Desenvolvimento regional sustentável e esporte: o caso das corridas de montanha
Sustainable Regional Development and Sport: the case of mountain races
Desarrollo regional sostenible y deporte: el caso de las carreras de montaña
Camila da Cunha Nunes*
camiladacunhanunes@gmail.com
Manoel José Fonseca Rocha**
manoeljoserochae@gmail.com
*Doutora em Desenvolvimento Regional. Mestre em Educação e Mestre em Desenvolvimento Regional.
Graduada em Educação Física. Professora no Centro Universitário de Brusque (UNIFEBE)
** Doutorando em Desenvolvimento Regional. Mestre em Educação. Licenciado em História.
Professor na Escola Técnica do Vale do Itajaí (ETEVI/FURB)
(Brasil)
Recepção: 15/03/2018 - Aceitação: 07/02/2019
1ª Revisão: 10/01/2019 - 2ª Revisão: 04/02/2019
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Resumo
Geralmente as corridas de montanha acontecem em meio a Unidades de Preservação Ambiental, designadas unidades de conservação, ou então, em locais com recursos naturais abundantes como matas, rios, cachoeiras, corredeiras, montanhas etc. Desse modo, um dos desafios das corridas de montanha é a preservação dessas áreas e políticas de gestão dos patrimônios natural, cultural, material e imaterial que a envolvem. Diante disso, temos como objetivo refletir sobre as corridas de montanha e os conflitos e controvérsias entre a operacionalização das provas e as unidades de conservação. Para tanto, realizamos uma pesquisa bibliográfica e documental baseada em uma análise contextual. As corridas de montanha expressam as próprias controvérsias científicas decorrentes do ambiente acadêmico em que se pesam as distintas formas de pensar. Apesar de a modalidade possuir regulamentação e se utilizar de áreas específicas para a sua promoção, que também possuem regulamentações. Visualizamos que mesmo assim, há limitações quanto a sua realização ou não. Em que pese pensar nas áreas de preservação ou na realização da prova e sua movimentação econômica, distintas são as interpretações e intenções que giram em torno dos especialistas que a avaliam. Diante disso, podemos observar essa modalidade e suas controvérsias científicas e ambientais, ao menos por dois âmbitos, (a) ambiental e (b) promoção/econômico.
Unitermos: Desenvolvimento regional. Esporte. Corridas de montanha.
Abstract
Generally, mountain races take place among Environmental Preservation Units, designated conservation units, or in places with abundant natural resources such as forests, rivers, waterfalls, rapids, mountains, etc. Thus, one of the challenges of mountain racing is the preservation of these areas and policies for managing the natural, cultural, material and immaterial heritage that surround it. In view of this, we aim to reflect on the mountain races and the conflicts and controversies between the operation of the tests and the units of conservation. For this, we perform a bibliographical and documentary research based on a contextual analysis. Mountain races express their own scientific controversies stemming from the academic environment in which different ways of thinking weigh themselves. Although the modality has regulation and uses specific areas for its promotion, which also have regulations. We see that even so, there are limitations as to its realization or not. In spite of thinking in the areas of preservation or in the accomplishment of the test and its economic movement, different are the interpretations and intentions that revolve around the specialists that evaluate it. Given this, we can observe this modality and its scientific and environmental controversies, at least in two areas, (a) environmental and (b) promotion/economic.
Keywords: Regional development. Sport. Mountain races.
Resumen
Generalmente las carreras de montaña ocurren en medio de Zonas de Preservación Ambiental, designadas como unidades de conservación, o bien, en áreas con recursos naturales abundantes como bosques, ríos, cascadas, rápidos, montañas, etc. De este modo, uno de los desafíos de las carreras de montaña es la preservación de esas áreas y políticas de gestión de los patrimonios natural, cultural, material e inmaterial que la envuelven. Ante ello, tenemos como objetivo reflexionar sobre las carreras de montaña y los conflictos y controversias entre la operacionalización de las pruebas y las unidades de conservación. Para ello, realizamos una investigación bibliográfica y documental basada en un análisis contextual. Las carreras de montaña expresan las propias controversias científicas derivadas del ambiente académico en que se consideran las distintas formas de pensar. A pesar de que la modalidad tiene reglamentación y se aprovecha de áreas específicas para su promoción, también poseen regulaciones. Vemos también que existen limitaciones en cuanto a su realización o no. Al sopesar las áreas de preservación o la realización de la prueba y su beneficio económico, distintas son las interpretaciones e intenciones que giran en torno a los especialistas que la evalúan. Por lo tanto, podemos observar esta modalidad y sus controversias científicas y ambientales, al menos por dos ámbitos, (a) ambientales y (b) promoción/económico.
