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ISSN 1514-3465

 

Prática esportiva de trilhas no Estado do Rio de Janeiro

Trail Sport Practice in the State of Rio de Janeiro

Práctica deportiva de senderismo en el Estado de Río de Janeiro

 

Aline Wanderley de Barros*

alinewandy@yahoo.com.br

Gabriela Simões**

gabssimoes9@gmail.com

Elizangela Cely***

elizangela.cely@gmail.com

Valéria Nascimento Lebeis Pires****

valerianlp@uol.com.br

 

*Licenciada em Educação Física

Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Tem experiência na área de Educação Física

com ênfase em Esportes de Aventura - Trilhas

**Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação

em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ)

Bolsista CAPES-Demanda Social. Membro do Grupo de Pesquisa

em Pedagogia de Educação Física e Esporte (GPPEFE/DEFD/UFRRJ)

***Doutoranda em Educação pelo Programa de Pós-Graduação

em Educação, Contextos Contemporâneos e Demandas Populares (PPGEduc/UFRRJ)

Coordenadora do Curso de Educação Física e Professora

do Centro Universitário Abeu (UNIABEU), campus Belford Roxo/RJ

Professora efetiva da Rede Municipal de Itaguaí/RJ

Membro do Grupo de Pesquisa em Pedagogia

de Educação Física e Esporte (GPPEFE/DEFD/UFRRJ)

****Doutora em Epidemiologia em Saúde Pública

pela Escola Nacional de Saúde Pública – Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ)

Docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ)

Coordenadora da Companhia de Dança da UFRRJ

Líder do Laboratório de Estudos do Corpo e Movimento (LECOM)

do Departamento de Educação Física e Desportos (DEFD/IE/UFRRJ)

(Brasil)

 

Recepção: 17/08/2021 - Aceitação: 23/02/2022

1ª Revisão: 15/02/2022 - 2ª Revisão: 19/02/2022

 

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https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt

Citação sugerida: Barros, A.W. de, Simões, G., Cely, E., e Pires, V.N.L. (2022). Prática esportiva de trilhas no Estado do Rio de Janeiro. Lecturas: Educación Física y Deportes, 27(288), 16-31. https://doi.org/10.46642/efd.v27i288.3169

 

Resumo

    A relação contemporânea corpo-natureza, amplamente incentivada, pode ser intermediada pelos esportes de aventura, sendo a trilha uma das alternativas. No entanto, na atualidade, essa relação e interação não acontece como antes, tendo em vista, por exemplo, a violência nas cidades, os recursos tecnológicos, a dualidade entre a relação cultural e natural. Objetivou-se investigar as percepções e motivações de praticantes acerca da prática esportiva de trilhas, no Estado do Rio de Janeiro. Adotou-se uma abordagem qualitativa de pesquisa, de delineamento transversal e de caráter descritivo. O instrumento de coleta de dados utilizado foi um questionário estruturado com perguntas abertas. Participaram da pesquisa oito praticantes, de ambos os sexos, com faixa etária acima de 18 anos, tendo, em média, 37 anos. Os resultados indicaram que para esses praticantes a trilha é considerada como mecanismo de aproximação corpo-natureza associado à conscientização ambiental e ato terapêutico. Os indivíduos têm buscado na natureza melhores condições de saúde e bem-estar devido aos fatores negativos da vida urbana. Pode-se concluir que o praticante de trilha, quando em contato com a natureza, observa o cuidado com os diferentes elementos e aspectos que envolvem esse espaço natural, assim como o risco da aventura, do desconhecido, o zelo pelos locais explorados e pela vida.Nesse sentido, o praticante busca seguir e continuar explorando sua capacidade física e as emoções positivas que lhe são causadas, fato que apresenta indicativo de conexão corpo-natureza.
    Unitermos: Saúde. Percepção. Motivação. Aventura.

 

Abstract

    The widely encouraged contemporary body-nature relationship can be mediated by adventure sports, with the trail being one of the alternatives. However, nowadays, this relationship and interaction does not happen as before, considering, for example, violence in cities, technological resources, in the duality between cultural and natural relationship. The objective was to investigate the perceptions and motivations of practitioners about the sport of trails in the State of Rio de Janeiro. A qualitative research approach was adopted, with a cross-sectional design and a descriptive character. The data collection instrument used was a structured questionnaire with open questions. Eight practitioners participated in the research, of both sexes, aged over 18 years, with an average age of 37 years. The results indicated that for these practitioners, the trail is considered a body-nature approach mechanism associated with environmental awareness and therapeutic act. Individuals have sought better health and well-being conditions in nature due to the negative factors of urban life. It can be concluded that the hiker, when in contact with nature, observes the care with the different elements and aspects that involve this natural space, as well as the risk of adventure, of the unknown, the zeal for the explored places and for life. In this sense, the practitioner seeks to follow and continue exploring his physical capacity and the positive emotions that are caused to him, a fact that shows an indication of a body-nature connection.

