busca de trabalhos, tais como “Tensão” e “Unidade músculo tendínea”, pois a utilização de apenas dois descritores (“Tensegridade” e “Energia elástica”) pode ter sido um viés na pesquisa atual.

 

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 28, Núm. 309, Feb. (2024)