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ISSN 1514-3465

 

Formação de excelência no futebol português: contributos e reflexões

Training Excellence in Portuguese Soccer: Contributions and Reflections

Formación de excelencia en el fútbol portugués: aportes y reflexiones

 

António Miguel Nunes Ferraz Leal de Araújo

miguel.leal@iscedouro.pt

 

Professor no ISCE Douro

Doutorado em Psicologia da Saúde

Especialista em Desporto

Diploma de Estudos Avançados em Psicologia da Saúde

Mestre em Ciências do Desporto, na área de especialização

em Treino de Alto de Rendimento

Licenciado em Ensino da Educação Física

na opção complementar de Desporto de Rendimento

Treinador profissional de Futebol (Grau IV UEFA Pro)

Formador nos cursos de treinadores de futebol

Membro do NIDEF

Co-autor do livro: O treino no futebol uma conceção para a formação

(Portugal)

 

Recepção: 10/06/2021 - Aceitação: 05/11/2021

1ª Revisão: 06/07/2021 - 2ª Revisão: 08/10/2021

 

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Citação sugerida: Araújo, A.M.N.F.L. de (2022). Formação de excelência no futebol português: contributos e reflexões. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(284), 206-218. https://doi.org/10.46642/efd.v26i284.3064

 

Resumo

    A concretização deste artigo tem subjacente uma larga experiência em termos profissionais, no futebol, em geral, e no futebol de formação, em particular. Sem seguir a estrutura formal de um artigo científico, mas com suporte de pesquisa bibliográfica e webgráfica, bem como de uma reflexão sobre a intervenção direta no processo, o mesmo pretende apresentar algumas reflexões e contributos que procuram rentabilizar ainda mais o processo de formação em mais clubes e, consequentemente, aproveitar ainda mais o potencial dos nossos jovens futebolistas. Nomeadamente, criar regras claras que obriguem os clubes a reinvestirem uma maior percentagem do valor total da transferência das vendas de jogadores oriundos da formação; acabar com a divisão estanque, entre o futebol profissional versus futebol de formação; definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação; entre outros.

    Unitermos: Futebol. Clube. Formação. Portugal.

 

Abstract

    This article is based on a large professional experience in football, in general, and in training of young soccer players, in particular. Without following the formal structure of a scientific article, but supported by bibliographic and web research, as well as a reflection on a direct intervention in the process, it intends to present some reflections and contributions that seek to further monetize the training process in more clubs and, as a result, harness the potential of our young footballers even more. Namely: create clear rules that oblige clubs to reinvest a greater percentage of the total transfer value of player sales from training; ending the tight division between professional football versus grassroots football; better define the objectives and priorities to be achieved in each age group and the final objectives to be reached at the end of the training process; between others.

    Keywords: Soccer. Club. Training. Portugal.

 

Resumen

    En la elaboración de este artículo se halla una amplia experiencia en términos profesionales, en el fútbol en general y en el fútbol juvenil en particular. Sin seguir la estructura formal de un artículo científico, pero apoyado en una investigación bibliográfica y webgráfica, así como una reflexión sobre la intervención directa en el proceso, se pretende presentar algunas reflexiones y aportes que buscan beneficiar aún más el proceso de formación en más clubes y, como resultado, aprovechar aún más el potencial de nuestros jóvenes futbolistas. En particular, se propone crear reglas claras que obliguen a los clubes a reinvertir un porcentaje mayor del valor total de las transferencias de las ventas de los jugadores provenientes de las divisiones formativas; poner fin a la estrecha división entre fútbol profesional y fútbol base; definir mejor los objetivos y prioridades a alcanzar en cada grupo de edad y los objetivos finales a alcanzar al final del proceso de formación; entre otros.

    Palabras clave: Fútbol. Club. Formación. Portugal.