    Keywords: Health. Perception. Motivation. Adventure.

 

Resumen

    La relación cuerpo-naturaleza en la época contemporánea, ampliamente fomentada, puede ser mediada por los deportes de aventura, siendo el senderismo una de las alternativas. Sin embargo, hoy en día, esta relación e interacción no ocurre como antes, considerando, por ejemplo, la violencia en las ciudades, los recursos tecnológicos, la dualidad en la relación cultura y naturaleza. El objetivo fue investigar las percepciones y motivaciones de los practicantes del deporte senderismo, en el Estado de Río de Janeiro. Se adoptó un enfoque de investigación cualitativo, con un diseño transversal y de carácter descriptivo. El instrumento de recolección de datos utilizado fue un cuestionario estructurado con preguntas abiertas. Participaron de la investigación ocho practicantes de ambos sexos, mayores de 18 años, con una media de 37 años. Los resultados indicaron que para estos practicantes el senderismo es considerado como un mecanismo de acercamiento cuerpo-naturaleza asociado a la conciencia ambiental y como acto terapéutico. Los individuos han buscado una mejor salud y bienestar en la naturaleza debido a los factores negativos de la vida urbana. Se puede concluir que el senderista, al estar en contacto con la naturaleza, observa el cuidado con los diferentes elementos y aspectos que envuelven este espacio natural, así como el riesgo de la aventura, de lo desconocido, el afán por los lugares explorados y por la vida. En este sentido, el practicante busca seguir y continuar explorando su capacidad física y las emociones positivas que le son provocadas, hecho que muestra un indicio de la conexión cuerpo-naturaleza.

    Unitermos: Salud. Percepción. Motivación. Aventura.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 27, Núm. 288, May. (2022)


 

Introdução 

 

    O corpo humano possui diferentes contornos, cores, formas e significados, os quais fazem parte de um contexto sociocultural (Dourado et al., 2018). As experiências vividas fazem do corpo um mecanismo para adquirir conhecimento e aprendizado e, nesse bojo, o corpo é considerado como integrante de uma sociedade (Pinto, 2007), ou seja, como um instrumento de interação com o mundo carregado de história, cultura e subjetividade.

 

    Inicialmente, devido à migração da zona rural para o espaço urbano, iniciou-se o afastamento entre o ser humano e a natureza (Silva, e Richter, 2016). Com o tempo, fatores sociais podem ter diminuído o contato do corpo com a natureza por motivos de confinamento do trabalho, violência das cidades, recursos tecnológicos que causam isolamento social, exploração e controle sobre o meio ambiente. Nessa perspectiva, Le Breton (2013) afirma que nunca como hoje as sociedades ocidentais utilizaram tão pouco o corpo, de maneira que até as técnicas elementares de caminhar e/ou correr são solicitadas ocasionalmente na vida cotidiana, como atividades de compensação e/ou manutenção da saúde.

 

    Na atualidade, o ser humano se encontra no dilema corpo-natureza e corpo-cultura, quando busca minimizar o distanciamento do contato com a natureza por meio de práticas corporais que foram negligenciadas ou inativadas pelo contexto da produção ou produtividade no contexto da cultura e profissionalização. (Zanin et al., 2006)

 

Imagem 1. O contato com a natureza constitui a principal motivação entre os participantes para a prática de trilha

Imagem 1. O contato com a natureza constitui a principal motivação entre os participantes para a prática de trilha

Fonte: Pexels.com - Foto: Nina Uhlíková

 

    Para manter o corpo ativo diante de um tempo que exalta a imagem corporal (estética), na natureza, notam-se mecanismos de vivências corporais realizadas sem a automatização ou previsão do movimento, havendo um risco que requer muita atenção pela possibilidade de gerar acidentes, como os esportes de aventura (Pereira et al., 2008). Os procedimentos de risco calculados são vitais e o praticante de esporte de aventura deve reunir saberes, como a técnica, as habilidades ligadas à modalidade praticada, o uso da tecnologia e de equipamentos, a aptidão de decifrar informações relacionadas ao ambiente natural e ao imprevisto, além de saber decidir e agir antecipadamente mediante estratégias a serem utilizadas para eliminar os obstáculos e, dessa forma, cumprir as metas. (Paixão et al., 2011)

