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Doutorando e maratonista: ideias e reflexões sobre uma experiência
Doctoral Student and Marathon Runner: Ideas and Reflections on an Experience
Resumo
O presente texto, que tem como objetivo apresentar uma correlação entre o percurso de um maratonista e a trajetória de um doutorando, foi realizado por meio de um relato de experiência. O artigo se divide em três partes: no primeiro tópico é apresentado o que é um doutorado e como funciona o trajeto de um doutorando, ou seja, da entrada no programa até a defesa de tese. O segundo tópico trata da maratona e discorre sobre o que é esta prova do atletismo e como funciona um treinamento para tal evento. No último tópico conclui-se o artigo apontando algumas correlações possíveis entre um doutorando e um maratonista, tais como: a livre escolha para participar das duas atividades, o orientador e o treinador, a vida do doutorando e a vida do maratonista, o sono do doutorando e as dores do maratonista, o dia da defesa e o dia da corrida, os hormônios da felicidade liberados pelo cérebro ao concluir a maratona ou o doutorado.
Unitermos: Doutorado. Maratona. Corrida de maratona. Defesa de tese.
Abstract
The present text, which aims to present a correlation between the path of a marathon runner and the trajectory of a doctoral student, was carried out through an experience report. The article is divided into three parts: the first topic presents what a doctorate is and how the path of a doctoral student works, that is, from entering the program to defending a thesis. The second topic deals with the marathon and discusses what this athletics test is and how training for such an event works. In the last topic, the article concludes by pointing out some possible correlations between a doctoral student and a marathon runner, such as: the free choice to participate in the two activities, the advisor and the coach, the doctoral student's life and the marathoner's life, the sleep of the doctoral student and marathon runner pains, defense day and race day, the happiness hormones released by the brain upon completion of the marathon or doctorate.
Keywords: Doctorate. Marathon. Marathon race. Thesis defense.
Introdução
Este texto não tem como pretensão realizar uma contextualização acadêmica sobre corridas de rua e pesquisas acadêmicas, apenas como diz o subtítulo apresentar uma correlação entre um maratonista e um doutorando amparada em um relato de um professor que optou por percorrer os percursos acadêmicos (especialização, mestrado, doutorado e até o estágio pós-doutorado) sem abandonar os caminhos das corridas de rua. Para que compreendam a correlação proposta para este texto, faz-se necessário que conheçam, um pouco, a trajetória pessoal e acadêmica do autor para perceber como os dois mundos (acadêmico e de corridas de rua) se interligaram na vida do professor/pesquisador autor deste artigo.
O acadêmico que redigiu este texto foi uma daquelas milhões de crianças e adolescentes que um dia sonhou ser jogador de futebol até se aventurou nas categorias de base de equipes profissionais, mas, como a maioria dos adolescentes (e jovens adultos) e por diferentes motivos, acabou fora do mundo seleto dos atletas profissionais do futebol. Em função da expectativa frustrada de estar no ambiente profissional esportivo, acabou realizando a faculdade de Educação Física e, desde 1991, é professor desta área. Mesmo durante e após a faculdade continuou jogando sua bolinha mas, em função de lesões nos joelhos, foi se afastando desta prática e se aproximando cada vez mais das corridas de rua, nas quais consegue controlar algumas variáveis, tais como: os gestos técnicos, a força, a velocidade, a intensidade, o jeito de realizar alguns movimentos e, até mesmo, o seu adversário (que na corrida amadora é ele mesmo). Itens que durante uma partida de futebol são mais difíceis de controlar. As dores nos joelhos nunca pararam, mas conseguiu administrar e continuar correndo.