Palabras clave: Desarrollo regional. Deporte. Carreras de montaña.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 249, Feb. (2019)
Introdução
O Desenvolvimento Regional é um fenômeno multidimensional, não devendo ser pensado numa perspectiva puramente econômica, mas socioeconômica. Ao bem da verdade, deve abranger os diversos âmbitos da sociedade, sejam eles econômicos, sociais, políticos, culturais e ambientais. Podendo ser também, uma forma de pensar a realidade, preocupação que parece fazer parte dos meios intelectuais de todo o mundo. Vários são os eventos que discutem sobre as relações de desenvolvimento e meio ambiente salientando “necessidade e a possibilidade de se projetar e implementar estratégias ambientalmente adequadas para se promover um desenvolvimento socioeconômico equitativo, ou ecodesenvolvimento, uma expressão que foi mais tarde rebatizada de desenvolvimento sustentável” (Sachs, 1993, p. 174-175). Mais precisamente, a intervenção humana no território e o comportamento social no espaço. Historicamente, a abordagem econômica é a que recebe maior enfoque, centrada na ideia de que crescimento econômico é sinônimo de desenvolvimento. A necessidade de se reconhecer uma nova concepção de Desenvolvimento Regional se faz necessária, e essa, deve trilhar um caminho alicerçado num novo comportamento econômico. Um comportamento menos danoso ao meio ambiente e comprometido com ações voltadas para oferecer condições dignas para todos. Para Sachs (1993, p. 178), “isto requer um novo equilíbrio que deve ser encontrado entre todas as formas de capital – humano, natural, físico e financeiro -, bem como entre recursos institucionais e culturais”. Dito de outra forma, o autor sugere que é necessário se pensar nas dimensões do conceito de sustentabilidade, a saber: sustentabilidade social; sustentabilidade econômica; sustentabilidade ecológica; sustentabilidade espacial e sustentabilidade cultural; alertando que seus obstáculos quanto a sua operacionalização são principalmente de ordem política e institucional. Diante a essa multidimensionalidade, partimos de uma compreensão ampla de Desenvolvimento Regional, cujas dimensões estão conectadas, pois interferem umas nas outras.
Por outro lado, também poderíamos pensar a perspectiva do decrescimento (Latouche, 2012). O decrescimento é uma contraposição à ideia de crescimento pelo crescimento. Questiona-se o crescimento sem se pensar as problemáticas ambientais pautadas, sobretudo, pela economia do crescimento. Sendo assim, poderíamos pensá-lo em dois âmbitos: (1) tomada de consciência da crise ambiental; e, (2) crítica técnica ao desenvolvimento (Nascimento y Gomes, 2009). Para tanto, é necessário extrapolar a visão estritamente econômica que por sua fez produz a escassez mediante a lógica moderna. Com isso, produz aumento das desigualdades e injustiças criando um bem-estar amplamente ilusório; e por sua vez uma antissociedade que padece de sua própria riqueza (Latouche, 2012). A partir desse contexto, as corridas de montanha refletem essa (multi) dimensão que abarca o Desenvolvimento Regional e suas distintas formas de pensar o território, o desenvolvimento e seus (des) usos.