 

    Nas últimas décadas, o esporte de aventura tem sido praticado de forma crescente no Brasil (Paixão, 2017). Seu conceito, definido por meio da Resolução nº 188, de acordo com o extinto Ministério do Esporte, envolve a reivindicação do segmento esportivo, para o qual foi criada uma comissão denominada de Esporte de Aventura, tendo a proposta de conceituação e o propósito de estimular a organização e o desenvolvimento da prática no Brasil. No 1º artigo da referida Resolução, conceitua-se, no País, esporte de aventura como o:

    [...] conjunto de práticas esportivas formais e não formais, vivenciadas em interação com a natureza, a partir de sensações e de emoções, sob condições de incerteza em relação ao meio e de risco calculado. Realizadas em ambientes naturais (ar, água, neve, gelo e terra), como exploração das possibilidades da condição humana, em resposta aos desafios desses ambientes, quer seja em manifestações educacionais, de lazer e de rendimento, sob controle das condições de uso dos equipamentos, da formação de recursos humanos e comprometidas com a sustentabilidade sócio-ambiental. (Brasil, 2007, p. 107)

    Ao investigarem a modalidade de esportes radicais, Pereira et al. (2008) apontaram duas categorias diferentes, a saber: esportes de ação e esportes de aventura. A classificação destas categorias foi baseada, inicialmente, pelo meio específico da prática: aquática, aérea e terrestre. E, pelas características, presente nos esportes de ação, a manobra e a técnica e, no esporte de aventura, o imprevisível e o esforço físico. Estas têm em comum a busca por existência significativa e o risco como motivador para se viver experiências emocionais. Dentre os esportes considerados de aventura encontra-se a trilha (trekking/hiking).

 

    A trilha consiste no ato de caminhar em atalhos naturais, almejando maior contato com a natureza (Soares, 2009). A superação de limites, a autoconfiança, o compromisso, a tolerância ao sucesso e/ou fracasso, o companheirismo são características despertadas nos praticantes de esportes de aventura e são indicadas como sinônimo de bem-estar e prazer (Santos et al., 2013). Esse tipo de esporte de aventura é considerado uma das atividades mais seguras, podendo ser praticado por qualquer pessoa saudável, de variada faixa etária, sendo indicado aos iniciantes trilhas com trajetos mais curtos,executadas com a companhia de guias experientes. Ademais, do ponto de vista financeiro, é um esporte acessível, pois não exige grande quantidade de equipamentos e os locais para a prática de trilha são bem variados e amplamente distribuídos pelo Brasil. (Soares, 2009)

 

    Nesse contexto, face às condições diárias adversas, principalmente frente à correria das grandes cidades e o consequente estresse ocasionado, vê-se a adesão da prática de trilhas como ferramenta valiosa (Nunes et al., 2021). Assim, entende-se que a coexistência entre corpo e natureza se modificou com o passar do tempo e para reestabelecer esse contato, uma das alternativas que o homem dispõe é o esporte de aventura. Em vista disso, na complexidade de elucidar a relação corpo-natureza na atualidade, objetivou-se investigar as percepções e motivações de praticantes acerca da prática esportiva de trilhas, especificamente em parques florestais situados no Estado do Rio de Janeiro.

 

Métodos 

 

    Essa pesquisa foi aprovada (parecer nº 10106/2019) pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CEP-UFRRJ). Adotou-se uma abordagem qualitativa (Zanella, 2013), de delineamento transversal (Fontelles et al., 2009) e de caráter descritivo. (Triviños, 1987)

 

    Como instrumento utilizou-se um questionário estruturado com 12 perguntas abertas (Negrine, 2017), envolvendo aspectos relacionados à: “relação corpo e natureza na atualidade”; “percepções e sentimentos ao praticar a trilha; “vida profissional versus vida pessoal” e “motivação para a prática de trilha”. As questões foram elaboradas pelas pesquisadoras, sob a luz da teoria, experiência de vida no campo e apreciação por doutores com expertise na temática.