Em 2007 participando mais de corridas de ruas do que jogando futebol concluiu o Mestrado em Educação. No início do Mestrado foi questionado pelo seu orientador se as corridas e o tempo gasto para treinar não atrapalhariam seus estudos acadêmicos. Chegaram à conclusão de que, se o tempo estivesse organizado, a corrida poderia até ajudar a relaxar da pressão dos estudos. Em 2010, foi iniciado iniciou o doutorado e, no primeiro encontro oficial com o orientador, ele apresentou o número 11.747. Para cada número vinculou um desafio/atividade que o doutorando/corredor teria que cumprir, no mínimo, durante o doutoramento: escrever 1 livro; participar de 1 evento no exterior; publicar 7 artigos; participar de 4 eventos nacionais e dar 7 palestras. O número que o orientador apresentou naquela orientação (11.747) que ele pesquisou na internet era a classificação final na última São Silvestre, em São Paulo (SP), na qual o doutorando/corredor tinha participado no dia 31 de dezembro de 2009. A correlação entre ser um maratonista e realizar o doutoramento tinha começado.
Em 2014, concluiu o doutorado e para encerrar o ritual da defesa da tese e informar às pessoas presentes naquele evento que, a partir daquele momento, o doutorando seria Doutor em Educação, o presidente da banca de defesa seu orientador fez um resgate da trajetória acadêmica, realizando uma contextualização de como foi percorrido o trajeto do doutoramento e, como um corredor, o doutorando superou dificuldades, obstáculos, adversidades e concluiu o programa.
Naquela época, apesar do autor deste texto já ter realizado diversas provas de ruas (de 5, 10, 15 e 21 quilômetros) entre elas, por duas vezes, a prova de São Silvestre (SP) ainda não tinha realizado uma maratona oficial (42 quilômetros e 195 metros).
Em 2016, quando concluiu a primeira maratona, percebeu que a comparação realizada pelo seu orientador em 2014 se adequava para o que tinha acabado de fazer (correr mais de 42 km), e se por ventura estivesse na linha de chegada, poderia ter usado utilizado a mesma fala que se adaptaria ao momento do término daquela corrida.
Mas, Afinal, quais são os itens que aproximam uma atividade da outra?
Outrossim, faz-se necessário que algumas questões sejam discorridas no transcorrer deste texto relato de experiência, objetivando que tem como objetivo apresentar uma correlação entre o percurso de um maratonista e a trajetória de um doutorando.
Para que possam compreender tal conexão, o presente material foi dividido em três partes: no próximo tópico é apresentado o percurso do doutoramento; na sequência, é relatado o esforço para realizar uma maratona e o texto é finalizado indicando possíveis correlações entre esses dois árduos, mas prazerosos, desafios.
O percurso para ser um Doutor
Apesar do termo Doutor no Brasil ser utilizado por diversos profissionais de diferentes áreas como um pronome de tratamento, tais como na área da saúde (médicos, dentistas, fisioterapeutas, veterinários), jurídica (advogados), entre outras o título de Doutor a que será abordado neste texto é aquele atribuído àquela pessoa que tenha recebido tal designação acadêmica após conclusão de um Programa de Doutorado, com aprovação de uma tese defendida perante uma banca, conferida por uma Instituição de Ensino autorizada a conceder este título.
No Brasil, esta autorização é outorgada pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) e Sendo assim, para alcançar o título acadêmico de Doutor Philosophy Doctor (Ph.D) é necessário percorrer um longo caminho que inicia na graduação, passa muitas vezes por uma pós-graduação a nível lato sensu e avança, obrigatoriamente, para um programa de pós-graduação à nível strictu sensu.
Os termos lato sensu e strictu sensu são expressões que vêm do latim e se referem, academicamente, a cursos de pós-graduação em sentido mais amplo ou mais estrito.
As formações em sentido amplo (ou lato sensu) são programas de pós-graduação que oferecem cursos que ampliam o que foi desenvolvido na graduação e realizam um aprofundamento e aperfeiçoamento profissional, visando a uma aplicação imediata e específica em determinada prática. Segundo o site MEC (2021), tais cursos de especialização tem duração mínima de 360 horas e concede ao aluno, ao final do processo, um certificado.
As formações em sentido estrito (ou strictu sensu) são Programas que estão mais ligados à interpretação acadêmica e preparam além de docentes para atuarem na graduação e nos programas lato e strictu sensu professores pesquisadores/cientistas com capacidade teórica de elaborar e discutir novos conceitos e teorias.