 

Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 284, Ene. (2022)


 

Introdução 

 

    Nas duas últimas décadas, em Portugal, a formação de jovens futebolistas melhorou imenso, quer em termos organizativos, logísticos e metodológicos, quer na projeção de jovens talentos para campeonatos de elite do futebol mundial, a mesma, também se tem constituído como uma fonte de receita importante para alguns clubes. No entanto, ainda existem aspetos que podem ser reformulados e melhorados de forma a rentabilizar, ainda mais, o processo de formação no nosso país.

 

    Na jornada, já longa, que levamos da nossa dedicação ao futebol, apresentaremos alguns contributos e reflexões, sustentados não só empesquisa bibliográfica e webgráfica, mas também, e acima de tudo, sustentados numa larga experiência (31 anos) enquanto treinador de futebol, quer na formação, quer no futebol profissional. Estas reflexões e contributos visam caracterizar e otimizar o processo de formação de jovens jogadores de futebol para a excelência e, consequentemente, visam produzir maior rentabilidade e competitividade desportiva e financeira aos clubes.

 

Imagem 1. O futebol português não pode prescindir do prioritário investimento político e estratégico na formação

Imagem 1. O futebol português não pode prescindir do prioritário investimento político e estratégico na formação

Fonte: https://m.facebook.com/SportingCPAdeptos

 

    Assim sendo, no ponto seguinte expõem-se as contribuições e reflexões que devem estruturar um processo de formação de excelência, nomeadamente os seus alicerces e traves mestras que, posteriormente, poderão ser adaptados aos objetivos que se pretendam atingir.

 

Reflexões e contributos para uma formação de excelência 

 

“O futebol do passado temos de o respeitar

O futebol do presente temos de o estudar

O futebol do futuro temos de o antecipar”

 

    Portugal, um país tão pequeno, à beira mar plantado, com dois jogadores eleitos os melhores do mundo (Luís Figo e Cristiano Ronaldo, por 5 vezes), e exportador de vários jogadores considerados talentos, é tido por muitos um sucesso no que respeita ao seu de processo de formação de jovens jogadores de futebol.

 

    Nas últimas 20 épocas tendo em conta as transações de atletas portugueses apenas até aos 25 anos (Quaresma que conseguiu ser vendido duas vezes dentro desta faixa etária), os clubes portugueses venderam 53 jogadores, com especial relevância para o Sport Lisboa e Benfica (18), Sporting Clube de Portugal (16), Futebol Clube do Porto (9) e Sporting Clube de Braga (6). Analisando por posição, em termos de linhas ou setores, foram vendidos 19 defesas, 13 médios e 21 atacantes, faturando num total de 993,95 milhões (Tabela 1).

 

Tabela 1. Jogadores até aos 25 anos vendidos pelos clubes portugueses desde a época 2000/01 até à época de 2020/21

Época

Jogadores

(Nome)

Idade

Clube Portugal

Clube

Destino

Valor

(milhões)

