ISSN 1514-3465
Formação de excelência no futebol português: contributos e reflexões
Training Excellence in Portuguese Soccer: Contributions and Reflections
Formación de excelencia en el fútbol portugués: aportes y reflexiones
António Miguel Nunes Ferraz Leal de Araújo
miguel.leal@iscedouro.pt
Professor no ISCE Douro
Doutorado em Psicologia da Saúde
Especialista em Desporto
Diploma de Estudos Avançados em Psicologia da Saúde
Mestre em Ciências do Desporto, na área de especialização
em Treino de Alto de Rendimento
Licenciado em Ensino da Educação Física
na opção complementar de Desporto de Rendimento
Treinador profissional de Futebol (Grau IV UEFA Pro)
Formador nos cursos de treinadores de futebol
Membro do NIDEF
Co-autor do livro: O treino no futebol uma conceção para a formação
(Portugal)
Recepção: 10/06/2021 - Aceitação: 05/11/2021
1ª Revisão: 06/07/2021 - 2ª Revisão: 08/10/2021
Documento acessível. Lei N° 26.653. WCAG 2.0
Este trabalho está sob uma licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional (CC BY-NC-ND 4.0) https://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt |
Citação sugerida
: Araújo, A.M.N.F.L. de (2022). Formação de excelência no futebol português: contributos e reflexões. Lecturas: Educación Física y Deportes, 26(284), 206-218. https://doi.org/10.46642/efd.v26i284.3064
Resumo
A concretização deste artigo tem subjacente uma larga experiência em termos profissionais, no futebol, em geral, e no futebol de formação, em particular. Sem seguir a estrutura formal de um artigo científico, mas com suporte de pesquisa bibliográfica e webgráfica, bem como de uma reflexão sobre a intervenção direta no processo, o mesmo pretende apresentar algumas reflexões e contributos que procuram rentabilizar ainda mais o processo de formação em mais clubes e, consequentemente, aproveitar ainda mais o potencial dos nossos jovens futebolistas. Nomeadamente, criar regras claras que obriguem os clubes a reinvestirem uma maior percentagem do valor total da transferência das vendas de jogadores oriundos da formação; acabar com a divisão estanque, entre o futebol profissional versus futebol de formação; definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação; entre outros.
Unitermos:
Futebol. Clube. Formação. Portugal.
Abstract
This article is based on a large professional experience in football, in general, and in training of young soccer players, in particular. Without following the formal structure of a scientific article, but supported by bibliographic and web research, as well as a reflection on a direct intervention in the process, it intends to present some reflections and contributions that seek to further monetize the training process in more clubs and, as a result, harness the potential of our young footballers even more. Namely: create clear rules that oblige clubs to reinvest a greater percentage of the total transfer value of player sales from training; ending the tight division between professional football versus grassroots football; better define the objectives and priorities to be achieved in each age group and the final objectives to be reached at the end of the training process; between others.
Keywords:
Soccer. Club. Training. Portugal.
Resumen
En la elaboración de este artículo se halla una amplia experiencia en términos profesionales, en el fútbol en general y en el fútbol juvenil en particular. Sin seguir la estructura formal de un artículo científico, pero apoyado en una investigación bibliográfica y webgráfica, así como una reflexión sobre la intervención directa en el proceso, se pretende presentar algunas reflexiones y aportes que buscan beneficiar aún más el proceso de formación en más clubes y, como resultado, aprovechar aún más el potencial de nuestros jóvenes futbolistas. En particular, se propone crear reglas claras que obliguen a los clubes a reinvertir un porcentaje mayor del valor total de las transferencias de las ventas de los jugadores provenientes de las divisiones formativas; poner fin a la estrecha división entre fútbol profesional y fútbol base; definir mejor los objetivos y prioridades a alcanzar en cada grupo de edad y los objetivos finales a alcanzar al final del proceso de formación; entre otros.
Palabras clave
: Fútbol. Club. Formación. Portugal.
Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 284, Ene. (2022)
Introdução
Nas duas últimas décadas, em Portugal, a formação de jovens futebolistas melhorou imenso, quer em termos organizativos, logísticos e metodológicos, quer na projeção de jovens talentos para campeonatos de elite do futebol mundial, a mesma, também se tem constituído como uma fonte de receita importante para alguns clubes. No entanto, ainda existem aspetos que podem ser reformulados e melhorados de forma a rentabilizar, ainda mais, o processo de formação no nosso país.