Os cursos de pós-graduações stricto sensu, de acordo com o MEC (2021), compreendem Programas de mestrado e doutorado abertos a candidatos diplomados em cursos superiores de graduação e, ao final do processo, o mestrando ou doutorando obtém um diploma.
Para não deixar dúvidas, é preciso esclarecer que existe uma diferença entre diferença entre um certificado e um diploma. Conforme o MEC (2021), é que o primeiro apesar de ser um documento oficial tem menos formalidade e pode ser concedido pela própria Instituição e o Curso não precisa de regulamentação e reconhecimento do MEC.
Já o diploma, também é um documento oficial, mas o programa deve ser reconhecido pelo MEC e autorizado e avaliado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) que é uma fundação vinculada ao MEC e atua na expansão e consolidação da pós-graduação stricto sensu em todos os estados brasileiros. (AUTOR, DATA)
Para concluir a especialização lato senso geralmente é requisitado que o aluno apresente uma monografia ou atualmente um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), que tem por objetivo a reflexão sobre um tema ou problema específico, e que resulta do processo de uma investigação sistemática. (AUTOR, DATA)
Já o mestrando, para concluir sua formação, defende uma dissertação, que deve demonstrar a habilidade do pesquisador em realizar estudos científicos e em seguir linhas mestras na área de formação escolhida não precisa abordar necessariamente temas e/ou métodos inéditos, mas deve apresentar o amadurecimento acadêmico do pesquisador. (AUTOR, DATA).
A dissertação é o documento que apresenta o resultado de um estudo científico, de tema único e bem delimitado em sua extensão, com o objetivo de reunir, analisar e interpretar informações. Deve evidenciar o conhecimento de literatura existente sobre o assunto e a capacidade de sistematização e domínio do tema escolhido. É elaborada sob coordenação de um orientador (doutor), visando à obtenção do título de mestre. (Amadeu, Mengato, Stroparo, Assis, 2017).
O doutorando, ao final do processo, defende uma tese, que é um trabalho acadêmico original e que apresenta um método, uma descoberta e uma conclusão obtida a partir de uma exaustiva pesquisa e trabalho científico com características inéditas. (AUTOR, DATA).
A tese é o documento que apresenta o resultado de um estudo científico ou uma pesquisa experimental de tema específico e bem delimitado. Deve ser elaborada com base em investigação original, constituindo-se em real contribuição para a especialidade em questão. É elaborada sob coordenação de um orientador doutor. (Amadeu et al., 2017).
Apesar de não ser regra em outros países, o percurso de um doutor no Brasil geralmente passa por um programa de Mestrado (com duração de 2 anos), para depois realizar o Doutorado (mais 4 anos). Sem contar que,
No Brasil, o acesso a este nível de formação não é tão simples, pelo contrário. O processo de seleção, além de ser extremamente concorrido e rigoroso, exige que o candidato ao programa de doutoramento já tenha participado de eventos acadêmicos, apresentações de trabalhos e uma produção teórica mínima sobre o tema almejado para aprofundamento no doutorado.
Durante o doutoramento, o estudante, além de ter que participar de eventos acadêmicos tais como congressos, seminários e diversas palestras e de ter que publicar, obrigatoriamente, um número determinado de material teórico em revistas específicas, deve realizar algumas matérias obrigatórias apontadas pelo próprio programa e outras optativas, escolhidas junto com o orientador, que moldarão o doutorando e embasarão a tese. Ao final de cada disciplina, normalmente, o doutorando deve produzir um artigo científico, demonstrando conhecimento acadêmico sobre o tema discutido naquela matéria.