 

    Foram incluídos na amostra indivíduos de ambos os sexos, com idade entre 18 e 60 anos, praticantes de trilha no Estado do Rio de Janeiro e com experiência em, pelo menos, duas trilhas (nível leve – categoria para iniciante, de percurso curto, acompanhada de guia experiente). Foram excluídos da amostra indivíduos que não concordaram em participar da pesquisa, assinalando a opção “Não” no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) on-line e indivíduos que não faziam parte do grupo de trilha. A amostra foi composta por oito praticantes de trilha do Estado do Rio de Janeiro, assíduos no grupo investigado, com média de idade (MI) de 37 anos (37,1 ± 9,12) e média de tempo de prática (MTP) de sete anos (7,1 ± 8,52), sendo quatro do sexo feminino (MI = 38,3 ± 9,64; MTP = 2,6 ± 1,93) e quatro do sexo masculino (MI = 36 ± 9,76; MTP = 11,3 ± 10,63).

 

    A forma de coletar os dados foi acordada com a responsável de determinado grupo de trilha do Estado do Rio de Janeiro. Inicialmente, em dias agendados, a pesquisa foi apresentada aos praticantes do grupo no Parque Estadual da Pedra Branca (Barra de Guaratiba/RJ) e no Parque Nacional da Tijuca (Alto da Boa Vista/RJ). Posteriormente, de forma on-line, foi enviado o link com acesso ao Google Forms para preenchimento do TCLE (termo caracterizado por fornecer ao participante todas as informações relativas à pesquisa e cuja assinatura condiciona a participação do mesmo) e do questionário. Adotou-se a coleta on-line para não interromper a rotina da atividade.

 

    Os dados oriundos dos questionários foram organizados e tratados mediante a Técnica de Análise de Conteúdo, englobando as seguintes fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos dados. As categorias de análise foram traçadas a priori observando a natureza das perguntas feitas aos praticantes. (Bardin, 2011)

 

    Para apresentação dos resultados utilizou-se a sequência: Caso (C1-8), Sexo (F ou M) e Questão (Q1-12).

 

Resultados e discussão 

 

    Os dados qualitativos propiciaram uma diversidade de achados, os quais foram categorizados de forma interpretativa, por suas semelhanças. Em virtude disso, foram traçadas quatro categorias de análise, a saber: “Relação corpo e natureza na atualidade”; “Percepções e sentimentos ao praticar a trilha”; “Vida profissional versus vida pessoal” e “Motivação para a prática de trilha”, apresentadas a seguir.

 

Relação corpo e natureza na atualidade 

 

    Quando indagados sobre como compreendem a relação entre o corpo e a natureza na atualidade, três participantes citaram essa relação como ato terapêutico, capaz de proporcionar paz interior e refúgio da agitação do dia a dia. Somado a isso, dois participantes, para além da compreensão da relação corpo e natureza, citaram alguns benefícios que essa relação íntima pode propiciar aos seres humanos: redução da ansiedade, diminuição do estresse, melhoria da saúde mental,a partir da adoção de estratégias para superar os obstáculos no percurso da trilha, enquanto relação dialógica de aprendizado e conscientização no contato corpo-natureza.

 

    No que se refere ao efeito positivo da prática de esportes e exercício, os resultados corroboram com Godoy (2002), apontando que tais vivências têm efeitos positivos sobre a área emocional, em relação à diminuição dos sintomas de ansiedade e melhora do humor.Nesse sentido, a trilha é um agente de melhoria da relação capaz de possibilitar a conexão entre o corpo e a natureza, propiciando uma série de benefícios para ambas as partes, criando um clima de harmonização. A trilha é entendida pelos participantes da pesquisa como ato terapêutico, momento de paz interior, bem como de aprendizado e conscientização, superação e refúgio do dia a dia. Por isso, afirma-se que as atividades de aventura na natureza são experiências ricas, capazes de propiciar discussões acerca de questões sociais e ambientais. (Viscardi, e Marinho, 2020)

 

    E, por fim, a resposta de um dos participantes destoou das respostas dos demais. Sua resposta, no entanto, abre margem a se pensar, sob diferentes ângulos, a relação do corpo e natureza na atualidade. O respondente destaca que essa relação está bastante afastada, seja por falta de tempo, por influência da tecnologia ou, ainda, por muitas pessoas não sentirem necessidade de estarem em contato com a natureza. Ao encontro, Le Breton (2013, p. 20) indica que “[...] nunca como hoje em nossas sociedades ocidentais os homens utilizaram tão pouco seu corpo, sua mobilidade, sua resistência”, ou seja, os fatores sociais, como por exemplo, os recursos tecnológicos, a violência das cidades ou, ainda, o confinamento do trabalho, podem ter diminuído o contato do corpo com a natureza.