Nos últimos anos observa-se um aumento no número de praticantes das corridas, assim como no número de empresas organizadoras de eventos esportivos desse gênero (Llopis & Vilanova, 2015). No entanto, as corridas de montanha também conhecidas como Carreras (de o por) montaña ou trail running (Morilla, Rebollo, Baena, Miranda, y Martínez, 2013) geram uma série de controvérsias quanto a sua regulamentação e conflitos ambientais ocasionados. Essa modalidade de corrida surgiu na Europa. A corrida chamada de Corsa del palio ou Drappo Verde é a mais antiga e ultrapassa 600 edições. Acontece desde 1208 em Verona na Itália. Já são clássicas as provas como a Ultratrail du Mont Blanc, com seus mais de 100 km percorridos em trilhas ao redor da maior montanha da Europa ocidental – e a Gore-Tex Transalpine Challenge, que tem largada na Alemanha, cruza a Suíça e termina na Itália, após uma semana de muitas subidas e descidas por campos e trilhas. Nos Estados Unidos temos a Western States como uma das ultramaratonas mais famosas, realizada em terrenos naturais (Santos, 2014). Outra corrida que ganha destaque na América do Sul é a El Cruce que consiste em atravessar as cordilheiras dos Andes entre a Argentina e o Chile.
No Brasil, a corrida de montanha é caracterizada por ocorrer em trilhas e serras. Surgiu oficialmente com a criação do Circuito Brasileiro de Corridas em Montanha, em 2004. Inicialmente, as provas eram disputadas apenas na distância de 21 km, mas em 2006, com o reconhecimento da modalidade pela Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), as competições tiveram seus regulamentos alinhados às regras da International Association of Athletics Federations (IAAF) e passaram a ser disputadas também em outras distâncias (Santos, 2014). As distâncias e desníveis altimétricos são regulados pela IAAF, órgão máximo do atletismo mundial, CBAt e pela World Mountain Running Association (WMRA), entidade mundial da modalidade. A IAAF reconhece a WMRA como entidade de controle das competições internacionais sendo responsável pelo Campeonato Mundial da modalidade.
Apesar de somente no ano de 2014 haver a oficialização da corrida de montanha, há registros que no ano de 1985 foi realizada a primeira corrida de montanha no Brasil. A prova pioneira foi a Marumbi Trophy organizada pelo Clube de Montanhismo do Paraná (CPM) e idealizado por Paulo Cesar de Azevedo. No entanto, essa prova foi extinta por um período de 20 anos e, em 2014, em comemoração aos 29 anos da primeira corrida de montanha volta a existir organizada pela TRC BRASIL. O percurso foi remodelado de acordo com as diretrizes do Parque Estadual Pico do Marumbi sendo vetado o ataque ao cume. Essa prova no ano de 2015 teve seu nome alterado para Troféu Marumbi.
Há distinções entre as atividades realizadas na montanha, também chamados de esporte de aventura e turismo. Isso significa que a filosofia do esporte de montanha se altera. A filosofia da corrida de montanha é baseada no fator tempo, como chegar ao fim do percurso da forma mais rápida possível. Esse é o objetivo dos que participam da corrida de montanha. O desafio está em combinar sua velocidade contra a de outros corredores, uma competição entre o homem (mulher) e homem (mulher). Isso, em meio a percursos técnicos, estradas de chão, trilhas single-track, campos de altitude, cumes de montanha e travessia de rios que resultam em desnível acumulado. São provas realizadas na maioria das vezes individualmente. Os participantes deslocam-se a pé em meio às deformações geológicas. Isso quer dizer que correm em meio a vales, montanhas, em alguns casos em determinados terrenos, sobretudo rochosos que necessitam do auxílio de cordas ou cabos de aço para transpor.
A busca pela interação com a natureza tem impulsionado o aumento do número de praticantes desse tipo de modalidade, a corrida de montanha. Esse aumento pode ser pensado por diversos fatores além da interação com a natureza: (1) atividade de competição; (2) modismo ou consumismo; (3) atividade turística tendo como principal característica as paisagens e o desafio proporcionado; (4) oferta; (5) difusão da mídia (Urbaneja, Yuba, Roca, y Torbidoni, 2016). Esse aumento significativo de adeptos questiona os impactos que a atividade implica na natureza (Inglés, 2013; Inglés y Barata, 2013). Ou seja, os riscos ambientais. Com isso, podemos pensar a corrida de montanha em dois públicos de competidores, (1) atração daqueles que buscam particularmente o contato com a natureza; e, (2) aqueles corredores que buscam conquistar títulos. Indubitavelmente esses dois tipos de públicos alteram a própria logística das provas.