O doutorando é acompanhado durante todo o processo por um orientador que tem um papel fundamental na formatação do futuro doutor. Com base em sua experiência acadêmica, o orientador ajuda a desenvolver toda a pesquisa do seu orientando por meio de árduas e produtivas discussões acadêmicas individuais ou coletivas (as orientações), em que realiza apontamentos para auxiliar com conselhos embasados pelo seu know how acadêmico desde a escolha do tema de pesquisa, passando pela definição/refinamento da metodologia, desenvolvimento da pesquisa, redação dos capítulos e, ainda, estará presente, como presidente, na banca de defesa da tese (que é o grande momento do doutorando). Mas, para a defesa da tese, o doutorando, além de eliminar as matérias (os créditos), realizar diversas publicações e participar de alguns eventos acadêmicos, comprovar domínio técnico em duas línguas estrangeiras, deve passar por um rigoroso e árduo exame de qualificação de tese. (AUTOR, DATA)
Segundo as normas internas do programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Paraná (PPGE/UFPR, 2021), o exame de qualificação é pré-requisito para a defesa da tese de doutorado e tem como objetivo, além de avaliar a maturidade e os conhecimentos científicos do candidato, averiguar a existência de um conteúdo preliminar capaz de evidenciar um trabalho original compatível com o programa no qual o doutorando esteja inserido e que evidencie a amplitude e a profundidade de seus conhecimentos, bem como a capacidade crítica do candidato.
A qualificação, que geralmente não é pública, acontece após o aluno ter concluído todos os créditos (matérias). O material apresentado pelo doutorando (o relatório de qualificação) é avaliado por uma banca composta, no mínimo, por 3 professores doutores, incluindo o próprio orientador. A qualificação é uma prévia simplificada da defesa de tese, em que o doutorando recebe muitas contribuições que direcionam a conclusão de sua pesquisa.
Ao final de, aproximadamente, 4 anos de estudos, o aluno, para receber o título de doutor, deve, além de concluir e redigir sua tese, realizar a defesa pública deste material. Tal ritual acontece da seguinte maneira: o doutorando, após apresentar uma breve explanação sobre sua tese, é questionado por quatro professores doutores experts em algum assunto abordado na tese.
Esses professores doutores, que leram previamente o material e naquele momento realizarão colocações pontuais sobre a pesquisa, indagarão o doutorando sobre determinado assunto para que ele concretize a sua defesa. Apesar de ser um momento extremamente estressante para o candidato, pois é uma avaliação, é o grande ápice do doutorando, pois naquela situação ele é o grande conhecedor acadêmico do assunto ali abordado.
Ao final da defesa, que tem uma duração em torno de 3 a 4 horas, o presidente da banca (que é o orientador do candidato), declara caso seja aprovado pelos 4 avaliadores que a tese defendida naquele ritual foi aprovada, e que o candidato, a partir daquele momento, é doutor naquela área acadêmica.
Esse é o trajeto que no Brasil uma pessoa deve percorrer para ser um doutor, ou como dizem nos países anglófonos países falantes da língua inglesa um Philosophy Doctor (PhD) termo que vem da expressão latina philosophiae doctor, que era concedido em algumas universidades europeias a quem chegava ao final dos estudos em determinada área.
Não precisava ser em filosofia: A palavra philosophiae remete à sua origem grega, de amor ao conhecimento, e retrata o maior grau acadêmico e universitário que é conferido ao final de um curso de estudos (Faria, 1962). Na sequência, será abordado o que é uma maratona e qual o caminho que pode ser realizado para ser um maratonista.
O percurso para concluir uma maratona
Para alguns pesquisadores, tais como Piedade, Ferreira, Magro e Colombo (2021) e Bucco Santos, Alvarez del Palacio e Zubiaur González (2019), a maratona é uma das mais desgastantes provas do atletismo, tanto pela distância que os praticantes devem percorrer (42,195 km), como pela duração (mais de 2 horas).
Apesar dos atletas profissionais que detêm os melhores tempos mundiais nesta prova (seja no masculino ou no feminino) realizarem o percurso abaixo das 2 horas e 15 minutos a grande maioria dos corredores amadores, que formam um mar de pessoas nas ruas no dia da maratona no qual o autor deste texto se inclui , realizam o percurso em média, segundo os Corredores Anónimos (2021), em 4 horas, 32 minutos e 49 segundos.