 

    Ademais, os participantes foram questionados e instigados a refletir se acreditam que a trilha conecta o ser humano com a natureza. Os oito participantes afirmaram que a trilha é um meio de aproximação do corpo com a natureza. Em diálogo, Marinho et al. (2016) indicam que as atividades de aventura podem desenvolver, dentre outros aspectos, a interação homem-natureza. Ainda, complementam que esta contribui para harmonizar o corpo e a mente e que por meio dela é possível despertar conscientização e relação mais humana entre ser humano e natureza. Ao encontro dessa afirmação, Lanferdini (2021) apresenta as práticas corporais e os esportes de aventura como capazes de reaproximar o ser humano da natureza, sendo, inclusive, cada vez mais recorrentes com esse intuito. Ainda, o autor indica que estas práticas são capazes de melhorar a qualidade de vida e a saúde.

 

Percepções e sentimentos ao praticar a trilha 

 

    Buscando investigar as percepções e/ou sentimentos dos praticantes de trilha, no ato de sua prática, perguntou-se aos participantes como eles se sentiam praticando a trilha. Três participantes destacaram a trilha como um momento de superação e realização, por permitir vencer os obstáculos. Outro grupo, também com três respondentes, mencionou que a trilha proporciona um estado de bem-estar, relaxamento, paz, humor extrovertido e, ainda, com o sentimento de felicidade e a outros aspectos como sentir-se saudável e melhor, enquanto ser humano. E os dois últimos respondentes citaram diferentes percepções, indicando a trilha como ato terapêutico, forma de praticar exercícios físicos e como momento único.

 

    O conjunto de razões que causam aos praticantes de trilha a satisfação de estarem imersos na natureza é apontado por Santos et al. (2013), como a superação de limites, o companheirismo, o compromisso, a autoconfiança e a tolerância ao sucesso e ao fracasso. Marinho et al. (2016) também indicam que as atividades na natureza podem contribuir no desenvolvimento de aspectos como: autodescoberta, autonomia, criatividade, reflexão, sensações e emoções. Além disso, essas razões, também entendidas como características, são sinônimo de prazer e bem-estar, tendo em vista a associação do prazer em contemplar a natureza à desconexão de fatores estressores do dia a dia. (Soares, 2009)

 

    Para além das percepções e sentimentos no momento da prática de trilha, acreditou-se ser importante mapear quais são e/ou foram as facilidades e dificuldades percebidas pelos praticantes para realizar as trilhas durante o tempo de prática informado. Em relação às facilidades, os participantes citaram a sinalização, o percurso e a fácil localização das trilhas; a busca pela facilidade ao serem criados grupos de trilhas; a possibilidade de melhorar o condicionamento físico; por ser uma prática corporal de baixo custo e que pode ser realizada individualmente; e por ser uma prática de interesse e gosto pessoal. No que diz respeito às dificuldades, os participantes pontuaram a influência negativa que a família pode desempenhar, ter tempo para a prática, a locomoção, o nível da trilha, estar bem fisicamente, assim como depender do clima e de boas companhias.

 

    Quanto às facilidades pontuadas, como os praticantes são de um grupo de trilha do Rio de Janeiro, cabe destacar que o Estado é “[...] um ambiente privilegiado em relação ao contato com a natureza [...]” (p. 20), sendo considerado como local turístico, possuindo diferentes lugares que chamam atenção e bonitos para visitar. As dificuldades pontuadas - locomoção, nível da trilha, estar bem fisicamente - podem ser associadas à resistência de quem fará, a depender da dificuldade da trilha. (Souza, 2016)

 

    E, por fim, ao aprofundar-se nas experiências e vivências pessoais dos participantes praticantes de trilha, solicitou-se que cada um deles contasse qual foi a maior sensação de alegria fazendo alguma de suas trilhas. Três participantes destacaram momentos únicos, propiciados em trilhas específicas como,

    “Foi quando subi a Gávea e tive a sensação de ter o céu só pra mim, eu olhava para baixo e só via as nuvens e Deus no meu ouvido perguntando se era isso que eu queria, pois um dia tive uma conversa com Deus que eu queria ter o céu aos meus pés, imagina nem lembrava mais desse pedido quando Deus me lembrou e eu abri os olhos e vi aquele cenário na minha frente não tive como me conter foi um momento único entre eu e Deus”. (C2, F, Q. 11)