Posição

2020/21

Trincão

20

Braga

Barcelona

35

Atacante

2019/20

João Felix

19

Benfica

 Atlético de Madrid

126

Atacante

Bruno Fernandes

25

Sporting

Manchester United

55

Médio

Gedson

21

Benfica

Tottenham

4.5

Médio

2018/19

Gelson Martins

23

Sporting

Atlético de Madrid

22.50

Atacante

Ricardo Pereira

24

Porto

Leicester

22

Defesa

Diogo Dalot

19

Porto

Manchester United

22

Defesa

João Carvalho

21

Benfica

Nottingham Forest

15

Médio

Thierry Correia

20

Sporting

Valência

12

Defesa

Podense

23

Sporting

Olympiakos

7

Atacante

André Horta

21

Braga

 Los Angeles FC

5.7

Atacante

2017/18

André Silva

21

Porto

 AC Milan

38

Atacante

Nélson Semedo

23

Benfica

Barcelona

35.7

Defesa

Ruben Neves

30

Porto

Wolverhampton

17.9

Médio

Ruben Semedo

23

Sporting

Villareal

14

Defesa

Diogo Jota

19

Paços de Ferreira

Atlético de Madrid

7,2

Atacante

Nélson Oliveira

25

Benfica

Norwich

5.85

Atacante

Edgar Ié

23

Benfica

LOSC Lille

5.85

Defesa

Xeka

22

Braga

LSOC Lille

5

Médio

Bruno Jordão

18

Braga

Lazio

4

Médio

Paulo Oliveira

25

Sporting

Eibar

4

Defesa

2016/17

João Mário

23

Sporting

Inter

40

Atacante

Renato Sanches

18

Benfica

Bayern Munich

35

Médio

Gonçalo Guedes

20

Benfica

Paris Saint-Germain

30

Atacante

Helder Costa

23

Benfica

Wolverhampton

15

Atacante

2015/16

André Gomes

21

Benfica

Valência

20

Médio

João Cancelo

21

Benfica

Valência

15

Defesa

Ivan Cavaleiro

21

Benfica

Mónaco

15

Atacante

Cedric Soares

23

Sporting

Southampton

7

Defesa

2014/15

Bernardo Silva

20

Benfica

Mónaco

15.75

Atacante

2013/14

Luis Neto

24

CD Nacional

Siena

30

Defesa

Bruma

18

Sporting,

Galatasaray

13

Atacante

Tiago Ilori

20

Sporting

Liverpool

7.5

Defesa

2011/12

Fábio Coentrão

23

Benfica

Real Madrid

30

Defesa

Sílvio

23

Braga

Atlético de Madrid

8

Defesa

Rúben Michael

24

Porto

Atlético de Madrid

5

Médio

2010/11

Pizzi

22

Braga

Atlético de Madrid

13.5

Médio

Miguel Veloso

23

Sporting

Génova

9

Médio

Bébé

20

Guimarães

Manchester United

8.8

Atacante

2008/09

Ricardo Quaresma

24

Porto

Inter

24.6

Atacante

Bosingwa

25

Porto

 Chelsea

20.5

Defesa

Nélson

25

Benfica

Bétis

6

Defesa

2007/08

Nani

20

Sporting

Manchester United

25,50

Atacante

Manuel Fernandes

21

Benfica

Valência

18

Atacante

2005/06

Miguel

25

Benfica

Atlético de Madrid

8

Defesa

2004/05

Paulo Ferreira

24

Porto

Chelsea

20

Defesa

2003/04

Cristiano Ronaldo

18

Sporting

Manchester United

19

Atacante

Hélder Postiga

20

Porto

Tottenham

9

Atacante

Ricardo Quaresma

19

Sporting

Barcelona

6.35

Atacante

2002/03

Jorge Andrade

24

Porto

D. Coruna

13

Defesa

Hugo Viana

19

Sporting

Newcastle

12.75

Médio

2001/02

Fernando Meira

23

Guimarães

Estugarda

7.5

Defesa

Delfim

24

Sporting

Marselha

5

Médio

2000/01

Nuno Gomes

24

Benfica

Fiorentina

17

Atacante

Fonte: Transfer Market (2020)

 

    Alguns destes atletas continuam a ser transacionados e a dar dividendos aos seus clubes de formação, nomeadamente:

  • Cristiano Ronaldo do Manchester United para o Real Madrid com um valor de transferência de 94 milhões de euros, na temporada de 2009/10;

  • André Gomes do Valência para o Barcelona com um valor de transferência de 37 milhões de euros, na temporada de 2016/17;

  • Bernardo Silva do Mónaco para o Manchester City com um valor de transferência de 50 milhões de euros, na temporada de 2017/18;

  • João Cancelo do Valência para a Juventus com um valor de transferência de 40,4 milhões de euros, na temporada de 2018/19;

  • e, novamente, Cristiano Ronaldo do Real Madrid para a Juventus com um valor de transferência de 110 milhões de euros, na temporada de 2018/19.