Cabe ressaltar que tal média foi obtida sem qualquer espécie de distinção entre gênero, idade ou até mesmo o local onde a maratona foi realizada. Tal dado é apresentado para apontar que um atleta amador, em média, termina a maratona mais de 2 horas depois que os primeiros colocados profissionais concluíram a prova até o ano de 2022 (ano que este artigo foi redigido), o recordista mundial masculino era o queniano Eliud Kipchoge, com o tempo de 2h 01min 39s, conseguido em 2018, na maratona de Berlim. Entre as mulheres, a recordista era a queniana Brigid Kosgei, com o tempo de 2h14min04s, conseguido em 2019, na Maratona de Chicago.
A maratona, além de estar presente no calendário de corridas de ruas de várias cidades do Brasil e do mundo, é disputada desde a primeira edição dos Jogos Olímpicos da Era Moderna que aconteceu no ano de 1896 na cidade de Atenas, Grécia (Ayala, Ocampo & Ramírez, 2017). Seu nome e a distância foram instituídos como homenagem a uma antiga lenda grega do soldado ateniense Fidípides, um mensageiro do exército de Atenas, que teria corrido 42 km entre o campo de batalha de Maratona até a cidade de Atenas para anunciar aos cidadãos a vitória dos exércitos atenienses contra os persas, e morreu de exaustão após cumprir a missão (Sousa, 2021). Seu percurso de 42 km passou para a distância atual (42,195 km), na edição dos Jogos Olímpicos de Londres (1908), para que a realeza britânica pudesse assistir à largada sem sair do Palácio de Windsor (Hijós, 2018).
Atualmente na maratona que tem aumentado consideravelmente o número de participantes, não apenas no Brasil mas em outros países como por exemplo na Espanha (Llopis-Goig e Capsi, 2021) ao contrário do que aconteceu com o soldado ateniense Fidípides, os diversos corredores não morrem ao concluírem a maratona e até sentem-se felizes e realizados ao terminar a corrida mas, para ultrapassar a linha de chegada, os meses de treinamento que antecedem a prova são sofríveis e árduos, dado que são dezenas de quilômetros percorridos por semana que se tornam centenas (e milhares) até o dia da prova.
Vale ressaltar que são horas e mais horas de treinamento de fortalecimento muscular na academia de musculação ou mesmo em casa. Controle do sono, alimentação, tênis e roupas apropriadas, abdicação de eventos sociais, enfim... um esforço enorme que geralmente inicia meses antes da prova e termina após percorrer os 42,195 km em cerca de 4 horas e 30 minutos.
A preparação para as maratonas realizadas pelo autor deste texto que foram concretizadas nos anos de 2016, 2019 e 2021 geralmente começaram em janeiro, com uma distância que dominava com certa tranquilidade (10 km), e aumentava gradativamente (mais ou menos 4 km por mês), até alcançar a distância do evento (isso por volta de novembro de cada ano). Mas, isso não quer dizer que os treinos de corrida aconteciam uma vez por mês.
Habitualmente, os treinos semanais incluíam 3 sessões de corridas por semana (com distâncias e intensidades variáveis), 2 sessões de treinamento contra resistência (musculação), 1 sessão de yoga e 1 de caminhada. A carga semanal de treinos de corrida inicia com uns 20 km por semana, no começo do ano, e ultrapassa, por volta de setembro, os 50 km por semana. Conforme Pazin, Duarte, Poeta e Gomes (2008), a maioria dos corredores amadores de maratona, na reta final dos seus treinos (ou seja, no mês que antecede a maratona), correm acima de 64 km por semana.
Para realizar uma maratona, quilômetros são percorridos com antecedência, mas, nos longões que são os treinos nos quais são realizados os maiores percursos do mês ou do período , nunca é ultrapassada a distância da maratona. A marca oficial os 42,195 km deixa-se para o dia da prova.