 

    “A minha maior sensação de alegria foi ir ao Pico da Caledônia no ano de 2018 e neste ano retornei com uma alegria ainda maior, pois como tinha poucas nuvens o cenário do visual mudou totalmente”. (C5, M, Q. 11)

 

    “Trilhando com minha mãe. Pedra da Gávea com Rapel na Cabeça, 147 metros”. (C8, M, Q. 11)

    Quatro dos participantes relacionaram os momentos e a sensação de alegria com o sentimento de superação por conseguir realizar a trilha até o fim, sendo possível perceber em seus relatos que,

    “Em todas é sempre saber que eu consigo ir até o fim e durante a caminhada ter sentimentos diversos”. (C3, F, Q. 11)

 

    “De ter superado a crença de que eu não ia conseguir”. (C4, F, Q. 11)

 

    “Me superar, ver que nada é tão difícil que eu não consiga superar com esforço e determinação”. (C6, M, Q. 11)

 

    “Quando você chega no final da trilha e fala, sofri mais valeu a pena”. (C7, M, Q. 11)

 

    E, um dos participantes afirma que,

 

    “Não tem maior alegria porque são trilhas diferentes uma da outra e a alegria é constante”. (C1, F, Q. 11)

    Nesse contexto, importa ressaltar que “Nada substitui a experiência propriamente dita e essa se dá pelo corpo”. O contato com a natureza propicia rememorações, movimentação corporal, renovação de energia e elevação da autoestima, junto à possibilidade de contemplar a natureza (Telles, e Neuenfeldt, 2019, p. 34). Por isso, indica-se que sensações, sentimentos e emoções também são considerados características das atividades de aventura na natureza, junto ao risco (Viscardi et al., 2018a). Assim, os relatos de experiências e vivências, que envolvem a emoção inesquecível de alegria, demonstram a capacidade de a trilha proporcionar momentos singulares.

 

Vida profissional versus vida pessoal 

 

    Com o intuito de investigar a conciliação da vida profissional com a vida pessoal dos participantes, foi solicitado que estes contassem um pouco sobre a sua rotina profissional e, se possível, como conciliavam a vida profissional com a vida pessoal. Nessa perspectiva, cinco dos participantes sinalizaram que trabalhavam de segunda-feira a sexta-feira, não questionando negativamente sobre seus trabalhos e pontuaram reservar o final de semana para a vida pessoal, para a família, sem deixar de destacar a trilha como uma das preferências da agenda pessoal.

 

    Em contrapartida, dois dos participantes afirmaram que a vida profissional é muito estressante, citando a perda de tempo em engarrafamentos, perda significativa no aproveitamento do dia, indo ao encontro dos cinco primeiros participantes no que diz respeito ao final de semana, que procuram conciliar com práticas que proporcionam lazer.

 

    No mundo contemporâneo, o contato direto com a natureza pode ser dificultado também pelas demandas dos estudos, do trabalho e/ou de casa (Telles, e Neuenfeldt, 2019). Face a esse distanciamento, em consequência da edificação da vida cotidiana, tornam-se essenciais práticas que resgatem esse vínculo (Blum et al., 2018), como por exemplo, as atividades de aventura na natureza. Esses apontamentos corroboram com a inclusão da prática de trilhas nas agendas pessoais dos indivíduos investigados no presente estudo.

 

    Nesse contexto da vida profissional versus vida pessoal, as duas próximas questões que englobam essa categoria de análise evidenciaram aspectos mais voltados para a vida pessoal dos participantes. Para isso, foi perguntado se os participantes já tiveram alguma sensação de tristeza ou frustração relacionada à rotina diária que a prática de trilha tenha minimizado. Essa pergunta foi respondida de forma afirmativa em unanimidade pelo grupo, tendo quatro dos participantes entrado em detalhes, destacando questões de luto por morte, término de relacionamentos, reflexão acerca da vida e momento de renovar as energias. Com isso, percebe-se que, para além de contribuições físicas e mentais, a prática da trilha pode contribuir em questões emocionais.