    Nestes 20 anos, de facto, o Processo de Formação (PF), nos considerados “clubes grandes”, melhorou IMENSO, facto inegável, ao nível do investimento, ao nível organizacional, estrutural, técnico, humano e logístico (Castro, 2018; Guilherme, 2015, Leal, e Quinta, 2001; Leal, 2021; Leitão, 2015) e os resultados pelo menos em faturação confirmam-no. No entanto, realce-se aqui três questões de fundo, às quais, a jusante, tentaremos dar resposta:

  1. Será que esta a realidade corresponde ao que se passa no PF da maioria dos clubes portugueses?

  2. Será que se poderia rentabilizar ainda muito mais o PF e, consequentemente, aproveitar mais o potencial que os nossos jovens futebolistas têm, que nós, “gente da bola”, apelidamos de “talento inato”?

  3. Será que o campeonato português se tornou mais competitivo, com a entrada deste dinheiro e a saída destes talentos?

    Como já foi referido, é plausível dizer que, em geral, o PF em Portugal melhorou bastante, mas nem tudo são rosas, pois, apesar de toda esta evolução, pensamos que ainda é possível fazer mais e melhor, nomeadamente:

  • Criar regras claras que obriguem os clubes a reinvestirem uma maior percentagem do valor total da transferência das vendas na formação1 e efetuar maior controlo sobre essas verbas, de forma a melhorar e a rentabilizar ainda mais os Centros de Formação (CF) (Jerry, 2015);

  • Acabar com a divisão estanque, em que muitos clubes insistem em funcionar, entre o futebol profissional versus futebol de formação. O futebol de formação não deve ser um subdepartamento ou um departamento “menor” na estrutura organizacional do clube. Pensamos sim que ofutebol de formação deve serum departamento relevante na estrutura organizacionalde qualquer clube, consubstanciado de forma integradanarealidade prática do dia-a-dia domesmo (Castro, 2018; Leal, e Quinta, 2001; Leal, 2021; Manual de Certificação da FPF, 2019, Medeiros, 2018);

  • Possibilitar a estabilização da estrutura humana do clube (Leal, 2021), especialmente técnica (de um treinador na equipa sénior e, sobretudo, de um corpo técnico no próprio departamento juvenil) e diretiva (nos departamentos juvenis da maioria dos clubes é demasiado volátil);

  • Definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação, assentes em programas coerentes e específicos de progressão entre os vários escalões (Garganta, 1988; Gonzalez, 2019; Guilherme, 2015; Haro, 2011; Leal, e Quinta, 2001, Medeiros, 2018; Moreira, 2019; Pacheco, 2001; Villora, 2009);

  • Aprimorar os critérios para a deteção e seleção de talentos (Ayuso, 2017; Garganta, 2015; Gonzalez, 2019; Haro 2011; Murr, 2018; Pacheco, 2001; Pruna, 2018; Sarmento et al., 2018; Simões, 1998; Williams et al., 2020);

  • Aumentar e estender o número de centros de formação de excelência a todo o país (Ferreira, 1998; Jerry, 2015; Leitão, 1999; Manual de Certificação da FPF, 2019; Silveira Ramos, 2000);

  • Desfocalizar dos resultados imediatos (Castro, 2018; Leal, 2021; Leitão, 2015; Moreira, 2019; Pacheco, 2001);

  • Dar primazia à qualidade do processo centrada no primado do desenvolvimento do jogador (Barreira, 2015; Dooley, 2018; Guilherme, 2015; Haro, 2011; Leal, e Quinta, 2001; Pacheco, 2001; Simões, 1998);

  • Permitir um equilíbrio no investimento que os jovens fazem no futebol paralelamente com o que fazem nos estudos (por exemplo, proporcionando horários escolares compatíveis com os horários de treino), de forma a que o atleta possa, numa fase mais tardia e crucial da sua vida, dispor de alternativas (Castro, 2018; Manual de Certificação da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), 2019; Mitchell, 2015; Oliveira, 1997; Pacheco, 2001);

  • Atenuar a interferência de alguns Pais/Agentes de forma direta e, por vezes, perniciosa na formação dos clubes (Manual de Certificação da FPF, 2019);