Em tais atividades, o fato de chegar a lugares, por ora inacessíveis como, por exemplo, o cume de uma montanha, transpor o escuro de uma caverna, a força dos ventos ou das corredeiras dos rios permite que os participantes experimentem uma gama de significados. O que é ocasionado por meio dessa troca simbiótica entre corpo e meio, remetendo os sujeitos a novas sensações, sentidos, sentimentos e emoções (Lavoura, Schwartz, y Machado, 2008). Por isso, é salientado que essas atividades proporcionam um bem estar subjetivo. O contato direto com a natureza, ocasiona o bem estar subjetivo com as sensações e sentimentos de prazer, descanso, vertigem e risco.
Entretanto, geralmente as corridas de montanha acontecem em meio a Unidades de Preservação Ambiental, designadas unidades de conservação, ou então, em locais com recursos naturais abundantes como matas, rios, cachoeiras, corredeiras, montanhas etc. Desse modo, um dos desafios das corridas de montanha é a preservação dessas áreas e políticas de gestão dos patrimônios natural, cultural, material e imaterial que a envolvem. Diante dessas considerações iniciais, temos como objetivo refletir sobre as corridas de montanha e os conflitos e controvérsias entre a operacionalização das provas e as unidades de conservação.
Metodologia
Para realização da reflexão apresentada realizou-se uma pesquisa bibliográfica e documental baseada em uma análise contextual. As fontes pesquisadas foram materiais impressos ou disponíveis on-line em formato de artigos; livros; anais de eventos; dissertações e teses; e, documentos em formato de legislações do Governo Federal brasileiro.
Na análise contextual buscou-se relacionar a interação entre os seres humanos e as corridas de montanha. A análise contextual, segundo Hinds, Chaves e Cypress (1992), divide os níveis contextuais em quatro camadas que embora distintas interagem entre si, a saber: (i) o contexto imediato, (ii) o contexto específico, (iii) o contexto geral e o (iv) metacontexto. Diante disso, considerando que os contextos são interligáveis e inter-relacionáveis, durante a análise dos dados procurou-se localizar as Unidades de Conservação a partir da legislação que a permeia; refletir sobre o contexto (Unidades de Conservação) em que se operacionalizam as corridas de montanha a partir da identificação de sua regularização por meio das legislações específicas; a especificidade que permeia a relação entre as unidades de conservação e as corridas de montanha; a interferência ocasionada por conflitos e controvérsias que pairam as competições de corrida de montanha.
Resultados e discussão
As Unidades de Conversação da Natureza compreendem espaços territoriais e seus recursos ambientais (atmosfera, águas interiores, superficiais e subterrâneas, estuários, mar territorial, solo, subsolo, elementos da biosfera, a fauna e a flora), incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes. São legalmente instituídos pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção. São locais que integram o patrimônio ambiental e cultural do país de extrema relevância para a manutenção da diversidade biológica, incluindo a conservação de ecossistemas e habitat naturais e a manutenção e recuperação de populações de diferentes espécies em seus meios naturais (Brasil, 2000).
O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), criado em 27 de agosto de 2007 (Brasil, 2007), é responsável pelo Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), podendo propor, implantar, gerir, proteger, fiscalizar e monitorar as Unidades de Conservação. É uma entidade vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e integra o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Cabe ainda à entidade fomentar e executar programas de pesquisa, proteção, preservação e conservação da biodiversidade e exercer o poder de polícia ambiental para a proteção das Unidades de Conservação federais. Entre as principais competências estão à criação, regulamentação e gestão das Unidades de Conservação; e, apoiar a implementação do SNUC.