 

    Segundo Nahas et al. (2000), o controle do estresse é um dos aspectos que contribui para um estilo de vida saudável, promovendo o bem-estar. Os participantes relataram conseguir conciliar o trabalho e/ou estudo com os momentos de relaxamento, fazendo as atividades de preferência, no caso a trilha, além de estar junto à família. Dessa forma, mesmo com o ritmo de vida na cidade estressante, a trilha é vista como modo de amenizar situações difíceis e/ou tristes que possam estar sendo vivenciadas. Ou seja, os praticantes agregam o prazer em contemplar a natureza com os benefícios da atividade física, se desconectando de fatores estressores do dia a dia, mesmo que temporariamente (Soares, 2009), fato que indica as contribuições de caráter físico, mental e emocional das trilhas.

 

    Por fim, indagou-se como os amigos, familiares e colegas de trabalho imaginam o praticante de trilha e se essa imagem corresponde com a imagem que o praticante faz de si mesmo.Um dos participantes afirma que cada pessoa enxerga a trilha de uma forma. Esse relato abre margem a se pensar que existem diferentes pontos de vista acerca da imagem do praticante de trilha para a sociedade e, mais especificamente, das pessoas de seu convívio, imagens essas que foram destacadas nos relatos de cinco participantes.

 

    Em seus relatos, percebe-se o uso do termo “loucos” como ponto de encontro destacado pelos praticantes acerca de sua imagem para seus conhecidos, por sair da zona de conforto ou por gostar de práticas consideradas peculiares à outras pessoas, como subir montanhas e/ou “se enfiar” no mato. Em contrapartida, dois participantes contaram que tiveram como retorno imagens positivas de seus pares, incentivados por amigos, família e colegas de trabalho.

 

    A palavra aventura procede do latim adventura que significa “o que está por vir”, referindo-se ao desconhecido, ao imprevisível característico das atividades de contemplação à natureza. Essa prática envolve a distância, o clima, o esforço físico, a privação e a incerteza. É preciso sentir e intuir a atmosfera em que se encontra, agregando experiências anteriores e autoconhecimento dos limites físicos e habilidade estratégica para decidir seguramente qual caminho trilhar (Pereira et al., 2008). Essas características podem explicar a associação da trilha à imagem de louco que pessoas do convívio dos participantes têm, por parecerem ser alguém inconsequente. Provavelmente, essa associação se dá por não terem alguma experiência de praticar a trilha e/ou por não ter noção das precauções tomadas para aproveitar o máximo do esporte com segurança.

 

Motivação para a prática de trilha 

 

    Além dos diversos aspectos investigados e apresentados, viu-se a importância de conhecer os motivos que levam os participantes do estudo à prática de trilhas. Importa ressaltar que embora tenham participado homens e mulheres, não objetivou-se comparar as motivações entre os mesmos.

 

    De forma geral, foram pontuados como motivos para a prática de trilha: o bem proporcionado pelo contato e aproximação com a natureza, a superação de limites, a oportunidade de conhecer outras pessoas e lugares, pelo fato da trilha ser considerada uma prática saudável e por ser um momento de higiene mental, no qual o praticante pode acalmar a mente e renovar as energias. Esses aspectos dialogam com os achados de Nunes et al. (2021), quando os participantes relataram mudanças positivas no relacionamento interpessoal, ânimo, felicidade, humor e disposição para as atividades diárias como algumas das melhorias advindas da prática de trilha.

 

    Os motivos para a prática de trilhas encontrados nesta pesquisa corroboram com a pesquisa de Souza (2016), que teve como um dos objetivos identificar as motivações que levam indivíduos a iniciar a prática de trilha. Ao questionar os participantes de sua pesquisa como surgiu a vontade de iniciar essa atividade, foi pontuado, pela maioria, o contato com a natureza, a sensação de liberdade e a paz. Somado a isso, foram destacados a atividade física e hábitos saudáveis, a possibilidade de fugir da rotina do dia a dia e repor as energias, estando em contato com a natureza.

 

    Em diálogo, corroborando com os resultados encontrados no presente estudo, Gilbertson, e Ewert (2015), em estudo longitudinal, investigaram as motivações de 801 indivíduos para a prática de diferentes atividades de aventura na natureza. Dentre as motivações, destacou-se: aspecto social, fuga da rotina, busca de sensações e autoimagem. Ainda, constatou-se que ao longo do tempo foi atribuída maior importância ao aspecto social e a fuga da rotina; houve constância acerca da busca de sensações; e a autoimagem foi menos mencionada.