  • Acabar com a descontinuidade das equipas B ao longo das épocas (Ferreira, 1988; Oliveira, 1997; Vale, 2001), e estender a obrigatoriedade da existência de equipas de Sub23 em todos os clubes profissionais;

  • Aumentar os orçamentos destinados à formação (Leal, 2021; Leal, e Quinta 2001; Pacheco, 2001);

  • Melhorar as condições materiais, espaciais e estruturais de treino e de competição, que são ainda exíguas e precárias em muitos clubes (Pacheco, 2001; Leal, e Quinta, 2001);

  • Equilibrar ainda mais os quadros competitivos (Oliveira, 1997; Pacheco, 2001);

  • Qualificar, obrigatoriamente, os treinadores, os quadros diretivos e os quadros de apoio (Costa, 2005; Pacheco, 2001; Paixão, 2019; Moreira, 2019);

  • Limitar mais o número de estrangeiros, em especial, na formação, no Campeonato Nacional de Seniores e na 2ª Liga (Oliveira, 1997; Leal, 2021; Leitão, 1999);

  • Melhorar as condições remuneratórias das equipas técnicas que trabalham no PF, bem como reconhecer mais o trabalho efetuado (Castro, 2018; Garganta, 1990; Leal, e Quinta, 2001; Medeiros, 2018; Pacheco, 2001);

  • Melhorar o enquadramento médico, pedagógico social e psicológico junto dos jovens atletas (Mills et al., 2014; Castro, 2018; Pacheco, 2001);

  • Por último, mas não menos importante, apostar seriamente nos jogadores que os clubes formam (Campos, 2020; Guilherme, 2015; Leal, e Quinta, 2001; Leitão, 2015). Esta medida, para além de ser assertiva ponto de vista político e organizacional, permite uma possibilidade maior de afirmação do jovem jogador e faz com que o investimento, por muito reduzido que seja, não seja desperdiçado.

    Sem termos a veleidade de pensar que destacamos todas as melhorias ou contributos para os problemas com que a formação se depara, pensamos, todavia, que muitos dos aspetos supra referenciados podem certamente ajudar a responder às duas primeiras questões e a sua operacionalização pode ajudar a melhorar,em muito, o PF de excelência de jovens jogadores de futebol em Portugal.

 

    No que respeita à terceira questão, acreditamos que o campeonato português, em termos de competitividade interna (qualitativa), no período temporal referido, pouco ou nada evoluiu e, em termos externos, a competitividade ou a distância competitiva para os clubes das melhores ligas europeias acentuou-se para pior. Como fundamento desta opinião, duas razões principais podem ser apontadas. Em primeiro lugar, os nossos melhores jogadores foram jogar para outros campeonatos apelidados de “mais ricos e competitivos” e, em segundo lugar, os reinvestimentos das vendas dos mesmos não têm sido aproveitados como um fator impulsionador de desenvolvimento do futebol português. Já Ferreira (1999) era de opinião que Portugal terá um futebol mediano e um campeonato abaixo dos campeonatos mais ricos. Na sua opinião, assiste-se a uma perda de poder de competitividade dos clubes portugueses em relação aos seus congéneres dos países mais desenvolvidos da Europa, tendo como causa óbvia a fragilidade económica dos nossos clubes em relação àqueles. Esta fragilidade económica/competitiva poderá culminar, a médio prazo, na ausência das nossas equipas nas grandes competições internacionais.

 

    Perante tal cenário, uma das medidas fundamentais para contrariar esta tendência seria investir mais na formação de jovens talentos. Subscrevendo o que dizem Jerry (2015) e Oliveira (2001), o futuro do futebol português não pode prescindir do prioritário investimento político e estratégico na formação, pois através do talento dos seus jogadores, pode conseguir-se que as nossas equipas sejam mais fortes financeiramente e mais competitivas, fazendo uma gestão mais correta daquilo que investem e daquilo que depois rentabilizam desses investimentos. Ou seja, parece consensual a premência do investimento na formação e nos jovens talentos de forma a melhorar a sanidade económica dos clubes e, ao mesmo tempo, garantir uma maior competitividade desportiva, quer ao nível das competições internas, quer ao nível das competições externas com os restantes clubes/países da Europa.