Após meses de treinamento, chega o dia da maratona e normalmente, a largada acontece às 6 horas da manhã. Durante todo o período matutino, milhares de atletas amadores e uma centena de profissionais percorrem correndo as ruas da cidade. A largada é escalonada ou dividida por setores.
Em geral, ocorre da seguinte maneira: incialmente largam os ACD's Amputados de Membros Inferiores, Cadeirante, Deficiente Visual, Deficiente Auditivo, Deficiente Andante de Membro (s) Inferior (es), Deficiente Intelectual, Deficiente de Membro (s) Superior (es)
Após um intervalo de 15 minutos sai o pelotão da elite feminino e posteriormente, (15 minutos depois largada) a elite masculina, seguida pelos milhares de corredores amadores. Foi dada a largada. Durante as próximas 4 horas, um turbilhão de sentimentos, físico e mental tais como: euforia, cansaço, solidão, fadiga, alegria, câimbras, entre outros acompanharão o maratonista numa montanha-russa constante de altos e baixos (Gil, 2020).
Completar uma maratona significa atravessar diversas etapas pelo caminho até cruzar a linha de chegada. Os estudiosos da maratona dividem seu percurso em algumas etapas levando em consideração diferentes critérios que giram entre 5 e 10 fases.
Neste texto, serão apresentadas 8 fases nomeadas pela experiência empírica do autor do artigo: 1ª fase: do 0 aos 5 km a euforia; 2ª fase: dos 5 aos 15 km o conforto; 3ª fase: dos 15 aos 21 km a dúvida; 4ª fase: dos 21 aos 30 km a solidão; 5ª fase: dos 30 aos 35 km o desespero; 6ª fase: dos 35 aos 40 a superação; 7ª fase: dos 40 aos 42 o renascimento; e 8ª fase: dos 42 aos 42,195 o doce sabor da vitória.
Do 0 aos 5 km a euforia: Ao iniciar a maratona depois de meses de preparação, olhar aquele mar de pessoas e todos com o mesmo objetivo, vem a euforia. Os primeiros 5 km são vencidos com facilidade, pois o maratonista sabe que se preparou para aquela prova, tem a excitação do começo, o encorajamento dos outros atletas e do público. A temperatura está agradável, a corrida será um sucesso, quer acreditar o maratonista.
Dos 5 aos 15 km o conforto: Depois de passada a euforia da largada é hora de atentar-se para o ritmo da prova, adequar ao que foi realizado nos treinos, não ser contaminado pelos ritmos dos outros e manter-se confortavelmente no ritmo planejado, afinal, 15 km faz parte dos treinos semanais.
Dos 15 aos 21 km a dúvida: Apesar de saber que é tranquilo realizar uma meia maratona (21 km), o maratonista começa a perceber que não consegue manter o ritmo que tinha previsto, ou seja, a prova está mais difícil do que era esperado e surge, junto com a vontade de ir ao banheiro, uma sensação de dúvida: será que estou preparado para correr uma maratona?
Dos 21 aos 30 km a solidão: Ufa, passado os 21 km e depois de ir ao banheiro e de tomar um suplemento energético parece que as forças retornaram. Só faltam mais 21 km. Mas, agora parece que a atmosfera mudou sem contar o calor das 8 e pouco da manhã que começa e incomodar. Menos público apoiando, os corredores começam a ficar mais espalhados pelo percurso, os pontos de hidratação parecem que ficam mais distantes uns dos outros, a prova é individual e solitária.
Dos 30 aos 35 km o desespero: O que estou fazendo aqui? O calor está insuportável, o tênis começa a apertar, os joelhos avisam que existem e uma dor que nunca foi sentida, tipo embaixo do pé, aparece do nada. O maratonista olha para os lados e vê pessoas se arrastando, outras sentadas cuidando dos machucados, outras deitadas (parece um filme de zumbis). O maratonista fica desesperado, mas segue em frente com medo de ser contaminado.