As Unidades de Conservação (Brasil, 2000), são dividas pelo SNUC em dois grupos de Unidades segundo seus objetivos de manejo (1) Proteção Integral e (2) Uso Sustentável. As Unidades de Proteção Integral tem como objetivo preservar a natureza, sendo admitido apenas o uso indireto dos seus recursos naturais, que não ofereçam dano ao seu ambiente, coleta ou consumo. Nesse escopo estão incluídas atividades recreativas, turismo ecológico, pesquisa científica, dentre outras. Já as Unidades de Uso Sustentável tem como objetivo compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. O que inclui atividades de coleta e uso dos recursos naturais. No entanto, em ambas as Unidades há o cuidado com os impactos ambientais ocasionados e seu uso sustentável como descrito em lei.
Geralmente, as corridas de montanha ocorrem em áreas que envolvem Parques Nacionais, pois suas formações geológicas permitem a prática da modalidade. Quando uma ação, seja empreendimento ou atividade, vem a afetar o meio ambiente envolvendo alguma Unidade de Conservação, suas zonas de amortecimento ou áreas circundantes, o ICMBio tem que ser consultado, para que seja analisado tecnicamente o processo de licenciamento. Após a expedição do parecer técnico, este deve ser apresentado ao conselho da Unidade de Conservação. Na análise técnica são considerados os impactos ambientais, assim como os programas ambientais propostos à Unidade; as restrições para implantação e operação do empreendimento, de acordo com o decreto de criação, características ambientais, e a compatibilidade entre a atividade e as disposições contidas no Plano de Manejo da Unidade de Conservação, quando possuir. Somente depois o Conselho Diretor do Instituto Chico Mendes dá seu parecer final.
Desse modo, o licenciamento ambiental federal de atividades ou empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), com fundamento em Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA), que possam afetar a uma Unidade de Conservação federal específica ou sua zona de amortecimento, só pode ser concedido após autorização prévia do ICMBio. Entretanto, fica a cargo dos órgãos federais e estaduais de meio ambiente, licenciar os empreendimentos que venham a causar significativo impacto ambiental, tais como hidrelétricas, gasodutos e rodovias federais. Em nível federal o órgão licenciador é o IBAMA e em nível estadual as Secretarias de Meio Ambiente estaduais, também chamadas de Órgãos Estaduais de Meio Ambiente (OEMAs) (Brasil, 2010; 2014).
A preocupação com o meio ambiente é pauta antiga tanto em discussões teóricas como na sua operacionalização. No que concerne à categoria de Proteção Ambiental denominada de Parque Nacional baseado no histórico de proteção, já no ano de 1876 havia propostas de criação de parques. Naquele momento, as propostas eram da criação de um Parque Nacional na Ilha do Bananal a maior ilha fluvial do mundo, na divisa de Tocantins (Goiás, à época da proposta) com Mato Grosso, às margens do Rio Araguaia; e o Parque Nacional do Guairá, no Paraná. No entanto, somente em 1937, criou-se o primeiro Parque Nacional no Brasil, denominado Parque Nacional do Itatiaia, localizado entre os municípios do Rio de Janeiro e São Paulo. No seu ponto culminante a 2.791 metros encontra-se o Pico das Agulhas Negras (São Paulo, 2015).
Há uma estreita relação entre o esporte e estes locais. Nesses mesmos espaços que abrigam a diversidade, o esporte se efetiva por meio da busca de paisagens marcantes e o desafio. Uma das modalidades que ocorrem é a corrida de montanha. Sendo assim, o fator preservação é um dos aspectos que atrai as pessoas para esse tipo de modalidade de corrida. Isso gera uma série de controvérsias para a liberação de autorização pelo ICMBio que permite a realização ou não das competições nesses locais. Em outras palavras, nesse momento começa um dos entraves desse tipo de modalidade no que se refere aos pareces técnicos necessários para a expedição de liberação para a realização das provas. Dito de outra forma, porque determinadas provas ocorrem em um Parque Nacional e outras são impedidas?