 

    Portanto, a formação de excelência deverá ser necessariamente uma opção estratégica e não uma fuga decorrente da insolvência de meios e de receitas. Assente numa estratégia de médio longo prazo, haja vontade e, especialmente, haja conhecimento/competência para gerar condições de excelência, o que, consequentemente, gerará mais talentos de excelência, e determinará transferências em maior número e de valor mais avultado. (Jerry, 2015)

 

Conclusões 

 

    Vive-se na altura do efêmero em que, muitas vezes, o imediatismo toma o lugar do trabalho sério, programado e profundo, discute-se resultados, mas está-se pouco disponível para analisar e organizar as condições que os preparam. Quando se trata da formação de jovens jogadores, esta problemática ainda se torna mais acutilante. Através deste trabalho, para além de dar corpo a uma reflexão sobre o estado atual da formação em Portugal, pretendeu-se realçar contributos que ajudem os clubes a melhorar o seu processo de formação e, consequentemente, a rentabilizar o seu investimento, bem como, a montante, a melhorar a competitividade dos clubes, quer a nível interno quer externo nas suas diversas competições e níveis competitivos.

 

    Os contributos aqui apresentados, alguns por ventura arrojados/inovadores, parecem-nos exequíveis e operacionalizáveis, e parecem-nos fundamentais para otimizar as tais condições de preparação para excelência de jovens futebolistas e para a sua consequente rentabilização pelos clubes portugueses, nomeadamente, maior aposta nos jogadores formados no clube, maior percentagem de investimento do valor total da transferência das vendas de jovens jogadores na formação dos clubes vendedores; acabar com a divisão estanque entre o futebol profissional versus futebol de formação; possibilitar a estabilização da estrutura humana do clube (técnica, diretiva, etc.); definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação; aprimorar os critérios para a deteção e seleção de talentos;aumentar e estender o número de centros de formação de excelência a todo o país; menor foco nos resultados imediatos; dar primazia à qualidade do processo centrada no desenvolvimento do jogador; equilibrar o investimento que os jovens fazem no futebol paralelamente com o que fazem nos estudos; atenuar a interferência perniciosa de alguns Pais/Agentes na formação dos clubes; estender a obrigatoriedade da existência de equipas de Sub23 e B em todos os clubes profissionais; aumentar os orçamentos destinados à formação; melhorar as condições materiais, espaciais e estruturais de treino e de competição; equilibrar os quadros competitivos; limitar mais o número de estrangeiros, em especial, na formação, no Campeonato Nacional de Seniores, Liga 3 e na 2ª Liga; e melhorar as condições remuneratórias das equipas técnicas.

 

Nota 

  1. O Regulamento do Estatuto, Inscrição e Transferência de Jogadores (REITJ), publicado através do C.O. nº 432 de 18.06.2008, da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) estabelece que “Sempre que um jogador profissional seja transferido antes do termo do seu contrato, os clubes ou SAD’s que contribuíram para a sua educação e formação, têm direito a receber uma percentagem correspondente a 5% do valor da transferência”. Por outro lado, e uma vez que a apreensão dos instrumentos nos quais se mostram vertidas as disposições legais é essencial para atingir o aludido mecanismo, determina o Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA (RRTJ) que, “O novo Clube deve pagar a contribuição de solidariedade ao clube formador(s), o mais tardar 30 dias após o jogador matrícula ou, no caso de pagamentos contingentes, 30 após a data de tal pagamentos”. Acresce que, é da responsabilidade do novo clube para calcular o montante da contribuição de solidariedade e de distribuí-lo em conformidade com a carreira do jogador. Em última instância, a contribuição deve ser paga à Associação(s) do país (ou países) que será reservada para os programas de desenvolvimento do futebol juvenil da respetiva Federação/Associação.

Referências 

 

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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 284, Ene. (2022)