Dos 35 aos 40 km a superação: mais de 4 horas correndo, o calor nunca foi tão forte, o maratonista nunca esteve tão cansado, parece que irá desmaiar. Câimbras aparecem do nada em locais que nem sabia que poderia ter. Dói até o pensamento. Vários corredores passam em sua frente, inclusive os que estavam mortos nos quilômetros anteriores, o zumbi agora é o próprio maratonista. Mas está acabando, só mais um pouco. Hora da superação.
Dos 40 aos 42 km o renascimento. O público começa apoiar, já se escuta o barulho da chegada. Como que por milagre as dores são superadas e mesmo pensando que poderia ter treinado mais e melhor agora só pensa em terminar e está terminando. Quase lá. Um breve roteiro de tudo que passou nos últimos meses vem em suas lembranças. Agora é emoção. A linha de chegada é logo ali.
Dos 42 aos 42,195 km o doce sabor da vitória. O funil da chegada. O maratonista só pensa em chegar bem, afinal, tem as fotos. Hora de acelerar. O corredor não sente mais as pernas e nenhuma outra parte do corpo (talvez desmaie). Mais emoção. Linha de chegada. Conseguiu, agora é, oficialmente, um maratonista. Recebe os parabéns, a medalha e aprecia o doce sabor da vitória.
Após pontuar o que é um doutorado e o que é uma maratona (por um viés pessoal) é hora de entrelaçar as atividades. No próximo tópico,será apresentado a conclusão deste texto realizando uma conexão entre os dois árduos, mas prazerosos, desafios.
Conclusão
Com base no exposto nos tópicos anteriores, algumas possíveis correlações entre as duas atividades podem ser destacadas. Os itens indicados a seguir são constatações pessoais, ou seja, como sujeito ativo das duas atividades foi possível visualizar alguns elementos presentes nas duas práticas para fazer tal conexão. As mais relevantes podem ser verificadas abaixo.
O primeiro item elencado para conectar os dois eventos será a questão da livre escolha. Apesar de saber por antecedência seja por informações de amigos ou mesmo pela vasta referência teórica que aborda os dois assuntos que o processo de doutoramento ou de preparo para uma maratona é sofrível, cansativo fisicamente e mentalmente, exige disciplina, foco, abnegação social, entre outros itens, aqueles que já fizeram o doutorado ou a maratona optaram por estes desafios de maneira espontânea, sabem que irão sofrer, que será difícil e, mesmo sem ninguém obrigar e por motivos diversos, tais como: superação pessoal, busca de novos desafios que possam abrir novas possibilidades, influência de amigos, ascensão profissional, entre outros trilham tal percurso esperando encontrar o sabor da vitória lá na faixa de chegada. Infelizmente o processo é árduo e seletivo. Nem todos que começam o doutoramento ou os treinos para uma maratona alcançam os louros da vitória, alguns também por diferentes motivos ficam pelo caminho.
Outro elemento de conexão está no personagem que acompanha o maratonista e o doutorando. Assim como o maratonista precisa de um treinador, o doutorando necessita de um orientador e estes personagens são de suma importância para trajetória do maratonista e do doutorando. São eles o treinador e o orientador que com todo o seu conhecimento acadêmico, científico e empírico determinam toda a trajetória de seus pupilos.
Eles acompanham passo a passo o que os orientados realizam, corrigem caminhos quando é necessário, estimulam em outros momentos e prepararam para que suportem os desafios dos percursos e cheguem capacitados para o dia D.
Sem a presença destes dois personagens, que sofrem, vibram e estarão no final dos desafios para cumprimentar, o maratonista e o doutorando não ultrapassariam a linha de chegada e não receberiam os louros da vitória. Louros da vitória era um símbolo de distinção e glória na Grécia Antiga. O louro era utilizado na confecção de coroas dadas aos vencedores das provas dos Jogos Olímpicos da Antiguidade (Rubio, 2001).
Um outro item possível de realizar uma ligação entre as duas atividades é com o sono de um doutorando e as dores de um maratonista. Quem conhece ou convive com um doutorando sabe que ele está sempre com o sono atrasado: parece que para este tipo de estudante o dia deveria ter mais de 24 horas pelo menos umas 36.