Na jornada, já longa, que levamos da nossa dedicação ao futebol, apresentaremos alguns contributos e reflexões, sustentados não só empesquisa bibliográfica e webgráfica, mas também, e acima de tudo, sustentados numa larga experiência (31 anos) enquanto treinador de futebol, quer na formação, quer no futebol profissional. Estas reflexões e contributos visam caracterizar e otimizar o processo de formação de jovens jogadores de futebol para a excelência e, consequentemente, visam produzir maior rentabilidade e competitividade desportiva e financeira aos clubes.
Assim sendo, no ponto seguinte expõem-se as contribuições e reflexões que devem estruturar um processo de formação de excelência, nomeadamente os seus alicerces e traves mestras que, posteriormente, poderão ser adaptados aos objetivos que se pretendam atingir.
Reflexões e contributos para uma formação de excelência
“O futebol do passado temos de o respeitar
O futebol do presente temos de o estudar
O futebol do futuro temos de o antecipar”
Portugal, um país tão pequeno, à beira mar plantado, com dois jogadores eleitos os melhores do mundo (Luís Figo e Cristiano Ronaldo, por 5 vezes), e exportador de vários jogadores considerados talentos, é tido por muitos um sucesso no que respeita ao seu de processo de formação de jovens jogadores de futebol.
Nas últimas 20 épocas tendo em conta as transações de atletas portugueses apenas até aos 25 anos (Quaresma que conseguiu ser vendido duas vezes dentro desta faixa etária), os clubes portugueses venderam 53 jogadores, com especial relevância para o Sport Lisboa e Benfica (18), Sporting Clube de Portugal (16), Futebol Clube do Porto (9) e Sporting Clube de Braga (6). Analisando por posição, em termos de linhas ou setores, foram vendidos 19 defesas, 13 médios e 21 atacantes, faturando num total de 993,95 milhões (Tabela 1).
Tabela 1. Jogadores até aos 25 anos vendidos pelos clubes portugueses desde a época 2000/01 até à época de 2020/21
Época |
Jogadores (Nome) |
Idade |
Clube Portugal |
Clube Destino |
Valor (milhões) |
Posição |
2020/21 |
Trincão |
20 |
Braga |
Barcelona |
35 |
Atacante |
2019/20 |
João
Felix |
19 |
Benfica |
Atlético
de Madrid |
126 |
Atacante |
Bruno
Fernandes |
25 |
Sporting |
Manchester
United |
55 |
Médio |
|
Gedson |
21 |
Benfica |
Tottenham |
4.5 |
Médio |
|
2018/19 |
Gelson
Martins |
23 |
Sporting |
Atlético
de Madrid |
22.50 |
Atacante |
Ricardo
Pereira |
24 |
Porto |
Leicester |
22 |
Defesa |
|
Diogo
Dalot |
19 |
Porto |
Manchester
United |
22 |
Defesa |
|
João
Carvalho |
21 |
Benfica |
Nottingham
Forest |
15 |
Médio |
|
Thierry
Correia |
20 |
Sporting |
Valência |
12 |
Defesa |
|
Podense |
23 |
Sporting |
Olympiakos |
7 |
Atacante |
|
André
Horta |
21 |
Braga |
Los
Angeles FC |
5.7 |
Atacante |
|
2017/18 |
André
Silva |
21 |
Porto |
AC
Milan |
38 |
Atacante |
Nélson
Semedo |
23 |
Benfica |
Barcelona |
35.7 |
Defesa |
|
Ruben
Neves |
30 |
Porto |
Wolverhampton |
17.9 |
Médio |
|
Ruben
Semedo |
23 |
Sporting |
Villareal |
14 |
Defesa |
|
Diogo Jota
|
19 |
Paços de
Ferreira |
Atlético
de Madrid |
7,2 |
Atacante |
|
Nélson
Oliveira |
25 |
Benfica |
Norwich |
5.85 |
Atacante |
|
Edgar Ié |
23 |
Benfica |
LOSC Lille |
5.85 |
Defesa |
|
Xeka |
22 |
Braga |
LSOC Lille
|
5 |
Médio |
|
Bruno Jordão |
18 |
Braga |
Lazio |
4 |
Médio |
|
Paulo
Oliveira |
25 |
Sporting |
Eibar |
4 |
Defesa |
|
2016/17 |
João Mário
|
23 |