Em 2014, seria realizada a Corrida Ultra Trail Agulhas Negras que é parte do circuito The North Face Endurance Challenge dentro do Parque Nacional Itatiaia. No entanto, após já ter expedido a autorização nº 02629.000051/2014-93, o ICMBio cancelou a autorização dias antes da prova acarretando na mudança do percurso. Fato semelhante ocorreu na Corrida DesaFrio Urubici. A organização também foi obrigada a alterar o percurso da prova devido às restrições de utilização pública do Parque Nacional de São Joaquim emitida pelo ICMBio. Nessa segunda ocasião, o percurso de subida da prova ao invés de passar pelo Parque Nacional de São Joaquim foi alterado para a Serra de Bitus que em anos anteriores era somente o trajeto de descida.
Por outro lado, inúmeras foram e são as provas programadas e realizadas em áreas que comportam Unidade de Conversação. A CBAt, reconhece e homologa os resultados de corridas realizadas no Brasil, com a emissão de “permit”. O “permit” é uma classificação que a CBAt criou que oficializa as provas. Na classificação ouro estão incluídas as provas internacionais. Atualmente a CBAt possui no seu calendário de corridas de aventura, na qual se enquadram as corridas de montanha, houve 33 competições com “permit” no ano de 2015. Estreou nesse calendário, em 2015, a Copa Brasil de Corrida em Montanha, realizada em oito etapas distribuídas em seis estados brasileiros nas regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste.
Dentre essas 33 competições, como ilustrado no mapa 1, o estado de São Paulo concentra o maior número de competições, totalizando 14. Algumas delas são realizadas em parques estaduais como: Parque Estadual do Jaraguá, Parque Estadual do Itapetinga, Parque Estadual da Cantareira, Parque Estadual do Juquery, etc. Já o estado do Rio de Janeiro soma 12 provas, que também tem a realização de algumas competições em Unidades de Conservação, como no Parque Natural Municipal Montanhas de Teresópolis e Parque Estadual dos Três Picos. Seguidos ainda de 3 provas em Minas Gerais; 2 na Bahia; e, 1 no Paraná e outra em Goiás. O que significa que esses estados concentram as provas de corrida de montanha homologadas pela CBAt. Ainda, a região de São Paulo e Rio de Janeiro são polos de concentração desse tipo de modalidade.
Mapa 1. Distribuição e polarização das corridas de montanha segundo CBAt.
Fonte: elaboração própria
Isso demonstra que há uma concentração das corridas de montanha no território e polos de competição. Algumas dessas provas ocorrem com o percurso passando em algum momento em áreas de preservação ambiental. O que traduz que essas competições possuem a licença emitida pela ICMBio. Então, se por um lado o ICMBio veta a realização de algumas provas. Por outro, libera. Somadas a essas competições, em 2015, foram realizadas ainda outras competições que demonstram como se distribui o mercado das provas de corridas de montanha no Brasil.
No que se refere às dimensões territoriais das corridas de montanha e a sua distribuição no território, há a concentração das competições no estado de São Paulo e Rio de Janeiro. O mesmo verifica-se nas provas de corrida de rua. O que indica que as corridas de montanha parecem reproduzir os princípios da teoria de lugar central transposto para o meio esportivo (Nunes y Mattedi, 2015). Essa constatação pode estabelecer-se devido a alguns fatores, (1) distribuição de locais que oportunizam a realização das provas; (2) planos de manejo dos parques que permitem o desenvolvimento dessa modalidade; (3) aspectos burocráticos; (4) número de organizadores de provas; (5) patrocinadores; (6) público; (7) formações geológicas; dentre outros fatores que contribuem para tal atividade.
Diversas são as controvérsias entre a realização ou não das corridas de montanha devido, sobretudo, ao impacto ambiental ocasionado. Esse entrave ocorre também pelo fato de haver um desacordo entre profissionais que emitem parecer técnico. Ou então, a própria interpretação dos dados descritos nos documentos. Praticamente todos os aspectos da ciência e tecnologia se tornam controvérsias a partir do momento em que se altera o ponto de vista da decisão. Dito em outras palavras, quando decisões técnicas tornam-se questões políticas. Decisões passam de aspectos cognitivos para questões políticas podendo incorporar valores profissionais ou compromissos dos avaliadores. Por isso, parece haver discórdias entre a construção cognitiva do conhecimento e as decisões tomadas. Isso tem como consequência a utilização de conhecimentos técnicos para decisões políticas. As decisões podem ser delegadas em virtude de interesses sociais mais amplos.