Assim sendo, conseguiria (ou não) vencer todas as tarefas acadêmicas que necessita, tais como: leituras e fechamentos de livros, escrever um trecho de algum artigo, preparar uma palestra, redigir um parágrafo de sua tese, entre tantas outras obrigações.
Em contrapartida, o maratonista sempre está com dor. Converse com um corredor depois de um longão que este vai lhe apontar, pelo menos, umas 3 partes do corpo que doem, inclusive uma que geralmente começa a doer no início do treino por volta do km 2 ou 3 e é uma dor que o acompanha por todo o percurso do longão.
Ao dialogar com um doutorando ou com um maratonista perceberá que tudo, para eles, gira em função de tais atividades. Os treinamentos, a alimentação, a academia, os suplementos, as corridas com percursos inferiores, as horas de descanso, as roupas, as leituras, as escritas, as palestras, os eventos acadêmicos, as reuniões, os livros, o sono, o passeio no shopping, as viagens, enfim... o mundo para aqueles que estão vivenciando tais atividades é o doutorado e a maratona, e o grande foco é chegar no dia D, o dia da maratona e/ou o dia da defesa da tese.
E o dia D, tanto para uma maratonista como para um doutorando, está entrelaçado de significados que os aproximam ainda mais, tais como: o pânico no dia que antecede os eventos e a sensação de não estar preparado; o tempo para a defesa e o tempo para percorrer os 42,195 km (mais ou menos 3 a 4 horas); a banca que julgará a tese e os árbitros que controlam o percurso; o público presente nos dois eventos e as pessoas que torcem para que termine bem a defesa e a maratona; a solidão do corredor e do doutorando durante alguma parte do percurso ou da defesa, o filme que passa quando está nos últimos metros da maratona e na fala final do seu orientador, as lágrimas que escorrem pelo rosto, a alegria e o doce sabor da vitória ao concluir os eventos.
A alegria intensa que o doutorando sente ao término da defesa é incrível e inesquecível. Da mesma maneira Igualmente, é possível dizer com relação ao sentimento que o maratonista sente ao cruzar a linha de chegada. Ao acabar o ritual de defesa da tese e o doutorando é intitulado doutor, e o momento que o corredor ultrapassa a linha de chegada e se transforma oficialmente em um maratonista, em ambos os momentos vêm a sensação de dever cumprido e, mesmo estando exausto tanto fisicamente como mentalmente, a sensação de felicidade invade o corpo do maratonista e do doutorando. Tais sentimentos estão ligados com hormônios produzidos e liberados pelo cérebro quando conclui tais atividades. Podemos citar, entre outros, a endorfina e a dopamina (Ferreira, 2018), hormônios naturais do nosso organismo que são estimulados pelo cérebro, quando realizamos exercícios físicos ou quando vencemos metas e tarefas estressantes, e que, ao serem liberados, proporcionam a sensação de felicidade.
Além das situações discorridas acima, outras podem ser apontadas que conectam uma atividade a outra, como por exemplo: o comprometimento pessoal tanto do maratonista como do doutorando durante todo o processo; a participação em diversos eventos acadêmicos por parte do doutorando e a participação em diversas corridas de ruas por parte do maratonista, que servem tanto para testarem seus treinamentos como para encontrarem outros loucos que estão realizando a mesma trajetória; o apoio que encontram no grupo de estudo (doutorando) e no grupo de treinamento (maratonista) para recarregarem as energias e continuarem o processo; o último longão do maratonista antes do dia D (mais ou menos uns 37 Km) e a qualificação de tese do doutorando, que indicam como os dois se encontram e o que devem melhorar para o grande dia; o cansaço pós defesa e pós maratona, entre tantas outras situações que poderiam ser apontadas para realizar tal correlação. Enfim, depois de tantos apontamentos, podemos dizer que um maratonista e um doutorando têm muitas coisas em comum que os aproximam e os conectam.
Referências
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