Sporting |
Inter |
40 |
Atacante |
Renato
Sanches |
18 |
Benfica |
Bayern Munich |
35 |
Médio |
|
Gonçalo Guedes |
20 |
Benfica |
Paris Saint-Germain |
30 |
Atacante |
|
Helder Costa |
23 |
Benfica |
Wolverhampton |
15 |
Atacante |
|
2015/16 |
André
Gomes |
21 |
Benfica |
Valência |
20 |
Médio |
João
Cancelo |
21 |
Benfica |
Valência |
15 |
Defesa |
|
Ivan
Cavaleiro |
21 |
Benfica |
Mónaco |
15 |
Atacante |
|
Cedric
Soares |
23 |
Sporting |
Southampton
|
7 |
Defesa |
|
2014/15 |
Bernardo
Silva |
20 |
Benfica |
Mónaco |
15.75 |
Atacante |
2013/14 |
Luis Neto |
24 |
CD
Nacional |
Siena |
30 |
Defesa |
Bruma |
18 |
Sporting, |
Galatasaray |
13 |
Atacante |
|
Tiago
Ilori |
20 |
Sporting |
Liverpool |
7.5 |
Defesa |
|
2011/12 |
Fábio
Coentrão |
23 |
Benfica |
Real
Madrid |
30 |
Defesa |
Sílvio |
23 |
Braga |
Atlético
de Madrid |
8 |
Defesa |
|
Rúben
Michael |
24 |
Porto |
Atlético
de Madrid |
5 |
Médio |
|
2010/11 |
Pizzi |
22 |
Braga |
Atlético
de Madrid |
13.5 |
Médio |
Miguel
Veloso |
23 |
Sporting |
Génova |
9 |
Médio |
|
Bébé |
20 |
Guimarães |
Manchester
United |
8.8 |
Atacante |
|
2008/09 |
Ricardo
Quaresma |
24 |
Porto |
Inter |
24.6 |
Atacante |
Bosingwa |
25 |
Porto |
Chelsea |
20.5 |
Defesa |
|
Nélson |
25 |
Benfica |
Bétis |
6 |
Defesa |
|
2007/08 |
Nani |
20 |
Sporting |
Manchester
United |
25,50 |
Atacante |
Manuel
Fernandes |
21 |
Benfica |
Valência |
18 |
Atacante |
|
2005/06 |
Miguel |
25 |
Benfica |
Atlético
de Madrid |
8 |
Defesa |
2004/05 |
Paulo
Ferreira |
24 |
Porto |
Chelsea |
20 |
Defesa |
2003/04 |
Cristiano
Ronaldo |
18 |
Sporting |
Manchester
United |
19 |
Atacante |
Hélder
Postiga |
20 |
Porto |
Tottenham |
9 |
Atacante |
|
Ricardo
Quaresma |
19 |
Sporting |
Barcelona |
6.35 |
Atacante |
|
2002/03 |
Jorge
Andrade |
24 |
Porto |
D. Coruna |
13 |
Defesa |
Hugo Viana |
19 |
Sporting |
Newcastle |
12.75 |
Médio |
|
2001/02 |
Fernando
Meira |
23 |
Guimarães |
Estugarda |
7.5 |
Defesa |
Delfim |
24 |
Sporting |
Marselha |
5 |
Médio |
|
2000/01 |
Nuno Gomes |
24 |
Benfica |
Fiorentina |
17 |
Atacante |
Fonte: Transfer Market (2020)
Alguns destes atletas continuam a ser transacionados e a dar dividendos aos seus clubes de formação, nomeadamente:
Cristiano Ronaldo do Manchester United para o Real Madrid com um valor de transferência de 94 milhões de euros, na temporada de 2009/10;
André Gomes do Valência para o Barcelona com um valor de transferência de 37 milhões de euros, na temporada de 2016/17;
Bernardo Silva do Mónaco para o Manchester City com um valor de transferência de 50 milhões de euros, na temporada de 2017/18;
João Cancelo do Valência para a Juventus com um valor de transferência de 40,4 milhões de euros, na temporada de 2018/19;
e, novamente, Cristiano Ronaldo do Real Madrid para a Juventus com um valor de transferência de 110 milhões de euros, na temporada de 2018/19.
Nestes 20 anos, de facto, o Processo de Formação (PF), nos considerados “clubes grandes”, melhorou IMENSO, facto inegável, ao nível do investimento, ao nível organizacional, estrutural, técnico, humano e logístico (Castro, 2018; Guilherme, 2015, Leal, e Quinta, 2001; Leal, 2021; Leitão, 2015) e os resultados pelo menos em faturação confirmam-no. No entanto, realce-se aqui três questões de fundo, às quais, a jusante, tentaremos dar resposta:
Será que esta a realidade corresponde ao que se passa no PF da maioria dos clubes portugueses?