Todavia, o estudo do que subsidia as controvérsias podem fornecer um importante espectro do entendimento do que fundamenta um determinado raciocínio. Mais precisamente, a compreensão de políticas, contextos, lacunas e impactos inerentes a contradições sociais. A compreensão desses domínios de caráter cognitivo oferecem subsídios para tal entendimento, mas também se tornam fonte de conflito, particularmente em disputas científicas e tecnológicas (Velho y Velho, 2002). Isso se deve ao fato de não haverem acordos explícitos sobre os próprios riscos de determinadas ações. Ou então, por forças exteriores, a exemplo das forças de mercado.
Diante disso, pensar a realização das corridas de montanha, seu contexto de materialização e consolidação requer visualizar as próprias controvérsias existentes entre os pareceres técnicos emitidos pelos profissionais das entidades regularizadoras. Por outro lado, há a necessidade de interpretar o que se solicita para a realização das corridas quanto aos espaços que se utiliza. Em outra linha de pensamento, poderíamos perceber o olhar do meio ambiente para com as corridas, ou seja, o meio ambiente e a sua atração para o desenvolvimento desta modalidade. Ou então, as consequências ambientais acarretadas (Fraguas, Perero, Pérez, y Queralt, 2008; Fyall & Jago, 2009). Dito de outra forma, o meio ambiente pode ser o meio de entrada ou saída para a compreensão das corridas de montanha e com isso, a percepção de suas controvérsias.
Conclusões
As corridas de montanha expressam as próprias controvérsias científicas decorrentes do ambiente acadêmico em que se pesam as distintas formas de pensar. Apesar de a modalidade possuir regulamentação e se utilizar de áreas específicas para a sua promoção, que também possuem regulamentações. Visualizamos que mesmo assim, há limitações quanto a sua realização ou não. Em que pese pensar nas áreas de preservação ou na realização da prova e sua movimentação econômica, distintas são as interpretações e intenções que giram em torno dos especialistas que a avaliam. Diante disso, podemos observar essa modalidade e suas controvérsias científicas e ambientais, ao menos por dois âmbitos, (a) ambiental e (b) promoção/econômico.
Do ponto de vista ambiental, por mais que haja regulamentações nos distintos ambientes de Unidades de Conservação nem sempre essas são seguidas. Por outro lado, em alguns casos são seguidas a risca. O que requer pensar até que ponto modalidades em meio à natureza são realmente favoráveis a esses ambientes e realizáveis devido aos danos que ocasionam. Em outras palavras, quais os impactos ambientais que resultam dessa atividade. Ainda poderíamos pensar esses eventos como um fator de promover a educação ambiental, no entanto, nem sempre esse é um dos fatores que são explorados pelos organizadores das provas. Ou seja, há uma lacuna entre utilização, prevenção e recuperação das áreas.
Do ponto de vista da promoção dos eventos, os locais em que ocorrem as corridas de montanha definem a própria modalidade. Dificilmente são feitos eventos em áreas degradadas. A qualidade ambiental constitui um fato de promoção e atração de atletas. Quanto melhor a qualidade ambiental do percurso, mais atrativa a prova. Esse é um dos aspectos que chamam atenção no desenvolvimento da modalidade de corrida de montanha. Ou seja, o ambiente é um dos fatores principais na realização da competição. E, é nesse caso, que surge a seguinte controvérsia: o ambiente é um fator importante ao mesmo tempo em que a realização dos eventos acaba por degradar o meio ambiente. Sendo assim, esses são alguns dos itens a serem (re)pensados sobre esta modalidade que está em expansão e possui relação direta com as Unidades de Conservação da natureza.