 

    Viscardi et al. (2018b) buscaram investigar as percepções de 11 idosos integrantes de um programa de extensão universitária sobre as atividades de aventura na natureza. Dos 11, oito idosos indicaram a superação, a diversão, estar consigo mesmo, a experimentação como possíveis motivos para adoção frequente da prática de atividades de aventura. Também foram mencionados como motivos o aspecto social (convivência em grupo) e o contato com a natureza. Da mesma forma, Nunes et al. (2021), ao buscarem verificar os motivos e percepções de 37 indivíduos (M = 16; F = 21) adeptos à prática de trilha no estado do Rio de Janeiro, com faixa etária entre 34 e 45 anos, encontraram como significado central a possibilidade de estar em contato com a natureza. Essa aproximação entre praticante e natureza também foi apontada em estudo realizado por Viscardi, e Marinho (2020). Assim, dentre as diferentes contribuições das atividades de aventura realizadas na natureza, destaca-se a possibilidade de experiências sociais (relações, laços e interações) satisfatórias, de experimentações corporais, de reflexão acerca de questões ambientais, de descoberta e superação de limites. (Viscardi et al., 2018b)

 

    Cabe destacar que o atrativo de estar imerso na natureza pode ser uma forma inconsciente de reconectar as partes que formam o todo (Mariano et al., 2011). Ter maior respeito, observar e entender que é um ciclo, que a natureza tem o seu tempo, na tentativa de coexistir harmoniosamente e que natureza não é exclusivamente para ser explorada para o desenvolvimento econômico.

 

    Destaca-se que o contato com a natureza constitui a principal motivação entre os participantes para a prática de trilha.As características dos esportes de aventura encontram-se relacionadas à: capacidade física (resistência), forte relação entre lazer e turismo (usados em educação) e, ainda, há relação com a mídia, qualidade de vida e meio ambiente. Importa ressaltar que o contato com a natureza se destaca entre as referidas características. (Pereira et al., 2008)

 

Conclusões 

 

    Com base no referencial teórico e nas respostas obtidas pelos participantes, cabe destacar que no momento atual - século XXI, o homem contemporâneo tem buscado na natureza melhores condições de saúde e bem-estar, minimizando o confinamento e isolamento socioambiental.

 

    Os resultados indicaram que os praticantes investigados acreditam que a trilha é um meio de aproximação entre corpo e natureza e, ainda, que compreendem essa relação corpo-natureza como ato terapêutico, capaz de proporcionar paz interior e refúgio da agitação do dia a dia, promovendo benefícios, sobretudo psicológicos. Ainda, a prática de trilha também é percebida como uma forma de praticar exercícios físicos, momento único e momento de superação e realização, por permitir vencer os obstáculos. Com isso, relaciona-se à prática com o estado de bem-estar, relaxamento, paz, humor e felicidade.

 

    No que se refere ao ritmo de vida contemporâneo e o contato com a natureza, os resultados indicaram que estes conseguem conciliar a vida profissional com a vida pessoal, pois, a trilha é capaz de intermediar a relação entre o corpo e a natureza, sendo um modo de escapar da rotina estressante dos centros urbanos. Nesse contexto, há o efeito positivo da trilha sobre a condição física e, principalmente, mental, podendo destacar o controle do estresse, promovendo o bem-estar associado à renovação das energias.

 

    Das motivações que levam as pessoas do grupo investigado a praticarem a trilha, foram pontuados, de maneira geral, o bem proporcionado pelo contato e aproximação com a natureza, a superação de limites, conhecer outras pessoas e lugares, pela trilha ser considerada uma prática saudável e por ser um momento de higiene mental, no qual o praticante pode acalmar a mente e renovar as energias.

 

    Destaca-se, portanto, a expressiva relação das motivações para a prática de trilha com os estudos da área da atividade física, relacionada à saúde e ao bem-estar individual e coletivo, com possibilidades de estudos futuros ampliando o quantitativo de participantes e outras modalidades esportivas na natureza. Além disso, registra-se como uma hipótese a ser investigada: “quanto mais experiência o praticante de trilha possui, maior tende a ser o seu cuidado com a natureza, reduzindo os impactos sobre ela?”.

 

    Ademais, sugere-se novas pesquisas que investiguem as práticas esportivas na natureza, tanto a trilha quanto outras práticas, capazes de reconectar o ser humano com a natureza, na atualidade, tendo em vista o distanciamento por diferentes fatores discorridos nesta pesquisa. E, pela escassez na literatura, cabem pesquisas que se dediquem a investigar a conexão corpo-natureza, mediada pelos esportes de aventura e, além disso, a motivação dos praticantes para a prática de trilhas.

 

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