Será que se poderia rentabilizar ainda muito mais o PF e, consequentemente, aproveitar mais o potencial que os nossos jovens futebolistas têm, que nós, “gente da bola”, apelidamos de “talento inato”?
Será que o campeonato português se tornou mais competitivo, com a entrada deste dinheiro e a saída destes talentos?
Como já foi referido, é plausível dizer que, em geral, o PF em Portugal melhorou bastante, mas nem tudo são rosas, pois, apesar de toda esta evolução, pensamos que ainda é possível fazer mais e melhor, nomeadamente:
Criar regras claras que obriguem os clubes a reinvestirem uma maior percentagem do valor total da transferência das vendas na formação1 e efetuar maior controlo sobre essas verbas, de forma a melhorar e a rentabilizar ainda mais os Centros de Formação (CF) (Jerry, 2015);
Acabar com a divisão estanque, em que muitos clubes insistem em funcionar, entre o futebol profissional versus futebol de formação. O futebol de formação não deve ser um subdepartamento ou um departamento “menor” na estrutura organizacional do clube. Pensamos sim que ofutebol de formação deve serum departamento relevante na estrutura organizacionalde qualquer clube, consubstanciado de forma integradanarealidade prática do dia-a-dia domesmo (Castro, 2018; Leal, e Quinta, 2001; Leal, 2021; Manual de Certificação da FPF, 2019, Medeiros, 2018);
Possibilitar a estabilização da estrutura humana do clube (Leal, 2021), especialmente técnica (de um treinador na equipa sénior e, sobretudo, de um corpo técnico no próprio departamento juvenil) e diretiva (nos departamentos juvenis da maioria dos clubes é demasiado volátil);
Definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação, assentes em programas coerentes e específicos de progressão entre os vários escalões (Garganta, 1988; Gonzalez, 2019; Guilherme, 2015; Haro, 2011; Leal, e Quinta, 2001, Medeiros, 2018; Moreira, 2019; Pacheco, 2001; Villora, 2009);
Aprimorar os critérios para a deteção e seleção de talentos (Ayuso, 2017; Garganta, 2015; Gonzalez, 2019; Haro 2011; Murr, 2018; Pacheco, 2001; Pruna, 2018; Sarmento et al., 2018; Simões, 1998; Williams et al., 2020);
Aumentar e estender o número de centros de formação de excelência a todo o país (Ferreira, 1998; Jerry, 2015; Leitão, 1999; Manual de Certificação da FPF, 2019; Silveira Ramos, 2000);
Desfocalizar dos resultados imediatos (Castro, 2018; Leal, 2021; Leitão, 2015; Moreira, 2019; Pacheco, 2001);
Dar primazia à qualidade do processo centrada no primado do desenvolvimento do jogador (Barreira, 2015; Dooley, 2018; Guilherme, 2015; Haro, 2011; Leal, e Quinta, 2001; Pacheco, 2001; Simões, 1998);
Permitir um equilíbrio no investimento que os jovens fazem no futebol paralelamente com o que fazem nos estudos (por exemplo, proporcionando horários escolares compatíveis com os horários de treino), de forma a que o atleta possa, numa fase mais tardia e crucial da sua vida, dispor de alternativas (Castro, 2018; Manual de Certificação da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), 2019; Mitchell, 2015; Oliveira, 1997; Pacheco, 2001);
Atenuar a interferência de alguns Pais/Agentes de forma direta e, por vezes, perniciosa na formação dos clubes (Manual de Certificação da FPF, 2019);
Acabar com a descontinuidade das equipas B ao longo das épocas (Ferreira, 1988; Oliveira, 1997; Vale, 2001), e estender a obrigatoriedade da existência de equipas de Sub23 em todos os clubes profissionais;
Aumentar os orçamentos destinados à formação (Leal, 2021; Leal, e Quinta 2001; Pacheco, 2001);
Melhorar as condições materiais, espaciais e estruturais de treino e de competição, que são ainda exíguas e precárias em muitos clubes (Pacheco, 2001; Leal, e Quinta, 2001);
Equilibrar ainda mais os quadros competitivos (Oliveira, 1997; Pacheco, 2001);
Qualificar, obrigatoriamente, os treinadores, os quadros diretivos e os quadros de apoio (Costa, 2005; Pacheco, 2001; Paixão, 2019; Moreira, 2019);
Limitar mais o número de estrangeiros, em especial, na formação, no Campeonato Nacional de Seniores e na 2ª Liga (Oliveira, 1997; Leal, 2021; Leitão, 1999);
Melhorar as condições remuneratórias das equipas técnicas que trabalham no PF, bem como reconhecer mais o trabalho efetuado (Castro, 2018; Garganta, 1990; Leal, e Quinta, 2001; Medeiros, 2018; Pacheco, 2001);
Melhorar o enquadramento médico, pedagógico social e psicológico junto dos jovens atletas (Mills et al., 2014; Castro, 2018; Pacheco, 2001);
Por último, mas não menos importante, apostar seriamente nos jogadores que os clubes formam (Campos, 2020; Guilherme, 2015; Leal, e Quinta, 2001; Leitão, 2015). Esta medida, para além de ser assertiva ponto de vista político e organizacional, permite uma possibilidade maior de afirmação do jovem jogador e faz com que o investimento, por muito reduzido que seja, não seja desperdiçado.