Referências
Brasil (2000). Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Recuperado em 11 de setembro de 2015 de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9985.htm
Brasil (2007). Lei nº 11.516, de 28 de agosto de 2007. Recuperado em 11 de setembro de 2015 de: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11516.htm
Brasil (2014). Portaria nº 55, de 17 de fevereiro de 2014. Recuperado em 20 de abril de 2017 de: http://www.lex.com.br/legis_25303432_PORTARIA_N_55_DE_17_DE_FEVEREIRO_DE_2014.aspx
Brasil. (2010). Resolução n° 428, de 17 de dezembro de 2010. Recuperado em 11 de setembro de 2017 de: http://www.mma.gov.br/port/conama/legiabre.cfm?codlegi=641
Inglés, E. (2013). Estratègies de gestió de la pràctica esportiva al medi natural per al desenvolupament sostenible: Un estudi de casos sobre governança i «stakeholders». Universitat de Barcelona. Recuperado em 11 de setembro de 2017 de: http://www.tdx.cat/handle/10803/279214
Inglés, E., y Barata, N. P. (2013). Estrategias de gestión de la práctica deportiva en el medio natural, una propuesta de investigación. Revista da ALESDE, 3, 04-19.
Fraguas, A., Perero, E., Pérez, I., y Queralt, J. (2008). La guía de medio ambiente y sostenibilidad aplicada a los deportes no olímpicos. Barcelona: Fundació Barcelona Olímpica & Fundació Ernest Lluch.
Fyall, A., & Jago, L. (2009). Sustainability in Sport & Tourism. Journal of Sport Tourism, 14, 77-81.
Hinds, P., Chaves, D., y Cypress, S. (1992). Context as a source of meaning and understanding. Qual Health Res., 2(1), 61-74.
Latouche, S. (2012). O decrescimento. Por que e como? En: P. Lena, y E.P. Nascimento (Org.). Enfrentando os limites do crescimento, sustentabilidade, decrescimento e prosperidade. Rio de Janeiro: Gramond.
Lavoura, T. N., Schwartz, G. M., y Machado, A. A. (2008). Aspectos emocionais da prática de atividades de aventura na natureza: a (re)educação dos sentidos. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 22, 119-27.
Llopis, R., & Vilanova, A. (2015). A Sociological Analysis of the Evolution and Characteristics of Running. In: J. Scheerder, y K. Breedveld (Eds.). Running Across Europe: The Rise and Size of One of the Largest Sport Markets.
Morilla, P., Rebollo, S., Baena, A., Miranda, M. T., y Martínez, M. A. (2013). Análisis del perfil sociodemográfico, deportivo y psicológico en una práctica de escalada deportiva de estudiantes universitarios. Retos. Nuevas Tendencias en Educación Física, Deporte y Recreación, 24, 9–15.
Nascimento, E., y Gomes, G. C. (2009). Décroissance. Qual a consistência? Anais do VIII Encontro da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica. Cuiabá.
Nunes, C. C., y Mattedi, M. A. (2015). O esporte amador como demarcador territorial: o caso dos Jogos Abertos de Santa Catarina. Estudos Geográficos (UNESP), 13, 163-186.
Sachs, I. (1993). Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. São Paulo: Studio Nobel/ Fundap.
Santos, J. (2014). Chapada diamantina recebe pelo terceiro ano consecutivo a ‘Maratona 42k’ de corridas de montanha. Recuperado em 08 de setembro de 2015 de: http://corridasdemontanha.com.br/site/?p=7423
São Paulo. Unidades de conservação. Parques – conceito. 2015. Recuperado em 11 de março de 2018 de: http://fflorestal.sp.gov.br/unidades-de-conservacao/parques-estaduais/parques-conceito/
Urbaneja, J. S., Yuba, E. I., Roca, V. L., y Torbidoni, E. I. F. (2016) Carreras (de o por) montaña o trail running. El reconocimiento de la modalidad deportiva: una visión jurídica. Retos: Nuevas Tendencias en Educación Física, Deporte y Recreación, 30, 143-148.
Velho, L., y Velho, P. (2002). A controvérsia sobre o uso de alimentação alternativa no combate à subnutrição no Brasil. História, Ciências, Sociedade – Manguinhos, 9, 125-57.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 23, Núm. 249, Feb. (2019)