Sem termos a veleidade de pensar que destacamos todas as melhorias ou contributos para os problemas com que a formação se depara, pensamos, todavia, que muitos dos aspetos supra referenciados podem certamente ajudar a responder às duas primeiras questões e a sua operacionalização pode ajudar a melhorar,em muito, o PF de excelência de jovens jogadores de futebol em Portugal.
No que respeita à terceira questão, acreditamos que o campeonato português, em termos de competitividade interna (qualitativa), no período temporal referido, pouco ou nada evoluiu e, em termos externos, a competitividade ou a distância competitiva para os clubes das melhores ligas europeias acentuou-se para pior. Como fundamento desta opinião, duas razões principais podem ser apontadas. Em primeiro lugar, os nossos melhores jogadores foram jogar para outros campeonatos apelidados de “mais ricos e competitivos” e, em segundo lugar, os reinvestimentos das vendas dos mesmos não têm sido aproveitados como um fator impulsionador de desenvolvimento do futebol português. Já Ferreira (1999) era de opinião que Portugal terá um futebol mediano e um campeonato abaixo dos campeonatos mais ricos. Na sua opinião, assiste-se a uma perda de poder de competitividade dos clubes portugueses em relação aos seus congéneres dos países mais desenvolvidos da Europa, tendo como causa óbvia a fragilidade económica dos nossos clubes em relação àqueles. Esta fragilidade económica/competitiva poderá culminar, a médio prazo, na ausência das nossas equipas nas grandes competições internacionais.
Perante tal cenário, uma das medidas fundamentais para contrariar esta tendência seria investir mais na formação de jovens talentos. Subscrevendo o que dizem Jerry (2015) e Oliveira (2001), o futuro do futebol português não pode prescindir do prioritário investimento político e estratégico na formação, pois através do talento dos seus jogadores, pode conseguir-se que as nossas equipas sejam mais fortes financeiramente e mais competitivas, fazendo uma gestão mais correta daquilo que investem e daquilo que depois rentabilizam desses investimentos. Ou seja, parece consensual a premência do investimento na formação e nos jovens talentos de forma a melhorar a sanidade económica dos clubes e, ao mesmo tempo, garantir uma maior competitividade desportiva, quer ao nível das competições internas, quer ao nível das competições externas com os restantes clubes/países da Europa.
Portanto, a formação de excelência deverá ser necessariamente uma opção estratégica e não uma fuga decorrente da insolvência de meios e de receitas. Assente numa estratégia de médio longo prazo, haja vontade e, especialmente, haja conhecimento/competência para gerar condições de excelência, o que, consequentemente, gerará mais talentos de excelência, e determinará transferências em maior número e de valor mais avultado. (Jerry, 2015)
Conclusões
Vive-se na altura do efêmero em que, muitas vezes, o imediatismo toma o lugar do trabalho sério, programado e profundo, discute-se resultados, mas está-se pouco disponível para analisar e organizar as condições que os preparam. Quando se trata da formação de jovens jogadores, esta problemática ainda se torna mais acutilante. Através deste trabalho, para além de dar corpo a uma reflexão sobre o estado atual da formação em Portugal, pretendeu-se realçar contributos que ajudem os clubes a melhorar o seu processo de formação e, consequentemente, a rentabilizar o seu investimento, bem como, a montante, a melhorar a competitividade dos clubes, quer a nível interno quer externo nas suas diversas competições e níveis competitivos.
Os contributos aqui apresentados, alguns por ventura arrojados/inovadores, parecem-nos exequíveis e operacionalizáveis, e parecem-nos fundamentais para otimizar as tais condições de preparação para excelência de jovens futebolistas e para a sua consequente rentabilização pelos clubes portugueses, nomeadamente, maior aposta nos jogadores formados no clube, maior percentagem de investimento do valor total da transferência das vendas de jovens jogadores na formação dos clubes vendedores; acabar com a divisão estanque entre o futebol profissional versus futebol de formação; possibilitar a estabilização da estrutura humana do clube (técnica, diretiva, etc.); definir melhor os objetivos e as prioridades a alcançar em cada escalão etário e os objetivos terminais a atingir no final do processo de formação; aprimorar os critérios para a deteção e seleção de talentos;aumentar e estender o número de centros de formação de excelência a todo o país; menor foco nos resultados imediatos; dar primazia à qualidade do processo centrada no desenvolvimento do jogador; equilibrar o investimento que os jovens fazem no futebol paralelamente com o que fazem nos estudos; atenuar a interferência perniciosa de alguns Pais/Agentes na formação dos clubes; estender a obrigatoriedade da existência de equipas de Sub23 e B em todos os clubes profissionais; aumentar os orçamentos destinados à formação; melhorar as condições materiais, espaciais e estruturais de treino e de competição; equilibrar os quadros competitivos; limitar mais o número de estrangeiros, em especial, na formação, no Campeonato Nacional de Seniores, Liga 3 e na 2ª Liga; e melhorar as condições remuneratórias das equipas técnicas.
Nota
O Regulamento do Estatuto, Inscrição e Transferência de Jogadores (REITJ), publicado através do C.O. nº 432 de 18.06.2008, da Federação Portuguesa de Futebol (FPF) estabelece que “Sempre que um jogador profissional seja transferido antes do termo do seu contrato, os clubes ou SAD’s que contribuíram para a sua educação e formação, têm direito a receber uma percentagem correspondente a 5% do valor da transferência”. Por outro lado, e uma vez que a apreensão dos instrumentos nos quais se mostram vertidas as disposições legais é essencial para atingir o aludido mecanismo, determina o Regulamento do Estatuto e Transferência de Jogadores da FIFA (RRTJ) que, “O novo Clube deve pagar a contribuição de solidariedade ao clube formador(s), o mais tardar 30 dias após o jogador matrícula ou, no caso de pagamentos contingentes, 30 após a data de tal pagamentos”. Acresce que, é da responsabilidade do novo clube para calcular o montante da contribuição de solidariedade e de distribuí-lo em conformidade com a carreira do jogador. Em última instância, a contribuição deve ser paga à Associação(s) do país (ou países) que será reservada para os programas de desenvolvimento do futebol juvenil da respetiva Federação/Associação.
Referências
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Barreira, D. (2015). Perseguir uma forma de jogar exclusivamente referenciada à equipa sénior; um equívoco. In Mestrado em futebol. Revista Treino científico (pp. 177-182). Editor José Ferraz.
Mills, A., Butt, J., Maynard, I., e Harwood, C. (2014). Examing the development environments of elite English football academies: the player’s perspective. International journal of sports science & coaching, 9(6), 1457-1472. http://dx.doi.org/10.1260/1747-9541.9.6.1457
Campos, L. (2020). Os princípios de scouting de Luís Campos para encontrar jovens craques. Entrevista mais futebol. https://maisfutebol.iol.pt/entrevista/fc-porto/os-jogadores-do-futebol-portugues-que-estao-na-base-de-dados-de-luis-campos
Castelo, J. (2009). Futebol. Organização dinâmica do jogo. Centro de Estudos de Futebol da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.
Castro, L. (2018). Luís Castro e o futebol de formação em Portugal. Portal FDF Futebol de Formação. https://www.futeboldeformacao.pt/2018/04/05/luis-castro-e-o-futebol-de-formacao-em-portugal/
Costa, J. (2005). A formação do treinador de futebol: Análise de Competências, Modelos e Necessidades de Formação [Tese de Mestrado. Faculdade de Motricidade Humana, Universidade Técnica de Lisboa]. https://www.researchgate.net/publication/277161365
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Ferreira, A. (2000). Da iniciação ao alto nível: um percurso para repensar. Treino Desportivo, 9, 28-33.
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Lecturas: Educación Física y Deportes, Vol. 26, Núm. 284, Ene. (2022)